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Prova: DPM 0421 – Direito Penal III (Parte Especial)

Caio Xavier/ 13-191/ 10776252

1) Há controvérsia quanto à exigência da individualização e comprovação do ato de


ofício que, em tese, deveria ser praticado pelo intraneus para a consumação dos crimes
de corrupção ativa e passiva. Antes de analisar os argumentos doutrinários, impende
salientar que somente o tipo da corrupção ativa faz referência expressa ao ato de ofício,
enquanto a corrupção passiva exige que a vantagem indevida seja solicitada ou recebida
em razão da função.

Em favor da imprescindibilidade do ato de ofício, parte da doutrina aponta dois


argumentos principais: (i) bilateralidade do delito, que justificaria a interpretação
sistemática do art. 317 com base no art. 333; e (ii) maior segurança jurídica na medida
em que permite distinguir a corrupção do regalo desinteressado ao funcionário público.

Quanto à bilateralidade do delito, sustenta-se que, apesar de figuras típicas


distintas, as condutas delituosas seriam essencialmente interdependentes. Caso fosse
dispensado o ato de ofício para a corrupção passiva, haveria situação inadmissível na
qual somente o funcionário público seria condenado, sem a reprimenda do extraneus.
Ao lado desse argumento sistemático, considera-se que a especificação do ato de ofício
objetivado pela entrega da vantagem seria a forma mais objetiva de distinguir a
corrupção de situações comuns nas repartições públicas, como presentes do fim de ano
ou alguma honraria pública. O ato de ofício também seria o elemento de conexão entre a
função pública e o recebimento da vantagem, sem que essa ligação dependesse de outras
circunstâncias mais abstratas.

Entretanto, não considero correta essa posição. A omissão do ato de ofício no


tipo da corrupção passiva não foi descuido do legislador, mas silêncio eloquente com o
objetivo de estabelecer tutela penal mais severa para o funcionário público. Com efeito,
se o bem jurídico tutelado é a moralidade da Administração, é razoável supor que há
maior exigência probatória para a condenação da corrupção praticada por particular em
oposição àquele que gere a res publica. Com efeito, o recebimento de vantagem
indevida por funcionário, no mais das vezes somas estratosféricas em dinheiro,
configura lesão suficiente à respeitabilidade do Estado a ensejar a reprovabilidade penal.
Portanto, penso que somente a corrupção ativa exige a demonstração do ato de ofício
para a consumação delitiva.

Convém enfrentar explicitamente os argumentos favoráveis à exigência do ato


de ofício mesmo para a corrupção passiva. Discordo de que haja bilateralidade no crime
de corrupção. Na realidade, o CP expressamente excepcionou a teoria monista do delito
para prever figuras típicas autônomas. Também no âmbito material, a unilateralidade
depreende-se da consumação do delito com a mera oferta ou solicitação da vontade, sem
qualquer participação do interlocutor, e da natureza distinta do dever violado, em razão
do delito de dever existente em relação ao funcionário público.

Finalmente, considero que a distinção entre a corrupção passiva e o recebimento


de presente dado desinteressadamente pode ser realizada com base no elemento
normativo do tipo, a vantagem indevida. Esse desvalor feito à vantagem oferecida é
suficiente para reprovar somente as ações que visam a violar a moralidade pública.
Outrossim, no mais das vezes os crimes de corrupção que resultam em condenação em
nada se assemelham com simples benesses de fim de ano, de modo que não há risco real
de insegurança jurídica.

No que tange à possibilidade de tentativa dos delitos de corrupção ativa e


passiva, entendo que, em regra, ela não pode ocorrer. Isso porque esses delitos são
formais, bastando o mero oferecimento ou solicitação da vantagem indevida para a
consumação do delito. O efetivo acordo de vontades ou a efetiva prática do ato de ofício
são somente circunstâncias a serem valoradas em dosimetria de pena. A única hipótese
de tentativa, bastante rara, é se a solicitação ou oferecimento forem realizados de forma
plurissubsistente (p.ex. pela emissão de carta), quando a execução pode ser
interrompida.

2) O delito de concussão exige para seu aperfeiçoamento típico a exigência por parte de
funcionário público em razão da função de vantagem indevida para si ou para terceiro.
O núcleo da conduta é exigir, que implica uma solicitação com algum nível de
constrangimento em face do particular. Esse constrangimento pode consistir, por
exemplo, na ameaça de multa ou outra penalidade administrativa ou mesmo uma
insinuação genérica de algum mal ao extraneus. Faz-se necessário sublinhar a
necessidade de ligação entre o ato de exigir e a função do agente, para que se configure
uma violação do especial dever de probidade do agente público.
A grande controvérsia ocorre quando o funcionário público emprega violência
ou grave ameaça como modo de exigir a vantagem indevida. Surge aí o conflito
aparente de normas com o delito de extorsão. Um primeiro critério de diferenciação é
natureza da vantagem exigida: caso a vantagem seja não-patrimonial, não se poderá
cogitar da extorsão, cujo tipo faz referência expressa a vantagem econômica. Já a
concussão, por se tratar de crime contra a Administração Pública, objetiva tutelar a
probidade do agente público, de modo que se consuma com a exigência de qualquer
espécie de vantagem (moral, sexual, etc.). Entretanto, como no mais das vezes a
concussão também ocorre em relação a vantagem pecuniária, devem-se aprofundar os
critérios de distinção.

De acordo com doutrina e jurisprudência majoritária, a exigência por funcionário


público de vantagem econômica indevida por meio de violência ou grave ameaça é
modalidade de extorsão, restando absorvida a concussão pelo desvalor do delito
patrimonial. Afirma-se que, na concussão, o particular deve ceder ao constrangimento
por temor genérico do funcionário (metus auctoritatis causa) ou por ameaças
simplesmente patrimoniais, como autos de infração ou apreensões de veículo.

Esse não é a melhor fundamentação em termos de consunção de delitos. Não


apenas a concussão tutela a moralidade da Administração Pública, como o legislador
antecipou a tutela penal ao tipificar a mera exigência da vantagem, independentemente
da efetiva entrega. Assim, enquanto na concussão se tutela um valor supraindividual de
forma antecipada, a extorsão preocupa-se com a liberdade individual da vítima e requer
a ocorrência do resultado delitivo. Um último elemento da maior gravidade da
concussão é a pena abstratamente cominada mais elevada. Dessa forma, em termos de
desvalor da conduta, a concussão deve absorver a extorsão.

Todavia, há outra razão que justifica a ocorrência da extorsão na maior parte dos
casos em que há dúvida entre as figuras típicas. A concussão exige que o ato de
exigência guarde relação com a função do agente público e suas atribuições legais. Ora,
no mais das vezes, os funcionários não podem empregar violência ou grave ameaça (que
não compreende a simples multa administrativa) sem incorrerem em teratológico abuso
de suas funções. Mesmo membros da força policial só estão autorizados ao emprego da
força em situações bastante delimitadas, fora das quais haverá o delito de extorsão puro
e simples.
Assim, o constrangimento por esses meios só perfará a concussão nas
excepcionais hipóteses em que a atividade pública pode, se praticada tendenciosamente,
gerar violência ou grave ameaça ao particular. Ilustrativamente, cogita-se do magistrado
que ameaça denegar habeas corpus e manter o particular indevidamente no cárcere ou o
médico público que ameaça aplicar tratamento mortífero ao usuário do serviço público
de saúde.

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