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X.

Contratos por Adesão


De suma relevância para a análise do caso ora estudado é o exame dos contratos
por adesão, categoria contratual bastante afeita ao Direito do Consumidor. Passar-se-á a
breve conceituação e panorama do regime jurídico desse fenômeno para, ulteriormente,
valorar criticamente o deslinde do julgado do STJ.

O contrato por adesão ocorre quando há ausência de tratativas negociais quanto


à maior parte do regramento contratual, por imposição de um dos contratantes1. Nota-
se que não se exige a definição prévia de todo o contrato; ao contrário, muitas vezes os
elementos categoriais inderrogáveis serão abertos a alguma barganha, mormente o preço
nos contratos de intercâmbio. Tampouco se subsome a tal categoria jurídica o contrato
que, contingentemente, foi formado com a aceitação integral da proposta pelo oblato,
sem qualquer negociação preliminar. Nessa hipótese, a negociação das cláusulas
contratuais não estava, expressa ou tacitamente, descartada pelo policitante, mas não se
deu exatamente pela satisfação da contraparte com tal oferta.

Nas relações de consumo, os contratos por adesão são importante técnica de


padronização das contratações massificadas de um agente econômico, possibilitando-o a
calculabilidade de seus riscos e custos. No longo prazo, maximiza o bem-estar de todos
ao tornar o empreendimento mais eficiente. Por outro lado, possibilitam a perenização
da desigualdade de poder entre os contratantes por meio da redação de cláusulas
desequilibradas em favor do proponente. Além do simples desnível de poderio
econômico, a adesão contratual com mais razão ocorre nos monopólios de fato e nos
chamados contratos necessários, isto é, impostos por obrigação legal, por vezes com um
único contratante.

Consciente da injustiça potencial do método da adesão nas relações de consumo,


o Direito desenvolveu instrumentos para tutelar o aderente, que podem ser
sistematizados nos campos da (i) interpretação do negócio jurídico e da (ii) nulidade de
certas disposições contratuais. Quanto à interpretação, o ordenamento pátrio realiza
primeiramente a expansão dos elementos que compõem o negócio jurídico em
comparação com o regramento de Direito comum2. O art. 30 do CDC determina a
inclusão no contrato de qualquer informação ‘suficientemente precisa’ dada pelo
1
Sobre o conceito adotado e uma discussão de seus elementos secundários, cf. MARQUES, Cláudia Lima.
Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p.54 e ss.
2
Sobre as peculiaridades interpretativas do Direito do Consumidor no Direito brasileiro, cf. MARINO,
Francisco. Interpretação do Negócio Jurídico, pp.274-279
fornecedor, sob qualquer forma (verbal, escrita ou mesmo tácita), sobre suas prestações
no conteúdo contratual. A pluralidade de fontes interpretativas favorece a existência de
contradições ou ambiguidades no contrato, que são resolvidas pela regra da
interpretação favorável ao consumidor (art. 47 do CDC). Essa norma interpretativa
prevalece, inclusive, sobre a função interpretativa dos usos e costumes (art. 113 do CC),
contribuindo para a proteção do consumidor.

Além dessas proteções interpretativas aplicáveis a qualquer consumidor, ao


consumidor-aderente confere-se regime jurídico ainda mais protetiva na esfera das
nulidades contratuais. Por força do art. 54, §3°, as cláusulas do contrato de adesão
devem ser redigidas com tamanho adequado para a leitura e em linguajar de fácil
compreensão para o leigo nas ciências jurídicas. De forma ainda mais relevante, exige-
se que toda cláusula restritiva de posições jurídicas do consumidor seja disposta de
modo destacado, para permitir sua ‘imediata’ compreensão. Pelo diálogo de fontes,
aplica-se a norma do art. 424 do CC, que veda a renúncia a qualquer direito resultante
das normas dispositivas do tipo contratual por parte do consumidor-aderente.

Todos esses dispositivos concretizam o princípio da transparência nas relações


de consumo (art. 6°, III), facultando ao consumidor o conhecimento prévio e efetivo de
todas as condições desfavoráveis do contrato. Mais, a abusividade das cláusulas deve
ser examinada com rigor ainda maior em se tratando de contrato por adesão, para tutelar
a vulnerabilidade do consumidor. Cabe destacar o importante papel do Ministério
Público no controle abstrato de cláusulas abusivas, realizadas por meio de ações
coletivas de direitos difusos3. Nessa espécie de controle, as cláusulas devem ser
interpretadas da pior forma para o consumidor, para que, mesmo em seu sentido mais
desfavorável, não ofendam os princípios do ordenamento4.

Ante a principiologia exposta, assenta-se o acerto do julgado do STJ. In casu, o


consumidor-aderente pactuou contrato cujo conteúdo estava impresso na própria cártula
de ‘raspadinha’ que tinha adquirido. A cláusula desfavorável, que exigia a aposição da
expressão ‘0800’ na cédula para o direito ao prêmio contratado, estava escrita em letra
de tamanho inferior ao permitido e colocada em posição diferente do local a ser
raspado. Por isso, ainda que houvesse destaque em negrito e sublinhado, não se realizou

3
Sobre a atuação do Ministério Público nas ações coletivas de consumo, em conformidade com o
microssistema de processo coletivo, cf. DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v.4, pp.50-65.
4
MARINO, cit., p.281.
o efetivo conhecimento do consumidor das circunstâncias limitadoras de seu direito, de
modo que, em sede de contato por adesão, se impõe sua nulidade.

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