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DIREITO DO

CONSUMIDOR

Gustavo
Santanna
RESPONSABILIDADE
PELO FATO DO
PRODUTO E DO
SERVIÇO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer os sujeitos responsabilizados pelo dever de reparação.


• Identificar as excludentes de responsabilidade.
• Aplicar os artigos sobre a responsabilidade do fato do produto ou do serviço
ao caso concreto.

INTRODUÇÃO

O fato do produto ou do serviço se configura toda vez que o defeito, além de


atingir a esfera econômica do consumidor, atinge também a sua integridade
física ou psíquica, causando danos à saúde física ou psicológica. Logo, o fato
do produto ou do serviço desencadeia um dano que vai além da órbita do
próprio produto ou do serviço.

Nesta Unidade de Aprendizagem você vai aprender sobre defeito,


responsabilidade, excludentes de responsabilidade e aplicação da lei ao caso
concreto.

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO


E DO SERVIÇO

O Código de Defesa do Consumidor prevê, em seu artigo 12, a responsabilização


pelo fato do produto de todos os integrantes do ciclo produtivo e distributivo
– fabricante, produtor, construtor (nacional ou estrangeiro), importador –,
independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados
aos consumidores por defeitos apresentados pelos produtos, excluindo,
num primeiro momento, o comerciante e o fornecedor de serviço, que são
responsabilizados nos moldes dos artigos 13 e 14.

O termo “responsabilidade pelo fato do produto e do serviço” adotado pelo


legislador não é aceito por parte majoritária da doutrina consumerista, como
bem aponta Bruno Miragem (2014, p. 528), pois utiliza como fundamento
para responsabilização a origem do fato causador do dano, sem considerar o
dever de segurança atribuído pelo Código de Defesa do Consumidor à cadeia
de produção (fabricante/produtor/construtor/importador), assim como ao

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comerciante e ao prestador de serviço. Exemplifica-se:

Um pai de família compra um botijão de gás e contrata um instalador


para colocá-lo na sua casa da forma devida. O botijão, em virtude de
um vazamento causado por defeito na válvula de entrada da mangueira,
acaba por explodir, causando a destruição da casa e a morte de membros
da família e de vizinhos. A responsabilidade, no presente caso, não deverá
ser somente do fabricante do botijão, em virtude do defeito apresentado,
mas também do instalador (prestador de serviço) que detinha o dever de
informar sobre o defeito existente (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 312).

Desse modo, os doutrinadores utilizam a nomenclatura responsabilidade pelo


“acidente de consumo”, tendo em vista que esta caracteriza de forma clara o
fato gerador da responsabilização, qual seja, a exteriorização de defeito do
produto que cause danos ao consumidor (MIRAGEM, 2014, p. 528).

Compreende-se, portanto, que o fato do produto – acidente de consumo


– é um acontecimento externo que causa dano material e/ou moral ao
consumidor, mas que decorre de um defeito do produto. Isto é, seu fato
gerador será sempre um defeito do produto.

Esse defeito pode ser de concepção (criação, projeto, fórmula), de


produção (fabricação, construção, montagem) e ainda de comercialização
(informações insuficientes ou inadequadas, etc.). São os chamados
acidentes de consumo, que se materializam através da repercussão
externa do defeito do produto, atingindo a incolumidade físico-psíquica do
consumidor e o seu patrimônio. (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 311)

OS RESPONSÁVEIS PELO DEVER DE INDENIZAR

O dever de indenizar é resultado do dano causado ao consumidor por defeito


presente no produto. O parágrafo 1º, do artigo 12, do Código de Defesa do
Consumidor conceitua como defeituoso aquele produto que não oferece a
segurança esperada, levando em consideração circunstâncias relevantes,
dentre as quais, sua apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente
dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação. Por sua vez,
o dever de segurança é aplicado a todos, conforme o artigo 10 do Código
Consumerista, determinando, em tese, que todos os agentes econômicos
envolvidos com a produção e comercialização de certo produto devem ser

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responsáveis por sua garantia de segurança. Entretanto, confere-se que a
legislação reconhece a possibilidade de maior responsabilização de alguns
desses agentes. (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2014, p. 170)

O artigo 12, caput, fixa quais são os responsáveis pelo dever de indenizar
os danos causados por produtos defeituosos, quais sejam, o fabricante,
o produtor, o construtor (nacional ou estrangeiro) e o importador. Segundo
a doutrina, existem três modalidades de responsáveis: o real (o fabricante,
o construtor e o produtor); o presumido (o importador); e o aparente (o
comerciante, nos casos previstos no artigo 13) (GARCIA, 2015, p. 157).

Conceitua-se fabricante como aquele que, direta ou indiretamente, insere


produtos no mercado. Não se trata somente daquele que fabrica o produto de
modo completo, como também o que produz somente peças ou componentes.
Nos casos em que há mais de um fabricante para o mesmo produto (matéria-
prima, componente, produto final), a responsabilidade será solidária.

Na hipótese de um determinado produto ter mais de um fabricante (um


de matéria-prima, outro de componente e outro de produto final), todos
são solidariamente responsáveis pelo defeito e por suas consequências,
cabendo, evidentemente, ação regressiva contra aquele que, efetivamente,
deu causa ao defeito. Na medida em que cada um desses agentes
econômicos é responsável pelo dever de segurança, não lhes sendo
permitido alegar ignorância do vício ou mesmo carência de culpa, todos
são chamados a responder solidariamente pela colocação do produto
defeituoso no mercado. (BENJAMIN; MARQUES; BESSA. 2014, p. 171)

Já o produtor é aquele que coloca no mercado produtos não industrializados


(produtos de origem vegetal ou animal). Caso este sofra qualquer tipo
de processamento, como, por exemplo, limpeza e embalagem, serão
solidariamente responsáveis o produtor e o responsável pelo processamento,
cabendo ação regressiva do que pagou contra quem deu causa ao defeito
(BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2014, p. 171).

O construtor é aquele que lança no mercado produtos imobiliários,


diferentemente do fabricante e do produtor. O defeito na qualidade em uma
construção pode decorrer de uma má técnica empreendida, assim como da
utilização de produto defeituoso fabricado por terceiro. O construtor possui
responsabilidade por aquilo que agrega em sua construção, inclusive produtos
e serviços prestados por terceiros. Entretanto, esta responsabilidade não

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isenta o real causador do defeito, respondendo de forma solidária o construtor
e o fabricante do produto, podendo aquele que pagou mover ação de regresso
contra o verdadeiro causador do defeito (GARCIA, 2015, p. 158).

Por fim, o importador é aquele que traz produto fabricado ou produzido em


outro país ao Brasil. Este só é responsabilizado em decorrência da dificuldade
que o consumidor tem em alcançar os fabricantes ou os produtores destes
produtos, sendo, portanto, equiparado ao fabricante e ao produtor. Sua
responsabilidade independe da natureza jurídica do negócio que originou a
transação (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2014, p. 172).

FIQUE
ATENTO

O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de


melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

A responsabilidade desses sujeitos nas relações consumeristas será


objetiva, ou seja, ocorrerá independentemente da existência de culpa, sendo
desnecessária a averiguação de negligência, imprudência ou imperícia,
caracterizando-se através da demonstração do dano ocorrido (acidente de
consumo), da conduta/ato causador do dano e da relação de causalidade
entre o dano e o produto adquirido (nexo causal).

Todavia, ainda que a responsabilidade civil seja objetiva, existem excludentes


previstas no parágrafo 3º, do artigo 12, do Código de Defesa do Consumidor.
Conforme a presente norma, o fornecedor – sentido lato sensu – não será
responsabilizado quando provar que não colocou o produto no mercado; que,
embora seja responsável pela colocação no mercado, não existe defeito ou
que o dano foi causado por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

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FIQUE
ATENTO

Conforme o texto legal, o ônus de provar a existência de alguma


das excludentes de responsabilidade é do fornecedor.

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRACEPTIVO.


DEFEITO DO PRODUTO. ÔNUS DA PROVA. FORNECEDOR. INDENIZAÇÃO.
DANOS MORAIS E MATERIAIS. CÁLCULO DAS PRESTAÇÕES VENCIDAS.
SALÁRIO MÍNIMO NA DATA DOS VENCIMENTOS. BASE DE CÁLCULO DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DANO MATERIAL. PRESTAÇÕES VENCIDAS
MAIS DOZE PRESTAÇÕES VINCENDAS. CPC, ART. 20, § 4º. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Conquanto não se possa afirmar que o
implante usado pela autora apresentasse defeito, também não é possível
afastar essa conclusão. Como o ônus da prova recai sobre a recorrente, e
ela não conseguiu demonstrar a inexistência de defeito no produto nem a
culpa exclusiva da vítima, não há como afastar as conclusões do Tribunal de
origem, devendo ser mantido o dever de indenizar. [...]. 4. Recurso especial
parcialmente provido. (STJ, REsp nº 1.452.306/SP, Relator Ministro Raul
Araújo, julgado em 15/03/2016).

Por razões óbvias, o fornecedor não será responsabilizado quando provar


que o produto causador do dano ao consumidor não foi inserido no mercado.
Se não houve a inserção do produto no mercado, não haveria como imputar
responsabilidade ao fornecedor. Estaríamos diante de possível (ou provável)
caso de furto ou roubo de produto defeituoso estocado no estabelecimento,
que consequentemente excluiria a responsabilidade do fornecedor.

A segunda excludente prevista no referido diploma legal é a demonstração,


por parte do fornecedor, de que o produto, embora inserido no mercado,
não apresenta nenhum defeito, pois se não há defeito, o produto não teria a
capacidade de causar o acidente de consumo. Verifica-se aqui que o legislador
atribui o ônus de provar que não existe defeito no produto ao fornecedor,
como forma de excluir sua responsabilidade.

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Compreende-se, portanto, que mesmo havendo dano, o fornecedor não será
responsável, caso comprove a inexistência de defeito no produto. Neste caso,
o dano poderá ter ocorrido por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Sobre essa situação, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO FUNDADA EM


ALEGAÇÃO DE FATO DO PRODUTO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. NÃO
ACIONAMENTO DE AIRBAGS. INEXISTÊNCIA DE DEFEITO COMPROVADA
POR PROVA PERICIAL. ALEGAÇÃO DE INAPTIDÃO DO PERITO. PRECLUSÃO.
REGRAS DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IRRELEVÂNCIA. JULGADO
APOIADO EM PROVA PERICIAL ROBUSTA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
2. Diferentemente do comando contido no art. 6º, inciso VIII, que prevê
a inversão do ônus da prova “a critério do juiz”, quando for verossímil a
alegação ou hipossuficiente a parte, o § 3º, do art. 12, preestabelece – de
forma objetiva e independentemente da manifestação do magistrado –, a
distribuição da carga probatória em desfavor do fornecedor, que “só não
será responsabilizado se provar: I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. É a diferenciação já
clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judicis (art. 6º,
inciso VIII, do CDC) e inversão ope legis (art. 12, § 3º e art. 14, § 3º, do CDC).
Precedente da Segunda Seção. 3. No caso concreto, todavia, mostra-se
irrelevante a alegação acerca do ônus da prova, uma vez que a solução a
que chegou o Tribunal a quo não se apoiou na mencionada técnica, mas,
sim, efetivamente nas provas carreadas aos autos. A improcedência do
pedido indenizatório decorreu essencialmente da prova pericial produzida
em Juízo, sob a vigilância de assistentes nomeados por autor e réu, prova
essa que chegou à conclusão de que a colisão do veículo dirigido pelo
consumidor não fora frontal e que, para aquela situação, não era mesmo
caso de abertura do sistema de airbags. 4. De fato, a despeito de a causa
de pedir apontar para hipótese em que a responsabilidade do fornecedor
é objetiva, este se desincumbiu do ônus que lhe cabia, tendo sido provado
que, “embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste[iu]”,
nos termos do art. 12, § 3º, inciso II, do CDC. 5. Recurso especial não
provido. (REsp nº 1.095.271/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão,
julgado em 07/02/2013).

A terceira excludente apresentada pela legislação determina que caso o


acidente de consumo tenha sido causado única e exclusivamente em virtude
do comportamento do consumidor ou de terceiro, o fornecedor não será

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responsabilizado, em virtude da inexistência do nexo causal entre o dano e
sua atividade, ou seja, não haveria o elo entre a conduta/ato supostamente
danoso e o dano ocorrido.

Se o comportamento do consumidor é o único causador do acidente de


consumo, não há como falar em nexo de causalidade entre a atividade do
fabricante, do produtor, do construtor ou do importador e o fato danoso.

A responsabilidade também é eliminada pela ação exclusiva de terceiro.


A excludente do fato de terceiro ataca o próprio nexo de causalidade, já
que deixa de haver qualquer relação entre o prejuízo do consumidor e a
atividade do sujeito responsável primariamente. (BENJAMIN; MARQUES;
BESSA, 2014, p. 179)

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que a culpa de terceiro


só será considerada como excludente quando for imprevisível e inevitável, ou
seja, quando o fornecedor tiver como prever a ocorrência do fato, não poderá
excluir sua responsabilidade.

Direito processual civil e do consumidor. Recurso especial. Roubo de


talonário de cheques durante transporte. Empresa terceirizada. Uso
indevido dos cheques por terceiros posteriormente. Inscrição do correntista
nos registros de proteção ao crédito. Responsabilidade do banco. Teoria
do risco profissional. Excludentes da responsabilidade do fornecedor
de serviços. Art. 14, § 3º, do CDC. Ônus da prova. - Segundo a doutrina
e a jurisprudência do STJ, o fato de terceiro só atua como excludente da
responsabilidade quando tal fato for inevitável e imprevisível. - O roubo
do talonário de cheques durante transporte por empresa contratada
pelo banco não constitui causa excludente da sua responsabilidade, pois
trata-se de caso fortuito interno. - Se o banco envia talões de cheques
para seus clientes, por intermédio de empresa terceirizada, deve assumir
todos os riscos com tal atividade. - O ônus da prova das excludentes da
responsabilidade do fornecedor de serviços, previstas no art. 14, § 3º, do
CDC, é do fornecedor, por força do art. 12, § 3º, também do CDC.

Recurso especial provido. (REsp nº 685.662/RJ, Ministra Relatora Nancy


Andrighi, julgado em 10/11/2005).

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FIQUE
ATENTO

Ainda que a responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço


seja objetiva (independentemente de culpa) admite excludentes
de responsabilidade.

Ainda que não previsto expressamente entre os incisos do artigo 12, § 3º do


Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil, em seu artigo 393 coloca
como excludente de responsabilidade o caso fortuito ou de força maior. Porém,
tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm admitido essas excludentes,
ainda que não elencadas no rol do artigo 12, § 3º do CDC (MIRAGEM, 2014, p.
564). Este mesmo autor, contudo, observa que há uma diferenciação entre o
caso fortuito interno e o caso fortuito externo: o primeiro consistindo em fato
inevitável e normalmente imprevisível, ligado à própria atividade do agente;
o segundo, é um fato estranho à organização ou à atividade da empresa
(MIRAGEM, 2014, p. 564). A responsabilidade do fornecedor somente seria
excluída no chamado caso fortuito externo, porque “o evento que dá causa ao
dano é estranho à atividade típica, profissional, do fornecedor”, rompendo-se,
assim, o nexo de causalidade (MIRAGEM, 2014, p. 565).

A RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE

No que tange à figura do comerciante na relação de consumo, o legislador


atribuiu uma responsabilidade solidária aos demais obrigados, conforme
disposto no artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor, que determina
a responsabilização do comerciante quando o fabricante, o construtor, o
produtor ou importador não puderem ser identificados ou o produto for
fornecido sem a identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor,
importador; ou, ainda, quando o comerciante não conservar de maneira
adequada os produtos perecíveis.

O verdadeiro introdutor da coisa perigosa no mercado é o fabricante, e


não o distribuidor. Sem dúvida, este deve, em tese, verificar a qualidade
das mercadorias que expõe à venda, mas a extrema complexidade, sob

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o aspecto técnico, de alguns produtos da indústria contemporânea torna
essa verificação impossível a quem não seja especialista; qualidade que, em
toda justiça, não pode ser exigida do distribuidor, sobretudo do distribuidor
dos mais variados produtos em grandes estabelecimentos, como lojas de
departamentos, supermercados e drogarias. Ademais, a indústria moderna
dos artigos de marca somente prospera quando apoiada numa publicidade
maciça, lançada pelo próprio produtor, limitando-se o distribuidor, na
melhor das hipóteses, a ser mero veículo de sua divulgação. (BENJAMIN;
MARQUES; BESSA, 2014, p. 184)

Confere-se que o comerciante é responsabilizado nos casos em que sua


conduta concorre para a ocorrência do acidente de consumo, pois colocou no
mercado produto sem identificação clara do responsável por sua fabricação,
não possui informações acerca do fabricante do produto que comercializa ou
conserva de maneira inadequada os produtos perecíveis.

Necessário ressaltar que a convocação do comerciante não exclui a


reponsabilidade dos demais coobrigados. Seu chamamento não deve diminuir
a cadeia de responsáveis, mas, sim, aumentá-la. A inclusão do comerciante
como responsável tem como objetivo favorecer e reforçar a posição do
consumidor que, na maioria das vezes, não possui o discernimento para
buscar o verdadeiro responsável pelo acidente de consumo, e não como
forma de retirar o dever de reparar dos demais responsáveis.

Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos


morais e materiais. Consumo de produto colocado em circulação quando
seu prazo de validade já havia transcorrido. “Arrozina Tradicional” vencida
que foi consumida por bebês que tinham apenas três meses de vida,
causando-lhes gastroenterite aguda. Vício de segurança. Responsabilidade
do fabricante. Possibilidade. Comerciante que não pode ser tido como
terceiro estrado à relação de consumo. Não configuração de culpa exclusiva
de terceiro. – Produto alimentício destinado especificamente para bebês
exposto em gôndola de supermercado, com o prazo de validade vencido,
que coloca em risco a saúde de bebês com apenas três meses de vida,
causando-lhe gastroenterite aguda, enseja a responsabilização por fato
do produto, ante a existência de vício de segurança previsto no art. 12 do
CDC. – O comerciante e o fabricante estão inseridos no âmbito da cadeia
de produção e distribuição, razão pela qual não podem ser tidos como
terceiros estranhos à relação de consumo. – A eventual configuração da
culpa do comerciante que coloca à venda produto com prazo de validade

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vencido não tem condão de afastar o direito de o consumidor propor ação
de reparação pelos danos resultantes da ingestão da mercadoria estragada
em face do fabricante. Recurso especial não provido. (REsp nº 980.860/SP,
Ministra Relatora Nancy Andrighi, julgado em 16/04/2009).

Outrossim, conforme disposto no parágrafo único do artigo 13 do Código


de Defesa do Consumidor, o comerciante que realizar o pagamento ao
consumidor prejudicado poderá exercer o direito de regresso em face dos
demais responsáveis, respeitando a participação de cada um destes no
acidente de consumo. Isto é, em que pese, o comerciante seja responsabilizado
e condenado a pagar pelo evento danoso, este também possui o direito de
regresso em face do verdadeiro responsável pelo dano.

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO

A responsabilidade pelo fato do serviço vem disciplinada no artigo 14 do


Código de Defesa do Consumidor nos mesmos moldes da responsabilidade
pelo fato do produto. O fornecedor de serviços responde, independentemente
da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Nesse caso, o
acidente de consumo ocorre em decorrência de defeitos do serviço. Contudo,
um cuidado se faz necessário: a única exceção no Código de Defesa do
Consumidor quanto à responsabilidade objetiva está prevista no artigo 14,
§ 4º, onde aponta que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais
será apurada mediante a verificação de culpa, ou seja, é subjetiva, como o
caso dos médicos, por exemplo.

Em se tratando de hotéis, a jurisprudência brasileira utiliza o artigo 14 para


os casos de acidentes sofridos dentro das suas dependências (BENJAMIN,
MARQUES, MIRAGEM, 2013, p. 480). Já com relação aos furtos em
estacionamentos de shoppings centers, a Súmula 130 do STJ coloca que:
“a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de
veículo ocorridos em seu estacionamento”. Da mesma forma, os assaltos em
bancos e a descoberta de senhas em caixas eletrônicos são considerados
acidentes de consumo, enquadrados no artigo 14 do CDC (BENJAMIN,
MARQUES, MIRAGEM, 2013, p. 482). A Súmula 479 do STJ expõe: “as
instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por

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fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito
de operações bancárias”.

O serviço é caracterizado como defeituoso quando não é capaz de fornecer


a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em conta
circunstâncias relevantes, dentre as quais o modo de seu fornecimento, o
resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que
foi fornecido, conforme exposto no parágrafo 1º do artigo 14. Confere-se que
a responsabilidade do fornecedor de serviços, nos mesmos moldes daqueles
listados no artigo 12, têm por fundamento o dever de segurança.

PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


ROMPIMENTO DE CABO DE ENERGIA POR DISPARO DE FUZIL. MORTE
DE VÍTIMA QUE, VÁRIAS HORAS APÓS O ACIDENTE E COMUNICAÇÃO
À CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ACERCA DO OCORRIDO, TENTAVA
PREVENIR QUE CRIANÇAS SE ACIDENTASSEM. RESPONSABILIDADE CIVIL
OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CULPA EXCLUSIVA
DA VÍTIMA OU DE TERCEIRO NÃO CARACTERIZADA, VISTO QUE HOUVE
SUPERVENIENTE E INCONCEBÍVEL NEGLIGÊNCIA QUANTO AO REPARO
DA LINHA DE ENERGIA. [...]. 1. O artigo 14, § 3º do Código de Defesa do
Consumidor somente afasta a responsabilidade do fornecedor por fato do
serviço quando a culpa da vítima do evento ou de terceiro for exclusiva.
Embora o rompimento do cabo de energia por disparo de fuzil seja inusual,
é comum esse tipo de dano em linhas de energia decorrente dos mais
variados fatos (v.g., colisão de automóvel com poste que sustenta linha de
energia, vandalismo, queda de árvore), devendo, pois, as concessionárias
de energia manter, ininterruptamente, serviço eficiente de reparo, de
modo a mitigar os riscos inerentes aos serviços que presta. 2. No caso,
foi apurado pelas instâncias ordinárias que o rompimento do cabo de
eletricidade ocorreu às 16h e apenas às 21h30 foi providenciado o reparo,
tendo a vítima vindo a falecer por volta de 19h, quando tentava proteger
crianças que circulavam pelo local de riscos de acidentes; isto é, buscava
afastar o risco criado pela negligência da própria ré, que não efetuou o
reparo de imediato, em tempo hábil a prevenir o acidente. [...]. 4. Recurso
especial não provido. (REsp nº 1.308.438/RJ, Ministro Relator Luis Felipe
Salomão, julgado em 27/08/2013).

A principal diferença entre o artigo 12 e o artigo 14 do Código de Defesa


do Consumidor está na designação dos agentes responsáveis. Enquanto
o primeiro, ao tratar da responsabilidade pelo fato do produto, especificou

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os responsáveis (fabricante, produtor, construtor, importador, excluindo o
comerciante na via principal), o artigo 14, ao disciplinar a responsabilidade do
serviço, trata apenas do fornecedor (gênero que inclui todos os partícipes da
cadeia produtiva). Assim, no caso em que o dano for causado por defeito do
serviço, todos os participantes da sua produção respondem solidariamente
(CAVALIERI FILHO, 2014, p. 324).

No que tange às excludentes de responsabilidade, o parágrafo 3º do artigo 14


determina que o fornecedor de serviços não será responsabilizado quando
provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou a culpa é exclusiva
do consumidor ou de terceiro. Tais excludentes também estão presentes no
parágrafo 3º do artigo 12.

ATENÇÃO

O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas


técnicas.

O Superior Tribunal de Justiça tem o seguinte entendimento quanto à


excludente de responsabilidade decorrente de ato de terceiro:

RECURSOS ESPECIAIS (ART. 105, INC. III. ALÍNEAS “A” E “C”, DA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL) – AÇÃO CONDENATÓRIA – DISPAROS DE ARMA
DE FOGO, DE USO RESTRITO DAS FORÇAS ARMADAS, EFETUADOS POR
ESTUDANTE NO INTERIOR DE SALA DE PROJEÇÃO DE FILMES, SITUADA
NO SHOPPING CENTER MORUMBI – ALEGAÇÃO DE ABALO PSICOLÓGICO
EM VIRTUDE DA CONDUTA CRIMINOSA PERPETRADA, A ENSEJAR A
COMPENSAÇÃO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS DAÍ DECORRENTES –
RESPONSABILIDADE CIVIL DO CINEMA E DO CONDOMÍNIO (SHOPPING)
RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, COM FULCRO NA TEORIA
DO RISCO (APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR), BEM
COMO NO DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE VIGILÂNCIA. INSURGÊNCIA
RECURSAL DAS RÉS. Hipótese em que o autor pleiteia a compensação dos
danos extrapatrimoniais decorrente do abalo psicológico experimentado
em virtude de conduta criminosa praticada por estudante que, portando

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arma de fogo de uso restrito das Forças Armadas, desfere tiros a
esmo em sala de cinema localizada no interior do Shopping Morumbi,
atingindo alguns dos espectadores lá presentes. Responsabilidade civil
do cinema e do condomínio (shopping) reconhecida pelas instâncias
ordinárias, com fulcro na teoria do risco do empreendimento (atividade)
e no descumprimento do dever de vigilância. [...]. 2.1. Nos termos do
artigo 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, o fato de
terceiro afasta a causalidade e, em conseguinte, a responsabilidade
do fornecedor de serviços. Na hipótese, o fato de terceiro, que efetua
disparos de arma de fogo de uso restrito, no interior de uma sala de
projeção, atingindo os espectadores que ali estavam, é circunstância apta
a romper o nexo de causalidade entre os alegados danos e a conduta do
condomínio (shopping) e cinema, consubstanciado evento imprevisível,
inevitável e autônomo. 2.2. “Não se revela razoável exigir das equipes de
segurança de um cinema ou de uma administradora de shopping center
que previssem, evitassem ou estivessem antecipadamente preparadas
para conter os danos resultantes de uma investida homicida promovida por
terceiro usuário, mesmo porque tais medidas não estão compreendidas
entre os deveres e cuidados ordinariamente exigidos de estabelecimentos
comerciais de tais espécies”. (REsp 1384630/SP, Rel. Ministro PAULO
DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2014). 2.3. Assim,
se o shopping e o cinema não concorreram para a eclosão do evento
que ocasionou os alegados danos morais, não há que se lhes imputar
qualquer responsabilidade, sendo certo que esta deve ser atribuída, com
exclusividade, em hipóteses tais, a quem praticou a conduta danosa,
ensejando, assim, o reconhecimento do fato de terceiro, excludente
do nexo de causalidade e, em consequência, do dever de indenizar (art.
14, §3º, inc. II, CDC). 3. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS, a fim de julgar
improcedente o pedido veiculado na ação condenatório, invertendo-se
os ônus sucumbenciais, observado o benefício da assistência judiciária
gratuita. (REsp nº 1.133.731/SP, Ministro Relator Marco Buzzi, julgado em
12/08/2014). (Grifos meus).

Confere-se que a responsabilidade é objetiva, ou seja, necessária somente


a comprovação do dano e do nexo causal para que haja a responsabilidade.
Igualmente, verifica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor,
atribuindo o dever de provar a inexistência do defeito ou a responsabilidade
do consumidor e/ou terceiro ao fornecedor.

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FIQUE
ATENTO

Na seção referente à responsabilidade pelo fato do produto e


do serviço, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do
evento.

Cabe, por fim, ressaltar que, de acordo com o artigo 27 do Código Consumerista,
prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por
fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do
conhecimento do dano e de sua autoria

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REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo


Roscoe. Manual de direito do consumidor. 6.ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2014.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 4.ed. São


Paulo: Atlas, 2014.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado e


jurisprudência. 11.ed. Bahia: JusPodivum, 2015.

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno.


Comentários ao código de defesa do consumidor. 4.ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013.

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5.ed. São Paulo: Editora


Revista dos Tribunais, 2014.

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