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ANÁLISE DOUTRINÁRIA ACERCA DA AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA Nº 0169565-11.2013.8.26.0000, DA COMARCA DE SÃO PAULO

RESUMO: O presente trabalho visa realizar uma análise doutrinária acerca das ações de
improbidade administrativa, principalmente no que tange lesão aos princípios da
Administração Pública. Para tanto, foi analisada a Ação Civil de Improbidade Administrativa
nº 0169565-11.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo.

Por vezes autoridades ou agentes públicos podem praticas determinadas condutas


durante o exercício de suas funções que acabam gerando prejuízos ao erário, enriquecimento
ilícito ou atentando contra os princípios da Administração Pública, o que contraria atos
defesos em lei. Sobre esta forma de atuação a norma se refere à improbidade administrativa.

Agir com probidade quer dizer se comportar com “honestidade, honradez,


integridade de caráter, retidão” no cumprimento do seu dever enquanto indivíduo público, nas
palavras de Medauar (2018). Ainda para a autora, quando se fala em improbidade, nota-se um
sentido mais desmoralizante, visto que a conduta resulta em enriquecimento ilícito ou gera
vantagem para o próprio agente ou para terceiro. Di Pietro (2019), se manifestou da seguinte
forma sobre o assunto:

Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não


basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei;
é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de
regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração
Pública.

Nesse diapasão, o objetivo deste trabalho é analisar um caso concreto sob a luz da
legislação vigente e da doutrina disponível. O caso em tela trata-se da Ação Civil de
Improbidade Administrativa nº 0169565-11.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em
move o Procurador Geral de Justiça do estado contra Percy José Cleve Kuster, Promotor de
Justiça de Ubatuba-SP, aposentado e Eduardo de Souza Cesar, ex-prefeito do município.

Dos autos se extrai, que entre os anos de 2008 e 2010, Percy José teria
beneficiado, direta ou indiretamente, o então prefeito através de atos praticados durante seu
mandato e em razão de seu cargo, ferindo, assim, o artigo 11, caput, da Lei n° 8.429/1992 e os
princípios da administração pública da “legalidade, moralidade, imparcialidade, honestidade,
impessoalidade e da lealdade às instituições”.
O Promotor teria utilizado do poder que o cargo lhe confere, para perseguir
opositores políticos de Eduardo Cesar e em alguns momentos para beneficiar o prefeito de
forma direta, atuando, inclusive, extraprocessualmente junto com Eduardo.

No caso de Percy Kuster, o Procurador Geral da Justiça pleiteou as sanções com


base no artigo 12, inciso III, da referida lei, quais sejam: suspensão da aposentadoria e dos
direitos políticos de três a cinco anos; pagamento de multa até cem vezes o valor da
remuneração que Percy recebia; além da “proibição de contratar com o Poder Público ou de
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual o requerido seja sócio majoritário, pelo prazo de três
anos.”

Já para o ex-prefeito foi solicitado retirada dos direitos políticos por período entre
três a cinco anos; pagamento de multa até cem vezes sobre a remuneração de Percy e
proibição de contratar com o Poder Público, nos mesmos moldes do estabelecido para o
Promotor.

Vale mencionar, nos termos do artigo 12, caput, que as penalidades aplicadas se
enquadram, apesar das sanções penais, civil e administrativas, ou seja, o indivíduo poderá ser
responsabilizado ao mesmo tempo nestas três esferas, caso o ato ilegal analisado se enquadre
em uma destas legislações especiais. Isso também se aplica para prefeitos, nos moldes do
Decreto Lei 201, de 1967.

Neste mesmo sentido o artigo 34, da Constituição Federal de 1988, estabelece que
todos os entes das Federação devem observar e obedecer, dentre outros, os princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, tratando em seu §4° das
sanções que devem ser aplicadas nos casos de improbidade administrativa, quais sejam a
supressão dos direitos políticos e a perda da função pública e o ressarcimento do erário e a
indisponibilidade dos bens.

Atentados contra a moralidade dos atos públicos pode ser verificada, além do
artigo 34, no dispositivo 5° da Constituição Federal, no qual admite a qualquer cidadão propor
ação popular contra atos lesivos praticados pelo Estado.

Neste condão, vale mencionar ainda o que determina o artigo 14, §9° da Carta
Magna, atribuída pela Emenda Constitucional n° 4 de 1994, no qual esclarece que Lei
Complementar deverá elencar outras situações de inelegibilidade para proteger a probidade

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administrativa e a moralidade do mandato de candidatos, evitando, desta forma, interferência
do poder econômico ou abuso do exercício da função e do cargo que venha a ocupar.

Segundo Di Petro (2019), houve um grande avanço ao se inserir na Lei Maior o


princípio da moralidade, de modo que, com isso, se evidenciou o cuidado e a preocupação do
legislador com a ética, a corrupção e a impunidade na Administração Pública. Com esta
atitude, os atos de improbidade atingiram maior amplitude, em outras palavras, não estaria
mais restrito apenas aos agentes políticos, mas sim todas as categorias de servidores público,
refletindo para eles maior gama de punições e não só o enriquecimento ilícito como antes. A
autora conclui dizendo que verificada a lesão à moralidade já configura a improbidade, não
sendo necessário demonstrar a ilegalidade.

Nos casos de prefeitos, como é Eduardo Cesar no estudo de caso, tem-se ainda,
pelo Decreto Lei já mencionado, possibilidade de instituição de pena de detenção ou reclusão
(artigo 1°, §1°) e perda do cargo e inabilitação por 5 anos (artigo 1°, §2°).

Referente aos prefeitos, especificamente, os pensamentos de Rossi (2020) têm


fundamento e são válidos de menção. De acordo com a autora, com a edição da Lei n°
10.628/2002, o artigo 84, §§ 1° e 2°, do Código de Processo Penal foi alterado. Então, antes
desta lei, os prefeitos eram julgados pelos juízes primeiro grau, mas com a edição da lei, a
competência passou para o Tribunal de Justiça. No entanto, foi declarada sua
inconstitucionalidade em setembro de 2005, pelo STF.

Em outras palavras, entre dezembro de 2002 e setembro de 2005, os prefeitos


foram julgados por instâncias superiores, mas dada a inconstitucionalidade o foro competente
voltou novamente para as instâncias ordinárias. Isso porque, como não há previsão
constitucional, uma lei não poderia se sobrepor a ela.

É importante salientar que quando se trata da perda inegibilidade por determinado


período de tempo, esta é na verdade uma consequência na perda da função política. Não
devem ser analisadas como duas punições distintas, de modo que, se um candidato tem seu
direito político cassado não poderá concorrer a um cargo público pelo mesmo período de
tempo, não faria sentido.

Conforme já abordado, as sanções que se verificam à margem da improbidade


administrativa podem ser de natureza política, civil ou de político-penal. Portanto, com
respaldo no artigo 22, inciso I da Constituição Federal, de 1988, a competência para legislar

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sobre determinadas matérias é exclusiva da União. Tanto é assim, que a lei de improbidade
administrativa possui âmbito de efetividade nacional. Por outro lado, quando se tratar de
matéria administrativa, os demais entes federativos possuem competência para regulamentar,
é o que se apura nos artigos 13 e 14, §3°, por exemplo. (ROSSI, 2020).

Por fim, vale trazer à baila os prazos prescricionais para as ações de improbidade
administrativas, elencados no artigo 23 da Lei 8.429/1992, que são de cinco anos, contados a
partir da fim do mandato, do cargo em comissão ou da função de confiança e em se tratando
de faltas disciplinares, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego, deve-se observar
os prazos previstos em lei específica. Di Pietro (2019), lembra ainda que pelo artigo 37, §5°,
da Constituição Federal, quando se tratar de ressarcimento de danos as ações são
imprescritíveis, ainda que os prazos determinados no artigo 23 já tenham se materializado.

Por todo exposto, pode-se concluir que para que haja ação de improbidade
administrativa são necessários que se observem quatro requisitos, ou seja, é preciso a presença
dos sujeitos ativos e passivos; deve-se se configurar o dano causado, com base nos artigos 9,
10, 10-A ou 11, podendo cada um ocorrer de maneira isolada, como se observou no estudo de
caso, do artigo 11, ou ainda concomitantemente e, por último, deve existir a presença de dolo
ou culpa por parte dos envolvidos.

Além disso, é preciso estar atento para não se aplicar uma punição
desproporcional à conduta ilícita cometida pelo agente público, daí ser inequivocamente
importante a verificação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade no momento da
determinação da pena.

Bibliografia

BRASIL. Decreto Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a responsabilidade


dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências. Brasília, 1967. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0201.htm. Acesso em: 9 jul. 2020.

______. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes
públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
Brasília, 1992. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em: 9
jul. 2020.

4
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.
htm>. Acesso em: 11 mai. 2020.

DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 32. ed. rev. atual. e ampl. Rio de janeiro:
Forense, 2019.

MEDAUAR, O. Direito administrativo moderno. 21. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte:
Fórum, 2018.

ROSSI, L. Manual de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

TJ-SP. Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 0169565-11.2013.8.26.0000. Relator:


Márcio Bartoli. Dje: 29/10/2014. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO, 2014. Disponivel em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acesso em:
8 jul. 2020.

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