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PROMOTOR DE JUSTIÇA - ES
DIRIGENTE DO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL
1
Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, pp.
49/40. Conforme destacam os autores, “A concepção tradicional do processo civil não deixa espaço para a
proteção dos direitos difusos. O processo civil era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se
destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesas partes a respeito de seus próprios interesses
individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se
enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a
atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares”.
mecanismos para o combate à corrupção e à dilapidação da coisa pública pelos
agentes ímprobos.
2.1 CONCEITO
2
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp.
652/653. Para o renomado constitucionalista a improbidade administrativa é uma imoralidade administrativa
qualificada, conceituando-a como “uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem
ao ímprobo ou a outrem”, razão pela qual assevera que “é tratada com mais rigor, porque entra no ordenamento
constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do ímprobo (...)”.
3
Probidade Administrativa. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 23.
público para angariar vantagem ilícita, econômica ou não, para si ou para outrem, da
causação de dano patrimonial ou financeiro nos negócios da Administração Pública
para com particulares, do emprego irregular de verbas públicas e da prática do desvio
de finalidade ou do excesso de poder.
Como visto acima, não é tarefa fácil a conceituação do que vem a ser ato de
improbidade, o que não passou despercebido pelo legislador pátrio, que, a nosso
sentir, de forma correta estabeleceu um rol não exaustivo das condutas que
caracterizarão atos de improbidade administrativa. Logo, a Lei nº 8.429/92 dividiu tais
atos em três grupos: a) atos de improbidade administrativa que importam
4
Improbidade Administrativa (observações sobre a lei nº 8.429/92), 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 232.
enriquecimento ilícito (art. 9º); b) atos de improbidade administrativa que causam
prejuízo ao erário (art. 10); c) atos de improbidade administrativa que atentam contra
os princípios da administração pública (art. 11).
B) Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10):
Pela redação dos três artigos acima, não há como concordar com a posição de
alguns autores, como Pedro da Silva Dinamarco 5, que sustentam que os respectivos
incisos dos artigos 9º, 10, e 11, da Lei nº 8.429/92, estabelecem a previsão taxativa
(numerus clausus), alegando, portanto, que outros fatos ali não previstos não
poderão ser classificados como ímprobos tão-somente pelo caput, sob pena de
violação ao art. 5º, incisos XX e XXIX, da Constituição Federal, que estabelece o
princípio da reserva legal.
Ora, tal entendimento contraria a própria redação dos artigos citados 6, no sentido de
serem as situações elencadas nos respectivos incisos meramente exemplificativas.
Não há que se falar em violação ao princípio da reserva legal ou perigo para
segurança jurídica em se admitir esse entendimento, pois se valeu o legislador de
uma técnica legislativa para melhor resguardar o patrimônio público, sendo
impensável invocar a indeterminação de alguns conceitos para sustentar a
taxatividade do artigo, já que, como se sabe, os princípios, por sua própria natureza,
5
“Requisitos para a Procedência das Ações por Improbidade Administrativa”. Improbidade Administrativa –
Questões Polêmicas e Atuais, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, pp. 332/333.
6
Nesse sentido é a doutrina majoritária: FIGUEIREDO, Marcelo. Ob. cit., p. 69; PAZZAGLINI FILHO, Marino;
ROSA, Marcio Fernando Elias; FÁZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa, 3ª ed. São Paulo: Atlas,
1998, p. 60; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 181;
SANTOS, Carlos Frederico Brito. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 22.
possuem cláusulas gerais, e, como vimos, a violação de princípios também importam
em atos de improbidade administrativa.
Nesse sentido é a posição de Emerson Garcia que, juntamente com Rogério Pacheco
Alves, são responsáveis por um dos mais extensos estudos da Lei de Improbidade
Administrativa7. Sobre o tema, destaca o autor:
Por fim, resta esclarecer que das modalidades de atos de improbidade administrativa,
pela lei, somente aquelas que importem em prejuízo ao erário (art. 10) podem ser
cometidas a título de dolo ou culpa. As demais condutas dos arts. 9º e 11 (de
7
Improbidade Administrativa. 1ª ed. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
8
GARCIA, Emerson et al. Ob. cit., p. 189.
enriquecimento ilícito e violação de princípios) só podem ser cometidas a título de
dolo.
Destarte, de lege ferenda, entendemos que deve ser eliminada a previsão de ato de
improbidade administrativa na modalidade culposa, o que não só estará mais de
acordo com os objetivos da lei, mas, também, evitará problemas de interpretação da
própria lei, como, verbi gratia, a questão da vedação da transação, expressamente
prevista pela lei.
9
“Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa
jurídica interessada, dentro de 30 (trinta) dias da efetivação da medida cautelar.
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput” (destaque nosso).
improbidade administrativa não são considerados ilícitos criminais, tendo
inquestionável natureza civil, como se verá a seguir.
Em primeiro lugar, deve ser relembrado, como destacado acima, que para a
tipificação dos atos de improbidade administrativa o legislador se valeu da técnica do
conceito jurídico indeterminado, o que é perfeitamente possível levando-se em conta
que a prática de muitos atos de improbidade administrativa configuram violação de
princípios, e estes, como se sabe, ostentam um conceito jurídico indeterminado, o
que os diferencias das regras jurídicas.
Com efeito, por tal princípio os tipos penais incriminadores somente podem ser
criados por lei em sentido estrito, decorrendo dele o princípio da taxatividade, pelo
qual as condutas consideradas infração penal devem ser suficientemente clara e bem
elaboradas, de modo a não deixar dúvida por parte do destinatário da norma.
Nesse sentido, são oportunas as lições de Luiz Luisi, que ao comentar o princípio da
legalidade, com acerto, ensina que
10
WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Subversão da hierarquia judiciária. O Estado de São Paulo,
01.04.1997, Espaço Aberto. Tais autores, contrariamente ao sustentado por nós, entendem que a lei contemplaria
delitos com “foros de crimes de responsabilidade”.
portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do
legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa
e uniforme”.11
Em segundo lugar, a própria Constituição Federal, no art. 37, § 4º, deixa claro que as
punições pelos atos de improbidade administrativa serão aplicadas “sem prejuízo da
ação penal cabível”.
11
Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 18.
responsabilidade penal por crime contra a administração, prevista no Código
Penal ou na legislação especial”.12
No sentido do aqui sustentado foi a conclusão a que chegaram Flavio Cheim Jorge e
Marcelo Abelha Rodrigues13, que após tecerem considerações acerca da atecnia de
alguns termos penais utilizados pelo legislador, como “Das Penas” (Capítulo III), “Das
Disposições Penais” (Capítulo VI), asseveram:
“Toda essa crítica poderia levar à conclusão – não tão descabida assim – de
que a lei, em sua grande parte, seria manifestamente inoperante. Todavia,
graças à clareza do texto constitucional e sua supremacia em relação à lei
específica, restou bem nítida a posição da Carta Magna ao isolar as sanções
tão comentadas daquelas que seriam objeto de uma ação penal típica.
Assim sendo, dúvida não pode haver de que se trata, todas elas, de sanções
não-penais, e que devem ser julgadas e apreciadas pelo juízo cível”.
De fato, se a própria Carta magna, como visto, distingue e separa nitidamente a ação
condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções nela
previstas da ação penal cabível, é inexorável concluir que aquela demanda não
ostenta natureza penal.
Portanto, malgrado uma distinção ontológica entre ilícito penal e ilícito civil seja na
visão de muitos impraticável, como observa Nélson Hungria 14, ao menos em face do
direito positivo é aceitável um critério distintivo relativo ou contingente, não fixável a
priori, da suficiência ou insuficiência das sanções não-penais. Assim, somente
quando a sanção civil não se afigura como suficiente para a reintegração da ordem
jurídica é que se lança mão da enérgica sanção penal, não obedecendo o legislador a
12
Constituição do Brasil Interpretada. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 2.648.
13
“A Tutela Processual da Probidade Administrativa”. Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e
Atuais, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 177.
14
Comentários ao Código Penal. Vol. I. Tomo 2º - arts. 11 a 27. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1955, p. 32.
outra orientação. Nesse sentido, sendo conveniente a sanção civil para um ato ilícito,
hostil a um interesse individual ou coletivo, não há motivo para a utilização da reação
penal, eis que estas representam o último recurso para “conjurar a antinomia entre a
vontade individual e a vontade normativa do estado”.
Pelo exposto, valendo-se mais uma vez das lições de Nélson Hungria 15, sem dúvida
alguma um dos maiores penalistas brasileiros de todos os tempos, podemos concluir:
Nota-se, portanto, que o crime tem como conseqüência, uma pena de prisão, isto é,
privativa de liberdade, como, aliás, se pode perceber pela redação do art. 1º do
Decreto-Lei nº 3.914, de 09/12/1941 (Lei de Introdução ao Código Penal), que dispõe:
Assim, percebe-se de forma clara que o conceito legal de crime no Brasil exige como
conseqüência, sempre, uma pena privativa de liberdade, quer isoladamente, quer
cumulativamente, quer alternativamente com a pena de multa. Logo, a conclusão
inexorável que se chega é que sem que haja uma cominação de sanção do tipo pena
de reclusão ou detenção, o ilícito poderá ser de qualquer outra natureza, menos
crime.
Tal tipo de sanção, como se sabe, é ausente nos ilícitos civis, em que a prisão só é
admitida em casos excepcionais para o cumprimento de uma obrigação, como se dá
nos casos de devedor de pensão alimentícia e do depositário infiel.
Ora, como se observa pela redação, para ilustrar, apenas do inc. I, do art. 12 da lei nº
8.429/9217, percebe-se que nenhum dos atos de improbidade administrativa previsto
na lei possui como conseqüência uma sanção que importe em privação da liberdade,
16
Direito Penal – Parte Geral – Teoria constitucionalista do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp.
16/17.
17
“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação
específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
I - na hipótese do artigo 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,
ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos
políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do
acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos”.
o que representa, embora esquecido por praticamente todos autores, mais um forte
argumento para não se considerar tais atos como ilícitos penais.
Nem se alegue, como o faz Fernando da Costa Tourinho Filho 18, que as sanções
cominadas para os atos de improbidade administrativa, como a perda do cargo e a
suspensão dos direitos políticos, são reprimendas eminentemente penais.
Ora, tanto a suspensão dos direitos políticos como a perda do cargo, pelo Código
Penal, não são considerados penas cominadas aos crimes. Aliás, em relação à perda
do cargo, o Código Penal, em seu art. 92, inc. I, considera tal medida como um efeito
secundário da condenação, isto é, efeito não automático, que precisa ser explicitado
na sentença, diferentemente do que ocorre com a pena privativa de liberdade, que
configura um dos efeitos principais da sentença condenatória.
Note-se que até mesmo na legislação penal especial, quando a perda do cargo é
prevista como pena principal, sempre se faz acompanhar de uma pena privativa de
liberdade, como ocorre com a Lei Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/1965 19).
Por fim, para arrematar, outro argumento para afastar a natureza não-penal dos atos
de improbidade administrativa é a previsão do art. 8º da Lei nº 8.429/92. 20
18
“Da Competência pela Prerrogativa de Função”. In Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. N. 28.
Out – Nov. 2004, p. 21.
19
“Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal.
§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos arts. 42 a 56 do Código Penal e consistirá em: a)
multa de cem cruzeiros a cinco mil cruzeiros; b) detenção por 10 (dez) dias a 6 (seis) meses; c) perda do cargo e
a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até 3( três) anos.”
20
“Art. 8º. O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito
às cominações desta Lei até o limite do valor da herança”.
Com efeito, sendo possível que algumas das sanções por atos de improbidade
administrativa alcance os herdeiros é inexorável se concluir pela natureza não-penal
de tais atos, do contrário, estar-se-ia violando o princípio da intranscendência previsto
no art. 5º, XLV, da Constituição Federal, pelo qual “nenhuma pena passará da pessoa
do condenado”.
4 CONCLUSÕES
Nota-se, lamentavelmente, que boa parte daqueles que defendem a natureza penal
dos atos de improbidade administrativa, em sua grande maioria, tem por objetivo tão-
somente mascarar a verdadeira intenção: que é o de assegurar o foro por
prerrogativa de função para aqueles agentes que ostentam tal prerrogativa em
matéria criminal, de modo a justificar leis imorais e inconstitucionais, como a
famigerada Lei nº 10.628/2002, inegavelmente uma lei que, além do retrocesso,
representou um dos mais duros golpes que o Estado Democrático de direito sofreu
nos últimos anos.
4 REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal – Parte Geral: Teoria constitucionalista do delito.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 20004.
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1991.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2001.