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A RETROCESSÃO NAS DESAPROPRIAÇÕES

1. Conceito e histórico no direito brasileiro.

A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, XXII, garante o direito de propriedade, diz, no
inciso XXIII, que ela atenderá sua função social e, ao final, determina, no mesmo artigo 5º,
inciso XXIV, que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro,
ressalvados os casos previstos na Constituição.

Ocorre necessidade pública na indispensabilidade de determinado bem para o atingimento de


uma atividade essencial do Estado.

Há utilidade pública quando o bem, ainda que não imprescindível ou insubstituível, é


conveniente para o desempenho da atividade pública.

Por sua vez, ocorre o interesse social toda vez que um determinado bem for prestante para a
paz social, como se lê desde a Constituição de 1964.

A desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, através de prévia e justa


indenização, inserida a devida correção monetária, mediante ainda o pagamento de juros
compensatórios, a partir da imissão de posse e moratórios, por atraso de pagamento, nos
índices existentes em lei.

Bem disse Celso Ribeiro Bastos[1] que a expressão justa significa que a indenização há de
corresponder ao mais completo ressarcimento possível do dano sofrido.

Em sede de ação de desapropriação, a discussão se dá com relação a preço e vícios


processuais.

Mas de nada adianta a Constituição condicionar a expropriação à ocorrência de modalidades


que ela elenca, se depois não dá curso a ela, em prol dos interesses da sociedade.
Ainda Celso Ribeiro Bastos[2] traz o entendimento de que o direito do expropriado em reaver
o bem objeto de tredestinação resolve-se em meras perdas e danos, ilidindo-se o direito real
de o expropriado indevidamente pleitear a restituição do bem em si mesmo.

Diz ainda o ilustre constitucionalista, após criticar o dispositivo que exclui a possibilidade de
devolução do bem expropriado, não seria menos certo que em algumas circunstâncias o
caráter definitivo da incorporação ao bem público é inquestionável.

Não se poderia negar que, se um terreno, ainda que indevidamente expropriado, vem a
receber sobre ele uma obra pública, a sua incorporação é, sem dúvida, irreversível.

Em conclusão, Celso Ribeiro Bastos[3] considera que o caráter real do direito de retrocessão
deve prevalecer nas hipóteses em que o bem expropriado não comportou ainda nenhum tipo
de investimento público inamovível sem grandes prejuízos.

Por outro lado, há entendimento no sentido de que não se configura configurado o desvio de
finalidade se a administração desapropriar para a construção de uma creche e depois, por uma
questão de conveniência (mérito do ato administrativo), construir posto de saúde.

Vem então a discussão no sentido de que uma vez decretada a desapropriação, ultimado o
respectivo processo e incorporado o bem à Fazenda Pública, acaso não deve o poder público
dar a esse bem o destino o qual foi desapropriado.

Os agentes públicos envolvidos na desapropriação, dentro da função pública que exercem,


tem o dever de dar ao bem expropriado o destino que lhe foi traçado pelo decreto da
autoridade competente.

Fica a questão posta: uma vez não estando o bem utilizado dentro do destino que a
Administração deveria dar, haveria possibilidade do particular expropriado de, verificando que
esse dever não foi cumprido, obter a restituição da coisa, mediante a devolução da quantia
recebida a título de indenização, ou pelo menos a composição, através de pagamento de
perdas e danos, do prejuízo que possa alegar e comprovar.

Para Múcio de Campos Maia[4] o instituto teria origem no direito francês e chegou ao direito
italiano.

Ebert Chamoun[5] afirmou que ao direito do ex-proprietário de obter a coisa alvejada pela
desapropriação, de obter a coisa alvejada pela desapropriação, do poder desapropriante, que
não emprega em fim público, reintegrando-a assim em seu patrimônio, se dá o nome de
direito de retrocessão.

Por sua vez, José Carlos de Moraes Salles, vê a retrocessão como ato pelo qual o bem
expropriado é reincorporado, mediante devolução da indenização paga na expropriação, ao
patrimônio do ex-proprietário, em virtude de não haver sido utilizado na finalidade para a qual
fora desapropriado[6].

A retrocessão abrange bens imóveis e ainda os móveis, como disse Carlos Maximiliano[7]

Historicamente, se tem que as raízes do instituto podem ser encontradas no Ato Adicional, lei
de 1834, que atribuiu, no artigo 10, § 3º, às assembléias provinciais a competência de estatuir
sobre os casos e forma de desapropriação por utilidade provincial e municipal, que era prevista
na Constituição do Império, de 25 de março de 1824, artigo 179, § 22.

A Lei Provincial nº 57, de 18 de março de 1836, veio disciplinar o instituto da desapropriação e


cogitou no instituto da retrocessão, no artigo 5º, ao dispor que o processo de desapropriação
deveria ser expedido administrativamente, sem formalidades judiciárias, somente havendo
recurso ordinário sobre o quantitativo da indenização que fosse arbitrada, concluindo pela
possibilidade de recurso à Assembléia legislativa provincial para a restituição da propriedade.

Conhecido foi o leading case envolvendo o Convento de Nossa Senhora da Luz e a Fazenda
Provincial de São Paulo, quando o Presidente da Província declarou de utilidade pública, por
ato de 9 de dezembro de 1873, um terreno de propriedade do Convento, destinando-o a
construção de uma cadeia e o imóvel foi incorporado à Fazenda Provincial.

A cadeia não foi construída e foi dado ao imóvel uma outra destinação (casa para o diretor da
penitenciária fronteira), e uma lei de 7 de abril de 1879 autorizou a venda do terreno em hasta
pública, por valor superior ao preço da indenização.

Ao final, a sentença deu ganho de causa ao Convento[8]

Sob a República, sob o pálio da Constituição de 1891, tem-se acórdão do Supremo Tribunal
Federal, de 30 de março de 1895, onde se diz:

¨que abrindo a mesma Constituição à plenitude do direito de propriedade no art. 72, § 17, a
exceção singular de desapropriação por utilidade pública presumida, desde a certeza de não
existir tal necessidade, o ato de desapropriação se equipara a violência e deve se rescindir
mediante ação do espoliado.¨[9]

Na mesma linha, teve-se o julgamento do acórdão da Corte de Apelação do Rio de Janeiro, de


4 de agosto de 1905, que assim resume-se:

¨E para mais garantir o direito de propriedade privada (o legislador brasileiro), estatuiu, em


1903, que se por qualquer motivo não fossem levadas a efeito as obras, para as quais tivesse
sido decretada a desapropriação, fosse permitido ao proprietário reaver o seu imóvel,
restituindo a importância recebida e indenizando as benfeitorias que porventura tivessem sido
feitas e aumentando o valor locativo do imóvel (lei nº 1.021, de 1903, artigo 2º, § 4º). Também
daí se depreende claramente que é condição absoluta do direito de desapropriação –
aplicação a uso público dos bens desapropriados.¨[10]

Em prol do argumento de que o remédio jurídico é a ação de reivindicação, de cunho


tipicamente executivo, onde se objetiva a recuperação do bem, trago, da leitura da doutrina, a
redação dada por Carlos de Carvalho, ao artigo 855, da Nova Consolidação das Leis Civis
vigentes, em 11 de agosto de 1899:

¨Se, verificada a desapropriação, cessar a causa que a determinou ou a propriedade não for
aplicada ao fim para o qual foi desapropriada, considera-se resolvida a desapropriação, e o
proprietário desapropriado poderá reivindicá-la.¨

Nessa linha de raciocínio, o § 4º, do artigo 2º da Lei nº 1.021, de 26 de agosto de 1903,


consagra-se o direito de retrocessão como um direito real:

¨Se por qualquer motivo não forem levadas a efeito as obras para as quais foi decretada a
desapropriação, é permitido ao proprietário reaver o seu imóvel, restituindo a importância
recebida, indenizando as benfeitorias que porventura tenham sido feitas, e aumentando o
valor do prédio.¨

O regulamento de execução editado, o decreto nº 4.956, de 9 de setembro de 1903, em seu


artigo 14, permitiu ao proprietário reaver a coisa desapropriada, restituindo a importância
recebida e indenizando as benfeitorias que porventura tenham sido feitas e aumentando o seu
valor locativo.

Dir-se-ia que desaparecida a razão de ordem pública que determinou a desapropriação, seria
caso de retorno do bem ao patrimônio do particular.
Por sua vez, o artigo 1.150, do Estatuto Civil de 1916, revogado, determinava que a União, o
Estado, ou o Município oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço
porque o foi, caso não tenha o destino para que se desapropriou. A norma conviveu com a
Constituição de 1891(Artigo 72, § 17) e com a Constituição de 1934(artigo 113, § 17).

O Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, não se referiu, de forma expressa, à


retrocessão.

Tais dispositivos foram recepcionados pelas Constituições de 1946 (artigo 141, § 16), pela
Constituição de 1967(artigo 150, § 22) e pela Emenda Constitucional nº 1/69 (artigo 153, § 22).

Por fim, já sob a égide da Constituição de 1988 (artigo 5º, XXIV), o Código Civil de 2002, em seu
artigo 519, assim determinou:

¨Se a coisa expropriada, para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social,
não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada, em obras ou serviços
públicos, caberá ao interessado o direito de preferência, pelo preço atual da coisa.¨

II – O direito de preferência.

Necessário saber o que vem a ser direito de preferência.

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira[11] a preempção ou preferência é o pacto, adjeto à


compra e venda, em virtude do qual o comprador de uma coisa, móvel ou imóvel, fica com a
obrigação de oferecê-la a quem lhe vendeu, para que este use do seu direito de prelação em
igualdade de condições, no caso de pretender vendê-la ou dá-la em pagamento.

O vendedor não tem o direito de exigir a recompra da coisa, guardando a faculdade de reavê-
la, se o adquirente a quiser revender.

Caio Mário da Silva Pereira[12] vê aproximações entre os institutos da preferência e da


retrocessão, mas considera que para que esta se positive, não há mister um pacto de
preferência. Ao revés, há prelação legal, que tem vida paralela à outra, que é a prelação ou
preferência convencional.
Para o ilustre civilista, não tem o proprietário-desapropriado a faculdade de anular o ato
praticado pelo poder desapropriante. Cabe-lhe não mais que a indenização por perdas e
danos, não cabendo invocar a instituição do direito real de prelação, que alude à preferência
convencional.

Necessário estudar a natureza jurídica do instituto da retrocessão.

III – A natureza jurídica do instituto. Posições doutrinárias e jurisprudenciais.

A natureza jurídica da retrocessão, para outros utiliza-se reversão, tem recebido interpretação
de 3 (três) correntes: aquele que entende ser a retrocessão um direito real em face do direito
constitucional de propriedade (artigo 5º, XXII da Constituição Federal) que somente poderá ser
contestado para fins de desapropriação por utilidade pública (artigo 5º, XXIV); uma outra
considera que o instituto deve ser visto como um direito pessoal de devolver o bem ao
expropriado, em face do disposto no artigo 35 da Lei nº 3.365/41, que diz que ¨os bens
incorporados ao patrimônio público não são objeto de reivindicação, devendo qualquer
suposto direito do expropriado ser resolvido por perdas e danos¨; e outra corrente exposta
pelo Ministro José Augusto Delgado, onde se vê uma teoria mista de retrocessão (real e
pessoal) em que o expropriado poderá requerer a preempção ou, caso isso seja inviável, a
resolução em perdas e danos (Recurso Especial 819.191/SP, DJ de 22 de maio de 2006).

Dentro de um caráter de obrigação pessoal – a retrocessão seria a obrigação que se impõe ao


expropriante de oferecer o bem ao expropriado, mediante a devolução do valor da
indenização, quando não lhe der o destino declarado no ato expropriatório, mas, não
cumprindo o expropriante essa obrigação, o direito do expropriado resolve-se em perdas e
danos. Tal seria o desvirtuamento dos fins da desapropriação, seja por desvio de finalidade,
seja por abandono.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello[13], a retrocessão é um direito real concedido ao ex-
proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública.

O entendimento do Ministro Miguel Seabra Fagundes[14] é lapidar. Colho em sua extensão:

¨admitir que o direito do expropriado, diante da pessoa jurídica expropriante se reduza a


perdas e danos (salvo o caso de que tenha perecido a coisa a ela tomada por pessoa de Direito
Público e transferida sem razão de interesse coletivo a terceiro) é frustrar a garantia
constitucional. Com base nesse entendimento, a Administração poderá desapropriar qualquer
bem, sob a alegação de atender ao interesse público, e, em seguida, transferi-lo, sem perigo de
retomada do mesmo pelo ex-proprietário, a terceiro cujos interesses pessoais queira
satisfazer.¨
Tal entendimento tem como fonte, dentre outras lições, o ponto de vista manifestado por
Hauriou[15], no sentido de que ¨o indivíduo que tiver sido privado do domínio da coisa sua, no
pressuposto de que tal ocorreu para atender ao interesse público, terá que assistir ao desfrute
do bem para outrem, talvez até um concorrente seu em negócios, conformando-se em ver
apenas o preço que recebeu acrescer-se em perdas e danos. É a porta aberta ao abuso e à
fraude. É a frustração, mascarada de legitimidade, da garantia constitucional, em cujos termos
só a necessidade pública, ou o interesse social, autoriza o Estado a privar alguém de coisa de
sua propriedade.¨

A natureza real da desapropriação foi justificada pelo Ministro Moreira Alves, no julgamento
do AR 1.098/MG, RTJ 194/468.

Por sua vez, José Carlos de Moraes Sales[16] é peremptório ao dizer que a retrocessão é um
direito real.

Eurico Sodré[17] também se manifesta com manifesta objetividade ao dizer que ¨na
retrocessão, apurado devidamente o direito do retrocessionário, a execução se fará, como nas
reivindicatórias, pela recuperação da posse e do domínio por via de sentença que a mande
transcrever no Registro de Imóveis.¨ Foi ainda claro ao dizer que a retrocessão e a preempção
ou preferência se aproximam no caráter comum, mas se distanciam em aspectos outros,
peculiares a cada um, pois a retrocessão nasce como direito do ato unilateral do expropriante,
de não dar à coisa desapropriada um destino de utilidade pública.

Penso que nessa linha de pensar o Tribunal de Justiça de São Paulo[18] consignou que pela
retrocessão, o expropriante, por força de ato unilateral (o de não dar à coisa o destino da
utilidade pública), devolve o imóvel a seu antigo dono, mediante simples recebimento do
preço da indenização, de sorte que a devolução da coisa desapropriada ao seu antigo dono
não constitui nova transmissão, razão pela qual que nela não deve incidir imposto.

Por outro lado, há privilegiada corrente no sentido contrário.

Vejam-se, inicialmente, as posições de Clóvis Beviláqua e ainda de F. Whitaker[19], que disse


que, se, desrespeitando a lei, o desapropriante tiver alienado o imóvel, o seu ato é
considerado válido, pois há direito pessoal, de perempção, mas tendo o expropriante
cometido um abuso terá que responder por perdas e danos.

Clóvis Beviláqua[20] afirmou:


¨O co-proprietário, por isso que perdeu o seu domínio, não tem o direito de reivindicação,
que, erroneamente, se lhe reconhecia, anteriormente, mas, sim o direito de preempção. O
sistema do código é mais conforme ao rigor dos princípios.¨

Nessa linha tem-se Ebert Viana Chamoun[21] quando ao discutir a matéria, à luz do Código
Civil de 1916, dizia que naquele direito, não assiste ao expropriado a faculdade de promover a
reivindicação. O direito seria pessoal, que não se manifesta perante terceiros.

Disse ele: o direito do expropriado não é evidentemente um direito real, porque o direito real
não se contrapõe, jamais, a um dever de oferecer[22]

Um dos maiores publicistas brasileiros, Hely Lopes Meirelles[23] disse:

¨a retrocessão é pois uma obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado e não um


instituto invalidatório da desapropriação, nem um direito real inerente ao bem. Daí o
consequente entendimento de que a retrocessão só é devida ao antigo proprietário, mas não
seus herdeiros sucessores e cessionários.¨

Na mesma linha de pensar, temos Múcio de Campos Maia[24] para quem se o expropriado
não perde a propriedade nem o expropriado a adquire, com o simples fato da inadequada
destinação, não teria o expropriado direito a reivindicação.

No passado, o Supremo Tribunal Federal acolheu a tese do direito pessoal, em decisão da lavra
do Ministro Nélson Hungria[25] e da mesma forma no julgamento dos Recursos
Extraordinários nº 21.030, da lavra do Ministro Lafayette, e nº 24.190.

Por fim, fala-se na natureza mista da retrocessão (real e pessoal), observando-se a palavra de
Maria Sylvia Zanella Di Pietro[26] quando destaco:

¨Esta corrente é a que melhor se coaduna com a proteção ao direito de propriedade; em


princípio há a retrocessão a um direito real já que o artigo 1.150 do C.Civil manda que o
expropriante ofereça o imóvel de volta; pode ocorrer, no entanto, que a devolução do imóvel
tenha se tornado problemática, em decorrência de sua transferência a terceiro, de alterações
nela introduzidas de sua deterioração ou perda, da realização de benfeitorias: nesse caso pode
o ex-proprietário pleitear indenização, que corresponderá ao mesmo preço da desapropriação,
devidamente corrigido, com alterações para mais ou para menos, conforme as melhorias ou
deteriorações incidentes sobre o imóvel.¨
Fico com a posição do Ministro Carlos Mário Velloso[27] para quem o direito de retrocessão
tem natureza real. Sendo assim a não restituição ao proprietário após o ato de desvio de poder
da Administração se caracterizaria um mau trato à Constituição Federal. Disse o Ministro
Carlos Velloso em importante síntese:

¨Desacertado, de outro lado, o argumento no sentido de que o art. 35 do Decreto-lei nº


3.365/41 teria revogado o art. 1.150 do Código Civil, ou que, tendo em linha de conta os seus
termos, o direito de retrocessão seria meramente pessoal, por isso que ¨os bens expropriados,
uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que
fundada em nulidade do processo de desapropriação¨ e que ¨qualquer ação, julgada
procedente, resolver-se-ia em perdas e danos.¨

O artigo 35 do Decreto-lei nº 3.365/41 deve ser interpretado em consonância com a garantia


constitucional embasada nos artigos 153, § 22 e 5º, XXII, da Constituição Federal. O que se
impede é a retomada de bens que já foram empregados em obras públicas.

O extinto Tribunal Federal de Recursos assim já decidiu, no AC 55.100 – RS, analisando o


Decreto-lei nº 554/69, artigo 14, parágrafo único, que repete o teor do artigo 35 do Decreto-lei
nº 3.365/41, como se estivesse no campo da desapropriação indireta.

Observo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na materia[28], quando se disse:

¨Embora o imóvel desapropriado tenha sido para determinada obra pública, não está o Estado
obrigado a restituí-lo ao ex-proprietário, se o aplicou em outro serviço, que se tiver em
consideração.¨

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EDcl no Recurso Especial 412634/RJ, Relator


Ministro José Delgado, DJ de 9 de junho de 2003, entendeu questão como configuradora de
reparação por perdas e danos, dentro do prazo de vinte anos (artigo 177 do Código Civil).

No mesmo entendimento da solução por perdas e danos diante da retrocessão, tem-se:


Recurso Extraordinário nº 99571/ES, Relator Ministro Rafael Mayer, DJ de 9 de março de 1984,
recentemente reiterado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso
Especial nº 530403/DF, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 13 de março de 2009.

Ainda o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg nos ERESP 73907/ES, Relator
Ministro Castro Meira, DJ de 7 de junho de 2004, reafirmou a jurisprudência pacificada
naquela Corte no sentido de que independentemente de configuração do desvio de finalidade
no uso do imóvel desapropriado, havendo sua afetação ao interesse público, não cabe pleitear
a retrocessão, mas a indenização, se for o caso, por perdas e danos, se configurado o
desvirtuamento do decreto expropriatório.

De outro modo, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº


800.108/SP, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 20 de março de 2006, pág. 212,
quando se concluiu:

¨ADMINISTRATIVO. RETROCESSÃO. DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL PARA CONSTRUÇÃO DE


PARQUE ECOLÓGICO. DESTINAÇÃO DIVERSA. FINALIDADE PÚBLICA ATINGIDA.

1. Não se caracteriza a ilegalidade do ato expropriatório perpetrado pela Administração se o


bem desapropriado vem a cumprir a finalidade pública a que se destina, embora com a
instalação de outras atividades que não as pretendidas originalmente. Precedente da 1ª Turma
do STJ: REsp 710.065/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 06.06.2005.

2. Recurso especial a que se nega provimento.¨

Esse o caminho a trilhar.

Quanto a matéria e as diversas fontes doutrinárias, levo em conta as conclusões trazidas por
Sérgio Ferraz[29]

IV – As espécies de não destinação do bem desapropriado.

Louvo-me no magistério de Pontes de Miranda[30] que disse que tredestinação significa o


desvio da finalidade para a qual a desapropriação foi feita. Será o caso de desapropriação para
a construção de uma escola e a Administração doa esse imóvel a um particular, desviando-se
da finalidade pública devida (RJTJSP 126/334).

Por sua vez, a desdestinação é o ato jurídico administrativo ou constante de lei elo qual se
desveste de sua destinação pública o bem, para fazê-lo voltar a categoria de propriedade
privada.

A adestinação é o não emprego do bem na finalidade para a qual fora desapropriado. Aqui não
há um outro uso do bem, há a não utilização do bem no fim a que se destinava por força da
expropriação.
Na tredestinação com desvio da finalidade pública, dir-se-á que o administrador que assim
age, tem conduta típica de improbidade, à luz da Lei nº 8.429/92, sendo caso de
responsabilização. Por sua vez, dir-se-á que dando-se destinação privada, a bem expropriada,
há o direito de retrocessão, como consequência da garantia constitucional do direito de
propriedade.

Se houver tredestinação sem desvio da finalidade pública não se dá causa à retrocessão. Aqui
será necessário estudar o prazo para utilização da coisa desapropriada.

Fico com a posição de Ebert Chamoun[31].

No caso da não utilização da coisa desapropriada, o momento em que poder público deve
oferecer a coisa ao ex-proprietário é, a rigor, aquele em que o expropriante decide não aplicá-
la a fim de utilidade pública. É certo que a produção dessa prova, que é ônus do
desapropriado, não será fácil. Prossegue o ilustre civilista e romanista Ebert Chamoun[32]:

¨Assim, por exemplo, se foi marcado prazo para início das obras e o prazo esgotou-se, sem que
elas fossem encetadas; se a desapropriação foi expressamente motivada pela construção de
um edifício público, o cancelamento do contrato de construção e a aquisição de um outro
imóvel para tal fim; a realização de negócios entre o expropriante e terceiros tendentes à
alienação do bem expropriado; preparo do projeto de lei que autorize a venda do imóvel a
expropriado; informação do Poder Executivo ao Poder Legislativo de que não mais pretende a
administração dar execução às obras planejadas.¨

Se a Administração não explicita seus atos, certamente, a prova ficará mais difícil para o
expropriado.

Diverge Ebert Chamoun da solução dada por Seabra Fagundes no sentido da aplicação do
prazo de cinco anos para utilização pela Administração da coisa expropriada, artigo 10 do
Decreto-lei nº 3.365/41[33].

Parece-nos que a solução foi dada por Moacir Antônio Machado da Silva[34], ilustre membro
do Ministério Público, quando sustentou que o problema da caracterização da retrocessão
está ligado ao exame de cada caso concreto. Tal linha foi utilizada à luz das lições de Whitaker,
para quem o caso concreto definirá a solução do problema.

O Supremo Tribunal Federal no julgamento de questão similar entendeu desta forma.[35]


Tal raciocínio aplica-se inclusive a áreas desapropriadas por direito de extensão. Tal foi a
conclusão do extinto Tribunal Federal de Recursos, no julgamento do AC 66.724 – MG, Relator
Ministro Carlos Mário Velloso. Sabe-se, aliás, que nas desapropriações parciais, pode o
proprietário exigir que seja incluída a fração restante e que se tornou inútil ou de difícil
aproveitamento. Se a parte restante é desapropriada e utilizada para interesse particular, cabe
retrocessão.

Da mesma forma tem-se, na desapropriação por zona, a possibilidade de retrocessão se a área


complementar não é usada para destinação pública ou sequer é colocada para venda após a
reurbanização da área, se a Administração não preferiu a solução pela contribuição de
melhoria.

V- Possibilidade de retrocessão em caso de desapropriação amigável e a cláusula de renúncia


de recompra

O Ministro Carlos Mário Velloso[36], na matéria, cita a lição de Zanobini[37], no sentido de que
o acordo sobre o preço não tem o condão de fazer com que a desapropriação se transmude
em transferência voluntária.

Sendo a desapropriação pressuposto da retrocessão, sendo a desapropriação consensual,


aquela que em que a indenização é fixada por acordo entre as partes (artigo 10 do Decreto-lei
nº 3.365/41), poderá ainda ensejar a retrocessão.

A simples inserção de cláusula de renúncia ao direito de recompra constante da escritura


pública de desapropriação amigável não pode se sobrepor aos ditames do Código Civil.

Se há desvio de finalidade, que se caracteriza pela destinação diversa do bem expropriado pelo
poder expropriante, beneficiando interesse privado, é caso de retrocessão.

A consequência do desvio de finalidade é a anulação da desapropriação, segundo se lê do


artigo 20 do Decreto-lei nº 3.365/41.

VI – O prazo prescricional

Sendo a retrocessão de natureza real o prazo para ajuizamento da ação é o da reivindicatória,


observado o prazo para o usucapião extraordinário, previsto no Código Civil.
A ação de reivindicação tem por objetivo a obtenção da posse contra o possuidor que a
sentença haverá de reconhecer, para que a ação tenha êxito contra quem detém injustamente
a posse da coisa reivindicada.

Tem tal ação a natureza real, ação por meio da qual o proprietário busca a posse de coisa
corpórea integrante de seu patrimônio. Daí uma ação preponderantemente executiva.

Não se aplicaria a prescrição qüinqüenal do Decreto 20.910/32 e ainda a mitigação do prazo


trazido para o novo Código Civil, considerado o prazo pela metade, a partir da sua interrupção,
sem que se fale em aplicação da lei especial revogando a geral, porque o próprio diploma
editado sob o governo provisório após a revolução de 1930, assim permitiria.

Não há falar na aplicação de prazo de caducidade, decadencial, previsto na norma civil, que
não se suspende ou se interrompe, num exercício de direito potestativo, para o instituto da
preempção ou preferência. Diz, aliás, o artigo 513, parágrafo único, do Código Civil que o
direito de preferência será exercido em 180 dias se a coisa for móvel e 2 anos se a coisa for
imóvel. Tal prazo é aquele oferecido pelo comprador para preferência como cláusula da
compra e venda.

Mas, a prescrição somente começa a correr a partir do momento em que a Administração, por
atos inequívocos, deixa claro ao expropriado que não mais pretende utilizar o bem na
finalidade para o qual foi o mesmo expropriado.[38]

VII – Retrocessão e sucessão.

Diz o artigo 520 do Código Civil que o direito de preferência não se pode ceder nem passa a
herdeiros.

Para Hely Lopes Meirelles[39] esse o entendimento a seguir.

Também assim pensa Ebert Chamoun.[40]

Diverge Pontes de Miranda[41] assim dizendo que o direito a reaquisição é herdável. Disse ele,
retificando posição manifestada nos Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda
Constitucional nº 1:
¨No art. 1150, o Código Civil falou de direito legal de preferência, que tem o titular do direito
de propriedade se há desapropriação. No art. 1.157 diz-se que o direito de preferência não se
pode ceder, nem passa aos herdeiros. Pergunta-se: o art. 1.157 é invocável se o direito de
preferência, em vez de ter origem negocial, se funda no art. 1.150? A resposta há de ser
negativa. O art. 1157 somente concerne aos negócios jurídicos de compra e venda em que se
inseriu ou se adjectou o pacto de preempção. Se houve desapropriação do bem de A e a
União, o Estado-Membro, ou o Município não vai dar ao bem o destino para que foi
desapropriado, os herdeiros de A têm o direito de preferência. O art. 1157 não apanha as
espécies do art. 1.150. Passa-se o mesmo nos outros casos de direito de preferência ex lega,
como do art. 1.139 do Código Civil.¨

Eis, aí, a solução.

O Supremo Tribunal Federal tem decisões admitindo a retrocessão para herdeiros. É o caso da
AR 709 – SP, Relator Ministro Thompson Flores[42]. Nesse sentido, tem-se o RE 64.559 – SP,
Relator Ministro Eloy da Rocha.

IX – O problema da retrocessão conjugado ao da infração ambiental pela Administração do


imóvel expropriado. Tutelas a manejar.

Trago interessante exemplo do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, do Recurso


Especial nº 853.713 – SP, relator Ministro Herman Benjamin, onde se diz que o Tribunal de
Justiça de São Paulo realçou não ter havido tredestinação ilícita, pois embora não tenha sido
implantado Parque Ecológico previsto para a área desapropriada, o imóvel permanece no
domínio do Município e a ele foi dada outra destinação ainda pública.

Naquele caso a finalidade imediata da desapropriação era a retirada de famílias da área


imprópria para habitação, por conta do ¨altíssimo índice de emissão de poluentes na região¨, o
que se evidenciava pelos graves problemas de saúde da população local, que além de doenças
graves, acabava gerando filhos portadores de má formações e alterações genéticas.

Consignou-se que não houve desvio de finalidade, pois o bem foi mantido no domínio
municipal e a ele foi dada destinação pública que atendeu à intenção primordial do Poder
Público, que era a retirada das famílias da área de risco.

Diga-se que a Unidade de Conservação municipal atenderia de modo adequado à necessidade


de proteção da Mata Atlântica e da vida dos habitantes naquela área, onde há impacto
destruidor de atividade industrial, planejada e implementada de forma inadequada.
Não obstante negando o direito de reaver o bem ou receber perdas e danos, o respeitável
acórdão salientou que, em outro plano, a suposta implantação de novas atividades poluidoras
na área expropriada configura, em tese, inaceitável incentivo municipal à degradação
ambiental, que foi o fato que deu ensejo àquela desapropriação aqui citada.

O caso seria o ajuizamento, pelo legitimado, à luz da Lei nº 7.347/85, de ação civil pública, na
defesa dos interesses difusos do meio ambiente.

Faço aqui os seguintes apontamentos:

a) Ação poderia ser ajuizada para suspender a prática do ilícito (inibitória, de cunho
mandamental, para determinar um não fazer por parte do poluidor);

b) Ação de cunho restitutório, para demolir instalações poluidores, de cunho executivo;

c) Ação ressarcitória, visando a apurar e determinar o pagamento de danos aos atingidos.

X – O preço devido na retrocessão.

O preço devido na desapropriação é, sem duvida, o que foi pago pela Administração, a título
de indenização, acrescido de correção monetária, segundo os índices oficiais estabelecidos.

A importância corrigida será devolvida pelo expropriante, voltando o bem ao patrimônio de


quem sofrera a desapropriação.

[1] Comentários à Constituição do Brasil, 2º volume, São Paulo, Ed. Saraiva, 1989, pág. 131.

[2] Obra citada, pág. 134.

[3] Obra citada, pág. 135.

[4] Campos Maia, Lúcio. Ensaio sobre a retrocessão, RT 258/49.


[5] Chamoun, Ebert. Da retrocessão nas desapropriações (Direito Brasileiro), Rio de Janeiro –
São Paulo, Forense, pág. 10.

[6] De Moraes Sales, José Carlos. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 1980,
São Paulo, RT, pág. 700.

[7] Maximiliano, Carlos. Comentários á Constituição brasileira, 1948, vol. I, pág. 115.

[8] O Direito, vol. 38, 1885, pág. 550.

[9] O Direito, vol. 67, 1895, pág. 47.

[10] O Direito, vol. 98, 1905, pág. 581.

[11] Da Silva Pereira, Carlos Mário. Instituições de Direito Civil, volume III, 3ª edição, 1975, Rio
de Janeiro, Forense, pág. 187.

[12] Obra citada, pág. 196.

[13] Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 15ª edição,
Malheiros, São Paulo, 2003, pág. 760.

[14] Seabra Fagundes, Miguel. Da Contribuição do Código Civil para o direito administrativo.
RDA 78/15-16.

[15] Hauriou, Maurice. Droit administratif, 10ª edição, pág. 456.

[16] De Moraes Sales, José Carlos. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 2ª


edição ampliada, São Paulo, RT, pág. 686.

[17] Sodré, Eurico. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública, 2ª edição, 1945,
pág. 284 e 285.

[18] Revista dos Tribunais, vol. 239, 1955, pág. 243, na apelação civil nº 71.72.
[19] Whitaker, Desapropriação, São Paulo, 1925, pág. 114.

[20] Beviláqua, Clóvis, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, vol. IV, 1917, pág.
321 a 322.

[21] Obra citada, pág. 25.

[22] Obra citada, pág. 38.

[23] Lopes Meirelles, Hely.Direito Administrativo Brasileiro, 29ª edição, Malheiros Editores,
pág. 599.

[24] Obra citada, pág. 38 a 38.

[25] Revista de Direito Administrativo, vol. 36, 1954, pág. 218, no Recurso Extraordinário nº
18.711.

[26] Zanella Di Pietro, Maria Sylvia. Direito Administrativo, 3ª edição, Ed. Atlas, pág. 142.

[27] Obra citada, pág. 518.

[28] Kelly, Otávio, Interpretação do Código Civil pelo Supremo Tribunal Federal, 1944, vol. II,
pág. 21.

[29] Ferraz, Sérgio. Desapropriação – Indicações de doutrina e de jurisprudência, Rio de


Janeiro, 1970.

[30] Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967, 2ª edição, tomo V, São Paulo,
RT, 1972, pág. 446.

[31] Obra citada, pág. 81.


[32] Revista de Direito Administrativo, vol. 43, 1956, pág. 216.

[33] Seabra Fagundes, Miguel, obra citada, 1942, n. 477, pág. 349.

[34] Silva, Moacir Antônio Machado, dissertação de mestrado que ofereceu à Universidade de
Brasília.

[35] RE 82.366 – SP, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 77/334.

[36] Velloso, Carlos Mário. Temas de Direito Público, Minas Gerais, Del Rey, 1994, pág. 515

[37] Zannobini, Guido. Corso de Diritto amministrativo, 3ª edição, vol. 4, pág. 215.

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