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Lesividade do consumidor: Vício e fato do produto ou serviço, prescrição e


decadência no CDC.

O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei 8.078/1990 –


consagra como regra a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores de
produtos e prestadores de serviços, pelos prejuízos causados aos consumidores. Tal
opção visa a facilitar a tutela dos direitos do consumidor, em prol da reparação integral
dos danos. Desse modo, não tem o consumidor o ônus de comprovar a culpa dos
fornecedores nas hipóteses de vícios ou defeitos dos produtos ou serviços. No entanto, a
regra da responsabilidade objetiva do Código Consumerista é quebrada em relação aos
profissionais liberais que prestam serviço, uma vez que somente respondem mediante a
prova de culpa (responsabilidade subjetiva).
O CDC apresenta quatro situações básicas de responsabilidade civil:
responsabilidade pelo vício do produto; responsabilidade pelo fato do produto (defeito);
responsabilidade pelo vício do serviço; e responsabilidade pelo fato do serviço (defeito).
Primeiramente, cabe diferenciar o vício do fato ou defeito. No vício, seja do produto ou
do serviço, o problema fica restrito aos limites do bem de consumo, sem outras
repercussões (prejuízos intrínsecos). Por outro lado, no fato ou defeito, seja também do
produto ou serviço, há outras decorrências, como é o caso de outros danos materiais, de
danos morais e dos danos estéticos (prejuízos extrínsecos). Por exemplo, se determinado
consumidor compra um ferro de passar roupas e, ao passar uma camisa em sua casa, o
aparelho explode, não atingindo nada nem ninguém, está presente o vício do produto.
Por outro lado, se o mesmo eletrodoméstico explode, causando danos físicos no
consumidor, há fato do produto ou defeito.
Em relação ao vício do produto, este ocorre quando existe um problema oculto
ou aparente no bem de consumo, que o torna impróprio para uso ou diminui o seu valor,
tido como um vício por inadequação. A responsabilidade pelo vício do produto é
objetiva e decorre do inadimplemento do contrato de consumo por parte do fornecedor,
não sendo necessária a ocorrência de dano efetivo ao consumidor.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, os vícios do produto podem
ser de qualidade ou de quantidade, sendo aqueles características que tornam o produto
impróprio ao consumo a que se destinam ou diminuem o seu valor, enquanto estes
caracterizam-se pela divergência quanto ao peso, tamanho ou volume do produto em
relação às indicações constantes na embalagem ou mensagem publicitária. Ademais, os
vícios do produto poderão ser ocultos, isto é, de difícil constatação, para conhecê-lo
deverá o consumidor utilizar efetivamente o produto, ou aparentes, ou seja, de fácil
constatação, independendo mesmo da utilização do produto para sua verificação.
O CDC elenca algumas situações em que o vício do produto está presente, pois
os bens são considerados impróprios para uso e consumo, entre elas, produtos perecíveis
cujos prazos de validade estejam vencidos, produtos deteriorados, alterados, nocivos à
saúde, em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição e
apresentação, e produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a
que se destinam, como por exemplo, um brinquedo que pode causar danos às crianças.
Ressalta-se que o vício do produto não se confunde com as deteriorações
normais decorrentes do uso da coisa, desse modo, o fornecedor responderá por vício
oculto de produto durável decorrente da própria fabricação e não do desgaste natural
gerado pelo uso ordinário. Ademais, no vício do produto, a responsabilidade será
solidária entre todos os envolvidos com o fornecimento, caso do fabricante, do produtor
e do comerciante, exceto em duas situações específicas, trazidas pelo CDC.
A primeira exceção tem relação com os produtos fornecidos in natura,
respondendo perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado
claramente seu produtor. Já na segunda exceção, o fornecedor imediato – no caso, o
comerciante – será responsável pelo vício de quantidade quando fizer a pesagem ou a
medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais. No
entanto, os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do
produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo
líquido for inferior às indicações constantes do recipiente.
Nos casos de vício de qualidade no produto, o consumidor poderá exigir,
alternativamente, de acordo com a sua livre escolha: I) a substituição do produto por
outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso. Tendo o consumidor optado por
essa alternativa, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição
por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou
restituição de eventual diferença de preço; II) a restituição imediata da quantia paga,
monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III) o abatimento
proporcional do preço. Exemplo: se houve um problema estrutural no automóvel e o
consumidor fez a opção em consertá-lo por conta própria, terá direito ao valor que teve
que desembolsar pelo reparo. Por outro lado, presente o vício de quantidade no produto,
além destas alternativas, o consumidor também poderá exigir a complementação do
peso ou medida.
Já no fato do produto ou defeito estão presentes outras consequências além do
próprio produto, outros danos suportados pelo consumidor, a gerar a responsabilidade
objetiva direta e imediata do fabricante. Além disso, há a responsabilidade subsidiária
ou mediata do comerciante ou de quem o substitua.
Há alguns parâmetros ilustrativos da caracterização do produto defeituoso,
havendo tal enquadramento quando o mesmo não oferece a segurança que dele se
espera, os quais levarão em consideração circunstâncias relevantes: a) sua apresentação;
b) o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; c) a época em que foi colocado
em circulação.
Esse defeitos podem ser defeitos de projeto ou concepção – aqueles que atingem
a própria apresentação ou essência do produto, que gera danos independentemente de
qualquer fator externo (ex. cigarro); defeitos de execução, produção ou fabricação –
relativos a falhas do dever de segurança quando da colocação do produto ou serviço no
meio de consumo; e defeitos de informação ou comercialização – aqueles decorrentes
da apresentação ou informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição ou
riscos.
Em relação à responsabilidade civil pelo vício do serviço, aplica-se a regra de
solidariedade, entre todos os envolvidos com a prestação. São considerados como
impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente
deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de
prestabilidade ou apresentem disparidade com as indicações constantes da oferta ou
mensagem publicitária.
Nesse sentido, quando serviços são mal prestados, sem outras repercussões, além
do próprio bem de consumo, o consumidor prejudicado pode exigir, alternativamente, e
de acordo com a sua livre escolha: I) a reexecução dos serviços, sem custo adicional e
quando cabível; II) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,
sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III) o abatimento proporcional do preço, nos
casos em que do serviço se tem menos do que se espera.
Quanto à responsabilidade civil pelo fato do serviço ou defeito (acidente de
consumo), esta é objetiva e solidária entre todos os envolvidos com a prestação, sendo
que além do próprio serviço como bem de consumo, tem-se outros danos. O serviço é
defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar,
levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo de seu
fornecimento; o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em
que foi fornecido. A responsabilidade do prestador de serviços pelo acidente de
consumo independe da existência de culpa, com exceção do profissional liberal, cuja
responsabilidade poderá ser subjetiva.
Os prazos para reclamar o vício do produto – seja ele de qualidade ou de
quantidade – são decadenciais, nos termos do art. 26 do CDC, eis que as ações
correspondentes são constitutivas negativas. Desse modo, escoados os prazos, ocorrerá
a extinção da ação proposta, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV, do
Código de Processo Civil.
O prazo decadencial será de trinta dias, tratando-se de fornecimento de produtos
não duráveis, que são aqueles que se extinguem em um único ato de consumo,
porquanto imediato o seu desgaste (exemplos: gêneros alimentícios); e de noventa dias,
tratando-se de fornecimento de produtos duráveis, que são aqueles fabricados para
servir durante determinado transcurso temporal, que variará conforme a qualidade do
produto, o grau de utilização, os cuidados do usuário e o meio ambiente no qual está
inserido (exemplos: automóveis, imóveis, aparelhos celulares e eletrodomésticos). Em
caso de dúvida, ou seja, se não restar claro se o produto é durável ou não, deve-se
entender pela aplicação do prazo maior de noventa dias, decorrência do princípio da
proteção do consumidor.
Quanto ao início da contagem dos prazos, se o vício for aparente ou de fácil
constatação, contará a partir da entrega efetiva do produto. Por exemplo, a falta de peças
de um faqueiro adquirido, perceptível de imediato. Porém, no caso de vício oculto, o
prazo inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito. Exemplo: caso em que
o barulho do veículo somente pode ser percebido após uma determinada velocidade
atingida. Ademais, se existir garantia contratual, o início da contagem do prazo
decadencial se dará depois de encerrada a garantia contratual.
Obstam (inibem) a decadência: a reclamação comprovadamente formulada pelo
consumidor ao fornecedor, até a respectiva resposta, o que deve ocorrer de forma
inequívoca; e a instauração do inquérito civil pelo Ministério Público até o seu
encerramento. O inquérito civil é um procedimento administrativo que visa a investigar
ou a dirimir situações de lesão a direitos coletivos, caso dos direitos dos consumidores.
Em se tratando de fato do produto ou defeito, o consumidor prejudicado pode
manejar uma ação de reparação de danos contra o agente causador do prejuízo, o que é
decorrência direta do princípio da reparação integral. Tal demanda condenatória está
sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto pelo CDC para o acidente de
consumo. Importa mencionar que a prescrição, no sistema jurídico brasileiro, atinge não
o direito, mas a pretensão. A pretensão é a exigibilidade do direito, que nasce a partir do
instante em que o direito é violado. O prazo prescricional, no direito do consumidor,
será contado a partir da ciência do dano e do conhecimento de sua autoria, devendo
haver essa dupla ciência para início da contagem do prazo.
Os prazos para reclamação dos vícios do serviço são aqueles decadenciais
previstos para reclamar os vícios do produto. Desse modo, os prazos serão de trinta dias,
no caso de serviços não duráveis, e de noventa dias para os serviços duráveis. Tais
prazos serão contados da execução do serviço (vício aparente) ou do seu conhecimento
(vício oculto). Na prática, muitas vezes haverá certa dificuldade ao apontar se o serviço
é durável ou não. Nestes casos, aplicando-se a interpretação mais favorável ao
consumidor, o prazo a ser computado é de noventa dias. Ademais, os prazos
decadenciais dos vícios do serviço também podem ser obstados, seguindo as mesmas
regras quanto aos vícios do produto.
Finalmente, tal qual nos danos decorrentes de fato do produto ou defeito, incide
o prazo prescricional de cinco anos para a ação de reparação de danos decorrentes do
fato do serviço ou defeito, iniciando-se a sua contagem a partir do conhecimento do
dano e de sua autoria.

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