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Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem,
direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
(Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em
conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou
deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo
dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda
ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou
influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

1 INTRODUÇÃO. BEM JURÍDICO PROTEGIDO. RESULTADO


NORMATIVO

A corrupção conforme estabelece nosso Código Penal é dividida em


duas espécies. A corrupção ativa que tem como escopo punir o corruptor,
isto é, aquele que corrompe. A outra forma de corrupção é denominada de
corrupção passiva e busca punir o funcionário público corrompido.
Sob o ponto de vista histórico, a corrupção nasce com as relações
humanas, por isso é possível afirmar que ela é um mal que assola a
administração pública desde sempre, não sendo uma exclusividade do
Estado brasileiro1.

1 “A corrupção, como já destacamos, não representa um problema novo, e tampouco é


característica de determinado regime ou forma de governo, mas acompanha a civilização
humana ao longo dos tempos, recebendo, contemporaneamente, a preocupação de organismos
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Bitencourt (2013, p. 110-111) a respeito da corrupção faz uma


digressão histórica desta no ordenamento jurídico pátrio: “As Ordenações
Filipinas puniam os oficiais do Rei que recebessem "serviços ou peitas", assim
como as partes que lhes dessem ou prometessem. Excluíam, contudo, da
criminalização o "recebimento de pão, vinho, carnes, frutas e outras cousas de
comer, que, entre os parentes e amigos se costumam dar e receber". O Código
Criminal do Império (1830) distinguia a peita (art. 130), na qual a corrupção
corporificava-se por meio do dinheiro ou qualquer outro donativo, e o suborno
(art. 133), que era a corrupção por meio da influência ou do peditório. O art.
131 tipificava especificamente a peita relativa aos magistrados. O Código
Penal de 1890, por sua vez, que empregava a mesma terminologia, reunia
numa única "seção", sob o nomen iuris de "peita ou suborno", as mesmas
modalidades de corrupção, que eram contempladas separadamente pelo
diploma legal anterior, ou seja, disciplinando, separadamente, a corrupção
ativa e passiva.
O Código Penal de 1940, finalmente, inspirado no Código suíço,
disciplinou não apenas em dispositivos separados, mas também em capítulos
distintos, a corrupção passiva e a corrupção ativa, rompendo, em tese, a
bilateralidade obrigatória dessa infração penal que, via de regra, pode
consumar-se a passiva, independentemente da correspondente prática da
ativa, e vice-versa”.
O bem jurídico protegido no delito de corrupção passiva é a
administração pública nos seus aspectos/interesse moral e patrimonial.

internacionais, como ocorre, por exemplo, com a "Convenção Interamericana contra a


Corrupção", primeiro tratado internacional sobre o tema, ao determinar que "cada Estado-
parte proibirá e sancionará o ato de oferecer ou prometer a um funcionário público de outro
Estado, direta ou indiretamente, através de seus nacionais, pessoas que têm residência
habitual em seu território e empresas nele domiciliadas, qualquer objeto de valor pecuniário
ou outros benefícios como presentes, favores, promessas ou vantagens, para que, em troca, o
dito funcionário realize ou omita qualquer ato, no exercício de suas funções públicas,
relacionado com uma transação de natureza econômica ou comercial. Entre aqueles Estados-
partes que hajam tipificado o delito de suborno transnacional, este será considerado um ato
de corrupção para os propósitos da presente convenção" (art. 8°). (Bitencourt, 2013, p. 112)
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Como explanado anteriormente, a idéia de administração pública que o


legislador aplica neste Título é muito mais ampla que a noção trazida pelos
administrativistas, que quando utilizam a expressão “administração pública”
tratam basicamente do Poder Executivo, e das funções executivas realizadas
pelos órgãos estatais. Penalmente falando esse conceito é muito mais amplo,
pois se pode entender por administração pública todos os órgãos estatais da
administração direta (União, Estados Federados, Distrito Federal e
Municípios) e indireta (autarquias, fundações públicas, etc.), assim como os
órgãos públicos relacionados aos outros Poderes (Legislativo e Judiciário)2.
Protege-se secundariamente neste delito, o patrimônio (crime
contra o patrimônio) do particular lesionado pela conduta do agente, desde
que ele não tenha cometido concorrentemente a corrupção ativa. Por isso,
entendemos que o delito de corrupção passiva é simples (lesiona apenas um
bem jurídico com a conduta).
O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico
protegido, resultado de uma conduta dolosa oriunda de um incremento de
risco. É irrelevante para a sua configuração qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS

O delito é composto pelo caput e mais dois parágrafos. No caput,


o tipo apresenta a forma básica dolosa que consiste nos atos de receber ou
solicitar, para si o para outrem, direta ou indiretamente, a vantagem
indevida ou aceitar a promessa dessa vantagem. O parágrafo primeiro traz
uma causa de aumento de pena de natureza objetiva, que incide se o

2 Observação importante é feita por Bitencourt (2013, p. 111) a respeito da corrupção


passiva praticada por juízes de direito: “O Código Penal brasileiro não distingue a corrupção
praticada por juízes, que historicamente sempre foi punida com mais severidade, e que os
doutrinadores antigos consideravam infração de maior gravidade. Heleno Fragoso recordava
que, segundo Noialle, ‘a corrupção dos juízes é o mais vil e perigoso dos crimes, pois é
possível nos defendermos dos assassinos e dos ladrões, mas não dos juízes corrompidos que
nos ferem com a espada da lei e nos degolam em seus gabinetes, tornando-se cúmplices
infames da injustiça que lhes cumpre proscrever’”.
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agente efetivamente praticar, retardar ou deixar de praticar ato de ofício ou


com infringência do dever funcional. Por fim, o parágrafo segundo traz uma
privilegiadora que é aplicável quando o agente pratica, deixa de realizar ou
retarda ato de ofício ou com infração ao dever funcional, cedendo a pedido
ou influência de outrem.

3 SUJEITOS DO DELITO

O crime de corrupção passiva é delito próprio, pois só o


funcionário público em razão de função pode praticá-lo. Isso significa que o
agente não precisa estar no exercício da função pública, sendo apenas
necessário que haja em razão dela, isto é, ele já possui a condição (não
importa se está de férias, licenciado ou ainda não ter iniciado o seu
exercício).
O delito admite todas as modalidades de concurso de pessoas
(coautoria e participação), inclusive podendo ser extensível a indivíduos
que não possua a qualidade profissional, bastando apenas que exista a
intenção de praticar o mesmo delito e que o coagente saiba da condição de
funcionário público do outro. É possível a participação de particular no delito
de corrupção passiva, em face da comunicabilidade das condições de caráter
pessoal elementares do crime (STJ, HC 17716/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª
T., RSTJ 161, p. 520)
Alertamos, porém, que o art. 317 traz uma exceção à Teoria
Monista ou Unitária do Concurso de Pessoas, visto que o corrupto e o
corruptor respondem por delitos diferentes (ver em Guilherme Nucci, 2009,
p. 1004). O funcionário público que solicita, pratica o delito de corrupção
passiva, independentemente de o terceiro concordar com o pedido; por sua
vez, se o servidor aceita a proposta ou recebe a vantagem, continuará
respondendo por corrupção passiva, enquanto que o corruptor, isto é, aquele
que ofertou ou entregou a vantagem para o corrupto responde pelo delito do
art. 333 (corrupção ativa)3.

3 Ver nas questões relevantes o item 11.5 que trata a respeito da bilateralidade do crime de
concussão.
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Se a conduta corrupta for realizada por testemunha, perito,


tradutor ou intérprete judicial o delito será o do § 1° do art. 342 do Código
Penal. Tratando-se de crime funcional contra a ordem tributária aplicar-se-á
o disposto no art. 3°, inciso II, da Lei n. 8.137/1990. O jurado também pode
ser sujeito ativo do delito porque está sujeito as mesmas responsabilidades
penais que os juízes togados (art. 445 do CPP)4.
O sujeito passivo imediato ou constante é o Estado, principal
interessado no regular funcionamento das atividades por ele promovidas.
Também pode ser vítima o particular (pessoa natural ou jurídica) atingido
pela conduta do agente.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

Antes de adentrarmos na análise das condutas típicas,


gostaríamos de apresentar o conceito de corrupção passiva trazido por
Damásio de Jesus (2013, p. 206): “A corrupção passiva pode ser considerada
uma forma de ‘mercancia’ de atos de ofício que devem ser realizados pelo
funcionário. Por essa razão, desde há muito criou-se a prática repressiva nas
diversas legislações penais, punindo-se com severidade a corrupção daqueles
que têm certa autoridade e poder dentro do exercício da função pública. (...) É
um delito que apresenta um conteúdo torpe, atingindo o Estado no que diz
respeito à Administração Pública”.
As condutas descritas no tipo penal são solicitar (pedir, requerer)
ou receber (tomar para si o que lhe é oferecido, acolher) vantagem indevida (é
aquela proibida ou não autorizada pela lei) ou aceitar (receber, admitir o
recebimento) a promessa de receber no futuro a vantagem indevida.
A solicitação pode ser direta (o sujeito ativo se manifesta
explicitamente, inequivocamente perante o terceiro, seja frente a frente ou
por escrito) ou indireta (o agente faz por meio de “preposto” ou
intermediário). Deve-se ter claro, que no solicitar a conduta parte do sujeito

4 Art. 445. O jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável


criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados. (Redação dada pela Lei
n.º 11.689, de 2008).
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ativo, podendo ser unilateral, isto é, pode ser que o terceiro não aceite a
solicitação que lhe foi feita. Como forma de ser praticada a solicitação pode
ser expressa, velada, insinuada e etc.
Conforme Guilherme Nucci (2009, p. 1002) afirma, o ato de
recebimento pressupõe necessariamente um delito bilateral, vez que depende
da conduta do corruptor (agente do delito de corrupção ativa). A não
identificação do autor que entrega ou dá a vantagem ao funcionário público,
não impede a punição do corrupto, mas é consequência natural do
julgamento, a absolvição do “corruptor” vir seguida da absolvição do
“corrupto”.
Mister se faz salientar que o funcionário público precisa agir no
exercício ou em razão da função, independentemente de estar
temporariamente fora dela ou antes do início do seu exercício. Em resumo: o
agente não precisa estar no exercício efetivo da função pública, sendo
apenas necessário que haja em razão dela, isto é, desde que ele já possua a
condição (não importa se está de férias, licenciado ou ainda não ter iniciado
o exercício).
A doutrina apresenta duas classificações de corrupção passiva.
Na primeira classificação, a corrupção pode ser: a própria e a
imprópria. Na corrupção própria, o ato que o funcionário público realizará,
retardará ou deixará de fazer é ilícito ou contrário aos atos permitidos para a
função exercida, ou seja, é vedado pela legislação. Já na corrupção
imprópria, o ato funcional é permitido, o que o agente faz é beneficiar
indevidamente o particular. Vamos aos exemplos: o agente que solicita
vantagem para destruir documentos importantes em poder da
administração, pratica corrupção passiva própria, pois nenhum servidor
pode destruir documentos sem autorização expressa em lei ou pela
autoridade competente. Quando o agente solicita vantagem para acelerar a
expedição de um documento que deverá ser emitido, realiza corrupção
passiva imprópria, visto que o ato era permitido, mas a expedição rápida
privilegiou o agente em detrimento dos demais administrados. Damásio
(2013, p. 207) afirma que em ambas as modalidades “deve haver nexo de
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causalidade entre a conduta do funcionário e a realização do ato funcional.


Caso contrário, inexistirá o delito questionado, podendo surgir outro”.
A segunda classificação divide a corrupção passiva em antecedente
e subsequente. A corrupção é antecedente quando a vantagem é ofertada ou
prometida tem como objeto uma ação ou omissão futura por parte do sujeito
ativo. Por outro lado, a corrupção é subsequente quando a conduta
comissiva ou omissiva for pretérita. Em princípio, o entendimento é de que
só há adequação típica na corrupção antecedente, porém, Rogério Greco
(2014, p. 1027) questiona esse entendimento: “Não é exato dizer que o nosso
Código não contempla a corruptio subsequens. O art. 317, caput, não pode ser
interpretado no sentido de tal conclusão. O legislador pátrio não rejeitou o
critério que remonta ao direito romano: mesmo a recompensa não ajustada
antes do ato ou omissão do intraneus pode ter sido esperada por este,
sabendo ele que o extraneus é homem rico e liberal, ou acostumado a
gratificar a quem o serve, além de que, como argumentava Giuliani (apud
Carrara), a opinião pública, não deixaria de vincular a esse esperança a
anterior conduta do exercente da função pública, o que redundaria em
fundada desconfiança em torno da administração do Estado”. Damásio de
Jesus (2013, p. 207) sobre a tipicidade de ambas nos diz: “Nosso CP, sem
fazer distinção, pune as duas formas”.
O objeto material é a vantagem indevida. Tal vantagem não pode
ser algo impossível ou não factível de ser obtido, isto é, o benefício deve ser
capaz de estimular na mente do funcionário público uma cobiça verdadeira.
No entendimento de Rogério Greco (2014, p. 1029) os verbos núcleos
solicitar, receber e aceitar são praticados de forma comissiva, mas também
podem ser realizados por meio de omissão imprópria. Como comentaremos
adiante, compreendemos que não é admissível tal entendimento na
modalidade do caput, por tratar-se de um delito formal, que não prevê
resultado.
Discute-se ainda se essa vantagem precisa ser necessariamente
econômica, o que em nosso entender não precisa ser. Com o mesmo
entendimento, Cezar R. Bitencourt (2013, p. 117) e Mirabete (2013, p. 301)
afirmam que a vantagem indevida não precisa ser econômica (corrente
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minoritária). Se a vantagem solicitada, recebida ou aceita for devida, não se


configurará o crime de corrupção passiva, podendo incidir outro tipo, como,
por exemplo, prevaricação.
A corrupção passiva difere da concussão no que diz respeito ao
modus operandi do sujeito ativo. Na corrupção o agente pede, recebe ou
aceita, por outro lado, na concussão o sujeito exige ou determina a sua
entrega pela vítima. O que inexiste na corrupção, portanto, é o
constrangimento.
Ela também se distingue da prevaricação (art. 319 do CP) porque
nesta não há proposta ou intervenção de terceiro na conduta do funcionário
público. Este atua com o intuito de atender a próprio interesse ou
sentimento pessoal (autocorrupção).

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO

Há dois elementos normativos do tipo. O primeiro está descrito na


elementar “vantagem indevida” que é aquela proibida ou não autorizada pela
lei. Desta forma, além funcionar como objeto matéria, ela também depende
de valoração jurídica pelo aplicador do direito. O segundo encontra-se na
elementar “funcionário público”.

6 ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO

O delito é praticado com o dolo genérico e direto de solicitar ou


receber em razão da função a vantagem indevida ou aceitar promessa de tal
vantagem. O tipo ainda traz um dolo específico ou especial fim de agir
expresso pelas elementares “para si ou para outrem”. É importante
ressaltar, que a figura típica não exige a intenção por parte do agente em
realizar ou deixar de realizar o ato de ofício objeto da corrupção (no caput).
Também não há previsão de corrupção passiva culposa.
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7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O delito do art. 317, caput é formal, pois se consuma com as


condutas típicas solicitar (independe de recebimento, bastando o pedido e o
conhecimento do terceiro em relação ao pedido); receber (no recebimento o
agente não faz qualquer solicitação ao corruptor); e, aceitar (admitir o
recebimento futuro da vantagem oferecida pelo agente corruptor). Diante das
três formas é possível compreender que na solicitação o sujeito ativo adota
uma postura ativa, enquanto que no recebimento ou aceitação, o
comportamento é passivo, existindo nitidamente a figura do corrupto (recebe
ou aceita) e do corruptor (dá ou oferece).
A tentativa depende da forma de execução, se for de forma oral,
o delito é unissubsistente, e não admite tentativa; se o ato for realizado de
forma escrita, é admissível a tentativa (comportamento plurissubsistente).
Damásio (2013, p. 208), entretanto, entende que no recebimento e na
aceitação não é admissível a tentativa. Para ele o agente recebe ou não
recebe, aceita ou não aceita, não admitindo na hipótese de fracionamento da
conduta.
Mirabete (2013, p. 303) ressalta que o arrependimento posterior ao
recebimento ou aceitação da promessa de vantagem não modifica a
responsabilidade e nem afasta a tipicidade do delito.

8 CLASSIFICAÇÃO

O crime de corrupção passiva é classificado como: próprio (exige


uma qualidade específica por parte do sujeito ativo que é ser funcionário
público); doloso (admite apenas o dolo direto); comissivo (é delito de ação);
de dano (visa causar um prejuízo moral para o Estado); de forma livre
(admite qualquer meio de execução); formal (há previsão de resultado
naturalístico, porém esse não precisa ocorrer para a sua consumação). O
delito também é instantâneo (a consumação é imediata); crime de ação
múltipla ou de conteúdo variado (prevê mais de uma maneira do delito ser
praticado e independe se a conduta do agente incide em mais de um verbo
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no mesmo contexto concreto); unissubjetivo (basta apenas um agente para


a sua realização); unissubsistente (quando a conduta não admitir
fracionamento) ou plurissubsistente (a conduta se fraciona em vários atos);
não-transeunte ou transeunte (dependendo da forma pode deixar vestígios).
Obs.: Rogério Greco (2014, p. 1029) entende que o delito também pode ser
praticado na forma omissiva imprópria (§ 2° do art. 13 do Código Penal).
Entretanto discordamos do posicionamento do referido autor, por
entendermos que o tipo penal do art. 317 é delito formal, não exigindo a
ocorrência de resultado naturalístico, que para nós é conditio sine qua non
para a incidência da omissão imprópria.

9 MODALIDADES DERIVADAS

9.1 CAUSA DE AUMENTO DE PENA DE NATUREZA OBJETIVA


(§ 1°)

Incide o aumento de pena de um terço quando o funcionário


público efetivamente, em razão da vantagem ou de sua promessa, retardar
(por tempo juridicamente relevante), deixar de fazer ou praticar ato de ofício
(corrupção passiva própria) ou fazê-lo com infringência do dever funcional
(corrupção passiva imprópria). A causa de aumento é de natureza objetiva,
porque a causa da elevação de pena é o “exaurimento” da conduta descrita
no caput do artigo. Essa modalidade é denominada pela doutrina pátria de
corrupção exaurida. Nucci (2009, p. 1004) defende que o ato realizado ou
negligenciado pelo sujeito passivo apenas esgota o crime do caput.
Discordamos do referido autor, pois compreendemos que nesse caso, o delito
deixa de ser formal, convertendo-se em material, visto que o ato do
funcionário público efetivamente acontece ou deixa de acontecer (omissão
imprópria), em virtude do benefício solicitado, recebido ou aceito.
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9.2 MODALIDADE PRIVILEGIADA (§ 2°)

O parágrafo segundo descreve uma privilegiadora, na qual o agente


não “vende” sua função, mas pratica o ato indevido para atender pedido,
influência ou solicitação de outrem, seja por amizade, temor ou deferência. A
redução dos limites abstratos de pena se deve ao fato do agente não
mercanciar seu dever funcional, mas sim, atuar para agradar outra pessoa.

10 PENA E AÇÃO PENAL

As penas do caput são cumulativas, reclusão, de dois a doze


anos, e multa. O parágrafo primeiro prevê um aumento de pena de um
terço sobre a estabelecida no caput. Por fim, o parágrafo segundo
estabelece alternativamente, a pena de detenção, de três meses a um
ano, ou multa. A ação penal é pública incondicionada. O julgamento do
parágrafo segundo do art. 317 do Código Penal se aplica às regras da Lei n.°
9.099/95 (art. 76 e art. 89).

11 QUESTÕES RELEVANTES

11.1 UNILATERALIDADE/BILATERALIDADE DO DELITO DE


CORRUPÇÃO PASSIVA

O delito de corrupção passiva, como vimos anteriormente, pode ser


realizado de forma autônoma, sem a existência necessária o delito de
corrupção ativa, como ocorre, por exemplo, com o verbo solicitar que
independe de aceitação do particular. Por outro lado, nas condutas receber e
aceitar pressupõe-se a existência de um agente corruptor que oferece ou
entrega ao funcionário público a vantagem indevida.
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11.2 DENÚNCIA NARRANDO O DELITO DE CORRUPÇÃO


PASSIVA SEM INCLUSÃO DOS AGENTES DA CORRUPÇÃO ATIVA

Existe o entendimento no STJ de que não há ofensa aos princípios


da obrigatoriedade e da indivisibilidade da ação penal se a denúncia for
oferecida contra os agentes do delito de corrupção passiva sem nela incluir
os praticantes da corrupção ativa na denúncia (Precedente: STJ, HC
7560/PR, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T., RSTJ 144, p. 158).

11.3 (IN) APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA


INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL NO DELITO DE
CORRUPÇÃO PASSIVA

Em julgamento recente ocorrido no STJ, a corte superior decidiu


pela inaplicabilidade do princípio da insignificância para os delitos
funcionais contra a administração pública. Vejamos:

É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes contra a administração


pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfimo, porque a norma busca
resguardar não somente o aspecto patrimonial, mas moral administrativa, o que torna inviável
afirmação do desinteresse estatal à sua repressão (Resp. 655.946/DF, Relª. Minª. Laurita
Vaz, 5ª T., j. 05/02/2009).

Esse entendimento sobre a insignificância deve ser compreendido


com ressalvas, pois a própria Administração Pública admite o recebimento
de “lembranças” pelos funcionários públicos, nas situações descritas no art.
9° do Código de Conduta da Alta Administração Federal (publicado no
D.O.U. do dia 22 de agosto de 2000). É preciso esclarecer que em que pese o
Código se dirigir aos funcionários do alto escalão, ele também será aplicado
subsidiariamente aos demais servidores públicos. Assim diz o art. 9°:

Art. 9o É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de


autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade.
Parágrafo único. Não se consideram presentes para os fins deste artigo os
brindes que:
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I - não tenham valor comercial; ou


II - distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia,
propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas
comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Coadunando com o nosso entendimento diz Guilherme de Souza


Nucci (2009, p. 1003-1004):

o princípio da insignificância tem aplicação neste caso, ou seja, pequenos mimos


ou lembranças, destinados a funcionários públicos, por exemplo, em datas comemorativas –
como Natal, Páscoa etc. – configuram conduta penalmente irrelevante, não servindo para
concretizar o tipo penal da corrupção passiva. “É certo que, para chegar à compreensão de
que a cortesia é desinteressada, é preciso que não nos inspiremos no exemplo exagerado
daquilo que, por costume (mas, evidentemente, mau costume apenas) se justifique entre altos
funcionários. A regra limitativa deve ser esta: a) que o presente seja ocasional e não habitual,
ou contínuo; b) que não ocorra correspondência alguma entre o seu valor econômico e o ato de
ofício, isto é, que não se possa formular, em face do fato, a relação que induza o caráter
retributivo” (...).

Para finalizar apresentamos o entendimento de Cezar Roberto


Bitencourt (2013, p. 116-117) a respeito do tema:

“(...), que nem toda dádiva ou presente importa em corrupção. Assim, como não é
aceitável que alguém presenteie, por exemplo, um! magistrado com um apartamento ou um
automóvel de luxo, não se pode pensar em corrupção com uma garrafa de vinho ou uma cesta
de Natal, tão comum na comunidade cristã no mundo inteiro.
(...)
Pode-se acrescentar, v. g., que eventual "mistura" do próprio dinheiro do
funcionário público com o da administração, para facilitar o troco, por exemplo, não configura,
por si só, crime algum. No mesmo sentido, destaca Paulo José da Costa Jr., discorrendo sobre
o crime de peculato, que tampouco configura conduta punível "quando o funcionário tiver
necessidade de valer-se de pequenas quantias do dinheiro público recebido, para enfrentar
despesas de manutenção ou de condução, quando a serviço do Estado, das quais
posteriormente deverá ser reembolsado. Ou por haver esquecido em casa o próprio dinheiro".
Algo semelhante ocorre, por exemplo, com as despesas indenizatórias que devem
ser repassadas aos oficiais de justiça, de todo o Brasil, alguns estatizados, outros não, que
despendem de recursos pessoais para realizar suas diligências, ao quais, necessariamente,
devem ser repostos pelas partes. Nesse sentido, destaca Fernando Capez: "Tratando-se de
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mero pedido de reembolso de quantia que não exceda o que foi despendido pelo servidor para
a realização da diligência, como, por exemplo, reposição de verba gasta com combustível, não
se caracteriza o crime de corrupção passiva. É certo que tal pagamento é indevido, na medida
em que tais despesas não podem ser pagas diretamente ao funcionário público, mas sempre
por meio de guias, cujo recolhimento é feito em bancos oficiais. Entretanto, não se pode falar
em 'vantagem', pois houve mero reembolso, sem qualquer lucro para o agente público. Não se
caracteriza, portanto, a elementar vantagem indevida, mas apenas ressarcimento irregular"19.
Realmente, nessa hipótese, nem se pode falar em "vantagem", muito menos em "vantagem
indevida", pois se vantagem fosse não seria "indevida", na medida em que reembolsar
despesas realizadas jamais representará vantagem, e sem a presença dessa elementar
normativa não se pode falar em corrupção, ativa ou passiva; ademais, o reembolso além de
não configurar vantagem, é devido, mesmo que o procedimento adotado possa,
eventualmente, ser equivocado, podendo, no máximo, caracterizar simples irregularidade
administrativa, sem qualquer conotação penal. Nessa linha, Saio de Carvalho e Alexandre
Wunderlich, em memorável arrazoado forense, demonstram que "A jurisprudência é ciente de
que a estrutura de organização judiciária no Brasil padece do sério problema da falta de
verba oficial para que se cumpram os mandados judiciais. De igual forma, é nítido, na esfera
civil, que as despesas devem ser pagas pelo interessado, quer adiantando as quantias
presumivelmente necessárias, quer, como ocorreu, reembolsando os serventuários pelas
despesas. Assim, a norma processual civil descaracteriza hipótese de crime quando a parte
arca com as despesas para o cumprimento dos mandados judiciais".
Para concluir, a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade
aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou
interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo o princípio da
insignificância, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da
conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde,
condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não
apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar
liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser
lesado, como ocorre nas hipóteses que examinamos neste tópico”.

11.4 PROCEDIMENTO DOS CRIMES PRATICADOS PELOS


FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES

O delito de corrupção passiva assim como outros delitos funcionais


que admitem fiança (ver art. 323, I do Código de Processo Penal) é julgado
em conformidade com o art. 514, caput e seguintes do CPP.
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DO PROCESSO E DO JULGAMENTO DOS CRIMES


DE RESPONSABILIDADE DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
Art. 513. Os crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, cujo processo
e julgamento competirão aos juízes de direito, a queixa ou a denúncia será instruída com
documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração
fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.
Art. 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma,
o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito,
dentro do prazo de quinze dias.
Parágrafo único. Se não for conhecida a residência do acusado, ou este se achar
fora da jurisdição do juiz, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a resposta
preliminar.
Art. 515. No caso previsto no artigo anterior, durante o prazo concedido para a
resposta, os autos permanecerão em cartório, onde poderão ser examinados pelo acusado ou
por seu defensor.
Parágrafo único. A resposta poderá ser instruída com documentos e justificações.
Art. 516. O juiz rejeitará a queixa ou denúncia, em despacho fundamentado, se
convencido, pela resposta do acusado ou do seu defensor, da inexistência do crime ou da
improcedência da ação.
Art. 517. Recebida a denúncia ou a queixa, será o acusado citado, na forma
estabelecida no Capítulo I do Título X do Livro I.
Art. 518. Na instrução criminal e nos demais termos do processo, observar-se-á
o disposto nos Capítulos I e III, Título I, deste Livro.

11.5 BILATERALIDADE RESIDUAL NO CRIME DE CORRUPÇÃO


(PASSIVA E ATIVA) – Bitencourt (2013, p. 120-124)

A decantada perspicácia de Hungria levou-o a essa inevitável constatação ao


afirmar: "Perante nosso Código atual, a corrupção nem sempre é crime bilateral, isto é, nem
sempre pressupõe (em qualquer de suas modalidades) um pactum sceleris (...). O pactum
sceleris ou bilateralidade só se apresenta nas modalidades de recebimento da vantagem
indevida ou da aceitação da promessa de tal vantagem por parte do intraneus [corrompido],
ou da adesão do extraneus (corruptor) à solicitação do intraneus, ou nas formas qualificadas
previstas nos § l° e parág. único, respectivamente, dos arts. 317 e 333". Esse entendimento de
Hungria foi acompanhado por Paulo José da Costa Jr., nos termos seguintes: "das
modalidades de corrupção passiva previstas em lei, ao menos duas, receber e aceitar,
importam na bilateralidade da conduta". Não era outro o entendimento de Heleno Fragoso,
que, enfaticamente, pontificava: "na forma de receber, o crime é bilateral, sendo inconcebível a
condenação do agente sem a do correspondente autor da corrupção ativa". À corrupção do
99

funcionário (passiva) corresponde a ação do particular, que, de alguma forma, a promove


(ativa), especialmente nas modalidades de receber e aceitar promessa de vantagem, sendo,
por conseguinte, impossível a ocorrência de um crime sem a do outro. Interessante destacar,
na mesma linha de raciocínio, a acertada conclusão de Regis Prado, que, mesmo não
declinando expressamente a obrigatoriedade da bilateralidade nesses tipos de corrupção
passiva, afirma: "Tanto no recebimento como na aceitação da promessa perfaz-se também o
correspondente delito de corrupção ativa (art. 333). Em tal caso, não há que falar em tentativa,
porque ou o delito se consuma com o recebimento ou com a aceitação da vantagem indevida
ou o funcionário a repele, caracterizando-se apenas o delito de corrupção ativa".
De um modo geral, a doutrina tem sustentado que o crime de corrupção (ativa ou
passiva) constitui um dos exemplos de exceção à teoria monística da ação, adotada pelo
Código Penal de 1940, sendo que, para alguns, nessa infração penal, o legislador teria optado
pela teoria pluralística, enquanto, para outros, a opção teria sido pela teoria dualística. Ante
essa constatação resulta indispensável que se revisite, ainda que superficialmente, essas
teorias, para se chegar a uma conclusão defensável sobre a questionada bilateralidade do
crime de corrupção.
Segundo a teoria pluralística da ação, "a cada 'participante' corresponde uma
conduta própria, um elemento psicológico próprio e um resultado igualmente particular. À
pluralidade de agentes corresponde a pluralidade de crimes. Existem tantos crimes quantos
forem os 'participantes' do fato delituoso (...). Na verdade, a participação de cada concorrente
não constitui atividade autônoma, mas converge para uma ação única, com objetivo e
resultado comuns. Essa é uma teoria subjetiva, ao contrário da monística, que é objetiva". Na
corrupção, passiva ou ativa, concebidas desvinculadamente, não há necessidade de
"participação" de corrompido e corruptor, configurando-se tanto uma quanto a outra sem a
intervenção deste, na modalidade de "solicitar" (passiva), ou daquele, na modalidade de
oferecer (ativa). "Participação" lato sensu é a forma genérica do concurso eventual de pessoas,
que se especifica em coautoria (com a figura do coautor) e participação em sentido estrito (com
a figura do partícipe), ambas inexistentes na configuração da corrupção, ativa ou passiva,
embora não haja impedimento que terceiro possa contribuir para a ocorrência de qualquer
delas, sendo alcançado, nesse caso, pela previsão do art. 29 do Código Penal (concurso
eventual de pessoas).
Para a teoria dualística, por sua vez, "há dois crimes: um para os autores, aqueles
que realizam a atividade principal, a conduta típica emoldurada no ordenamento jurídico, e
outro para os partícipes, aqueles que desenvolvem uma atividade secundária, que não
realizam a conduta nuclear descrita no tipo penal. Assim, os partícipes se integram ao plano
criminoso, porém não desenvolvem um comportamento central, executivamente típico". Na
corrupção não há, necessariamente, as figuras de coautor e partícipe, que, no entanto,
poderão surgir como em qualquer espécie de crime unissubjetivo.
Constata-se, facilmente, que na definição do crime de corrupção o legislador não
se preocupou com a estrita obediência à teoria monística, seja por política criminal, seja por
100

razões dogmáticas, mas, certamente, não optou pelas teorias pluralística ou dualística, como
acabamos de demonstrar, considerando-se a concepção que cada uma encerra: aquela
(pluralística) exige a presença de "participantes" no mesmo fato delituoso, convergindo a
participação de cada concorrente — que não constitui atividade autônoma, mas uma ação
única — para um objetivo e resultado comuns; esta (dualística) classifica dois crimes, um para
os coautores, outro para os partícipes, considerados com o fatos principais e secundários,
respectivamente.
Esses aspectos — "participantes" do mesmo fato e "convergência" para um objetivo
e resultado comuns, exigidos pela teoria pluralística — não existem no crime de corrupção e
não são suas elementares nas modalidades de solicitar (passiva) e oferecer (ativa), que se
consumam com a simples "atividade", independentemente de qualquer vínculo subjetivo entre
os "atores" da infração delitiva. Aliás, o afastamento da necessidade da bilateralida.de no
crime de corrupção, nas modalidades referidas, deve-se exatamente à inexistência de
"participação", do corruptor na solicitação do corrupto, ou do corrupto na oferta do corruptor,
para a consumação do crime nessas modalidades, prescindindo exatamente do vínculo
subjetivo entre corruptor e corrompido, que é indispensável nas teorias pluralística e
dualística, afora o fato de que tais teorias orientam-se ao concurso eventual de pessoas e não
ao concurso necessário ou plurissubjetivo.
Por outro lado, para a teoria dualística há dois crimes: um para os autores, e outro
para os partícipes, todos integrando o plano criminoso, que não dispensa, por óbvio, o vínculo
subjetivo entre todos. Em síntese, indiferentemente da teoria que se adote — pluralística,
dualística ou monística —, é indispensável um liame psicológico entre os vários participantes
de uma infração penal, ou seja, a consciência de que participam de uma obra comum. A
ausência desse elemento psicológico desna-tura o concurso de pessoas, surgindo aí condutas
isoladas e autônomas.
É fácil concluir, portanto, que o tratamento dado à corrupção, ativa e passiva,
como crimes autônomos, não tem seu fundamento nas denominadas teorias dualística ou
pluralística, pois, basicamente, lhe é irrelevante o vínculo subjetivo entre corruptor e
corrompido. Aliás, pelo contrário, distingue modalidades de corrupção quando praticadas com
ou sem adesão de vontades entre corrompido e corruptor: a) "sem adesão de vontades" entre
ambos, o infrator responde, individualmente, pelo crime que cometer (solicitar ou oferecer),
como um autêntico crime unissubjetivo, corretamente, diga-se de passagem, pois constituiria
responsabilidade objetiva criminalizar a quem não quis concorrer para o crime; b) com "adesão
de vontades" (receber ou aceitar), ao contrário, configura crime de concurso necessário, mas
cada um responde pela violação que praticou, surgindo aqui, nessa modalidade, uma espécie
de exceção à teoria monística, mas de uma forma sui generis, ou seja, a responsabilidade
individual de corrompido e corruptor não se fundamenta na distinção do bem jurídico lesado
ou mesmo da conduta praticada por um e outro, mas exclusivamente na distinção dos seguin-
tes aspectos: a) de objetivos — um quer dar e outro quer receber; b) na natureza da infração
praticada: crime próprio do corrompido (funcionário público, contra a administração em geral),
101

e crime comum do corruptor (particular, contra a administração em geral); c) nas espécies de


crimes: formal (crimes de mera atividade), nas modalidades de "solicitar" e "oferecer" (crimes
unissubjetivos); material, nas modalidades de "receber" e "aceitar": implicam a convergência
de vontades entre corrupto e corruptor, consumando-se somente com a intervenção de ambos
(crimes bilaterais).
Essas conclusões levam-nos a buscar outros fundamentos que satisfaçam nossas
inquietações, sem destruir a harmonia dogmático-conceitual priorizada pelo legislador de
1940, especialmente porque os verbos nucleares contidos nas duas espécies admitir a
dispensa da bilateralidade em algumas das modalidades — solicitar ou oferecer, por exemplo
— e sua obrigatoriedade em outras, v. g., receber ou aceitar a vantagem ou promessa
indevidas. Rogério Sanches da Cunha, referindo-se às modalidades de "receber" e "aceitar"
faz a seguinte afirmação: "Já na segunda hipótese, supõe-se uma dação voluntária. A
iniciativa é do corruptor, podendo este transferir a vantagem até de modo simbólico. Receber e
dar são idéias correlatas: a primeira depende da segunda. A última hipótese refere-se à
aceitação de promessa de uma vantagem indevida. A palavra "promessa" deve ser entendida
na sua acepção vulgar (consentir, anuir). Aqui também a corrupção parte do corruptor". Em
outros termos, embora não o tenha dito graficamente, essa afirmativa implica reconhecer que,
nessas duas modalidades, a bilateralidade do crime de corrupção lhe é inerente.
(...)
Enfim, o crime de corrupção, nas modalidades de solicitar ou oferecer, nas quais,
digamos, a despeito de consumado (crime formal), não ocorre o exaurimento em razão da não
adesão de corrupto e corruptor, um na ação do outro, caracteriza-se uma espécie sui generis
de "autoria colateral" ante a ausência desse liame subjetivo entre ambos. Concluindo, a
tipificação da corrupção, nas modalidades de solicitar (passiva, art. 317) e oferecer (ativa, art.
333), em crimes autônomos, não decorre do afastamento da teoria monística da ação, mas da
inexistência das causalidades física e psicológica que impedem a imputação penal
concorrente, por não caracterizar concurso de pessoas, seja eventual, seja necessário.
Por outro lado, a corrupção nas modalidades de "receber" e "aceitar", que presu-
mem a correspondente "oferta" ou "promessa" do corruptor, são condutas física e
subjetivamente vinculadas umas às outras. Embora o pactum sceleris não seja requisito
obrigatório, repetindo, em todas as hipóteses do crime de corrupção, nas modalidades de
receber (vantagem indevida) ou aceitar (promessa) a bilateralidade é inerente a referidas
condutas, pois somente se recebe ou se aceita se houver em contrapartida quem ofereça ou
prometa. Em outros termos, para a configuração da corrupção passiva, segundo esses verbos
nucleares, é indispensável a presença da figura ativa, e vice-versa. No plano material,
portanto, o reconhecimento da corrupção passiva, nas modalidades de receber ou aceitar,
implica, necessariamente, a configuração da correspondente corrupção ativa (bilateralidade),
seja na modalidade de oferecer, seja na modalidade de prometer (art. 333); no plano
processual, contudo, essa bilateralidade, que é fático-jurídica, depende da produção da prova
da autoria correspondente.
102

11.6 CORRUPÇÃO PASSIVA E CONCURSO DE CRIMES –


Mirabete (2013, p. 305)

“Reconhecido foi o concurso material entre corrupção e falsidade ideologica na


expedição, por delegado de polícia, de carteiras de habilitação falsas, com aposição de sua
assinatura, pela participação em vantagens indevidas”. (...) É possível o concurso material
entre corrupção passiva e o crime de lavagem previsto na Lei n. 9.613, de 3-3-1998, se, após
a solicitação, aceitação ou recebimento da vantagem indevida, o agente pratica uma das
ações típicas descritas nesse diploma com o fim de ocultar ou dissimular a utilização dos bens
ou valores provenientes daquele delito”.

12 JURISPRUDÊNCIA E NOTÍCIAS JURÍDICAS

Quando há acusação de corrupção passiva na modalidade de “receber, para si ou


para outrem”, essa modalidade de corrupção passiva implica a existência de corrupção ativa
na modalidade de “oferecer vantagem indevida” (STF, HC 74373/GO, Rel. Min. Moreira Alves,
1ª T., DJ 21/3/1997, p. 8.507).

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.


CORRUPÇÃO PASSIVA E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ART. 41 DO CPP. DESCRIÇÃO DOS
FATOS QUE PERMITEM A AMPLA DEFESA. EXCEPCIONALIDADE. ORDEM DENEGADA. I - O
trancamento da ação penal é medida excepcional e exige a demonstração inquestionável da
ausência de justa causa para o exercício do ius persequendi. II - Hipótese, no caso, que os
fatos descritos viabilizam o exercício da ampla defesa. III - Habeas corpus conhecido e ordem
denegada. HC 85740 / PI – PIAUÍ. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI. Julgamento: 12/12/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma.

HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. PERDA DO CARGO PÚBLICO.


ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DOS
ARTIGOS 59 E 68 NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE. O habeas corpus não é a via processual
adequada para discutir a validade da decretação da perda de função pública, dado que não
representa ameaça à liberdade de locomoção. Precedente: HC 82.069, Rel. Min. Ellen Gracie.
Alegação de exasperação ilegal da pena-base não foi debatida no Tribunal de Justiça, nem no
Superior Tribunal de Justiça. O conhecimento do pedido implicaria supressão de instância.
Habeas corpus não conhecido. HC 88557 / MG - MINAS GERAIS. HABEAS CORPUS.
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 24/10/2006. Órgão Julgador: Primeira
Turma.
103

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . OMISSÃO QUANTO AO EXAME DA


PRESCRIÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 317. INDÍCIOS.
1. O crime de corrupção passiva ocorrido em primeiro de setembro de 1997, quando a pena
máxima cominada era de oito anos. A Lei 10.763, de 2003, elevou a pena máxima para doze
anos. A pena a ser considerada para a prescrição é a data em que ocorreram os fatos. A lei
não pode retroagir para prejudicar o acusado. Logo, é de considerar-se a pena de oito anos,
que prescreve em doze anos. Da data dos fatos, 1997, até hoje, já que não houve denúncia,
são decorridos treze anos. Logo, com base no art. 109, III, do Código Penal, operou-se a
prescrição retroativa pela pena in concreto. 2. Existência de indícios que permitem o
indiciamento do paciente. Decisão: A Turma, por unanimidade, acolheu em parte os embargos
de declaração opostos por XXXXXX, para reconhecer a prescrição do crime de corrupção
passiva. (Processo n.° EDHC 0053809-85.2010.4.01.0000/TO; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
NO HABEAS CORPUS. Rel. JUIZ TOURINHO NETO. 3ª T., Publicado no Re-DJF1
p.82 de 04/02/2011. Data da Decisão: 07/12/2010).

TJPB - Câmara Criminal mantém sentença que condenou diretor de cadeia


pública pelo crime de corrupção passiva
A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba manteve a sentença que
condenou diretor de cadeia pública do município de Esperança (PB), por ter prometido
benefícios a quatro presos em troca de dinheiro e eletrodomésticos. L.B., conhecido por
“Lourinho”, foi condenado a pena de dois anos, sete meses e 15 dias de reclusão, além do
pagamento de 40 dias/multa, pelo crime de corrupção passiva. De acordo com os autos,
uma das vítimas teria recebido do denunciado a promessa de ser beneficiado pelo
livramento condicional se pagasse a quantia de R$ 700,00. Como não tinha o valor de
imediato, o detento entregou ao diretor um aparelho de DVD mais a quantia de R$ 200,00.
Em outra oportunidade, L.B., também se utilizando de sua função, prometeu ao detento
descumprir a determinação que teria recebido para transferi-lo, caso recebesse o pagamento
de R$ 250,00. O valor foi pago pelo irmão da vítima. Consta ainda que “Lourinho” ainda
chegou a receber o valor de R$ 350,00 e um micro-system por oferecer outras vantagens a
mais um outro detento. Inconformado com a sentença, L.B. pediu a absolvição alegando ser
frágil e contraditória a prova em que se respaldou a decisão de primeiro grau. O relator do
processo, desembargador Joás de Brito Pereira Filho, disse, em seu voto, que, ao contrário
do que se afirmou, a prova acerca da prática é bastante clara, além disso as declarações das
vítima ouvidas em juízo evidenciaram o recebimento de bens e numerários para beneficiá-
los de alguma forma. “A prova é bastante de que o acusado recebeu objeto e dinheiro com
promessas de ajuda aos apenados. E isso basta à configuração do tipo 317 do Código Penal,
de maneira que o pleito absolutório é totalmente descabido”, concluiu o relator. Fonte:
Tribunal de Justiça da Paraíba / Publicado em 13 de Outubro de 2011 às 14h08
104

TJSP - Justiça condena médico por cobrar procedimento de paciente do


SUS
A Justiça de Araçatuba condenou um médico conveniado do Sistema Único de
Saúde (SUS) por ter cobrado R$ 2,4 mil para realização de uma cirurgia em paciente
internado no referido sistema. O caso ocorreu em outubro de 2007, na Santa Casa de
Araçatuba, quando o médico exigiu para si, em razão de sua função pública, vantagem
indevida. A paciente foi atendida pelo médico, que viu a necessidade de submetê-la a uma
cirurgia e exigiu a quantia dos familiares da paciente, mesmo internada pelo SUS. Os
documentos comprovam que todas as despesas decorrentes da internação, assim como do
ato cirúrgico, foram cobertos pelo SUS, o que deixa evidente que o réu não poderia cobrar
nenhuma quantia da vítima, a título de honorários médicos ou de qualquer despesa
relacionada à internação, cirurgia ou tratamento. De acordo com a decisão, “a prova oral
produzida pelo crivo do contraditório é firme, coerente e uníssona, incriminando o réu. A
prova é francamente hostil ao acusado, havendo base para a sua condenação”. O juiz
Emerson Sumariva Júnior julgou procedente a ação e condenou o réu à pena de três anos
de reclusão e pagamento de 15 dias-multas. Por ser réu primário, o médico teve a
substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a primeira
consistente no pagamento de dez salários mínimos para a Santa Casa de Misericórdia de
Araçatuba e a segunda em prestação de serviços à comunidade, a ser fixada no juízo da
execução penal. No caso de descumprimento, ficou estabelecido o regime semiaberto para o
cumprimento da pena. Processo: 032.01.2007.024628-5 / Fonte: Tribunal de Justiça de
São Paulo / Publicado em 20 de Julho de 2011 às 11h40

MPRR oferece denúncia contra policial militar por corrupção passiva


O Ministério Público do Estado de Roraima, protocolou na última quinta-feira,
31, na 6ª Vara Criminal, denúncia contra o policial NFS, por facilitação de fuga dos presos
XXXXXXX, acusado de ser o executor dos disparos que matou XXXXXXX, dono da
XXXXXXX, e JSC, condenado pela justiça há mais de 50 anos. Conforme as investigações
da 6ª Promotoria de Justiça Criminal, na madrugada do dia cinco de abril de 2012, na
Penitenciária Agrícola do Monte Cristo, N., no exercício de sua função de policial militar, em
serviço na guarita do portão principal da PA, facilitou a fuga dos presos, em contrapartida,
recebeu a quantia de R$ 8 mil. Segundo o MPRR, o militar, preso em flagrante, teve seu
aparelho celular apreendido, que constava somente os registros dos números “Contato” e
“Contato PA”. Após quebra de sigilo telefônico do acusado, foi comprovado que Nilsomar
efetuava e recebia constantes ligações de J., um dos foragidos. As investigações foram
conduzidas pelo promotor Ulisses Morone Júnior. Este trabalho demonstra a importância
do poder de investigação do Ministério Público, fato que não compromete nem substitui as
105

atividades da policia. A atuação do órgão ministerial, geralmente pontual, complementa, de


maneira insubstituível, a busca por um resultado seguro, ressalta o promotor.
O policial irá responder pelos crimes de corrupção passiva, quando um agente
público, no exercício de sua função, recebe para si ou para outrem, direta ou indiretamente
vantagem indevida, bem como por facilitação de fuga de pessoa presa ou submetida a
medida de segurança, conforme previsto, respectivamente, nos artigos 317 e 351 do Código
Penal. Fonte: Ministério Público de Roraima / Publicado em 4 de Fevereiro de 2013 às
14h46
106

Facilitação de contrabando ou descaminho


Art. 318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a
prática de contrabando ou descaminho (art. 334):
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa, de um conto
a dez contos de réis.
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
(Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente,
ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para
satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa

1 INTRODUÇÃO. BEM JURÍDICO PROTEGIDO. RESULTADO


NORMATIVO

A palavra “prevaricação” tem sua origem na expressão latina


prevaricatio, que significa “andar com as pernas tortas” ou “andar fora do
rumo ou caminho correto”.
A respeito do seu desenvolvimento no nosso sistema normativo
penal, a conduta é tipificada desde o Código Criminal de 1830. Assim
Bitencourt (2013, p. 133) expõe o histórico deste comportamento típico: “No
nosso Código Criminal do Império (1830) era considerado prevaricação uma
série de violações de deveres praticados por funcionários públicos, ‘por
afeição, ódio ou contemplação, ou para promover interesse pessoal seu’ (art.
129). O Código Penal de 1890 seguiu o mesmo sistema do anterior (art. 207),
mas ‘subordinou ao crime várias outras infrações de deveres praticados por
advogado ou procurador (que o código vigente, com técnica superior, situou
entre os crimes contra a administração da justiça’”.
107

O bem jurídico protegido no delito de prevaricação é a


administração pública nos seus aspectos/interesse moral e patrimonial,
vez que perturba o desenvolvimento das suas atividades normais. A ideia de
administração pública que o legislador aplica neste Título, é muito mais
ampla que a noção trazida pelos administrativistas, que quando utilizam a
expressão “administração pública”, tratam basicamente do Poder Executivo e
das funções executivas realizadas pelos órgãos estatais. Penalmente falando,
esse conceito é muito mais amplo, pois pode-se entender por administração
pública, todos os órgãos estatais da administração direta (União, Estados
Federados, Distrito Federal e Municípios) e indireta (autarquias, fundações
públicas, etc.), assim como os órgãos públicos relacionados aos outros
Poderes (Legislativo e Judiciário).
O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico
protegido, resultado de uma conduta dolosa oriunda de um incremento de
risco. É irrelevante para a sua configuração qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADE TÍPICA

O art. 319 contém apenas a forma dolosa descrita no caput, que


consiste na abstenção ou no retardamento de ato de ofício ou na realização
de ação contra lei para satisfação de interesse ou de sentimento pessoal.

3 SUJEITOS DO DELITO

O crime de prevaricação é delito próprio, pois exige do sujeito


ativo uma qualidade especial, que nesse caso vincula-se a sua atividade
profissional, que é ser funcionário público. Para sua configuração o agente
não precisa estar no exercício da função pública, sendo apenas necessário
que haja em razão dela, isto é, ele já possui a condição (não importa se está
de férias, licenciado ou ainda não ter iniciado o exercício). Apenas como
observação, Rogério Greco (2014, p. 1035) classifica-o como de mão própria,
pois só funcionário público que deve realizar o ato funcional pode praticá-lo.
108

O delito admite todas as modalidades de concurso de pessoas


(coautoria5 e participação), inclusive podendo ser extensível a indivíduos
que não possua a mesma qualidade profissional, bastando apenas que exista
a intenção de praticar o mesmo delito e, que o coagente saiba da condição de
funcionário público do outro coagente6. Essa aplicação extensiva se deve à
regra insculpida no art. 30 do Código Penal (ver também sobre a Teoria
Monista ou Unitária do Concurso de Pessoas).
O sujeito passivo imediato ou constante é o Estado, principal
interessado no regular funcionamento das atividades por ele promovidas.
Também pode ser vítima o particular, pessoa jurídica ou outro servidor
público prejudicado pela conduta do agente.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS E NORMATIVOS DO TIPO

O crime também é conhecido como autocorrupção própria, visto que


o funcionário se deixa levar por um interesse ou sentimento pessoal no seu
exercício da sua função. No conceito de Bitencourt (2013, p. 133)
“prevaricação” é: “a infidelidade ao dever de ofício e à função exercida; é o
descumprimento das obrigações que lhe são inerentes, movido o agente por
interesses ou sentimentos próprios”.
O código define como prevaricação (que significa trair, corromper,
perverter): retardar (procrastinar, demorar, ir devagar, atrasar) ou deixar
de praticar (não realizar, omitir, desistir de executar), indevidamente
(elemento normativo – indica que o comportamento não está autorizado ou é
proibido por lei ou com infringência do dever funcional), ato de ofício
(elemento normativo – ação que está regulamentada por lei ou outra
disposição normativa para o exercício de determinado cargo ou função, que

5 Salvo na forma omissiva própria, pois delitos desta natureza não admitem coautoria,
apenas a participação.
6 Nas formas omissivas próprias, o delito admite apenas a participação. Se a conduta for
praticada por mais de um agente, eles responderão individualmente por suas omissões.
109

pode ser administrativa ou judicial)7 ou praticá-lo (exercer, executar) contra


disposição expressa de lei (elemento normativo – ato que depende de
valoração jurídica e está determinado pela legislação para o exercício
funcional) para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (interesse
pessoal – relação entre o sujeito e um objeto, ou seja, é vantagem moral ou
econômica que o servidor visa alcançar / sentimento pessoal – é um estado
afetivo ou emocional, isto é, vincula-se à afeição ou desafeição do
funcionário em relação às pessoas. ex.: ódio, raiva, amizade, caridade ou
simpatia).
Tem que se entender muito claramente, que a prevaricação só pode
ocorrer em relação aos atos funcionais do sujeito ativo, ou seja, aqueles que
são praticados no exercício daquela função específica.
Como é possível vislumbrar, a prevaricação pode ser realizada de
três formas diferentes. As duas primeiras de forma omissiva própria e a
terceira por meio de ação.
O objeto material no delito do art. 319 é o ato de ofício (ação que
está na esfera de atribuição do agente regulamentada por lei ou outra
disposição normativa para o exercício de determinado cargo ou função, que
pode ser administrativa ou judicial) ou o ato contra disposição expressa
em lei (ato que depende de valoração jurídica, mas que viola o que está
determinado pela legislação para o exercício funcional)8.

7 Em relação aos atos de retardar e deixar de praticar, Bitencourt (2013, p. 135) cita
considerações relevantes de Luiz Regis Prado em que é possível o agente agir através do
denominado “obstrucionismo”: “Convém destacar, porém, que, tanto numa hipótese quanto
noutra, o ato de que se trata deve ser legítimo. Concordamos com a orientação adotada por
Regis Prado, quando afirma que ‘a omissão pode também ser perpetrada através do
obstrucionismo, em que o agente, sob o argumento de que deve obedecer rigorosamente ao
regulamento ou instrução, retarda ou deixa de praticar o ato, maliciosamente, invocando, por
conseguinte, pretextos normativos, com o deliberado propósito de omitir-se na realização do
ato de ofício, sabendo previamente que a interpretação da norma regulamentadora permitiria
a feitura do ato omitido ou retardado’”.
8 Ressaltamos que o crime de prevaricação só ocorre quando o agente realiza, retarda ou
deixa de praticar o ato de forma arbitrária. A discricionariedade do ato definida pela lei,
afasta a conduta de prevaricar: “’Ato discricionário – na definição de Hely Lopes Meirelles –
não se confunde com ato arbitrário. Discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos.
110

Deve-se ter bem claro que a denúncia precisa apontar


obrigatoriamente a satisfação do interesse ou sentimento pessoal do agente.
Não ficando evidenciada a presença desse dolo, o juiz deverá rejeitar a
denúncia nos termos do inciso I, art. 395 do Código de Processo Penal9.

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Redação dada pela
Lei nº 11.719, de 2008). I - for manifestamente inepta; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

5 ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO

O tipo do art. 319 pode ser realizado com dolo genérico e direto.
É importante se lembrar que é exigido do agente que ele tenha o
conhecimento da ilegalidade de sua conduta (omissiva ou comissiva), ou
seja, que ela saiba ser indevida ou contra disposição em lei.
Além do dolo genérico, o tipo também prevê que o sujeito ativo atue
com um elemento subjetivo específico ou fim especial de agir expresso nas
elementares “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Como

Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é a ação contrária ou
excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido pelo Direito, é legal e válido;
ato arbitrário é, sempre e sempre, ilegítimo e inválido’”. (Bitencourt, 2013, p. 136). A respeito
da atipicidade do ato administrativo discricionário quando praticado nos limites legais,
Mirabete (2013, p. 309) traz uma série de exemplos: “Não há que se falar em ato ilegítimo
quando o funcionário tem certa disposição na escolha da conduta a tomar. Não se reconheceu
o ilícito no ato do prefeito municipal que sancionou e promulgou lei de iniciativa da Câmara e
unanimemente aprovada, ainda que o fato pudesse ferir, eventualmente, interesse de
adversário político; na omissão de delegado de polícia que deixou de instaurar processo
policial judicialiforme ou inquérito de crime culposo, nos termos da revogada Lei n. 4.611, de
2-4-1965, alegando falta de elementos de convicção; e no acolhimento pela autoridade policial
de versão mais verossímil entre as que lhe são apresentadas, para decidir sobre a lavratura
de auto de flagrante”
9 No mesmo sentido, Bitencourt (2013, p. 140): “E, mais que isso, e com absoluto acerto, o
STF destacou em outra oportunidade que a denúncia – peça inicial da ação penal – precisa
indicar qual a ação ou omissão praticada pelo funcionário, e sua natureza, isto é, ‘se a
conduta foi por interesse ou sentimento pessoal, pois são elementos necessários à
configuração do delito do art. 319’”.
111

explicitado nos elementos objetivos, interesse pessoal é aquela vantagem


patrimonial ou moral que é dirigida para o benefício do próprio agente. Já o
sentimento pessoal é resultado da afeição ou desafeição do sujeito ativo em
face de outrem. Para finalizar, o tipo penal não prevê modalidade culposa.

6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O crime de prevaricação se consuma no momento em que o


agente realiza as condutas típicas, independentemente de qualquer
resultado naturalístico (isto é, prejuízo para a Administração Pública), ainda
que este esteja previsto (delito formal).
A tentativa é admissível apenas na modalidade praticar que é
comissiva e plurissubsistente, nas condutas retardar e deixar de praticar, o
delito é omissivo próprio e unissubsistente, sendo, portanto, inadmissível a
tentativa.

7 CLASSIFICAÇÃO

O crime de prevaricação é classificado como: próprio (exige uma


qualidade específica por parte do sujeito ativo que é ser funcionário público);
doloso (admite apenas o dolo direto); comissivo (é delito de ação na
modalidade praticar) ou omissivo próprio (ocorre com a inatividade do
agente, previsto nos verbos retardar ou deixar de praticar); Obs.: Guilherme
de Souza Nucci (2009, p. 1007) entende que retardar indica uma conduta
comissiva; de dano (visa causar um prejuízo moral para o Estado); de forma
livre (admite qualquer meio de execução); formal (há previsão de resultado
naturalístico, porém esse não precisa ocorrer para a sua consumação). O
delito também é instantâneo (a consumação é imediata); crime de ação
múltipla ou de conteúdo variado (prevê mais de uma maneira do delito ser
praticado e independe se a conduta do agente incide em mais de um verbo
no mesmo contexto concreto); unissubjetivo (basta apenas um agente para
a sua realização); unissubsistente (quando a conduta não admitir
fracionamento – verbos: retardar ou deixar de praticar) ou plurissubsistente
112

(a conduta se fraciona em vários atos no verbo praticar); não-transeunte


(deixa vestígios na forma comissiva) ou transeunte (não deixa vestígios na
forma omissiva própria).

8 PENA E AÇÃO PENAL

Ao delito de prevaricação é prevista as penas cumulativas de


detenção, de três meses a um ano, e multa. A ação penal é pública
incondicionada. Por ser crime de menor potencial ofensivo aplicam-se à
prevaricação as disposições da Lei n.° 9.099/95 (arts. 60, 61 e 76 e 89).

9 QUESTÕES RELEVANTES

9.1 DIFERENÇA ENTRE PREVARICAÇÃO E DESOBEDIÊNCIA /


DIFERENÇA ENTRE PREVARICAÇÃO E CORRUPÇÃO PASSIVA

A diferença fundamental entre os dois crimes é que a prevaricação


é praticada pelo funcionário público no seu exercício funcional, enquanto
que a desobediência é realizada por qualquer pessoa (crime comum) ou
quando o funcionário não cumpre a determinação, desprovido de sentimento
ou interesse pessoal (corrente minoritária). Sobre essa diferenciação
Bitencourt (2013, p. 141) afirma que o funcionário público no exercício de
suas funções não pode realizar o delito: “Não se confunde prevaricação (art.
319) com o crime de desobediência (art. 330), pois neste o agente é o
particular ou o funcionário público que não age nessa qualidade”10 (corrente
majoritária).
Com a corrupção passiva a prevaricação também não se confunde,
vez que na primeira existe um ajuste entre o funcionário público (corrupto) e
o particular (corruptor); por outro lado, na prevaricação o particular
beneficiado não tem conhecimento e nem precisa saber para que o delito se
configure.

10 No mesmo sentido Damásio de Jesus (2013, p. 217)


113

9.2 ERRO NO JULGAMENTO PELO JUIZ (ERROR IN


JUDICANDO)

Em julgamento ocorrido em 2007, o STJ considerou que o erro no


julgamento cometido pelo juiz, por si só, não configura o crime de
prevaricação. Para que esse aconteça, mister se faz que o magistrado atue
com o intuito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal (STJ, ExVerd
50/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJ 21/5/2007, p. 528).

9.3 PREVARIÇÃO E AUTOINCRIMINAÇÃO – (Mirabete, 2013, p.


311)

“Quando a omissão se refere ao ato de ofício cuja execução poderá acarretar


consequências gravosas, penalmente relevantes, para o omitente, excluído está o crime de
prevaricação, pois ninguém pode ser compelido a, desvelando-se, agravar a própria situação
criminal (Nemo tenetur se detegere). Nosso ordenamento jurídico garante ao imputado o
silêncio e até mesmo a negativa de autoria, razão pela qual não se responsabilizou policial
que deixou de elaborar boletim de ocorrência de acidente de trânsito que provocara, nem
prefeito que não apurou fato ocorrido em sua administração e praticado por funcionário, que
poderia incriminá-lo.

10 JURISPRUDÊNCIA E NOTÍCIAS JURÍDICAS

A denúncia limitou-se a apontar o descumprimento, pelo Desembargador, do dever


de submeter o processo a julgamento, dentro do prazo legal, ou, pelo menos, num prazo
razoável. Mas não chegou a indicar o fato, que caracterizaria seu interesse ou sentimento
pessoal, nesse retardamento, como exige a figura típica do art. 319 do Código Penal. Isso
estava a revelar sua deficiência, por não conter ‘a exposição do fato criminoso, como todas as
circunstâncias’, como exige o art. 41 do Código de Processo Penal. Sendo assim, na forma em
que apresentada a denúncia, haveria de ser rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça, pois o
fato nela narrado – retardamento indevido de ato de ofício -, por si só, não configura crime de
prevaricação, tal qual o define o art. 319 do Código Penal (art. 43, inc. I, do CPP) (STF, HC
80788/MA, Rel. Min. Sydney Sanches, 1ª T., DJ 7/3/2003, p. 40).
114

PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA. ART.


319 DO CÓDIGO PENAL C/C ART. 10 DA LEI Nº 7.347/85. DENÚNCIA REJEITADA QUANTO
AO DELITO DE PREVARICAÇÃO. 1. No tocante ao crime do art. 319 do CP, após examinar o
relato contido na denúncia, concluo pela inépcia da peça acusatória à luz do entendimento de
que deve ser descrito, com precisão, o elemento anímico do ato, ou seja, é necessário que se
especifique em que consistiu tal interesse, o que não ocorreu no caso em análise. 2. No que
pertine ao crime previsto no art. 10 da Lei n.º 7.347/85, por outro lado, verifica-se que a
denúncia descreve pormenorizadamente os fatos, de forma a permitir o amplo exercício do
direito de defesa e a exata compreensão dos fatos articulados, sendo que somente após a
instrução criminal será possível o juízo seguro e motivado quanto à existência do elemento
subjetivo do tipo. 3. Denúncia recebida parcialmente. (INQ 0018591-
93.2010.4.01.0000/AC; INQUERITO. Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL I'TALO FIORAVANTI
SABO MENDES. e-DJF1 p.08 de 04/10/2010. Data da Decisão: 25/08/2010 . Decisão: A
Seção, por unanimidade, rejeitou a denúncia em relação ao delito previsto no art. 319, do
Código Penal, e, por maioria, recebê-la quanto ao crime tipificado no art. 10 da Lei nº
7.347/85).

PENAL E PROCESSUAL PENAL - DENÚNCIA POR CRIMES DE DESOBEDIÊNCIA


(ART. 10 DA LEI 7.347/85) E DE PREVARICAÇÃO (ART. 319 DO CÓDIGO PENAL) - ART. 10
DA LEI 7.347/85 - OMISSÃO NO FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS
RELATIVOS AO CUMPRIMENTO DO ART. 2º DA LEI 9.452/97 - EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE
AUTORIA E MATERIALIDADE - ART. 319 DO CÓDIGO PENAL - DENÚNCIA
DESACOMPANHADA DE UM MÍNIMO DE PROVA A RESPEITO DO ESPECIAL INTERESSE DE
AGIR DO DENUNCIADO - FALTA DE JUSTA CAUSA - PEÇA ACUSATÓRIA RECEBIDA, EM
PARTE. I - A omissão no fornecimento de dados técnicos indispensáveis à propositura de Ação
Civil Pública ou ao arquivamento do Inquérito Civil ou do procedimento administrativo que o
substitui, configura, em tese, a conduta delituosa capitulada no art. 10 da Lei 7.347/85.
Existência de indícios e autoria e materialidade que autorizam a instauração de Ação Penal,
pela suposta prática do crime de desobediência do art. 10 da Lei 7.347/85. II - "A expressão
"dados técnicos" "se refere a qualquer informação dependente de um conhecimento ou
trabalho específico, que seja peculiar de determinado ofício ou profissão" cf. RHC nº
12359/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01/07/2002. No caso em tela, as informações
solicitadas pelo Ministério Público se enquadram no conceito de "dados técnicos", uma vez que
dizem respeito aos procedimentos observados na rotina de funcionamento da Prefeitura
Municipal de Rio Grande/RS. Isso porque os dados requeridos se referiam, v.g., à contratos
celebrados pelo Município, se houve licitação em determinada contratação etc." (STJ, REsp
785.129/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, unânime, DJU de 14/08/2006, p. 327). III - A
informação e os documentos requisitados pelo Ministério Público Federal, na espécie, inserem-
se na rotina de funcionamento das Prefeituras, quando do recebimento de recursos financeiros
federais, caracterizando-se como dados técnicos indispensáveis à propositura de ação civil
115

pública, na forma da interpretação que vem sendo dada ao assunto pelo egrégio STJ (art. 2º
da Lei 9.452/97). IV - É admissível, em tese, a ocorrência de crime de prevaricação (art. 319
do CP), quando o servidor ou o agente público retarda injustificadamente a adoção das
providências a seu cargo, sendo indispensável, porém, para a configuração do delito, o
especial interesse de agir, consubstanciado na satisfação de interesse ou sentimento pessoal.
V - Denúncia acolhida em parte. (INQ 2008.01.00.061931-0/MA; INQUERITO. Rel.
DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES. e-DJF1 p.1250 de 29/06/2009.
Data da Decisão: 10/06/2009. Decisão: A Seção recebeu em parte a denúncia, à
unanimidade).

EMENTA: HABEAS CORPUS. PREVARICAÇÃO. ATIPICIDADE. Evidenciado que a


acusação cinge-se ao fato de o delegado de polícia ter devolvido pequena quantia em dinheiro,
apreendida com traficantes de drogas, a fim de que estes repassassem a duas companheiras
estranhas ao tráfico, para retornarem à cidade de origem, resulta patente a atipicidade
relativa ao crime de prevaricação. Ordem concedida. (HC 85910 / MS - MATO GROSSO DO
SUL. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 13/12/2005. Órgão Julgador: Primeira
Turma).
116

Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente


público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a
aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação
com outros presos ou com o ambiente externo: (Incluído pela Lei nº
11.466, de 2007).
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

1 BEM JURÍDICO PROTEGIDO. RESULTADO NORMATIVO

O bem jurídico protegido no delito de prevaricação do art. 319-A é


a administração pública nos seus aspectos/interesse moral e de
“segurança pública”, vez que perturba o desenvolvimento das suas
atividades normais.
A ideia de administração pública que o legislador aplica neste
Título é muito mais ampla que a noção trazida pelos administrativistas, que
a utilizam abordando basicamente o Poder Executivo e as funções executivas
realizadas pelos órgãos estatais. Sob o ponto de vista penal, esse conceito é
muito mais amplo, pois pode-se entender por administração pública todos os
órgãos estatais da administração direta (União, Estados Federados, Distrito
Federal e Municípios) e indireta (autarquias, fundações públicas, etc.), assim
como os órgãos públicos relacionados aos outros Poderes (Legislativo e
Judiciário).
É interessante observar que o delito não possui um nomen juris,
também sendo denominado pela doutrina pátria como “prevaricação
imprópria”. O presente tipo foi introduzido no Código pela Lei n.°
11.466/2007.
Esta lei também suprimiu uma omissão normativa ao inserir no
inciso VII do art. 50 a seguinte falta grave: “tiver em sua posse, utilizar ou
117

fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação


com outros presos ou com o ambiente externo”11
O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico
protegido, resultado de uma conduta dolosa oriunda de um incremento de
risco. É irrelevante para a sua configuração qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADE TÍPICA

O delito do art. 319-A possui apenas a forma dolosa do caput, que


consiste no deixar de atuar do funcionário público, permitindo que o preso
obtenha instrumento de comunicação com outros presos ou com o mundo
exterior.

3 SUJEITOS DO DELITO

O crime é próprio, pois somente pode ser praticado pelo


funcionário público no exercício de sua função ou em razão dela.
O presente tipo, como afirma Guilherme Nucci (2009, p. 1007),
possui algumas impropriedades que a abaixo reproduzimos:

O tipo penal foi mal redigido, pois há expressa menção ao diretor de penitenciária
e/ou agente público, o que era desnecessário inteiramente. Nessas funções, são eles (diretor e
qualquer outro agente), para fins penais, funcionários públicos. Outro ponto a merecer crítica é
a inserção das conjunções “e/ou”, configurando lamentável forma de redação (bastaria, para
o caso, a referência a “ou”). Obviamente que o diretor do presídio pode responder, em concurso
de pessoas, com o agente penitenciário se ambos permitirem o acesso do preso ao celular. E
pode responder somente o diretor ou somente o agente penitenciário, a depender das provas
que apontem responsabilidade e o dolo de cada um deles.

O delito não admite todas as modalidades de concurso de


pessoas, apenas a participação (delito omissivo próprio), mas pode ser

11 “O art. 4º da Lei n. 10.792, de 1º-12-2003, dispõe que os estabelecimentos penitenciários


devem ser dotados de equipamentos bloqueadores para telefones celulares,
radiotransmissores e outros meios de telecomunicação” (Mirabete, 2013, p. 312).
118

extensível a indivíduos que não possuam a mesma qualidade profissional,


bastando apenas que exista a intenção de praticar o mesmo delito (obs.: o
coagente saiba da condição de funcionário público do outro). Essa aplicação
extensiva se deve à regra insculpida no art. 30 do Código Penal (ver também
sobre a Teoria Monista ou Unitária do Concurso de Pessoas).
A coautoria não é admissível, em face de o delito ser omissivo
próprio. Se mais de um agente praticar a conduta omissiva, cada um
responderá individualmente por sua omissão.
O sujeito passivo imediato ou constante é o Estado, principal
interessado no regular funcionamento das atividades por ele promovidas.
Também pode ser vítima o particular, pessoa jurídica ou outro servidor
público prejudicado pela conduta do agente.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS E NORMATIVOS DO TIPO

O verbo núcleo do tipo é deixar (omitir, não fazer) de cumprir


com o dever de vedar (é o elemento normativo do tipo e consiste em impedir
ou proibir algo que a lei lhe determine). A omissão própria praticada pelo
agente permite que o preso (provisório ou condenado definitivamente) tenha
acesso indevido (elemento normativo do tipo – que consiste na facilidade de
uso não autorizada ou permitida por lei ou outra normativa) a aparelho
telefônico (fixo ou móvel), de rádio (instrumento que recebe ou emite sinais
radiofônicos – ex.: rádio amador ou walkie-talkie) ou similar (qualquer
aparelho que permita a comunicação com pessoas em outros lugares. ex.:
computador com acesso à internet).
É relevante compreender que através de uma omissão, alguém faz
com que o objeto material chegue às mãos do detento. Por isso, o agente
público deve tomar todos os procedimentos permitidos em lei para impedir
que o preso obtenha tais instrumentos de comunicação12. Também se deve

12 “Em verdade, a determinação do diretor, concretamente, para que se tomem as medidas


necessárias para ‘vedar’ o uso de ‘aparelho telefônico, de rádio ou similar’ representa um
comportamento ativo incompatível com a inércia dolosa característica dos crimes omissivos
próprios, como pretende ser o que ora examinamos. No entanto, o não atendimento da ordem
119

ter em mente, que a chamada “vista grossa” configurará o delito, pois se o


funcionário vê o objeto e não impede a sua entrada no presídio, também
estará deixando de vedar o acesso (atua de forma omissiva).
Por sua vez, Damásio de Jesus (2013, p. 220) esclarece o
significado do termo “penitenciária”, também previsto no tipo:

“O termo penitenciária abrange estabelecimentos prisionais que abrigam presos


definitivos e provisórios. De notar-se que o art. 87 da LEP, em seu parágrafo único, autoriza
que entes da federação construam penitenciárias para receber presos provisórios. ‘Assim,
será sujeito ativo do delito até mesmo o diretor de cadeia pública, dos centros de detenção
provisória e outros congêneres (...)”13.

O objeto material do delito é o aparelho telefônico, de rádio ou


similar que pode chegar ao acesso do detento. Exclui-se desse rol, os
aparelhos que sejam meros receptores de sinais radiofônicos e não
possibilitam a comunicação com o mundo exterior.
O que o legislador visa fundamentalmente nesse artigo é impedir a
comunicação entre os presos e destes com o mundo exterior, a fim de evitar
que eles continuem praticando atividades delituosas, mesmo já estando sob
a tutela estatal. É frequente tomarmos conhecimento de ações típicas que
foram comandadas de dentro dos presídios, assim, como a prática de

do diretor da penitenciária, seja por impossibilidade operacional, seja física, pessoal ou


institucional, impede que se caracterize o crime, pois o diretor não se omitiu, isto é, não deixou
de agir, determinou a vedação, não ficou inerte; ao contrário, agiu, ou seja, tomou as
providências que lhe cabiam, embora não tenha conseguido êxito. O dever que a norma lhe
impõe – determinar a vedação de acesso aos meios/instrumentos de comunicação – é
atendido pelo diretor, mas circunstâncias alheias à sua vontade impedem que o resultado seja
obtido, e, consequentemente, a ineficácia de suas medidas não pode acarretar-lhe qualquer
responsabilidade penal. Nessa hipótese, não se configura a omissão descrita no art. 319-A
(Bitencourt, 2013, p. 144-145).
13 Art. 87 da LEP. A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime
fechado.Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios
poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e
condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos
termos do art. 52 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003).
120

condutas visando extorquir vantagens econômicas das pessoas (ex.: a


simulação de sequestros e outros).
O art. 41, inciso XV, da Lei n.° 7.210/1984 permite a
comunicação do detento com o mundo exterior através de correspondência
escrita, de textos (livros, revistas e etc.) e, outros meios de informação que
não comprometam a moral e os bons costumes.
Devemos considerar preliminarmente que no momento histórico de
publicação da LEP, inexistiam os recursos tecnológicos de hoje. Para nós, as
formas de acesso continuam adequadas por serem passíveis de controle
estatal. A verificação de correspondências não viola o direito à intimidade,
em virtude da relativização deste durante o cumprimento da pena privativa
de liberdade. Ainda sobre esse assunto nos diz Rogério Greco (2014, p.
1037):

Tal orientação consta da Resolução n.° 14, de 11 de novembro de 1994, do


Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que, em seu art. 33, § 2°, após dizer
que o preso estará autorizado a comunicar-se, periodicamente, sob vigilância, com sua família,
parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por meio de visitas,
esclarece que o uso dos serviços de telecomunicações poderá ser autorizado pelo diretor do
estabelecimento prisional.

5 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O delito é praticado com o dolo genérico de deixar de cumprir com


o dever de vedar, que pode ser direto ou eventual. Não há previsão de
elemento subjetivo específico ou fim especial de agir por parte do agente.
Também não prevê forma culposa, por isto, a mera desídia ou negligência no
cumprimento do dever não configura o delito.

6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O crime é formal, consumando-se quando o preso tem acesso ao


aparelho telefônico, de rádio ou similar, com a omissão do diretor ou agente
121

penitenciário. Ressalta-se que o delito não exige que o preso efetivamente se


comunique com o mundo exterior ou com outros detentos.
A tentativa não é admissível por ser o delito omissivo próprio e
unissubsistente.
Damásio (2013, p. 221), impropriamente, afirma que será possível
forma tentada quando a conduta do sujeito ativo for comissiva e, cita como
exemplo, o carcereiro que entra com o aparelho telefônico no
estabelecimento prisional e no momento de entregá-lo ao preso é
surpreendido por seu superior. O problema desta afirmação e exemplo é que
elas configuram o delito do art. 349-A e não o art. 319-A.

7 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

O crime de prevaricação do art. 319-A é classificado como: próprio


(exige uma qualidade específica por parte do sujeito ativo que é ser
funcionário público); doloso (admite apenas o dolo direto ou eventual);
omissivo próprio (ocorre com a inatividade do agente, previsto no verbo
deixar); de dano (visa causar um prejuízo moral para o Estado); obs.: no
entendimento de Guilherme Nucci (2009, p. 1009) o delito é de perigo
abstrato (pois há a mera exposição do bem ao perigo); de forma livre
(admite qualquer meio de execução); formal (há previsão de resultado
naturalístico, porém esse não precisa ocorrer para a sua consumação). O
delito também é instantâneo (a consumação é imediata, ocorrendo com a
inatividade do agente); unissubjetivo (basta apenas um agente para a sua
realização); unissubsistente (a conduta não admite fracionamento – verbos:
deixar de cumprir); não-transeunte (é delito que deixa vestígios).

8 MODALIDADES DERIVADAS

O art. 319-A não possui modalidades derivadas.


122

9 PENA E AÇÃO PENAL

O tipo prevê apenas a pena privativa de liberdade, detenção, de


03 (três) a 01 (um) ano. O crime está sujeito a aplicação das regras
insculpidas na Lei n.° 9.099/1995 (arts. 60,61, 76 e 89). A ação penal é
pública incondicionada.

10 QUESTÕES RELEVANTES

10.1 DIFERENÇA ENTRE “PREVARICAÇÃO IMPRÓPRIA” (ART.


319-A) E PREVARICAÇÃO (ART. 319) – (Bitencourt, 2013, p. 143)

“Não há, nessa nova figura, convém que se destaque, a violação dolosa do dever
de ofício, em prol de interesses subalternos (interesses ou sentimentos pessoais) do sujeito
ativo, denegrindo a função ou cargo que exerce, ao contrário do que ocorre no crime de
prevaricação (art. 319). Não há, enfim, procedimento que ofende e degrada o interesse da
Administração Pública, que deveria ser o bem jurídico protegido, pois o funcionário não é
impedido por objetivos ou sentimentos pessoais, contrariando os deveres que são inerentes ao
cargo e à função. A eventual omissão, nessa hipótese, estaria mais bem localizada, a nosso
juízo, no plano administrativo, como falta funcional, onde encontraria solução mais adequada,
em um Estado Democrático de Direito.

10.2 FALTA GRAVE PELA POSSE E UTILIZAÇÃO OU


FORNECIMENTO DE APARELHO TELEFÔNICO, DE RÁDIO OU SIMILAR

A Lei n.° 11.466/2007 inseriu o inciso VII no art. 50 da Lei n.°


7.210/1984 (Lei de Execução Penal), como falta grave do preso condenado à
pena privativa de liberdade, o ato de possuir, utilizar ou fornecer aparelho
telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros
detentos ou com o mundo exterior.

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou
similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído
pela Lei nº 11.466, de 2007)
123

10.3 INGRESSO DE PESSOA EM ESTABELECIMENTO


PRISIONAL PORTANDO APARELHO TELEFÔNICO, RÁDIO OU OUTRO
SIMILAR

A Lei n.° 12.012/2009 acrescentou ao Código Penal o art. 349-A


com a seguinte redação:

Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de


aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em
estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei n.º 12.012, de 2009).
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº 12.012, de
2009).

11 JURISPRUDÊNCIA

Falta grave decorrente da posse de ‘chip’ de telefone celular. Equipamento


apreendido com a companheira do réu, quando revistada para visita. Inviável reconhecer falta
disciplinar do preso, uma vez que em momento algum teve ele a posse daquele acessório, não
podendo ser punido porque em hipótese ele o receberia durante a visita. Conduta que, além
disso, deixou de ser considerada falta disciplinar com a edição da Lei 11.466, de 28 de março
de 2007 (TJSP, HC 11748793900, Rel. Ivan Marques, 2ª Câm. de Direito Criminal, pub.
8/4/2008).
124

Condescendência criminosa
Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de
responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do
cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao
conhecimento da autoridade competente:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

1 INTRODUÇÃO. BEM JURÍDICO PROTEGIDO. RESULTADO


NORMATIVO

Segundo Cezar R. Bitencourt (2013, p. 148), o delito de


“condescendência criminosa” é uma modalidade especial e privilegiada do
crime de “prevaricação”. Desde o Código Criminal do Império (1830), a
conduta é considerada como penalmente relevante. Ocorre, entretanto, que
nesta codificação e no Código Penal de 1890, o comportamento estava
tipificado como uma sub-modalidade do crime de “prevaricação”
O bem jurídico protegido no delito de condescendência criminosa
é a administração pública nos seus aspectos/interesse moral (probidade) e
material, vez que perturba o desenvolvimento das suas atividades normais.
Como ressaltado anteriormente, a idéia de administração pública que o
legislador aplica neste Título é muito mais ampla que a noção trazida pelos
administrativistas, que quando a utilizam tratam basicamente do Poder
Executivo e das funções executivas realizadas pelos órgãos estatais.
Penalmente falando esse conceito é muito mais amplo, pois pode-se entender
por administração pública todos os órgãos estatais da administração direta
(União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios) e indireta
(autarquias, fundações públicas, etc.), assim como os órgãos públicos
relacionados aos outros Poderes (Legislativo e Judiciário).
O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico
protegido, resultado de uma conduta dolosa oriunda de um incremento de
risco. É irrelevante para a sua configuração qualquer resultado naturalístico.
125

2 MODALIDADE TÍPICA

O delito prevê apenas a forma dolosa do caput, que consiste na


conduta do agente que deixar, por indulgência, de responsabilizar
subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando não
possuir a competência para fazê-lo, não levar ao conhecimento da
autoridade que a tenha.

3 SUJEITOS DO DELITO

O crime de condescendência é delito próprio, pois exige do sujeito


ativo uma qualidade especial, que nesse caso vincula-se a sua atividade
profissional, que é ser funcionário público e possuir a condição de superior
hierárquico em face do subordinado infrator (não pode ser inferior ou
possuir a mesma hierarquia). Para sua configuração o agente não precisa
estar no exercício da função pública, sendo apenas necessário que deixe de
agir em razão dela, isto é, ele já possui a condição (não importa se está de
férias, licenciado ou ainda não estar no exercício).
O delito admite concurso de pessoas apenas na modalidade
participação, que inclusive pode ser extensível a indivíduos que não
possuam a mesma qualidade profissional, bastando apenas que exista a
intenção de praticar o mesmo delito e, que o coagente saiba da condição de
funcionário público do outro. Essa aplicação extensiva se deve à regra
insculpida no art. 30 do Código Penal (ver também sobre a Teoria Monista
ou Unitária do Concurso de Pessoas).
Não admite coautoria por ser o delito omissivo próprio. Se mais
de um servidor superior hierárquico se omite, cada um responderá
individualmente pelo delito.
O sujeito passivo imediato ou constante é o Estado, principal
interessado no regular funcionamento das atividades por ele promovidas.
Também pode ser vítima o particular, pessoa jurídica ou outro servidor
público eventualmente prejudicado pela conduta do agente.
126

4 ELEMENTOS OBJETIVOS E NORMATIVOS

O verbo núcleo do tipo é deixar (omitir, não fazer, não agir,


permanecer inativo), por indulgência (perdão ou atenuação da gravidade de
uma falta), de responsabilizar (elemento normativo – não apurar e não punir
quando tem a competência para fazê-lo) subordinado (necessita ser o
hierarquicamente inferior ao autor, que dele acata ordens) que cometeu
infração no exercício do cargo (é um elemento normativo que depende de
valoração jurídica definidora da infração ou do descumprimento funcional,
que ocorreu no exercício profissional público) ou, quando lhe falte
competência (outro elemento normativo, pois é a lei ou ato normativo que
define os atos que podem ou não ser praticados), não levar (deixar de fazer,
não agir) o fato ao conhecimento da autoridade competente (é um elemento
normativo, pois a lei ou ato indica quem é a autoridade que deve tomar o
conhecimento da infração penal ou administrativa cometida pelo
subordinado)14. Ambas as condutas são omissivas próprias.
Deve-se ficar claro:
- que não há condescendência criminosa se a infração cometida em
sentido amplo (administrativa ou penal) não se vincula ao cargo exercido15;

14 Concernentemente a tipificação da conduta, Bitencourt (2013, p. 149) tece severas


críticas: Inevitável chegar à derradeira conclusão: a criminalização desse tipo de conduta é
uma demasia, ante a existência de outros mecanismos de controle formalizado,
particularmente o Direito Administrativo, que podem ocupar-se melhor desse tipo de
relacionamento omissivo na esfera da Administração Pública. Em verdade, na prática, tal
previsão dificilmente ganha aplicação, não que tais fatos não aconteçam, ao contrário,
ocorrem, mas, normalmente, o chefe do chefe, isto é, a ‘a autoridade competente’ que toma
conhecimento da omissão do funcionário faltoso também adota indulgência semelhante,
omitindo-se, igualmente. Apenas por exceção poder-se-á chegar à punição, e, nesse caso,
normalmente, a motivação não é mais nobre que a indulgência punida, pelo contrário, é
movida por sentimento negativo, vingança, perseguição etc. Convenhamos, falando sério e
sem meias palavras, somente motivações do gênero animarão colegas de trabalho a buscar a
criminalização de uma ação indulgente sem maiores conseqüências”.
15 Relativamente a este ponto, Mirabete (2013, p. 316) traz um rol de faltas disciplinares que
não se enquadrariam no tipo, mas que em princípio poderiam dar ensejo a perda do cargo
127

- que não há condescendência criminosa se o agente não for superior


hierárquico em relação àquele que praticou a infração.
No entendimento de Rogério Greco (2014, p. 1040) o delito não
possui objeto material, posicionamento que concordamos plenamente,
tendo em vista, que não há qualquer objeto concretamente lesionado pela
conduta. Em sentido contrário, Bitencourt (2013, p. 149) afirma que a
“omissão do dever funcional de promover a responsabilidade administrativa
do infrator” é o objeto material do crime (corrente majoritária).

5 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O crime é praticado com o dolo genérico e direto de se omitir


diante da infração realizada pelo subordinado. Há previsão também de um
dolo específico ou fim especial de agir estabelecido nas elementares “por
indulgência” (clemência, condescendência, perdão ou atenuação da
gravidade de uma falta). O superior que não tomou conhecimento da
irregularidade cometida pelo subordinado não pratica o delito. Não há
conduta típica culposa.

6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O delito é formal consumando quando expira o prazo legal para as


providências por parte do agente e este deixa de fazê-lo (não responsabilizar
o subordinado, com o sentido de não apurar; ou não comunicar ao superior
competente).
Em relação ao prazo para providências por parte do agente, Rogério
Greco (2014, p. 1040) tece os seguintes comentários:

Para efeito de reconhecimento do delito em estudo, a lei penal não determina


qualquer prazo para que seja providenciada a responsabilização do funcionário subordinado

público: “Por isso, ficam de fora do âmbito do tipo penal mesmo as faltas disciplinares que
importam em demissão do cargo, como a de procedimento irregular ou incontinência pública e
escandalosa, vício de jogos proibidos e embriaguez, que não se relacionam com o cargo”.
128

que cometeu infração no exercício do cargo, ou mesmo quando o funcionário não tiver
competência para tanto, para que leve o fato ao conhecimento da autoridade competente.
Contudo, o art. 143 da Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispôs sobre o regime
jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas
federais, nos auxilia na interpretação do art. 320 do Código Penal, dizendo:
Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidades no serviço
público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou
processo administrativo disciplinar, assegurada ao advogado de ampla defesa. (grifo
nosso)
Dessa forma, assim que tomar conhecimento da infração, a autoridade competente
deverá instaurar a sindicância ou o procedimento administrativo disciplinar; da mesma forma,
o funcionário que não tiver competência para tanto deverá, imediatamente, levar os fatos ao
conhecimento da autoridade competente, para que sejam tomadas aquelas providências.

A tentativa é inadmissível, visto que o delito é omissivo próprio e


unissubsistente.

7 CLASSIFICAÇÃO

O crime de condescendência criminosa é classificado como:


próprio (exige uma qualidade específica por parte do sujeito ativo que é ser
funcionário público); doloso (admite apenas o dolo direto); omissivo próprio
(ocorre com a inatividade do agente, previsto no verbo deixar); de dano (visa
causar um prejuízo moral para o Estado); de forma livre (admite qualquer
meio de execução); formal (há previsão de resultado naturalístico, porém
esse não precisa ocorrer para a sua consumação). O delito também é
instantâneo (a consumação é imediata ocorrendo com a inatividade do
agente); unissubjetivo (basta apenas um agente para a sua realização);
unissubsistente (a conduta não admite fracionamento – verbos: deixar de
responsabilizar e não levar ao conhecimento); obs.: no entendimento de Cezar
Roberto Bitencourt (2004, p. 425) o delito é plurissubsistente (é crime que
pode ser praticado em mais de um ato, admitindo o fracionamento em sua
execução); e, transeunte (é delito que não deixa vestígios).
129

8 PENA E AÇÃO PENAL

O delito de condescendência criminosa é punido


alternativamente, com detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. O
crime está sujeito a aplicação das regras insculpidas na Lei n.° 9.099/1995
(arts. 60,61, 76 e 89). A ação penal é pública incondicionada.

9 QUESTÕES RELEVANTES

9.1 CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA E PREVARICAÇÃO /


CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA E CORRUPÇÃO PASSIVA

Se o sujeito se omite de agir com o fim de satisfazer sentimento ou


interesse pessoal, o delito será de prevaricação (art. 319); se o faz para obter
para si ou para outrem, vantagem indevida, o delito passa a ser o de
corrupção passiva (art. 317).

10 JURISPRUDÊNCIA E NOTÍCIAS JURÍDICAS

Condescendência criminosa. Chefe de repartição pública que demora a tomar


providências contra subordinado que cometeu infração penal no exercício do cargo. Delito
caracterizado em tese – Justa causa para o inquérito policial contra ele instaurado.
Inteligência dos arts. 320 do CP de 1940 e 648, I, do CPP (STF) (RT597, p. 143).

PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - REMESSA OFICIAL - INQUERITO


POLICIAL INSTAURADO POR REQUISIÇÃO DE ORGÃO DO MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PARA APURAÇÃO DE CRIMES (PREVARICAÇÃO E CONDESCEDENCIA CRIMINOSA) QUE
TERIAM SIDO PRATICADOS RESPECTIVAMENTE POR SUPERINTENDENTE DA POLICIA
FEDERAL E PELO DIRETOR GERAL DO DEPARTAMENTO DE POLICIA FEDERAL, COM BASE
EM DECLARAÇÕES PRESTADAS A IMPRENSA PELO ULTIMO POSSIBILIDADE DA
REQUISIÇÃO, BEM COMO DE SER O INQUERITO PRESIDIDO POR DELEGADO MAIS ANTIGO,
EMBORA FUNCIONAMENTE SUBORDINADO AS AUTORIDADES INVESTIGANDAS NÃO
CARACTERIZAÇÃO, MESMO EM TESE, DOS DELITOS OBJETO DA REQUISIÇÃO. 1. EMBORA
NÃO SEJA AUTO-APLICAVEL O INCISO VII DO ARTIGO 129 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
130

1.988, JA QUE NÃO EDITADA AINDA A LEI COMPLEMENTAR QUE O REGULARA, PODE O
ORGÃO DO MINISTERIO PUBLICO, FUNDADO NA LEGISLAÇÃO PRE-EXISTENTE
RECEPCIONADA PELA NOVEL CARTA POLITICA, REQUISITAR A INSTAURAÇÃO DE
INQUERITO POLICIAL (CPP, ART. 5, II). 2. O DELEGADO DE POLICIA, AO PRESIDIR
INQUERITO, PARA APURAÇÃO DE ILICITO PENAL, ATUA COMO ORGÃO DE POLICIA
JUDICIARIA, ESTANDO, PORTANTO, INFENSO AS NORMAS ADMINISTRATIVAS QUE
REGULAM A DISCIPLINA E HIERARQUIA DA POLICIA FEDERAL. ASSIM, INEXISTE
IMPEDIMENTO LEGAL A DESIGNAÇÃO DE AUTORIDADE POLICIAL FUNCIONALMENTE
SUBORDINADA AOS INVESTIGANDOS PARA A APURAÇÃO DE EVENTUAIS DELITOS DE
NATUREZA PENAL POR ESTES COMETIDOS. 3. CRITICAS GENERICAS FEITAS POR
SUPERIOR HIERARQUICO E AO FUNCIONAMENTO DO ORGÃO QUE DIRIGE NÃO
CONSUBSTANCIAM, MESMO EM TESE O RECONHECIMENTO DE CRIME DE PREVARICAÇÃO
EM RELAÇÃO AOS SEUS SUBORDINADOS, O QUE CONSEQUENTEMENTE, AFASTA A
POSSIBILIDADE DE VIR ESSE SUPERIOR HIERARQUICO A SER RESPONSABILIZADO PELA
PRATICA DO CRIME DE CONDESCENDENCIA CRIMINOSA, JA QUE A TIPIFICAÇÃO DESTE
DELITO DEPENDE NECESSARIAMENTE DA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE PREVARICAÇÃO
PRATICADO PELO SUBORDINADO HIERARQUICO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA
CONCESSIVA DE HABEAS CORPUS. IMPROVIMENTO DA REMESSA EX-OFFICIO.

Processo: RHC 90.01.16164-2/RO; PETIÇÃO DE RECURSO ORDINARIO EM


HABEAS CORPUS
Relator: JUIZ MURAT VALADARES
Órgão Julgador: QUARTA TURMA
Publicação: DJ p.30811 de 17/12/1990
Data da Decisão: 12/11/1990
131

Advocacia administrativa
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse
privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade
de funcionário:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.

Violência arbitrária
Art. 322 - Praticar violência, no exercício de função ou a
pretexto de exercê-la:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, além da pena
correspondente à violência.

Abandono de função
Art. 323 - Abandonar cargo público, fora dos casos
permitidos em lei:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
§ 1º - Se do fato resulta prejuízo público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 2º - Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de
fronteira:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
132

Exercício funcional ilegalmente antecipado ou


prolongado
Art. 324 - Entrar no exercício de função pública antes de
satisfeitas as exigências legais, ou continuar a exercê-la, sem
autorização, depois de saber oficialmente que foi exonerado,
removido, substituído ou suspenso:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Violação de sigilo funcional


Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do
cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a
revelação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o
fato não constitui crime mais grave.
§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e
empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de
pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de
dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de
2000)
II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído
pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração
Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
133

Violação do sigilo de proposta de concorrência


Art. 326 - Devassar o sigilo de proposta de concorrência
pública, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:
Pena - Detenção, de três meses a um ano, e multa.

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