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DIREITO DO

CONSUMIDOR

Gustavo
Santanna
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar as cláusulas abusivas.


• Aplicar as previsões legais sobre abusividade nos contratos ao caso concreto.
• Evidenciar a proteção contratual.

INTRODUÇÃO

O consumidor deve estar sempre atento aos contratos para não ser
surpreendido por cláusulas que o deixem em situação desfavorável. O artigo
51 do Código de Direito do Consumidor apresenta exemplos de cláusulas
abusivas. As cláusulas abusivas são aquelas que, muito embora estejam
no contrato de consumo, ferem o direito do consumidor, colocando-o em
desvantagem em relação ao fornecedor. São nulas de pleno direito e não
devem produzir efeitos.

Nesta Unidade de Aprendizagem conheceremos a proteção contratual e cada


uma das situações exemplificadas no Código de Defesa do Consumidor como
cláusula abusiva nos contratos de consumo

DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

Inicialmente, se faz necessário destacar que a caracterização de qualquer


cláusula abusiva no sistema adotado pelo Código Consumerista independe
da análise subjetiva do fornecedor, ou seja, se houve ou não intuito de obter
vantagem indevida ou exagerada do consumidor. Em nenhum momento, a
legislação exige má-fé ou dolo do fornecedor para que reste caracterizada a
abusividade da cláusula. (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 390)

Para definir a abusividade da cláusula contratual, dois caminhos podem


ser seguidos: 1) uma aproximação subjetiva, que conecta a abusividade
mais com a figura do abuso do direito, como se sua característica principal
fosse o uso (subjetivo) malicioso ou desviado de suas finalidade sociais de
um poder (direito) concedido a um agente; 2) ou uma aproximação objetiva,
que conecta a abusividade, mas com paradigmas modernos, com a boa-
fé objetiva ou a antiga figura da lesão enorme, como se seu elemento

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principal fosse o resultado objetivo que causa a conduta do indivíduo, o
prejuízo grave sofrido objetivamente pelo consumidor, o desequilíbrio
resultante da cláusula imposta, a falta de razoabilidade ou comutatividade
do exigido no contrato. A tendência hoje no direito comparado e na exegese
do CDC é conectar a abusividade das cláusulas a um paradigma objetivo,
em especial, ao princípio da boa-fé objetiva; observar mais seu efeito,
seu resultado, e não tanto repreender uma atuação maliciosa ou não
subjetiva. Esta posição está em consonância com a ideia de que no direito
civil contemporâneo, a aferição de abusividade no exercício de um direito
deve ser exclusivamente objetiva, ou seja, deve depender tão somente
da verificação de desconformidade concreta entre o exercício da situação
jurídica e os valores tutelados pelo ordenamento civil constitucional.
(BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 942-943).

Do mesmo modo, o Código é cristalino ao definir a sanção que será aplicada na


aferição de cláusulas abusivas, qual seja, a nulidade de pleno direito (nulidade
absoluta) conforme disposto no artigo 5. A sanção, portanto, é negar efeito
à cláusula abusiva, sendo preservado, em princípio, o contrato, salvo quando
a ausência da cláusula desestruturar a relação contratual, gerando ônus
excessivo a qualquer das partes, nos termos do § 2º, do artigo 51: trata-se
do princípio da conservação do contrato. O magistrado, após declarar nula
de pleno direito a cláusula abusiva e excluir seus efeitos, deverá verificar se
o contrato mantém condições de cumprir sua função social e econômica.
(CAVALIERI FILHO, 2014, p. 185)

FIQUE
ATENTO

É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente


requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para
ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o
disposto neste código ou, de qualquer forma, não assegure o justo
equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

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DO RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ

As normas de proteção previstas no Código de Defesa do Consumidor são de


ordem pública e interesse social, nos termos do artigo 1º. A sanção específica
às cláusulas abusivas, conforme exposto anteriormente, é a nulidade de
pleno direito ou nulidade absoluta, utilizando da terminologia do Código Civil.

Essas características trazem como consequência a possibilidade da declaração,


pelo magistrado, da nulidade da cláusula abusiva, independentemente de
pedido da parte, ou seja, a nulidade declarada de ofício. Isto é possível em
decorrência do previsto no parágrafo único, do artigo 168, do Código Civil,
que assevera que as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando
conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas,
não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
(MIRAGEM, 2014, p. 347)

Portanto, o reconhecimento da abusividade e a consequente declaração


de nulidade das cláusulas inseridas em contratos de consumo devem ser
conhecidas de ofício pelo magistrado, independentemente da formulação
de qualquer pedido na ação ajuizada pelo consumidor ou, ainda, quando este
figurar como réu. Trata-se de exceção à regra processual de que o juiz decidirá
a lide nos limites em que foi proposta. (BENJAMIN, MARQUES, BESSA. 2014,
p. 392)

ROL DE CLÁUSULAS ABUSIVAS

O caput do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor determina que


são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços. Trata-se de um rol exemplificativo
e bastante abrangente. É chamada de lista-guia, pois se presta a servir de
parâmetro para que os magistrados possam identificar as cláusulas abusivas
em cada caso concreto, enfim, é uma relação de tipos abertos, aos quais
devem ser comparadas às cláusulas suspeitas de abusivas. (CAVALIERI
FILHO, 2014, p. 189).

Entende-se necessário, mesmo que de forma sucinta, tratar das cláusulas


previstas no artigo 51, sendo, em sua totalidade, 15 (quinze) incisos.

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Vedação da cláusula de não indenizar
O inciso I do rol das cláusulas abusivas do artigo 51 estabelece que são nulas
de pleno direito as disposições contratuais que impossibilitem, exonerem ou
atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza
dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.
Entretanto, apresenta uma ressalva: quando o consumidor for pessoa
jurídica, caso em que a indenização poderá ser limitada quando a situação
assim justificar.

Confere-se que o fornecedor não poderá inserir no contrato cláusula capaz de


isentá-lo do dever de indenizar ou que mesmo atenue sua responsabilidade.
Tal vedação decorre do fato de as normas do Código de Defesa do Consumidor
serem de ordem pública e interesse social e, portanto, inafastáveis por
disposição contratual (GARCIA, 2015, p. 385). O presente dispositivo abrange
os direitos e indenizações decorrentes dos vícios do produto e do serviço
(artigos 18 a 25), assim como daqueles relativos ao fato do produto e do
serviço (artigos 12 a 17).

O mesmo tratamento deverá ser dado às relações de consumo não escritas. É o


caso de estabelecimentos que fixam placas com os dizeres “o estacionamento
não se responsabiliza por eventuais danos sofridos pelo veículo”. O Superior
Tribunal de Justiça, através da Súmula nº 130, determinou, inclusive, a
exclusão de determinada cláusula abusiva no aferimento da responsabilidade
pelo fornecedor, dispondo que “a empresa responde, perante o cliente, pela
reparação de dano ou furto de veículos ocorridos em seu estacionamento”.

O inciso I apresenta uma exceção, qual seja, quando a relação de consumo


é composta pelo fornecedor e por um consumidor pessoa jurídica. Confere-
se que o Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade da pessoa
jurídica ser consumidora (artigos 2º, 17 e 29). Entretanto, reconhece, do
mesmo modo, que a vulnerabilidade da pessoa natural é mais acentuada.
Desta forma, em situações justificáveis, poderá haver a limitação do dever de
indenizar do fornecedor (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 398).

Subtração de opção de reembolso


O presente dispositivo determina como abusivas as cláusulas contratuais que
subtraiam a opção de reembolso da quantia já paga pelo consumidor, nos
casos previstos no Código.

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Em vários momentos, como indicado pelo inciso, o Código de Defesa do
Consumidor previu a possibilidade de o consumidor ser reembolsado. Como
exemplo, tem-se a possibilidade de arrependimento nas compras de produtos
e serviços realizadas fora do estabelecimento comercial, com fundamento
no artigo 49, o qual estabelece que os valores pagos pelo consumidor a
qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato,
monetariamente atualizados.

Cite-se, também, que a recusa ao cumprimento dos termos da oferta


ou publicidade enseja, nos termos do artigo 35, inciso III, a rescisão do
contrato com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, e a perdas e danos. Neste caso, a nulidade da
cláusula tem efeito didático, em virtude de o Código ser norma de ordem
pública e suas disposições serem inafastáveis, em princípio, por disposição
contratual. (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 398)

Transferência de responsabilidade a terceiro


Como a responsabilidade do fornecedor provém de lei, não pode ele,
através de cláusula contratual, procurar eximir-se desta responsabilidade,
transferindo esta a terceiros. Desse modo, as empresas que oferecem
plano de assistência médica não podem transferir a responsabilidade aos
profissionais credenciados. Entretanto, caso seja condenada, poderá agir em
regresso contra o profissional causador do dano.

A empresa prestadora do plano de assistência à saúde é parte legítima


passivamente para a ação de indenização movida por filiado em face de
erro verificado em tratamento odontológico realizado por dentistas por
ela credenciados, ressalvado o direito de regresso contra os profissionais
responsáveis pelos danos materiais e morais causados (REsp nº 328.309/
RJ, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgado em 08/10/2002).

Cláusula da boa-fé objetiva e equilíbrio econômico do contrato


Nos termos do presente dispositivo, são nulas as cláusulas que estabeleçam
obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
A conceituação resta-se completa através do § 1º do artigo 51, que determina

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quais são as vantagens presumidas como exageradas1.

Confere-se que o inciso IV, do artigo 51, se constitui na cláusula geral da


proibição de utilização de cláusulas abusivas nos contratos de consumo,
pois veda, de forma genérica, a imposição de obrigações iníquas (injustas,
contrárias à equidade), abusivas (que desrespeitam valores da sociedade)
ou que ofendam o princípio da boa-fé objetiva (como a falta de cooperação,
de lealdade, quando frustra a legítima confiança criada no consumidor) e a
equidade (justiça no caso concreto). (GARCIA, 2015, p. 386).

As expressões utilizadas, boa-fé e equidade, são amplas e subjetivas por


natureza, deixando larga margem de ação ao juiz; caberá, portanto, ao
Poder Judiciário brasileiro concretizar, através desta norma geral, escondida
no inc. IV do art. 51, a almejada justiça e equidade contratual. Segundo
renomados autores, o CDC, ao coibir a quebra da equivalência contratual
e ao considerar abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, está a resgatar a figura da lesão enorme e a
exigir um dado objetivo de equilíbrio entre as prestações. Parece-nos
que a norma do inc. IV do art. 51 do CDC, com a abrangência que possui
e que é completada pelo disposto no § 1º do mesmo art. 51, é verdadeira
norma geral proibitória de todos os tipos de abusos contratuais, mesmo
aqueles já previstos exemplificativamente nos outros incisos do art. 51.
(BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 949)

Aplicando a presente cláusula geral, o Superior Tribunal de Justiça não tem


admitido a exclusão, em planos de saúde, de doenças como a AIDS.

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. PLANO DE


SAÚDE. AIDS. EXCLUSÃO DE COBERTURA. CLÁUSULA POTESTATIVA.
PRECEDENTES. PROVIMENTO.
I. É abusiva a cláusula contratual inserta em plano de assistência à saúde
que afasta a cobertura de tratamento da síndrome de imunodeficiência
adquirida (AIDS/SIDA).

1 § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:


I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal
modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e
conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

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II. As limitações às empresas de prestação de serviços de planos e
seguros privados de saúde em benefício do consumidor advindas com
a Lei 9.656/98 se aplicam, em princípio, aos fatos ocorridos a partir de
sua vigência, embora o contrato tenha sido celebrado anteriormente,
porquanto cuida-se de ajuste de trato sucessivo. Precedente.
III. Recurso especial provido.
(REsp nº 650.400/SP, Ministro Relator Aldir Passarinho, julgado em
22/06/2010).

Ademais, o entendimento de que a cláusula que limita o tempo de internação


em contratos de plano de saúde é abusiva acabou sendo sumulado pelo STJ,
através do enunciado nº 302, que dispõe que “é abusiva a cláusula contratual
de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”.

Do mesmo modo, foram consideradas abusivas as cláusulas que impõem


a responsabilidade ao consumidor pelas compras efetuadas com cartão de
crédito furtado até o momento da comunicação do furto.

São nulas as cláusulas contratuais que impõem ao consumidor a


responsabilidade absoluta por compras realizadas com cartão de crédito
furtado até o momento (data e hora) da comunicação do furto. Tais avenças
de adesão colocam o consumidor em desvantagem exagerada e militam
contra a boa-fé e a equidade, pois as administradoras e os vendedores têm
o dever de apurar a regularidade no uso dos cartões. (REsp nº 348.343/SP,
Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 14/02/2006).

Vedação de inversão prejudicial do ônus da prova


O inciso VI do artigo 51 determina como cláusula abusiva aquela que
estabelece a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor.
Inicialmente, necessário esclarecer que a inversão do ônus da prova, nos
termos do inciso VIII, do artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor, só
poderá ocorrer a favor do consumidor, a critério do magistrado, quando sua
alegação for verossímil ou quando for considerado hipossuficiente. O artigo
38, do mesmo modo, dispõe que o ônus da prova da veracidade e correção da
informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

O primeiro caso, disposto no inciso VIII do artigo 6º, é denominado de ope


judicis, em decorrência de que a inversão do ônus da prova é promovida

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pelo magistrado, analisando os critérios previstos no referido dispositivo.
Em contrapartida, o artigo 38 estabelece a inversão denominada ope legis.
(BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 405).

Em suma, o inciso VI, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor,


dispõe que qualquer disposição contratual que procure alterar a distribuição
do ônus da prova estabelecida pelo Código é nula e deve ser desconsiderada
pelo juiz ao julgar a causa.

Determinação compulsória de arbitragem


O legislador, em respeito ao princípio da proteção ao hipossuficiente, vedou
a estipulação compulsória de convenção de arbitragem, por entender
prejudicial ao consumidor, em face de sua vulnerabilidade, principalmente
quando pessoa natural.

Outro argumento utilizado contra a aplicação da arbitragem nas relações


de consumo possui caráter constitucional. É dever do Estado promover a
defesa do consumidor na forma da lei, nos termos do artigo 5º, inciso XXXII. A
principal norma de proteção ao consumidor, editada em atenção ao referido
comando constitucional, é o Código de Defesa do Consumidor. Deste modo,
os dispositivos pertencentes a esta legislação, tanto processuais como
materiais, não são disponíveis e, portanto, não podem ser afastadas por
conjugação das partes (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 407).

Desse modo, as cláusulas contratuais que imponham a arbitragem nas


relações de consumo devem ser consideradas abusivas, uma vez que a
arbitragem não estatal implica privilégio intolerável que permite a indicação
do julgador, consolidando um desequilíbrio, uma unilateralidade abusiva ante
um indivíduo tutelado justamente por sua vulnerabilidade presumida em lei
(BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 954).

Imposição de representante
O inciso VIII declara serem nulas as cláusulas dos contratos de consumo que
imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico
pelo consumidor. Isto é, não poderá o fornecedor, valendo-se da fragilidade
e vulnerabilidade do consumidor, impor representante para celebrar negócio
jurídico em seu nome.

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Tem-se como exemplo dessa cláusula abusiva a conhecida “cláusula
mandato”, nos contratos bancários, utilizada para quando o consumidor fique
inadimplente, o banco possa ser constituído como seu procurador, assinando
notas promissórias ou emitindo letra de câmbio em nome do consumidor
(GARCIA, 2015, p. 391).

O Superior Tribunal de Justiça, visando conter esses abusos, editou a Súmula


nº 60 que determina como nula a obrigação cambial assumida por procurador
mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.

Opção exclusiva do fornecedor de concluir o contrato


De acordo com o disposto no inciso IX, são nulas as disposições contratuais
que deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora
obrigando o consumidor.

O fornecedor não poderá inserir cláusula desobrigando-se de cumprir o


contrato, mas obrigando somente o consumidor, tendo em vista que feriria o
equilíbrio contratual (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 955).

Alteração unilateral do preço


O inciso X do artigo 51 veda, sob pena de nulidade, as cláusulas que permitam
ao fornecedor, ao seu livre-arbítrio, direta ou indiretamente, variar o preço de
maneira unilateral. Tais cláusulas são consideradas nulas, pois acarretariam
em um desequilíbrio na relação jurídica, privilegiando o fornecedor em
detrimento do consumidor (GARCIA, 2015, p. 392). Ademais, nunca é demais
lembrar que “contrato” é manifestação bilateral de vontade. Logo, não sendo
unilateral, não poderia somente uma das partes alterá-lo.

Em um país acostumado a indexar os débitos futuros, em virtude da


inflação, a norma do art. 51, X, tem o mérito de afastar as cláusulas
contratuais que permitiam ao fornecedor escolher entre os índices de
correção (por exemplo, BTN, IPC, CUB ou outro índice oficial), pois era
impossível ao consumidor prever o quantum de sua dívida e a escolha era
unilateral, desequilibrando as prestações, pois sempre o índice maior era o
escolhido. (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 955).

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Cancelamento unilateral do contrato
São também nulas, de acordo com o inciso XI, as cláusulas inseridas nas
relações contratuais que autorizem o fornecedor a cancelar o contrato
unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor.

Após a celebração do contrato, verifica-se que os contratantes têm o


dever de cumprir com suas obrigações. Possibilitar somente a uma das
partes, no caso o fornecedor, a opção de cancelar o contrato, causaria grave
desequilíbrio na relação, uma vez que geraria sensação de insegurança e
incerteza ao consumidor. Deste modo, tal direito também deve ser concedido
ao consumidor, para que, assim, as partes voltem à posição contratual de
igualdade e equilíbrio (GARCIA, 2015, p. 392).

Entretanto, é necessário ressaltar que a simples previsão de cláusula


possibilitando o cancelamento unilateral do contrato em favor do consumidor
não impede a existência de abusos por parte do fornecedor, em especial nos
contratos de consumo de longa duração (BENJAMIN, MARQUES, BESSA,
2014, p. 412).

Ressarcimento unilateral dos custos da cobrança


De acordo com o inciso XII, é abusiva a cláusula que obrigue o consumidor
a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito
lhe seja conferido contra o fornecedor. Desta forma, tal direito deve ser
concedido também ao consumidor, de modo a manter o equilíbrio da relação
de consumo (GARCIA, 2015, p. 393).

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


CLÁUSULA QUE PREVÊ RESPONSABILIDADE DO CONSUMIDOR QUANTO
AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS DECORRENTES
DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECIPROCIDADE. LIMITES.
ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Os honorários contratuais decorrentes de contratação de serviços
advocatícios extrajudiciais são passíveis de ressarcimento, nos termos do
art. 395 do CC/02.
2. Em contratos de consumo, além da existência de cláusula expressa para a
responsabilização do consumidor, deve haver reciprocidade, garantindo-se
igual direito ao consumidor na hipótese de inadimplemento do fornecedor.
3. A liberdade contratual integrada pela boa-fé objetiva acrescenta ao

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contrato deveres anexos, entre os quais, o ônus do credor de minorar seu
prejuízo buscando soluções amigáveis antes da contratação de serviço
especializado.
4. O exercício regular do direito de ressarcimento aos honorários advocatícios,
portanto, depende da demonstração de sua imprescindibilidade para
solução extrajudicial de impasse entre as partes contratantes ou para
adoção de medidas preparatórias ao processo judicial, bem como da
prestação efetiva de serviços privativos de advogado e da razoabilidade do
valor dos honorários convencionados.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1.274.629/AP, Ministra Relatora Nancy Andrighi, julgado em
16/05/2013).

Como bem destacou Leonardo Roscoe Bessa: “Muitas vezes, sob o rótulo de
‘honorários advocatícios’ e sem atividade judicial ou extrajudicial, impõem-
se ao consumidor encargos financeiros acima dos limites estabelecidos
legalmente”. (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 415).

Alteração unilateral do contrato


Nos termos do inciso XIII, são nulas as cláusulas que autorizem o fornecedor
a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato após sua
celebração.

Entende-se desnecessária tal previsão, uma vez que a modificação unilateral


é contrária à boa-fé e ao equilíbrio entre as partes, ficando, assim, vedadas
quaisquer alterações feitas de forma unilateral pelo fornecedor, sem o
consentimento do consumidor (GARCIA, 2015, p. 394).

Violação de normas ambientais


O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é garantia
constitucional prevista no artigo 225 da Constituição Federal que prevê que
“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.

Desse modo, não se admite que cláusulas contratuais possam causar danos

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ao meio ambiente, ainda que estas possam ser mais benéficas ao consumidor.
Neste ponto, a proibição vale para as duas partes da relação. Em nenhuma
hipótese as partes poderão celebrar um contrato que venha, ainda que
indiretamente, trazer malefícios ao meio ambiente (BENJAMIN, MARQUES,
BESSA, 2014, p. 418).

Cláusula contrária ao sistema de proteção ao consumidor


O inciso XV, do artigo 51 determina que são nulas as cláusulas que estejam
em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

Compreende-se, do mesmo modo que o inciso IV, que a presente norma é


uma cláusula aberta, pois reforça a ideia de indisponibilidade dos direitos
garantidos ao consumidor, independentemente da norma em que este se
encontra positivado (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 419).

Uma vez adotado o sistema de proteção ao consumidor, consideram-se


nulas não apenas as cláusulas contratuais que impossibilitem, mas que
simplesmente dificultem ou deixem de facilitar o exercício dos direitos
do hipossuficiente. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no REsp nº
669.990/CE que “uma vez adotado o sistema de proteção ao consumidor,
reputam-se nulas não apenas as cláusulas contratuais que impossibilitem,
mas que simplesmente dificultem ou deixem de facilitar o livre acesso do
hipossuficiente ao Judiciário. Desta feita, é nula a cláusula de eleição de foro
que ocasiona prejuízo à parte hipossuficiente da relação jurídica, deixando de
facilitar o seu acesso ao Poder Judiciário” (Ministro Relator Jorge Scartezzini,
julgado em 17/08/2006).

Renúncia à indenização por benfeitorias necessárias


O presente inciso considera nulas as disposições contratuais que possibilitem
a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. Relembre-
se que benfeitorias necessárias são aquelas que, conforme classificação do
Código Civil (artigo 96, § 3º), têm por fim conservar a coisa ou evitar que se
deteriore.

Assim, quando o consumidor precisar realizar qualquer benfeitoria necessária,


terá sempre o direito de ser ressarcido pelos gastos efetuados, ainda que
exista cláusula excluindo tal direito (GARCIA, 2015, p. 396).

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CRÉDITO E FINANCIAMENTO AO CONSUMO

O Código de Defesa do Consumidor, como decorrência da boa-fé objetiva,


estabelece, em seu artigo 52, algumas regras específicas sobre o dever de
informação no fornecimento de produtos e serviços mediante concessão
de crédito e concessão de empréstimos. O parágrafo 1º do referido artigo
limita em 2% o valor máximo das multas moratórias e, por fim, garante ao
consumidor o direito de quitação antecipada dos empréstimos com redução
proporcional dos juros, conforme disposto no parágrafo 2º.

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga


de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor
deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
§ 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações
no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da
prestação.
§ 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito,
total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais
acréscimos.

Pelo princípio da informação e da transparência que se encontram presentes


em todo o Código, o dispositivo obriga o fornecedor a conceder ao consumidor
informações prévias e adequadas sobre o preço em moeda nacional, montante
de juros de mora e a taxa efetiva aplicada, acréscimos legais, número e o
período das prestações, total a pagar à vista e com financiamento. Verifica-
se que o legislador preocupou-se especialmente com este tipo de contrato,
uma vez que poderá levar o consumidor a uma situação de endividamento,
vinculando-o permanentemente ao fornecedor (GARCIA, 2015, p. 422).

O objetivo do Código foi proteger o consumidor, garantindo a máxima


informação possível para que pudesse fazer uma escolha consciente e
vantajosa. Isto se torna verdadeiramente importante, pois se o fornecedor

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fizer determinada exigência sem o prévio conhecimento do consumidor, esta
não poderá ser exigida, conforme disposto no artigo 46 do Código de Defesa
do Consumidor (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 424).

Outrossim, confere-se demasiadamente importante que a relação entre o


fornecedor e o consumidor, nesses casos, se dê de forma transparente, para
que este verifique quanto de seu orçamento familiar ficará comprometido com
o financiamento ou com o crédito, podendo avaliar de forma mais prudente
e concreta se terá reais condições de arcar com a dívida, evitando assim a
inadimplência e o chamado superendividamento (BENJAMIN, MARQUES,
MIRAGEM, 2010, p. 1.051).

O superendividamento poderá ser ativo ou passivo. Será ativo quando o


consumidor se endivida voluntariamente, em decorrência das ilusões das
estratégias de marketing das empresas fornecedoras. Esta categoria se
subdivide em duas: o superendividado ativo consciente e o inconsciente. O
primeiro é aquele que de má-fé contrai dívidas, convicto de que não poderá
pagá-las, com intenção deliberada de fraudar seus credores, enquanto o
inconsciente é aquele que agiu impulsivamente, de maneira imprevidente e
sem malícia, deixando de fiscalizar seus gastos. Já o superendividado passivo
é aquele que se endivida em decorrência de fatores externos, também
chamados de “acidentes da vida”, tais como o desemprego, divórcio, doença,
morte na família, redução do salário, entre outros (MARQUES, 2005, p. 12).

A presente classificação é importante, pois parte majoritária da doutrina


sustenta que somente o superendividado ativo inconsciente e o passivo
é que devem receber ajuda do Estado para organizar sua vida financeira. O
superendividado ativo consciente, em decorrência de sua má-fé, não receberá
o mesmo tratamento daqueles, não podendo renegociar suas dívidas com
apoio estatal (BERTONCELLO, LIMA, 2007, p. 173).

No que tange à multa moratória, confere-se, conforme disposto no parágrafo


1º do artigo 52, que esta não poderá exceder o montante de 2% ao mês do
valor da prestação.

Consumidor. Contrato de prestações de serviços educacionais.


Mensalidades escolares. Multa moratória de 10% limitada em 2%. Art.
52, § 1º do CDC. Aplicabilidade. Interpretação sistemática e teleológica.
Equidade. Função social do contrato.

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- É aplicável aos contratos de prestações de serviços educacionais o limite
de 2% para a multa moratória, em harmonia com o disposto no § 1º do art.
52, § 1º do CDC.
Recurso especial não conhecido.
(REsp nº 476.649/SP, Ministra Relatora Nancy Andrighi, julgado em
20/11/2003).

Por fim, o § 3º apresenta a possibilidade do consumidor, quando quiser quitar


seu débito, seja este de forma total ou parcialmente, de ter seus juros e demais
acréscimos reduzidos proporcionalmente, não podendo o fornecedor se opor
a essa faculdade, sob pena de responder por penas e danos. Ressalta-se que
qualquer cláusula que preveja restrição a este direito será, de acordo com o
artigo 51, considerada nula de pleno direito.

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REFERÊNCIAS

BENJAMIM, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo


Roscoe. Manual de direito do consumidor. 6.ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2014.

BERTONCESSO, Káren Rick Danilevicz; LIMA, Clarissa Costa de. Adesão ao


projeto conciliar é legal – CNJ: Projeto-piloto: tratamento das situações de
superendividamento do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v.
16, n. 63. São Paulo, jul./set. 2007, p. 173-201.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado e


jurisprudência. 11.ed. Bahia: JusPodivum, 2015.

MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento


do superendividamento de pessoas físicas em contratos de consumo:
proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do
Sul. Revista de Direito do Consumidor. n. 55. São Paulo, jul-set. 2005, p. 11-
52.

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5.ed. São Paulo: Editora


Revista dos Tribunais, 2014.

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