Você está na página 1de 7

Justiça Federal da 1ª Região

PJe - Processo Judicial Eletrônico

03/03/2021

Número: 1005836-80.2021.4.01.3800
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 3ª Vara Federal Cível da SJMG
Última distribuição : 10/02/2021
Valor da causa: R$ 11.411.250,00
Assuntos: Não padronizado
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
Em segredo de justiça (AUTOR) JANAINA CESAR DOLES (ADVOGADO)
ADRIANO EUZEBIO PELINCARI (REPRESENTANTE)
DANIELA PEON TAMANINI ROSALES (ADVOGADO)
UNIÃO FEDERAL (REU)
Ministério Público Federal (Procuradoria) (FISCAL DA LEI)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
46312 03/03/2021 00:35 Decisão Decisão
1887
DECISÃO

I – DOS FATOS:
RAFAEL GONÇALVES PELINCARI, menor impúbere,
representado por seu pai, ADRIANO EUZÉBIO PELINCARI,
ambos qualificados na petição inicial, nos autos da ação
ordinária que propõe contra a UNIÃO FEDERAL, pede a
antecipação dos efeitos da tutela, objetivando “determinar à
União que, no prazo de 48 horas, contados da intimação por
oficial de justiça, proceda ao custeio da medicação
Zolgensma, na forma prescrita pelo médico assistente de
Rafael, ou que realize o deposito da quantia necessária à
aquisição do fármaco”.
Diz, em resumo, que “a parte Autora possui diagnóstico de
Atrofia Muscular Espinhal-AME”; que “doença rara, grave e
progressiva, causada pela alteração do gene que codifica a
proteína SMN (survival motor neuron), molécula necessária para
a sobrevivência do neurônio motor, responsável pelo controle do
movimento muscular”; que “o médico Luís Fernando Grossklaus,
neuropediatra e especialista em doenças neuromusculares,
prescreveu a utilização da medicação Zolgensma”; que se trata “
de terapia gênica única, para crianças menores de 02 anos, que
consiste na introdução de uma cópia funcional do gene humano
responsável pela produção da proteína SMN, capaz de restaurar
a função do neurônio motor no organismo dos pacientes”; e que
“devido ao seu alto custo, as crianças brasileiras que receberam
a medicação, até o momento, o receberam através de decisões
da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça”.
Aduziu a inicial que “ajuizou ação contra a operadora de plano
de saúde, perante a Vara da Infância e Juventude de
Contagem/MG”; que “o pedido de tutela de urgência foi
indeferido, ao argumento de que a operadora de saúde não teria
como suportar os gastos com a medicação”; que “o
indeferimento foi mantido, sob o mesmo fundamento da
ausência de recursos do plano de saúde, em decisão
monocrática proferida em sede de agravo de instrumento
protocolizado perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais”;
que “o indeferimento foi mantido, sob o mesmo fundamento da
ausência de recursos do plano de saúde, em decisão
monocrática proferida em sede de agravo de instrumento
protocolizado perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais”;
que “além do ajuizamento da ação em face do plano de saúde,
os familiares do Autor, através de campanha de arrecadação de
fundos intitulada @ameorafa, já obtiveram cerca de 1 (um)
milhão de reais para a aquisição do medicamento que se busca
com a presente ação”; e que “os valores arrecadados estarão à
disposição do Poder Judiciário, caso deferida a liminar”.
Anota a inicial. Ainda, que “a Atrofia Muscular Espinhal (AME) é

Assinado eletronicamente por: WILLIAM KEN AOKI - 03/03/2021 00:35:21 Num. 463121887 - Pág. 1
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21030300352136800000457727573
Número do documento: 21030300352136800000457727573
uma doença genética e hereditária que resulta em fraqueza
progressiva dos músculos e atrofia, podendo levar à morte por
falência respiratória”; que “é causada por mutações em um
gene, o SMN1. Sem uma cura definitiva, o tratamento exige
fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional e
aparelhos ortopédicos.”; que “Rafael já possui debilidade
notórias”; que “é restrito a cadeiras de rodas, apresenta
diminuição de força em membros inferiores e superiores que o
impede de andar”; que “ainda consegue deglutir e respirar sem
ajuda mecânica”; que “para que assim permaneça, a medicação
Zolgensma é essencial e deve ser aplicada antes que Rafael
complete 02 (dois) anos de idade”; que “sua maior luta é contra
o tempo”; que “dispõe de menos de 6 (seis) meses para receber
a medicação”; e que “que quanto antes for a aplicação, menos
neurônios motores estarão comprometidos”.
Esclarece a inicial, por fim, que “a medicação é de alto custo,
pois, conforme orçamentos obtidos junto à outras famílias, tem
preço de U$ 2,1 MILHÕES DE DÓLARES, o que,
aproximadamente, alcança o importe aproximado de R$ 11
MILHÕES DE REAIS, considerando a cotação de R$ 5,37,
vigente em 6 de fevereiro de 2021”.
Tendo em vista a urgência alegada bem como a presença de
interesse de menor, solicitei parecer ao Ministério Público, a ser
proferido no prazo exíguo de 5(cinco) dias; além de requisitar a
manifestação do NATS, também no prazo escasso de 10(dez)
dias, uma vez cuidar-se de medicação de altíssimo custo e
sobre a qual este Juízo ainda não teve oportunidade de decidir
qualquer pedido, anteriormente.
O parecer do NATS (Hospital das Clínicas UFMG; ID
461159864), baseando-se em detalhados estudos sobre a
aplicação e eficácia do fármaco ao caso do autor, afirmou em
suas conclusões que “não recomenda o uso do Zolgensma para
tratamento da AME”.
O ilustre representante do Parquet, em sua manifestação (ID),
expressou que “tendo em vista o elevado valor do medicamento
pleiteado (R$11 milhões), requer o Ministério Público Federal
seja a União intimada, com a urgência que o caso requer, para
se manifestar sobre a antecipação da tutela e sobre a Nota
Técnica do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde
(NATS) nº 17/2021, no prazo de 72 (setenta e duas) horas”; e
que “o MPF irá manifestar-se sobre a tutela de urgência após
manifestação da requerida ou decorrido o prazo para tal
finalidade, nos termos do artigo 179, inciso I, do Código de
Processo Civil”.
O autor, por seu lado, além de comprovar o recolhimento das
custas, juntou argumentos de contradita à Nota Técnica do
NATS, reforçando sua súplica, no sentido do fornecimento do
medicamento e da urgência na definição do tema, tendo em
vista o exíguo prazo para utilização do fármaco, no caso

Assinado eletronicamente por: WILLIAM KEN AOKI - 03/03/2021 00:35:21 Num. 463121887 - Pág. 2
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21030300352136800000457727573
Número do documento: 21030300352136800000457727573
concreto (ID 461674365).
II – DA FUNDAMENTAÇÃO:
Considerando a urgência da prestação jurisdicional postulada
pelo autor, fundada em razões de fato intransponíveis e a
circunstância de que é possível ao magistrado proferir tal
decisão, que é permitido ao magistrado decidir o pedido de
tutela provisória de urgência, sem oitiva da parte contrária, bem
como anotando que o Ministério Público Federal optou pela
manifestação posterior à juntada das razões da ré, ou decurso
de prazo para tanto, nos termos do art. 179, I, CPC 2015, passo
a decidir a postulação antecipatória.
Para deferimento da antecipação dos efeitos da tutela,
necessária se faz a verificação da plausibilidade das alegações
da parte Autora e a demonstração da existência de perigo de
dano irreparável decorrente da demora na concessão do
provimento judicial definitivo.
Como se vê do teor do laudo pericial, ID 442638876, relata o
médico subscritor que “Rafael Gonçalves Pelincari é portador de
Amiotrofia Espinhal Progressiva (CID10: G12.1). Rafael é
restrito a cadeira de rodas, apresenta diminuição de força em
membros inferiores e superiores que a impede de andar, possui
movimentação ativa em mãos braços , movimentação de
membros inferiores no plano mas não vence a gravidade,
respiração sem auxilio de aparelhos , deglutição preservada”;
que “expectativa com o Zolgensma: temos a expectativa seria o
andar independente e independência para todas as atividades
seria o que teríamos mais perto da cura Zolgensma funciona ao
proporcionar uma cópia funcional do gene defeituoso
responsável pela SMA, o que impede a progressão da doença
através de uma terapia intravenosa única”; que “a substancia
ativa do Zolgensma, o onasemnogene abeparvovec, contém
uma cópia funcional deste gene”; que “quando injetado, ele
passa para os nervos de onde fornece o gene correto para
produzir proteína suficiente e, assim, restaurar a função nervosa
”; que “Zolgensma é aprovado pela ANVISA”; que “pacientes
com atrofia muscular espinhal tem um defeito em um gene
conhecido como SMN1, de que corpo precisa para produzir uma
proteína essencial para o funcionamento normal dos nervos que
controlam os movimentos musculares”; que “paciente possui
AME tipo I não senta e não anda”.
O NATS, em seu bem fundamentado criterioso parecer (ID
461159864), lançou as seguintes considerações:
“A AME tipo 1 trata-se de doença grave de curso
clínico inexorável (até o presente momento não
existe cura para a doença);
• O estudo fase 1 2 teve como principal objetivo
(desfecho primário) verificar a segurança da droga,

Assinado eletronicamente por: WILLIAM KEN AOKI - 03/03/2021 00:35:21 Num. 463121887 - Pág. 3
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21030300352136800000457727573
Número do documento: 21030300352136800000457727573
testando diferentes doses e na verificação de efeitos
adversos, de grau 3 ou superior,relacionados ao
tratamento. Os desfechos secundários avaliados
foram desfechos exploratórios que avaliaram a
melhora de marcos do desenvolvimento motor dos
lactentes com AME. O instrumento que avaliou os
marcos do desenvolvimento motor foi o CHOP3
INTEND scoresiii (trata-se de um escore de
avaliação de marcos do desenvolvimento motor
adaptado para crianças com distúrbios
neuromusculares). A manutenção de pontuações
superiores a 40 pontos foi considerada clinicamente
significativa em pacientes com AME, como
exemplo,sentado sem ajuda por pelo menos 5
segundos; sentado sem ajuda por pelo menos 10
segundos; sentado sem ajuda por pelo menos 30
segundos, etc. Além de ser um estudo fase 1
(desenhado para verificar segurança e não eficácia
da droga), os desfechos clínicos secundários
avaliados (melhora dos marcos do desenvolvimento
motor), foram análises exploratórias e não
confirmatórias. Do ponto de vista de evidências
científicas, análises exploratórias podem estar
associadas a determinados desfechos, entretanto
não provam que há uma relação de causa-efeito,
como estudos de análises confirmatórias (ensaios
clínicos randomizados). Portanto, nesta análise
exploratória secundária do estudo, os autores
fizeram uma inferência de que o Zolgensma® foi
associado a melhoras de marcos do
desenvolvimento motor, entretanto não está
cientificamente comprovado. O desenho de estudo
para este tipo de análise são ensaios clínicos
randomizados fase 3.
• Já o estudo STR1VE (em andamento) teve como
objetivo principal (desfecho primário) avaliar o
alcance da posição sentada sem apoio por 30
s e g u n d o s
(https://clinicaltrials.gov/ct2/show/results/NCT033062
77?view=results. Acesso em 26/02/2021). A idade
dos pacientes, na qual a droga foi administrada,
variou de 0,5 a 5,9 meses, o paciente em questão já
está com mais de 1 ano de idade. Além do mais,
questiona-se sobre a real relevância clínica do
desfecho de sentar-se sem apoio por 30 segundos.
O estudo ainda está em andamento, portanto não
tem como afirmar, se, em longo prazo, haverá
efetivamente confirmação de benefícios clinicamente
relevantes para os pacientes com AME. Sentar-se
sem apoio por 30 segundos é clinicamente
relevante, às custas de incerteza de desfechos em
longo prazo e de efeitos colaterais graves, inclusive

Assinado eletronicamente por: WILLIAM KEN AOKI - 03/03/2021 00:35:21 Num. 463121887 - Pág. 4
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21030300352136800000457727573
Número do documento: 21030300352136800000457727573
previstos em bula? (A bula inclui advertência sobre o
potencial de lesões graves no fígado).
• A literatura científica já publicou importantes
questões sobre de conflitos de interesses no
processo de registro de aprovação do Zolgensma:
Foi revelado que houve ‘manipulação de dados’
fornecidos ao American Food and Drug
Administration (FDA) durante o processo de
aprovação da Zolgensma. 4 6 Fato também
publicado pela revista”.

Assim sendo, não se encontra presente na espécie a


plausibilidade do direito postulado pelo autor, uma vez que o
conceito de garantia de sobrevivência digna não se harmoniza
com a realização de tratamento de elevado custo, que não se
encontra suficientemente embasado em experiência clínica, pelo
menos não com volume expressivo, no sentido de atestar sua
eficácia e benefícios.
O Juízo não desconhece a ansiedade dos pais, familiares e
médicos da criança portadora de moléstia tão cruel. No entanto,
a pretensão deduzida neste feito importa em retirar do
orçamento do Sistema Único de Saúde a importância ao redor
de R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais)!
Essa importância corresponde à manutenção anual de um
número expressivo de postos de saúde, único recurso à
disposição da população carente, sem acesso a planos de
saúde, aí incluídas crianças, com moléstias diversas.
Trata-se de tensão entre duas classes de direitos, havendo que
prevalecer o coletivo em detrimento do particular, sempre que
não haja comprovação de que o medicamento requerido tenha
efeito confirmado no caso em que é postulado.
Ou seja, o sistema público que ampara o interesse coletivo não
pode ser sobrecarregado, em face de pedido isolado, de
significativo custo financeiro, cuja eficácia terapêutica mostra-se
incerta, muito embora esteja em foco o tratamento de uma
criança em tão tenra idade.
A natureza universal do SUS lhe atribui compromisso que
acoberta necessidades de uma multidão de crianças, portadoras
de doenças diversas, assim como de idosos e pessoas de baixa
renda.
A própria inicial elenca outros casos de solicitação do mesmo
fármaco, a ser custeado pela União, além de ver-se da Nota
Técnica expedida pelo NATS-HSL (ID 442664919, pág. 9), em
São Paulo, aos 15 de outubro de 2020, que “no Brasil, estima-se
uma incidência de 250 a 300 novos casos por ano, com um total

Assinado eletronicamente por: WILLIAM KEN AOKI - 03/03/2021 00:35:21 Num. 463121887 - Pág. 5
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21030300352136800000457727573
Número do documento: 21030300352136800000457727573
de 3.800 casos diagnosticados no Brasil em 2019”; o que
significaria um custo acrescido de R$ 1.200.000.000,00 (um
bilhão e duzentos milhões) ao ano, se apenas 100 (cem) desses
portadores, diagnosticados anualmente, utilizasse o remédio
Zolgensma®!
Não parece a este Juízo que se cuide, portanto, de uma questão
que possa ser resolvida e imposta ao SUS, no âmbito de
processos judiciários individuais, em consequência da pressão
financeiro-orçamentária que representa sobre o sistema como
um todo, com potencial de desestabilizá-lo, redundando em
prejuízos disseminados pela sociedade brasileira destinatária da
cobertura universal que o SUS pressupõe.
III - DO DISPOSITIVO:
1. Com base em tais argumentos, indefiro a antecipação de
tutela pleiteada.
2. Cite-se a União, com as cautelas de estilo, sendo certo
cuidar-se de tema sobre o qual o ente federal não aceita
conciliação.
3. Após, com a contestação, ou com a certidão de decurso
do prazo in albis, vista ao ilustre representante do
Ministério Público Federal.
P.I.
Belo Horizonte, 02 de março de 2021.

WILLIAM KEN AOKI


JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DA 3ª VARA – MG

Assinado eletronicamente por: WILLIAM KEN AOKI - 03/03/2021 00:35:21 Num. 463121887 - Pág. 6
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21030300352136800000457727573
Número do documento: 21030300352136800000457727573

Você também pode gostar