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TRIBUTÁRIAS
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DANIEL MORETI
O r gani z ad o r
IMUNIDADES
TRIBUTÁRIAS
Roque Antonio Carrazza
Daniela Tadei M ailer
Fernanda Drummond Parisi
Fernando Bonfá de Jesus
Gilber to Frigo Junior
Isabela Bonfá de Jesus
Leonardo Vanni
Marcio Cesar Costa
Osvaldo Santos de Car valho
Ricardo Bonfá de Jesus
Tácio L acer d a G am a
Vitor Martins Flores
ISBN 978-85-352-5606-23915-7
Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros
de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação
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Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
131
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Daniel Moreti
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC/SP. Especialista em Direito Tributário. Professor de Direito Tributário em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Advogado em São Paulo. Juiz do Tribunal
de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT/SP.
Autores
Público – ESMP e da Escola Paulista de Direito – EPD. Economista pela FAAP. Ad-
vogado em São Paulo.
Leonardo Vanni
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC-SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Advogado em São Paulo.
1 INTRODUÇÃO
2 AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
3
As regras imunizantes criam situações de não incidência tributária, que não podem ser ilididas; não, pelo me-
nos, enquanto o Texto Constitucional não for revogado por novo poder constituinte originário. As emendas
constitucionais (fruto do poder constituinte derivado) não podem desconstituir situações de imunidade
tributária, que – adiantamos – protegem e garantem direitos fundamentais. Podem, é certo, modificar a
Constituição, mas observados limites (materiais e formais, implícitos e explícitos), tecnicamente conhecidos
como cláusulas pétreas (cláusulas de identidade constitucional), dentre as quais se inscrevem as regras imu-
nizantes. O poder constituinte derivado é, no rigor dos princípios, poder constituído e, bem por isso,
subordinado, condicionado e secundário. Subordinado, porque regrado pelas próprias normas constitucionais.
Regrado, porque seu exercício deve obedecer à forma prefixada na própria Constituição. E, secundário, porque
seu fundamento de validade é a Constituição vigente, que atualiza e, desde que não esbarre em cláusulas
pétreas, completa.
4
Na realidade, a competência tributária já nasce demarcada pelo Texto Magno, inclusive por meio das regras
de imunidade que ele alberga. Ademais, tais regras sempre incidem, justamente para impedir a tributação, nas
hipóteses que elas contemplam.
5
Direitos públicos subjetivos, na lição escorreita de Riccardo Guastini (Teoria e Dogmatica delle Fonti.
Milano: Dott A. Giuffrè Editore, 1998, p. 17), são os que derivam de normas que conferem, aos destinatários,
direitos oponíveis ao Estado.
6
A regra imunizante confere à pessoa a que favorece o direito público subjetivo de não sofrer a ação tributária
do Estado, ou seja, de não ver seu patrimônio jurídico agredido fora dos lindes do campo aberto à tributação
das pessoas políticas.
4 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
7
Ruy Barbosa Nogueira. Imunidades – Contra Impostos na Constituição Anterior e sua Disciplina Mais Completa
na Constituição de 1988. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 22 e 23.
8
Demandam lei complementar, para serem validamente instituídos, os empréstimos compulsórios (cf.
art. 148, da CF/88), os impostos residuais (cf. art. 154, I, da CF/88) e as contribuições sociais que criam
novas fontes de custeio para a seguridade social (cf. art. 195, § 4o, da CF/88).
9
No mesmo sentido, Heleno Taveira Torres observa: “As ‘imunidades tributárias’ são garantias constitucionais
dirigidas imediatamente à regulação das condutas dos legisladores, estabelecendo proibição de exercício da
competência tributária no âmbito material autorizado pela Constituição e, em contrapartida, destinadas me-
diatamente aos respectivos beneficiários, atribuindo a estes o direito público subjetivo de não tributação sobre
os bens, as pessoas, serviços ou situações declarados imunes.” (Teoria da norma de imunidade tributária e sua
aplicação às instituições de educação. In: Direito Tributário e Ordem Econômica. São Paulo: Quartier Latin,
2010, p. 164).
10
Eduardo Domingos Bottallo. Fundamentos do IPI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 107 e 108 (es-
clarecemos no parêntese).
Roque Antonio Carrazza 5
Com efeito, a imunidade tributária tem sede constitucional, pelo que seu con-
ceito não pode ser construído com base na normatividade legal. É a própria Cons-
tituição Federal que, por meio das regras imunizantes, ajuda a delimitar os limites
normativos das competências tributárias das pessoas políticas.
Por aí se vê que os preceitos imunizantes encerram normas de sobredireito
(Überrecht), também chamadas regras de estrutura, vale dizer, que dispõem sobre
a edição de outras regras.
As normas constitucionais que tratam de imunidades tributárias fixam, por assim
dizer, a não competência (incompetência) dos entes políticos para onerarem com
exações certas pessoas, seja pela natureza jurídica que elas têm, seja porque coligadas
a determinados fatos, bens ou situações.11
(...) a regra que imuniza é uma das múltiplas formas de demarcação de compe-
tência. Congrega-se às demais para produzir o campo dentro do qual as pessoas
políticas poderão operar, legislando sobre matéria tributária. Ora, (...) a norma
que firma a hipótese de imunidade colabora no desenho constitucional da faixa de
competência adjudicada às entidades tributantes. Dirige-se ao legislador ordinário
para formar, juntamente com outros mandamentos constitucionais, o feixe de atri-
buições entregue às pessoas investidas de poder político. Aparentemente, difere dos
outros meios empregados por mera questão sintática.12
Portanto, a lei, ao descrever a norma jurídica tributária, não pode, sob pena de
manifesta inconstitucionalidade, colocar certas pessoas na contingência de recolher
aqueles tributos indicados na Carta Suprema. Por muito maior razão, não o pode
11
Embora a doutrina mais tradicional classifique as imunidades em subjetivas, objetivas e mistas, con-
forme se refiram a pessoas, a coisas ou a ambas, em termos técnico-jurídicos, são sempre subjetivas, já
que invariavelmente beneficiam pessoas, quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com
determinados fatos, bens ou situações.
12
Paulo de Barros Carvalho. Imunidades tributárias. Trabalho inédito, 1984, p. 5 e 6.
13
José Souto Maior Borges. Isenções Tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969, p. 209. Grifos do autor.
6 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
VI – Por isso tudo, a interpretação dos preceitos imunizantes há de ser sempre ge-
nerosa (Geraldo Ataliba), posto expressarem a vontade do legislador constituin-
te – explicitamente manifestada – de preservar da tributação, valores de particular
significado político, social, religioso, econômico etc. Noutros torneios, as normas
constitucionais que tratam de imunidades tributárias devem ser interpretadas teleo-
logicamente e da forma mais ampla possível (interpretação extensiva), em sintonia,
de resto, com a regra “in dubio pro imunitatem”.
14
José Carlos Vieira de Andrade assinala que, em relação a tais normas, o “seu conteúdo é ou deve ser concre-
tizado ao nível da Constituição, em última análise por intermédio de uma interpretação criadora”. (Os direitos
fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 140).
15
Aliomar Baleeiro. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 87.
Roque Antonio Carrazza 7
VII – Pois bem. De acordo com a maior ou menor amplitude das imunidades tribu-
tárias, estas se dividem em genéricas (v.g., as apontadas no art. 150, VI, da CF, que
alcançam todos os impostos) e específicas (v.g., as apontadas no art. 150, § 2o, X, a
a d, da CF/88, que alcançam apenas o ICMS).
Entretanto, genéricas ou específicas, as imunidades sempre excluem da compe-
tência tributária as situações, pessoas ou fatos a que se referem.
Daí ser vedado adotar uma interpretação restritiva das regras de imunidade tri-
butária, sob pena de restarem esvaziados os escopos constitucionais que motivaram
o constituinte originário a forjá-las. O melhor é fazer uma interpretação teleológica,
ou seja, buscar-lhes o sentido e o bem jurídico que protegem.
É sempre bom termos presente, por outro lado, que o louvável propósito de evitar
a evasão tributária não tem força bastante para anular direitos constitucionais dos con-
tribuintes, como, o de verem respeitadas as imunidades tributárias que os favorecem.
Remarcamos que a imunidade cria, em favor das pessoas envolvidas, o direito
subjetivo de exigir que o Poder Público se abstenha de cobrar-lhes certos tributos.
Assim como as pessoas têm o direito de pagar apenas os tributos previstos em lei,
têm o direito de não pagar os tributos do quais estão constitucionalmente imunes.
Depois, a imunidade tributária possui, entre nós, assento constitucional e, deste
modo, não pode ter seu alcance destruído ou, mesmo, amesquinhado, por normas
infraconstitucionais.16
Calham, a propósito, estas argutas observações de Josaphat Marinho:
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin-
do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exer-
cício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e
a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades
civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convic-
ção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
III – Remarque-se que o País assegura a livre manifestação de qualquer culto. Daí o
desafio constante de, sem perda do secularismo, proteger o direito fundamental à li-
berdade religiosa, que se imbrica num dos pilares do nosso ordenamento jurídico: a
dignidade da pessoa humana.25 É ela que justifica a atribuição de direitos funda-
mentais aos cidadãos, quando se defrontam com o Estado-Poder.26
Não é difícil perceber, pois, que a imunidade tributária dos templos de qualquer
culto reforça e salvaguarda o princípio da liberdade religiosa. É, no dizer expressi-
vo de Ricardo Lobo Torres, seu contraponto fiscal.27 Justamente por este motivo,
a imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, deve ser interpretada com
vistas largas. Mais do que o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a ce-
rimônias religiosas, o benefício alcança a própria entidade mantenedora (a igreja),
além de estender-se a tudo quanto esteja vinculado às liturgias (batizados, celebra-
ções religiosas, consagrações, vigílias etc.).
E nem se diga que, no texto constitucional, está escrito “templos” (local do cul-
to) e, portanto, o que foge disso, é pura especulação dos interessados em dilargar
o campo da imunidade em destaque. Tal entendimento não se sustenta, em face da
interpretação sistemática dos dispositivos acima citados e do próprio preâmbulo da
Carta Suprema.28
24
Em consequência do princípio da isonomia, as vantagens, inclusive tributárias, que uma confissão religio-
sa recebe, devem ser estendidas às demais.
25
Para não deixar nenhuma dúvida a respeito, a Constituição Federal, já em seu art. 1o, III, enuncia solenemente
que a República Federativa do Brasil também se fundamenta na “dignidade da pessoa humana”. O indivíduo
é o limite e a base do domínio político da República, motivo pelo qual a dignitas humana é inviolável, ou seja,
é um bem jurídico absoluto, que não pode ser lesado por nenhuma pessoa, seja de direito público, seja de
direito privado. Também é inalienável e irrenunciável, já que a vida não pode ser degradada a um sem valor,
nem mesmo por seu titular.
26
Nessa linha, José de Melo Alexandrino acentua, com propriedade, que “num ordenamento de Estado cons-
titucional, os direitos fundamentais constituem garantias jurídicas dirigidas contra o Estado ou principalmente
contra o Estado. Esta regra é inquestionável: tem uma justificação histórica e filosófica; tem justificação nos
textos e na estrutura das Constituições, encontrando o mais amplo acolhimento na prática de todas as ordens
jurídicas das sociedades abertas; tem uma justificação funcional e é defensável segundo os quadros da ciência
jurídica.” (Direitos Fundamentais: Introdução Geral. Estoril: Princípia, 2007, p. 96. Grifos do autor).
27
José de Melo Alexandrino. Op. cit., p. 210.
28
O preâmbulo da Constituição Federal assim dispõe: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob
a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. Grifos do autor.
12 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Retomaremos esta ideia quando analisarmos, com maior detença, o § 4o, do art. 150,
da Constituição Federal.
IV – Sempre mais se revela que a alínea b em foco visa a assegurar a livre manifestação
da religiosidade das pessoas, isto é, da fé que elas têm em certos valores transcenden-
tais. O Estado (aqui tomado no sentido de pessoa política tributante) não pode, nem
mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício dos cultos religiosos.
Portanto, o fundamento da imunidade dos templos de qualquer culto não é au-
sência de capacidade contributiva (aptidão econômica para contribuir com os gas-
tos da coletividade), mas a proteção da liberdade dos indivíduos, que restaria tolhida,
caso as igrejas tivessem que suportar os impostos incidentes “sobre o patrimônio,
a renda ou os serviços”, mesmo quando tais fatos jurídico-econômicos guardassem
sintonia com as “finalidades essenciais” (art. 150, § 4o, da CF/88) do culto.
Aqui chegados, vale lembrar célebre decisão (caso McCulloch vs. Maryland), expen-
dida em 1819, pela Suprema Corte norte-americana, à época presidida pelo legendário
33
Nociones de Derecho Canónico, Pamplona, 1955, p. 44.
14 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
John Marshall. Nesse autêntico leading case ficou assentada ideia que, sendo universal
e atemporal, vale até hoje, inclusive para o Brasil; a saber: “a competência para tributar
por meio de impostos envolve, eventualmente, a competência para destruir”.
Ora, não se deseja – e a Constituição brasileira expressamente não o admite –
que as pessoas políticas prejudiquem, muito menos destruam, os cultos religiosos,
que devem ser livres.
Assim, as pessoas políticas não podem exigir impostos dos “templos de qual-
quer culto”. Insista-se: das igrejas, com suas mantenedoras.
Mais e mais se robustece a ideia de que a Constituição garante, inclusive com a
imunidade tributária em tela, a liberdade de culto e a igualdade entre as crenças re-
ligiosas (Sacha Calmon Navarro Coêlho), o que, de resto, vem proclamado em seu
já citado art. 5o, inciso VI.
Pois bem. Uma das fórmulas encontradas para tanto foi justamente esta: vedar
a cobrança de impostos sobre os templos de qualquer culto. A Constituição estende
a imunidade tributária aos cultos religiosos, sem olhar para a igreja que os promove,
pelo que fica vedada qualquer atividade legislativa capaz de submetê-la ao pagamen-
to de tributos não vinculados.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funciona-
mento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.37
Evidentemente, o Estado tolera as religiões que não ofendem nem a moral, nem
os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança nacional. Há, no en-
tanto, uma presunção no sentido de que toda religião é legítima, presunção esta que
só cede passo diante de inequívoca prova em contrário, a ser produzida pelo Estado,
perante o Poder Judiciário, assegurado à igreja o exercício de seu direito constitucio-
nal à ampla defesa, com o contraditório e o devido processo legal.
36
Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, a Igreja da Razão
(igreja positivista) e o centro espírita. Mesmo cultos com poucos adeptos têm direito à imunidade, até por-
que o benefício em tela é mais necessário às religiões incipientes que àquelas que, tendo grande número de
fiéis, bem ou mal, sempre encontrariam meios de sobrevivência, ainda que compelidas a suportar pesadas
cargas fiscais.
37
Esse dispositivo veda, de modo indireto embora, que o Estado, subvencionando uma Igreja, venha a criar
embaraços à formação e ao livre funcionamento de outras.
38
Ricardo Lobo Torres. Op. cit., p. 211.
16 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
VIII – De qualquer modo, a imunidade, como anota Luís Eduardo Schoueri, não
pode atropelar o princípio constitucional da livre iniciativa e, assim, não se estende
às atividades que podem ser exercidas, com igual proveito, pela iniciativa privada.42
Portanto, a imunidade passa ao largo, quando se demonstra a existência, no
culto, da finalidade mercantil, isto é, de práticas típicas das entidades lucrativas, que
levam ao enriquecimento pessoal dos membros da igreja e que provocam desequilí-
brio na concorrência.
Mas, quid iuris, se os rendimentos obtidos por meio de atividades econômicas,
forem carreados às igrejas e suas finalidades essenciais?
Pensamos que o que a Lei Maior exige é uma correspondência entre a renda ob-
tida pelo templo e sua aplicação; então, havendo relação entre a renda e as finali-
dades essenciais, satisfeita estará a vontade constitucional. Logo é a “destinação”
dos recursos obtidos pela entidade o fator determinante do alcance da exoneração
constitucional.44
X – É certo que o § 4o, do art. 150, da Constituição Federal, estabelece que a imu-
nidade aos impostos dos templos de qualquer culto, “compreendem somente o patri-
mônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades
nelas mencionadas”.
Segundo pensamos, este dispositivo, ao aludir às “finalidades essenciais”, está a
cuidar, no ponto que ora nos interessa, dos bens (móveis e imóveis), rendas e servi-
ços relacionados ao bom funcionamento da igreja e à ampliação do número de seus
fiéis. Desde que comprovadamente se destinem à mantença ou, mesmo, ao aperfei-
çoamento do culto, implementa-se o desígnio constitucional em pauta.
44
Regina Helena Costa. Op. cit., p. 160.
Roque Antonio Carrazza 19
XII – Demais disso, as igrejas, por “viverem no mundo”, têm o direito de nele
buscar os meios que lhes garantirão a sobrevivência e a prosperidade. Tal a lição de
Matteo de Mori, in verbis: “A realidade humana e visível da Igreja postula que essa
deva viver no mundo com os meios que o mundo coloca à disposição mesmo en-
quanto estes possam servir de atingimento dos próprios fins espirituais”.47
Efetivamente, quando o Direito dá os fins (no caso, a liberdade religiosa), ipso
facto dá os meios, inclusive os materiais, para alcançá-los (Rui Barbosa). Pois bem, os
aportes financeiros das igrejas nada mais são do que os meios materiais, destinados
a dar suporte econômico às suas – desinteressadas e de relevante interesse público –
finalidades essenciais.
Noutros falares, se a Constituição assegura especial proteção aos templos de
qualquer culto (tanto que sobre eles estende o manto da imunidade tributária),
47
Il tributo ecclesiastico nella normativa codiciale attuale. Romae: Ponficium Athenaeum Antonianum, Facultas
Iuris Canonici, 1997 (traduzimos).
22 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
XIII – Quanto aos livros religiosos (bíblias, livros de doutrina, missais, biografias de
santos etc.), aos catecismos, às estampas sagradas, às revistas de formação cristã, aos
“santinhos”, que costumam ser comercializados no interior dos templos, contam
com o benefício da imunidade tributária, só que agora em função do disposto no
art. 150, VI, d, da Constituição Federal.48
Também estamos convencidos de que devem ser equiparados aos livros, para fins
de imunidade tributária, os veículos de ideias, que hoje lhes fazem as vezes, isto é,
os livros eletrônicos (v.g., discos, disquetes, CD-Roms, slides, videocassetes, filmes e,
mais recentemente, o produto denominado kindle, que possui a função exclusiva de
possibilitar a leitura digital de jornais, revistas e periódicos).
É que a expressão “livros, jornais e periódicos”, como procuramos demons-
trar em nosso Curso de Direito Constitucional Tributário,49 está empregada, em nos-
so Texto Magno, no sentido de meios de difusão da cultura, pouco importando o
meio que a realiza (impressão gráfica em papel, impressão magnética em disquete de
computador, gravação em CD-Rom etc.). Positivamente não é o suporte material do
livro que a Constituição protege, mas a ampla divulgação do pensamento (sentido
finalístico).
Demais disso, trata-se de imunidade objetiva, que visa assegurar a todos os in-
divíduos, não só a liberdade de pensamento e expressão, como o direito à educação,
à cultura e à própria liberdade de crença.
De fato, na medida em que a Constituição Federal garante a liberdade de reli-
gião, todos os meios de assegurá-la e incrementá-la, notadamente o modo de divul-
gação de suas doutrinas, há de ser protegido. Assim, para tornarem economicamente
mais acessíveis tal difusão de ideias, as operações jurídicas com livros religiosos, in-
clusive os eletrônicos, gozam de imunidade aos impostos, não havendo a necessidade
de virem preenchidos quaisquer requisitos ou condições.
XVI – Ainda acerca do assunto, a imunidade das igrejas não depende para ser fruí-
da – ao contrário do que se dá com as instituições assistenciais e educacionais sem
fins lucrativos, que devem obedecer aos requisitos apontados em lei complementar
(ex vi de uma interpretação sistemática do disposto nos arts. 150, VI, c, in fine e 195,
§ 7o, in fine, da CF) –, que seus recursos sejam integralmente aplicados no País. As-
sim, elas podem perfeitamente aplicá-los no exterior, para a ampla difusão da fé, de
seu corpo de doutrinas e de seus valores espirituais, o que, de resto, vem ao encontro
do disposto no já estudado art. 150, § 4o, da Constituição Federal.
A questão foi bem estudada por Ives Gandra da Silva Martins, in verbis:
Portanto, desde que preencham suas finalidades essenciais, as igrejas não preci-
sam cumprir outros requisitos para continuarem sob o pálio do art. 150, VI, b, da
Constituição Federal. Estão livres do IRF, quando aplicam seus recursos no exterior,
a fim de propagar e disseminar, para todo o orbe, seu corpo de doutrinas.
XVII – Finalizando este tópico, temos para nós que juridicamente nada impede que,
para melhor difundirem seu ideário espiritual, as igrejas venham, com recursos pró-
prios, (i) a adquirir bens voltados a estimular a fé das pessoas,54 e (ii) a criar ou a in-
centivar a criação de instituições assistenciais e educacionais, sem fins lucrativos,55
voltadas ao ensino de pessoas carentes, à prevenção e recuperação dos males causados
pelo alcoolismo, pelas drogas e pelo tabagismo, ao tratamento de doenças mentais,
ao tratamento de moléstias ou de deformidades físicas etc. Quando o fazem, nem
perdem o benefício constitucional, nem se sujeitam à tributação por meio de IRF.
53
Ives Gandra da Silva Martins. Imunidades condicionadas e incondicionadas – inteligência do Art. 150, Inciso
VI e § 4o e Art. 195, § 7o, da Constituição Federal”. Revista Dialética de Direito Tributário no 28, p. 68.
54
Este assunto será mais bem desenvolvido no item 8, infra.
55
Estas instituições também serão imunes à tributação por meio de impostos, agora mercê do que estipula o
art. 150, VI, c, da Constituição Federal.
Roque Antonio Carrazza 25
Há, porém, dois limites para isso, a saber: (1) é necessário que as instituições as-
sistenciais ou educacionais, sem fins lucrativos, tenham objetivos consentâneos com
os princípios religiosos da igreja que as instituiu ou as mantém; (2) não pode haver
qualquer tipo de distribuição de patrimônio ou de recursos, ainda que a título de
gratificações, dividendos ou participações, aos dirigentes da igreja instituidora ou
mantenedora.
Implementados esses dois requisitos, a igreja continuará a fruir normalmente da
imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, porquanto, ainda que por in-
terposta pessoa (a instituição educacional ou assistencial sem fins lucrativos, por ela
patrocinada), continuará a atender às suas “finalidades essenciais”.
Vejamos, agora, qual a noção jurídica de “culto”.
I – De uns tempos a esta parte, mais e mais se tem difundido a ideia de que, como a
Constituição não define culto, o assunto ficaria a depender exclusivamente da discri-
cionariedade do legislador ou, até, do administrador fazendário.
Dessa linha de pensamento ousamos divergir.
Sabemos que inexiste, em nosso Diploma Magno, um conjunto racional e arti-
culado de normas, que discipline, em todas as suas manifestações – ou, mesmo, nas
mais importantes –, o fenômeno dos cultos religiosos.
É igualmente certo que a palavra culto é polissêmica, servindo para designar
tanto o conjunto de ritos desenvolvidos por uma Igreja, como a própria “confissão
religiosa”.
Todavia, a análise da Carta Constitucional como um todo facilmente revela que
culto, no contexto da alínea b, do inciso VI, do art. 150, deste Diploma Magno, tem
o sentido de confissão religiosa, motivo pelo qual é dela que passamos a nos ocupar.
II – Confissão religiosa nada mais é do que uma entidade dotada de estrutura or-
gânica hierarquizada, instituída com o objetivo fundamental de agrupar, de modo
permanente, pessoas que partilham das mesmas crenças transcendentais, vale dizer,
que nutrem a mesma fé numa dada divindade. Nesse sentido, são confissões religio-
sas não só a Igreja Católica e as nascidas da Reforma Protestante, como as que ado-
tam fórmulas mais elementares e variadas de organização (sinodal, congregacionista
etc.). Também merecem esta qualificação as comunidades judaicas e muçulmanas,
que, embora se caracterizem pela dispersão e multiplicidade e se relacionem mais por
vínculos religiosos do que jurídicos, possuem uma fé comum.
26 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
III – A esses requisitos essenciais, costumam agregar-se outros, que, embora não obri-
gatórios, ajudam a reconhecer, quando presentes, a existência jurídica da confissão
religiosa. Dentre eles, podemos mencionar, exemplificativamente: (a) um governo
eclesiástico definido e distinto dos demais; (b) um código formal de doutrina e dis-
ciplina; (c) ministros selecionados, após haverem concluído estudos específicos; (d)
uma literatura própria; (e) celebração de Assembleias regulares; (f) prestação de ser-
viços religiosos com caráter regular; e, (g) escolas para o ensino religioso aos jovens.
A par disso, a diversidade de confissões existentes – consequência da aplicação
do pluralismo ao âmbito religioso – impõe que cada uma delas tenha umas tantas ca-
racterísticas peculiares, que a diferenciem das demais.60
V – Por outro lado, tem-se entendido que, com a realização das atividades estrita-
mente religiosas, as confissões também beneficiam ao Estado, pois, com a divulgação
de suas doutrinas, formam e educam seus membros, que, afinal, integram a socie-
dade e, assim, vão ajudar a transformá-la para melhor. Logo, os efeitos positivos da
pregação não se esgotam em quem a recebe, mas se transferem, em maior ou menor
medida, a outras pessoas, repercutindo no bem-estar geral.
Para não ficarmos na aridez da teoria, basta pensar no que representa para a co-
munidade as atividades da igreja que se traduzem em ensino, cultura, saúde, bene-
merência, moralidade pública e privada, educação dos cidadãos na prática de virtudes
eminentemente sociais (justiça, caridade, abnegação no serviço ao próximo etc.), tra-
tamento de drogados, reabilitação de detentos e assim avante.62 A eficácia dessas con-
dutas não se esgota nos fiéis, mas, pelo contrário, afeta, de forma positiva, a toda a
sociedade.
É quanto basta para justificar a imunidade tributária das igrejas, que são, como
quer Albiñana García-Quintana, “defensoras de valores humanos e de contribuírem,
de um ou outro modo, para o bem temporal do homem”.63 Ademais, garante, às
pessoas, o direito fundamental à liberdade de consciência e de ampla manifestação
de suas crenças espirituais.
Assim agremiados, podemos cuidar de algumas questões específicas.
61
Supra, item 2-VI.
62
Na Constituição brasileira muitos desses objetivos, que a doutrina italiana significativamente chama de
scopi ou interessi meritevoli (Franco Gallo. Il soggetti del libro primo del codice civile e l’Irpeg: problematiche e
possibili evoluzioni. Milano: Rivista di Diritto Tributario, no 4, 1993, p. 354), são da alçada do Poder Público, isto
é, devem ser perseguidos e alcançados pelo Estado. Ora, na medida em que as Igrejas os perseguem e alcan-
çam, não devem ser objeto de gravames tributários.
63
Albiñana García-Quintana. La financiación de las Iglesias. REDF, no 14, 1977, p. 331 e 332.
28 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Por estas razões, o art. 150, VI, b, da Constituição Federal exige uma interpre-
tação favorável, de modo a estender a imunidade tributária, não apenas aos templos
propriamente ditos, mas, como já vimos, aos seus anexos (v.g., os centros de forma-
ção de pastores) e a tudo quanto se refere ao culto e à própria entidade mantenedora
da igreja. Por identidade de razão, o benefício alcança os serviços de comunicação
radiofônica e televisiva, prestados com o propósito de evangelização.
Enfim, em nome da santificação dos fiéis, o exercício dos atos ou fatos coligados
ao exercício das atividades religiosas, não pode ser embaraçado por meio de impostos.
Rememore-se, ainda, que o Estado brasileiro, conquanto laico, não é ateu ou
inimigo da fé; antes, respeita todas as religiões, permitindo que as pessoas as prati-
quem livremente, sem que as igrejas ou os fiéis se sujeitem, por isso, ao pagamento
de qualquer imposto.
Vai daí, que os aluguéis recebidos dos locatários de imóveis da igreja, os preços
cobrados por serviços prestados, os dividendos obtidos com aplicações financeiras,
suas participações nos resultados econômicos positivos de sociedades com fins lucra-
tivos (depois, evidentemente, de estas terem recolhido os tributos de estilo), desde
que revertam em benefício de suas finalidades essenciais, não têm força jurídica bas-
tante para desconstituir a imunidade tributária que ora faz nossos cuidados.
Nunca é demais insistir que, em decorrência do direito fundamental à liberdade
religiosa, basta, para os fins do disposto no art. 150, VI, b, da Lei Maior, que exista
uma correlação entre as receitas auferidas e as finalidades essenciais da igreja.
Com efeito, em vão buscaremos no Texto Magno qualquer dispositivo que, sob
pena de perda da imunidade tributária, a impeça de aumentar seu patrimônio, até
porque, assim procedendo, terá à disposição mais meios econômicos para divulgar
suas doutrinas, ganhar adeptos e alavancar seus objetivos espirituais.
IV – Convém que se assinale, ainda, que não trazem encargos tributários, para a igre-
ja (como, por exemplo, o de recolher o IRPJ), os donativos, oblações e oferendas
de seus fiéis, bem assim os aportes de capital realizados, em seu favor, por pessoas
jurídicas. É que tais ganhos e rendimentos melhor a instrumentam a atingir suas fi-
nalidades essenciais.
Também é de nossa convicção que estão sob o manto da imunidade tributária as
aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, dos rendimentos da igreja, pois, au-
mentando-lhe o patrimônio, garantem-lhe a consecução de seus objetivos espirituais.
A imunidade em tela só cede passo caso as rendas, os serviços ou o patrimônio
da igreja estiverem a serviço de finalidades estranhas ao culto. Mas, mesmo nestas
hipóteses, caberia ao Poder Público o ônus da prova do desvirtuamento, observados
os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Vejamos, agora, a possibilidade jurídica de a igreja, sem perda da imunidade tri-
butária do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, vir a criar ou a estimular a cria-
ção de instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, e quais os
limites para isso.
II – É assunto bem averiguado que as pregações e atividades religiosas das igrejas fa-
vorecem não só àqueles que diretamente as recebem, como às pessoas a estas últimas
próximas. Nessa medida, não é exagero proclamar que repercutem, de modo positi-
vo, na sociedade em geral.
Deveras, as igrejas, ao educarem seus fiéis, incutindo-lhes a prática da caridade,
da justiça, da dedicação ao próximo, do civismo, associam-se ao Estado, contribuin-
do para o bem temporal das pessoas. Mais poderão fazer, se fundarem instituições
educacionais e assistenciais, sem fins lucrativos, que persigam os mesmos fins.
Assim, em exemplário armado ao propósito, as instituições de educação e de as-
sistência social, sem fins lucrativos, a serem criadas, deverão estar preordenadas ao
ensino de pessoas carentes, à recuperação de alcoólatras e drogados, à reintegração
social de presidiários, ao tratamento de doentes físicos e mentais, e assim avante.
Insistimos que tais instituições deverão ter objetivos que venham ao encontro do
ideário espiritual e temporal das igrejas a que estão vinculadas. A par disso, não pode-
rão distribuir seu patrimônio ou recursos aos seus dirigentes ou aos das preditas igrejas.
Cumpridos estes dois requisitos, as igrejas continuarão a desfrutar da imunidade
do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, até porque, no caso, as instituições edu-
cacionais e assistenciais, sem fins lucrativos, bem como as fundações de direito pri-
vado, que tenham por objeto a manutenção de tais entidades religiosas, a ajudarão a
atender às suas “finalidades essenciais”.
65
Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...). VI – instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio,
renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores,
das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da
lei.” (Grifos do autor).
32 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
7.1 Generalidades
Vai daí que se considera importado o produto, para fins de incidência do impos-
to específico, quando o ingresso se faz em caráter definitivo e com intuitos econô-
micos (comerciais, industriais ou de consumo), como bem elucida Alberto Xavier:
Como é fácil notar, o imposto em foco tem por hipótese de incidência possí-
68
vel o fato de uma pessoa, física ou jurídica, promover a importação de produtos
estrangeiros ou preordenar-se a adquiri-los diretamente.69
Percebe-se, pois, com facilidade, que se trata de um tributo direto, já que sua
carga econômica é suportada, desde o primeiro momento, pelo próprio realizador
do fato imponível. É o patrimônio de quem promove a importação do bem estran-
geiro que é imediatamente alcançado pela exação.
Ora, na medida em que (i) as igrejas são imunes à tributação por meio de impos-
tos (cf. art. 150, VI, b, da CF), (ii) as pedras e os objetos sagrados são por elas próprias
importados, (iii) destinam-se ao atendimento de finalidades essenciais do culto (v.g.,
construção de templo, de alto significado religioso), e, (iv) acabam se incorporando
ao patrimônio da entidade, segue-se, com a força irresistível dos raciocínios lógicos,
que tais operações são imunes à tributação por meio de imposto sobre a importação.71
71
Poder-se-ia também invocar, em favor intributabilidade das Igrejas, o próprio Decreto-lei no 2.472/1988, que,
ao criar in abstracto o imposto sobre a importação, não exauriu a competência tributária federal, já que
determinou que o imposto em tela somente incide sobre a importação de mercadoria estrangeira, deixando,
pois, ao largo da tributação a importação de bens de uso ou consumo ou para serem incorporados ao ativo
permanente do importador. Todavia, o argumento da imunidade, por ter sede constitucional, prejudica a invo-
cação da lei que não criou todas as situações de incidência possíveis.
72
Esclarecemos no parêntese.
Roque Antonio Carrazza 35
Em rigor, ICMS não passa de uma sigla, a hospedar, pelo menos, três impostos
diferentes; a saber: (a) o imposto sobre operações relativas à circulação de merca-
dorias (que compreende o que nasce da entrada, na Unidade Federada, de bens ou
mercadorias importadas do exterior); (b) o imposto sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal; e, (c) o imposto sobre prestações de ser-
viços de comunicação.73 São impostos diferentes exatamente por terem hipóteses de
incidência e bases de cálculo diferentes.74
Estas ideias, diga-se de passagem, encontram-se bem travejadas no art. 4o, do
Código Tributário Nacional.75
Muito bem. O binômio hipótese de incidência/base de cálculo, demonstra
que o rótulo ICMS alberga, pelo menos, os três impostos diferentes há pouco men-
cionados. Há, pois, pelo menos três núcleos distintos de incidência do ICMS.76 Ape-
sar disso, todos eles possuem um “denominador comum”,77 que permite venham
estudados conjuntamente.
Feito este introito, importa-nos, agora, analisar, ainda que sumariamente, o
ICMS incidente sobre operações mercantis. É ele que vai iluminar o melhor modo de
entender o ICMS que alcança as importações de mercadorias (ICMS-importação).
Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à cir-
culação de mercadorias. A lei que veicular sua hipótese de incidência, só será válida
se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias.
É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e, não,
meramente física), o que pressupõe a transferência, de uma pessoa a outra, da pos-
se ou da propriedade da mercadoria. A ideia, abonada pela melhor doutrina (Souto
Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cléber Giardino etc.),
encontrou guarida no próprio Supremo Tribunal Federal.78
Salientamos que a Constituição não prevê a tributação de mercadorias, por
meio de ICMS, mas a tributação das “operações relativas à circulação de mercado-
rias”, isto é, das operações que têm por objeto mercadorias. Os termos circulação
e mercadorias qualificam as operações tributadas por via de ICMS. Não são todas
as operações jurídicas que podem ser tributadas, mas apenas as relativas à circulação
de mercadorias. O ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem mercado-
rias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos produtores originários aos con-
sumidores finais.
Para que um ato configure uma operação mercantil, é mister que: (a) seja re-
gido pelo Direito Comercial; (b) tenha sido praticado num contexto de atividades
empresariais (visando, portanto, resultados econômicos positivos); (c) tenha por ob-
jeto uma mercadoria.79
78
V. Revista Trimestral de Jurisprudência, no 64, p. 538.
79
Observamos que, quando a Constituição utilizou o termo mercadoria, encampou um conceito que estava
perfeitamente desenhado pela lei comercial (lei de caráter nacional).
A ninguém deve causar estranheza que assim seja, pois, como leciona Gian Antonio Micheli, catedrático de
Direito Tributário, da Universidade de Roma, o Direito Tributário é um direito de superposição e, nessa me-
dida, capta conceitos e assimila institutos, tais como lhe são fornecidos por outros setores do mundo jurídico.
Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 110, do Código Tributário Nacional.
Logo, mercadoria, para fins de tributação por via de ICMS, é o que a lei comercial assim considera. Segue-
-se, daí, que não pode a lei dos Estados ou do Distrito Federal alterar este conceito, para fins tributários. Por
quê? Porque esta é uma matéria de Direito Comercial, ou seja, sob reserva de lei nacional e, destarte, mo-
dificável apenas por meio de lei ordinária do Congresso.
Temos, pois, que o conceito de mercadoria, no que atina ao ICMS, há de ser entendido como em Direito Co-
mercial. E, mercadoria, tornamos a repetir, é o bem móvel, que se submete à mercancia, ou seja, que é colocado
no mundo do comércio (in commercium), sendo submetido, deste modo, ao regime de direito mercantil, que
se caracteriza como corre magistério, pela autonomia das vontades e pela igualdade das partes contratantes.
Tanto é mercadoria o gênero alimentício exposto à venda num supermercado, como a escultura que uma
galeria de arte coloca em comércio, como, ainda, o relógio que está à venda na relojoaria.
Estas ideias encontram-se abonadas por De Plácido e Silva; in verbis: “Mercadoria – palavra derivada do
latim ‘merx’, que se formou ‘mercari’, exprimindo a coisa que serve de objeto à ‘operação comercial’. Ou seja,
a coisa que constitui objeto de uma venda. É especialmente empregado para designar as ‘coisas móveis’ postas
em mercado. Não se refere aos imóveis, embora estes sejam também objeto de venda. A rigor, pois, mercadoria
é a designação genérica dada a toda coisa móvel, apropriável, que possa ser objeto de comércio.” (Vocabulário
Jurídico, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, v. III e v. IV, p. 181).
Mercadoria, enfim, é a coisa fungível (que se pode substituir por outra com as mesmas características e apta
a satisfazer as mesmas necessidades) que se destina ao comércio.
Roque Antonio Carrazza 37
IIa – Reiteramos que o imposto em tela incide sobre operações com mercadorias
(e, não, sobre a simples circulação de mercadorias). Só a passagem de mercadorias
de uma pessoa a outra, por força da prática de um negócio jurídico comercial, é que
abre espaço à tributação em estudo.
Neste sentido, encampamos clássica lição de Geraldo Ataliba:
A sua perfeita compreensão e a exegese dos textos normativos a ele referentes evi-
dencia prontamente que toda a ênfase deve ser posta no termo “operação” mais do
que no termo “circulação”. A incidência é sobre operações e não sobre o fenômeno
da circulação.
O fato gerador do tributo é a operação que causa a circulação e não esta.80
Tal operação é justamente o fato jurídico que desencadeia o efeito de fazer nas-
cer a obrigação de pagar ICMS.
Logo, este ICMS tem por hipótese de incidência a operação jurídica que, pra-
ticada por comerciante, industrial ou produtor, acarreta, circulação de mercadoria,
isto é, transmissão de sua titularidade.
IIb – Podemos, pois, reafirmar, com apoio nas lições dos mais conspícuos tribu-
taristas, que a materialidade (o núcleo) da hipótese de incidência do ICMS é –
porque assim o exige a Carta Constitucional – o ato de realizar operações (atos
jurídicos) mercantis. O ICMS é, portanto, um tributo que incide sobre o negócio
jurídico (realizado por comerciante, industrial, produtor ou assemelhados) enseja-
dor da transferência de mercadoria. A matriz constitucional do ICMS determina
que ele deve incidir sobre operações relativas à circulação de mercadorias (direitos
sobre mercadorias), promovidas espontaneamente e por meio de negócios jurídicos
mercantis, por produtores, industriais e comerciantes, ou por quem juridicamente
lhes faça as vezes.
Do exposto, confirmamos que o nascimento do dever de recolher ICMS en-
contra-se indissociavelmente ligado à concomitância dos seguintes pressupostos:
(i) a realização de operações (negócios jurídicos) mercantis; (ii) a circulação jurídica
(transmissão da posse ou da propriedade); (iii) a existência de mercadoria enquanto
objeto; (d) o propósito de lucro imediato, com a entrega (tradictio) da mercadoria.
IIc – Enfim, por meio de ICMS, tributa-se a obrigação (a operação jurídica) de dar
uma mercadoria. De sorte que o ICMS é um imposto que incide sobre o negócio
jurídico mercantil. É, pois, uma modalidade de imposto sobre atos jurídicos (na
conhecida classificação de Amilcar de Araújo Falcão). No mesmo sentido, Pontes
80
Geraldo Ataliba. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1966, p. 246.
38 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
de Miranda frisava que o ICMS é “imposto sobre negócio jurídico bilateral, consen-
sual... de que se irradia a circulação”.81
Pois bem. O ICMS incidente sobre as importações de mercadorias e bens segue
estas mesmas diretrizes, conforme melhor passamos a expor e fundamentar.
IIIa – O fato imponível (fato gerador “in concreto”) deste ICMS ocorre, por injun-
ção constitucional, com a entrada física da mercadoria importada do exterior.
Realmente, por força do critério territorial de repartição de competências
impositivas, o ICMS é devido à Unidade Federada onde a importação se consuma,
pela realização do desembaraço aduaneiro, à vista da localização do “estabelecimen-
to onde ocorrer a entrada física” da mercadoria.83
Apresenta-se afinado neste diapasão o art. 4o, parágrafo único, I, da Lei Comple-
mentar no 87/1996, quando estatui que o contribuinte do imposto é a pessoa física
ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial, promove a importa-
ção de “mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja sua finalidade”.
Segue a mesma diretriz a legislação paulista (art. 23, da Lei Estadual
o
n 6.374/1989 e art. 36, do RICMS/SP), ao dispor que o local da operação de im-
portação é o do destinatário, onde ocorrer a entrada física da mercadoria ou bem.
Convém lembrar que o critério adotado pela Constituição, na partilha das
competências impositivas dos Estados foi, além do material, o territorial. Noutros
81
Comentários à Constituição de 1967. 2. ed., 2a tiragem, São Paulo: RT, São Paulo, 1973, v. II, p. 507.
82
A Emenda Constitucional no 23/1983 foi o veículo introdutor, no ordenamento constitucional vigente à épo-
ca (CF de 67/1969), do ICM na importação de mercadorias.
Antes do advento da EC no 23/1983, os Estados, com base em legislação ordinária, tentaram (em vão)
tributar, a título de ICM, ainda que a descoberto de previsão constitucional, as importações efetuadas por
produtores, industriais e comerciantes. Com a edição desta emenda constitucional viabilizou-se juridicamente
a pretensão dos Estados.
83
Portanto, o momento em que se considera ocorrido o fato imponível do ICMS em discussão, não é nem a
mera entrada física de mercadorias ou bens no território brasileiro, nem seu desembaraço aduaneiro, mas sua
entrada no estabelecimento ou domicílio do importador.
Roque Antonio Carrazza 39
IIIb – Nunca é demais destacar que também este ICMS é sobre operações mercan-
tis, já que sua hipótese de incidência é importar, sendo comerciante, industrial ou
produtor, mercadorias. Daí ele se conectar com o próprio ICMS incidente sobre
operações mercantis.
Há, a respeito, uma única exceção: admite-se a exigência deste imposto quan-
do houver a entrada de bem importado do exterior por pessoa física ou jurídica (cf.
art. 155, § 2o, IX, a, da CF/88, com a redação dada pela EC no 33/2001).84
Federal, já que importarão os mencionados bens para fins religiosos, vale dizer, para
a construção, guarnecimento e decoração de templos. Remarcamos que esses bens
destinar-se-ão exclusivamente ao desenvolvimento do culto, atendendo, destarte, a
uma de suas finalidades essenciais (art. 150, § 4o, da CF/88).
Em suma, não há como afastar, na hipótese, sem afronta manifesta ao Texto
Constitucional, a imunidade ao ICMS-importação.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
II – A teor do art. 150, inciso VI, alínea b, da Constituição Federal, são imunes à tri-
butação por meio de impostos os templos de qualquer culto. Tal regra representa a
extensão do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença, consagra-
do no art. 5o, incisos VI, VII e VIII, da Constituição Federal.
mas, também, seus anexos, vale dizer, os imóveis que tornam possível ou, quando
pouco, facilitam a prática da religião (v.g., a casa paroquial).
VIc – As igrejas, por “viverem no mundo”, têm o direito de nele buscar os meios
que lhes garantirão a sobrevivência e a prosperidade.
VII – O § 4o, do art. 150, da Constituição Federal, ao estatuir que a imunidade aos
impostos, dos templos de qualquer culto, compreendem somente o patrimônio, a
renda e os serviços, relacionados com suas finalidades essenciais, cuida, inclusive,
dos bens móveis e imóveis relacionados ao bom funcionamento da igreja e à amplia-
ção do número de seus fiéis.
VIIc – As igrejas, para melhor difundirem seu ideário espiritual, podem adquirir ou
importar bens voltados a estimular a fé das pessoas. Quando o fazem, não perdem o
benefício constitucional em tela.
VIII – A imunidade das igrejas independe, para ser fruída – ao contrário do que se
dá com as instituições assistenciais e educacionais sem fins lucrativos, que devem
obedecer aos requisitos apontados em lei complementar (ex vi de uma interpreta-
ção sistemática do disposto nos arts. 150, VI, c, “in fine”, e 195, § 7o, “in fine”, da
CF/88) –, que seus recursos sejam integralmente aplicados no País. Assim, elas po-
dem perfeitamente aplicá-los no exterior, para a ampla difusão da fé, de seu corpo de
44 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
IXa – Há, porém, dois requisitos a serem preenchidos, para que a imunidade tri-
butária não sofra abalos; a saber: (1) é necessário que as instituições assistenciais ou
educacionais, sem fins lucrativos, tenham objetivos consentâneos com os princípios
religiosos da igreja que as instituiu ou as mantém; (2) não pode haver nenhum tipo
de distribuição de patrimônio ou de recursos, ainda que a título de gratificações, di-
videndos ou participações, aos dirigentes da igreja instituidora ou mantenedora.
IXb – Com estas cautelas, a igreja continuará a ter jus à imunidade do art. 150, VI,
b, da Constituição Federal, porquanto, embora por sua longa manus (a instituição
educacional ou assistencial sem fins lucrativos, por ela patrocinada), atenderá às suas
“finalidades essenciais”.
IXc – A atuação das igrejas favorece não só a quem diretamente a recebe, como às
pessoas a ela próximas e, nessa medida, repercute, de modo positivo, na sociedade
em geral. As igrejas mais poderão contribuir para o bem temporal das pessoas, se fun-
darem instituições educacionais e assistenciais, sem fins lucrativos, que persigam os
mesmos fins, ou se criarem fundações de direito privado, que tenham por objetivo a
manutenção de tais entidades.
Xa – A operação de importação de tais bens, se levada a efeito pela igreja, não po-
derá, por força do disposto no art. 150, VI, b, da Constituição Federal, ser tributada
por meio de imposto sobre a importação, que é um tributo direto, já que sua car-
ga econômica é suportada, desde o primeiro momento, pelo próprio realizador do
fato imponível. É o patrimônio de quem promove a importação do bem estrangeiro
que vem imediatamente alcançado pela exação.
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Roque Antonio Carrazza 47
DANIEL MORETI
do papel imune. 4.3. A instituição de deveres instrumentais tributários
por ato normativo infralegal. 4.4. Classificação das normas constitucionais
quanto ao grau de eficácia e aplicabilidade e as imunidades tributárias.
4.4.1. O papel da lei complementar em matéria de imunidades tributá-
rias. 4.4.2. Imunidade no papel destinado à impressão de livros, jornais e
periódicos: norma constitucional autoaplicável. 4.5. As sanções políticas
em matéria de papel imune. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
(...) são de estrutura as regras que instituem condições, fixam limites e prescrevem a
conduta que servirá de meio para a construção de outras regras. São de comportamen-
to as normas que prescrevem todas as outras relações intersubjetivas, reguladas juridi-
camente, desde que não referentes à formação e transformação de unidades jurídicas.4
Temos, assim, que as normas de estrutura são aquelas também voltadas indireta-
mente para as condutas das pessoas, pois possuem como objetivo final a regulação os
2
Idem, ibidem, p. 746.
3
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 236.
4
Aurora Tomazini de Carvalho. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo:
Noeses, 2009.
52 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
atenda 80% do consumo interno. A redução de alíquotas foi prorrogada até 30/04/2012, conforme dispõe o
art. 18 da Lei no 10.727/2008.
Também é 0 (zero) a alíquota do PIS/PASEP-importação e da COFINS-importação incidentes sobre a importa-
ção de livros, conforme definido no art. 2o da Lei no 10.753/2003 (art. 8o, § 12, inciso XII da Lei no 10.865/2004).
Daniel Moreti 55
Com base na previsão do RICMS, foi expedida a Portaria CAT no 14/2010,
pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, a qual sofreu alterações promo-
vidas pelas Portarias CAT no 46/2010, CAT no 51/2010, CAT no 103/2010, CAT
no 114/2010 e CAT no 120/2010, instituindo o Sistema de Reconhecimento e
Controle das Operações com o Papel-Imune – RECOPI.
Nos termos dos arts. 1o e 2o da aludida portaria, a não incidência do imposto
sobre as operações com o papel destinado à impressão de livro, jornal ou periódico
depende de prévio reconhecimento pela Secretaria da Fazenda, o qual será conferido
às operações realizadas por contribuintes credenciados no RECOPI.
O art. 2o-A da Portaria CAT no 14/2010, com a redação que lhe deu a Portaria
CAT no 46/2010, prescreve que o imposto incidirá sobre o papel não destinado à
impressão de livro, jornal ou periódico.
Referidos deveres instrumentais tributários, como é rotina nos dias atuais, exi-
gem dos contribuintes que operam com papel imune complexa e onerosa estrutu-
ra administrativa para seu cumprimento, acarretando, conforme menciona Roque
Antonio Carrazza,7 aquilo que a doutrina norte-americana chama de custos de con-
formidade, isto é, elevadas e significativas despesas para prática do ato, além de vio-
lar garantias fundamentais dos contribuintes, conforme passamos a demonstrar.
(...) são, entre muitos, o de escriturar livros, prestar informações, expedir notas fis-
cais, fazer declarações, promover levantamentos físicos, econômicos ou financeiros,
manter dados e documentos à disposição das autoridades administrativas, aceitar a
fiscalização periódica de suas atividades, tudo com o objetivo de propiciar ao ente
que tributa a verificação do adequado cumprimento da obrigação tributária.10
Nesse sentido, o autor conclui que as chamadas obrigações acessórias, além de não constituírem obriga-
ções, pois não têm caráter patrimonial, muitas vezes não ostentam caráter acessório, porquanto em inúmeras
situações são exigidos certos comportamentos, sem que se possa detectar uma prestação pecuniária que
satisfaça o caráter jurídico de tributo, p. ex., o dever jurídico de prestar declaração de rendimentos e de bens
à Fazenda Pública, quando não haja tributo a pagar. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.
23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 358-362).
Dessa forma, declara sua preferência pela expressão “deveres instrumentais ou formais”, no que é acompa-
nhado pela doutrina Roque Antonio Carrazza.
10
Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. 23. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 360-361.
11
“Art. 113. (Omissis)
§ 1o A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo
ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
(...)”
12
“Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(...)”
Daniel Moreti 57
Por força do art. 5o, II, qualquer pretensão ao cumprimento de obrigações acessó-
rias deverá ser submetida à regência de lei, e não de atos infralegais do Executivo,
como os decretos regulamentares. E compreende-se que assim o seja, porque não
é só pela via da exigência de prestações pecuniárias compulsórias que o Estado se
insinua nas relações entre particulares, a demandar-lhes, com voracidade insaciável,
uma crescente ordem de obrigações (deveres administrativos) instituídas por sim-
ples comodidade burocrática. Porque é muito mais fácil à Administração do que
assumi-las, sub-rogar os particulares no exercício de funções que lhe são – a ela
Administração – constitucionalmente atribuídas.15
“O fato gerador da obrigação acessória também decorre de lei. A lei cria os deveres
acessórios, em seus contornos básicos, e remete ao regulamento a pormenorização
de tais deveres. Mas eles são e devem estar antes plasmados, modelados e enfor-
mados na própria lei. Ao dizer o CTN que o fato gerador da obrigação acessória é
qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abs-
tenção de ato que não configure a obrigação principal (art. 115), não rompe com
o princípio fundamental da legalidade, apenas reconhece que existe margem de
discricionariedade para que, dentro dos limites da lei, o regulamento e demais atos
administrativos normativos explicitem a própria lei, viabilizando a sua fiel execução.
A expressão legislação tributária, definida pelo próprio CTN, no art. 96, aliás, no-
meia em primeiro lugar a lei, como ato próprio do Poder Legislativo. A lei, assim,
integra com primazia o conceito de legislação tributária (art. 96 c/c 98), à qual se
submetem os atos normativos do Executivo.”19
Nesse passo, é certo que a lei que cria a obrigação acessória, além de indicar o
dever a ser cumprido, deve apontar o modo pelo qual isso se dará, devendo apontar
os contornos básicos de quando e como adotar a conduta positiva ou negativa, em
favor dos interesses do Estado-Fisco.
17
Art. 115: “Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável,
impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”.
18
Roque Antonio Carrazza. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 214.
19
Aliomar Baleeiro. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atualizada por Mizabel de Abreu Machado Derzi. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. p. 709-710.
60 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Aos atos normativos infralegais, por exemplo, regulamentos, portarias, atos de-
claratórios, instruções normativas etc., cabe apenas detalhar tal conduta, no intuito
de viabilizar a boa execução da lei que a determinou.
Não se trata de negar o dever de cumprimento de obrigações instituídas no inte-
resse da arrecadação e da fiscalização de tributos pelas entidades e atividades imunes,
mas apenas afirmar que a lei (lato sensu) é o instrumento normativo apto à institui-
ção de tais deveres.
Fixadas as premissas de que os deveres instrumentais devem, portanto, ser ins-
tituídos por lei, e submetendo a esta ideia aqueles deveres formais instituídos pela
Instrução Normativa RFB no 976/2009 e pela Portaria CAT no 14/2010, da Secre-
taria da Fazenda do Estado de São Paulo, temos claro que estes meios de controle
à utilização do papel imune padecem do vício da inconstitucionalidade, por ofensa
ao princípio da legalidade, já que instituídos por atos normativos despidos da força
legal, a qual afigura-se imprescindível à criação de deveres e obrigações de quaisquer
naturezas.
Ademais, o art. 5o, § 1o, da CF/88 dispõe que “as normas definidoras de direitos
e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, estando enquadradas nesta cate-
goria as normas de imunidade.
Com efeito, as regras imunizatórias apenas se submeterão às classe das normas
de eficácia contida e aplicabilidade imediata nos casos em que a própria Constituição
previr a edição de lei para restringir ou implementar o comando normativo.
Nesse passo, imprescindível analisar, ainda que sucintamente, o papel da lei com-
plementar tributária, instrumento apto a regular as imunidades, nos casos em que o
Texto Constitucional assim dispôs.
O art. 146, inciso II, da Lei Maior atribui à lei complementar, dentre outras fun-
ções, o mister regulamentador das limitações constitucionais ao poder de tributar, in
verbis: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) II – regular as limitações constitucio-
nais ao poder de tributar; (...)”.
23
Idem, ibidem, p. 93.
24
Idem, ibidem, p. 102.
62 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
...a lei a que faz menção o constituinte é a lei complementar, como já a doutrina
e a jurisprudência tinham perfilhado no passado, representando o Código Tribu-
tário Nacional tal impositor de requisitos. É que, se ao legislador ordinário fosse
outorgado o direito de estabelecer condições à imunidade constitucional, poderia
inviabilizá-la pro domo suo. Por esta razão, a lei complementar, que é nacional e da
Federação, é a única capaz de impor limitações, de resto, já plasmadas no art. 14
do Código Tributário Nacional.28
da imunidade tributária do art. 150, VI, c, da Lei Maior, hipótese em que a lei complementar atua como norma
geral reguladora de limitações constitucionais ao poder de tributar, conforme o art. 146, II, da CF/88.
27
O CTN (Lei no 5.172/1966) foi editado sob a forma de lei ordinária, todavia, foi recepcionado pela CF/1988
com natureza de lei complementar, por versar sobre matérias que hoje estão reservadas estritamente a esta
modalidade de ato normativo (art. 146 da CF).
28
“Imunidade Tributária”, In: Imunidades Tributárias, Pesquisas Tributárias no 4, coordenador Ives Gandra da
Silva Martins, co-edição Centro de Extensão Universitária, São Paulo, RT, 1998, p. 318.
64 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Em boa verdade científica, o Poder Público, para receber seu crédito, não pode agir
“manu militari”, mas, pelo contrário, deve valer-se exclusivamente dos meios em
que o rol de exigências postas na portaria CAT 14/10 demonstra clara afronta ao comando constitucional. De
fato, deve-se atentar que, nos termos da mesma portaria, se a não incidência do imposto depende de prévio
reconhecimento pela Secretaria da Fazenda, dos requisitos por ela elencados, a contrario sensu se não houver o
implemento daquela condição, deduz-se que o tributo passa a ser devido. Ora, se assim é, impõe-se considerar
a inconstitucionalidade da regra, haja vista que a Constituição já estabeleceu não se poder cobrar tributo da
matéria prima já mencionada, porque considerada imune.”
66 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Art. 14. É vedada, para fins de cobrança extrajudicial de tributos, a adoção de meios
coercitivos contra o contribuinte, tais como a interdição de estabelecimento, a proibi-
ção de transacionar com órgãos e entidades públicas e instituições oficiais de crédito, a
imposição de sanções administrativas ou a instituição de barreiras fiscais.
Parágrafo único. Os regimes especiais de fiscalização, aplicáveis a determinados con-
tribuintes, somente poderão ser instituídos nos estritos termos da lei tributária.
Com efeito, as sanções políticas não se confundem com sanções pelo descumpri-
mento de obrigações acessórias.
Nesse sentido, Clélio Chiesa34 ressalta tal distinção, expondo que as obrigações
tributárias acessórias têm como finalidade o controle das ocorrências dos fatos jurí-
dicos tributados. Já as sanções políticas visam criar embaraços ao desenvolvimento re-
gular das atividades desenvolvidas pelos contribuintes com o objetivo de encurtar o
período de tempo existente entre a ocorrência do fato jurídico tributário e o efetivo
recolhimento do tributo, ainda que tais sanções impliquem em violações a direitos e
garantias dos contribuintes.
Trazendo tais preceitos ao tema em estudo, verifica-se que a Portaria CAT
no 14/2010, expedida pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, estabele-
ce que o pedido de credenciamento no RECOPI será indeferido, dentre outras hi-
póteses, no caso da existência de débito fiscal inscrito em dívida ativa, decorrente de
Auto de Infração e Imposição de Multa – AIIM lavrado com a exigência do imposto
em razão do desvio de finalidade do papel imune, in verbis:
Art. 5o (...)
§ 1o O pedido será indeferido, em relação a cada um dos estabelecimentos, conforme o
caso, se constatada:
32
Roque Antonio Carrazza. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 219.
33
STF. Súmula no 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de
tributo”. Súmula no 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de
tributo”. Súmula no 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas,
despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.
34
Clélio Chiesa. Fiscalização tributária – limites à instituição de deveres tributários e à imposição de sanções
pelo não pagamento de tributo e não cumprimento de deveres instrumentais. In: Valdir de Oliveira Rocha.
(Coord.) Grandes questões atuais de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2006, p. 44-45.
Daniel Moreti 67
(...)
3 – existência de débito fiscal inscrito em Dívida Ativa, decorrente de Auto de Infra-
ção e Imposição de Multa – AIIM, lavrado com a exigência do imposto em razão do
desvio de finalidade do papel imune.
Vale ressaltar que a situação já foi pior, eis que na redação original da portaria a
vedação alcançava contribuintes com débito fiscal decorrente de Auto de Infração e
Imposição de Multa – AIIM lavrado com a exigência do imposto devido em razão
do desvio de finalidade do papel imune, ainda que pendente de julgamento nos ór-
gãos do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT, redação que foi alterada pela Portaria
CAT no 114/2010.
Seguindo na trilha proposta, verifica-se que o § 2o, do mesmo art. 5o, da aludida
portaria, estabelece que, ante a existência de débito inscrito em dívida ativa, decor-
rente de auto de infração e imposição de multa sob a acusação de desvio de finalidade
do papel imune, o pedido de credenciamento no RECOPI será deferido se o débito
existente for objeto de parcelamento que esteja sendo regulamente cumprido ou es-
teja garantido em execução fiscal, nos termos da legislação vigente e a juízo da Pro-
curadoria Geral do Estado, in verbis:
Art. 5o (...)
(...)
§ 2o Não será motivo para indeferimento do pedido de credenciamento no Sistema
RECOPI a existência de débito fiscal, inscrito em Dívida Ativa, decorrente de Auto
de Infração e Imposição de Multa – AIIM, lavrado com a exigência do imposto em
razão do desvio de finalidade do papel imune, caso este débito:
1 – seja objeto de parcelamento que esteja sendo regularmente cumprido;
2 – esteja garantido em execução fiscal, nos termos da legislação vigente e a juízo da
Procuradoria Geral do Estado;
Pois bem. Ainda que a inscrição em dívida ativa venha retratar a liquidez, cer-
teza e exigibilidade do crédito tributário, o ordenamento jurídico prevê, com base
no devido processo legal, consubstanciado pelos princípios do contraditório e ampla
defesa, os mecanismos apropriados para cobrança de tributos, nos moldes delineados
pela Lei no 6.830/1980.
Com efeito, não é dado ao Estado-Fisco, mormente por ato infralegal, impedir
o contribuinte de se credenciar em sistema condicionante à fruição da imunidade tri-
butária do papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, em razão da
existência de débito fiscal decorrente de auto de infração e imposição de multa, ainda
que sob a acusação do desvio de finalidade do papel imune.
68 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Ademais, a coerção ilegal, ou meio indireto para cobrança do tributo, fica evi-
dente ao admitir o § 2o, do art. 5o, da Portaria CAT no 14/2010, da Secretaria da
Fazenda do Estado de São Paulo, o deferimento do pedido de credenciamento, caso
o mesmo débito venha a ser parcelado ou garantido em execução fiscal.
Portanto, resta impedido o direito à fruição da imunidade, vale dizer, direito pú-
blico subjetivo de exigir que o Estado não exija tributos sobre operações com papel
destinado a impressão de livros, jornais e periódicos, desde que o contribuinte seja
devedor do Fisco, o que se revela como verdadeira sanção política.
Noutro giro verbal, o contribuinte que possuir débito de ICMS, inscrito em dí-
vida ativa, decorrente de AIIM com a acusação de desvio de finalidade de papel imu-
ne, acaso pague a dívida, realize seu parcelamento, ou ofereça garantia para satisfação
do débito tributário, estará autorizado a se credenciar no RECOPI e, assim, realizar
operações com papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, com imu-
nidade tributária.
Em que pese a já mencionada inconstitucionalidade do estabelecimento de re-
quisitos para fruição desta imunidade, dentre os quais afigura-se o prévio creden-
ciamento no RECOPI, o contribuinte paulista que desejar operar com papel imune
se verá ainda coagido a satisfazer os desígnios da Fazenda Pública do Estado de São
Paulo, ao arrepio de garantias constitucionais irremovíveis.
Pensamos, assim, que, em respeito aos princípios constitucionais, dentre os quais
se destacam o livre exercício da atividade econômica e a ampla defesa, aquele contri-
buinte que bater às portas do Poder Judiciário poderá ter reconhecido o direito de se
credenciar no RECOPI, passando a se beneficiar da imunidade do papel destinado à
impressão de livros, jornais e periódicos, ainda que possua débito de ICMS junto ao
Estado de São Paulo, inscrito em dívida ativa e decorrente de AIIM por suposto des-
vio de finalidade de papel imune.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
III – Para controle das operações com papel imune, destacam-se os seguintes
instrumentos:
a) Em âmbito federal, atualmente regulam o tema a Lei no 11.945/2009, bem
como a Instrução Normativa RFB no 976/2009. Referida Lei no 11.945/2009 ins-
titui o chamado Registro Especial, obrigatório para pessoas jurídicas que realizem
operações com papel imune, sendo-lhes vedado realizar o despacho aduaneiro, a
aquisição, a utilização ou a comercialização do referido papel sem prévia satisfação
dessa exigência.
A Instrução Normativa RFB no 976/2009 reproduziu as disposições atinentes ao
registro especial instituído pela Lei no 11.945/2009 e instituiu a obrigação acessória
denominada DIF-Papel imune, de apresentação periódica obrigatória para pessoas
jurídicas que promovam o despacho aduaneiro, a aquisição, a utilização ou a comer-
cialização de papel imune.
b) No âmbito do Estado de São Paulo, foi expedida a Portaria CAT no 14/2010,
a qual prevê que a não incidência do ICMS sobre as operações com o papel destina-
do à impressão de livro, jornal ou periódico, depende de prévio reconhecimento pela
Secretaria da Fazenda, o qual será conferido às operações realizadas por contribuin-
tes credenciados no RECOPI.
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esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007.
Imunidade tributária
destinada às instituições de
ensino e a tributação em
investimentos financeiros
e no tipo private equity
1 INTRODUÇÃO
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS
1
Esta classe de ativos permite aos investidores participar do crescimento das empresas de capital fechado, com
o objetivo de alcançar retornos mais elevados a longo prazo do que as disponíveis no mercado aberto. Private
equity abrange uma variedade de oportunidades de investimentos, tanto nacional como internacional.
2
Sylvio César Afonso. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Física. Aspectos
Infraconstitucionais Relevantes. 2. ed., São Paulo: Federal, 2009, p. 18.
Daniela Tadei Mailer 75
3
Tácio Lacerda Gama. Competência Tributária – fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses,
2009, p. 218.
4
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 22. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
76 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
As imunidades são, sem dúvida, uma das formas mais tradicionais de se excluir
da incidência tributária de determinadas pessoas e situações.
Em linhas gerais, podemos conceituar a imunidade tributária como classe de-
terminada ou imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da
Constituição Federal que estabelecem, expressamente, a incompetência das pessoas
políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tribu-
tos que alcancem situações e pessoas específicas e suficientemente caracterizadas.
Em outras palavras, é a autorização prevista na Constituição Federal, dos entes
políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) cobrar tributos sobre de-
terminadas pessoas e situações, no entanto, veda também expressamente a tributação
dos entes federativos sobre patrimônio, renda ou serviço um dos outros, nos termos
do art. 150, inciso VI, a, da Carta Magna.
Segundo o entendimento do ilustre Prof. Roque Antonio Carrazza,5 a expressão
imunidade tributária tem duas acepções, senão vejamos:
Podemos dizer que a imunidade apresenta uma natureza dúplice, uma vez que
de um lado representa uma norma constitucional e do outro constitui direito público
subjetivo das pessoas por ela favorecidas.
De acordo com o posicionamento de Aires F. Barreto,6 seguindo a linha de en-
sinamento do mestre Aliomar Baleeiro, as imunidades tributárias, são, portanto, ma-
téria pertencente à disciplina constitucional da competência, configurando as mais
importantes limitações constitucionais ao poder de tributar.
Sobre o tema, Tácio Lacerda Gama7 entende que “imunidade tributária são pro-
posições que compõem a norma de competência tributária restringindo um ou mais
aspectos de sua materialidade”.
5
Antonio Roque Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário, 26. ed., São Paulo: Malheiros, 2010,
p. 757 e 758.
6
Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar.
2. ed., São Paulo: Dialética, 1999, p. 11.
7
Tácio Lacerda Gama. Competência Tributária – Fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses,
2009, p. 243.
Daniela Tadei Mailer 77
3.1 Classificação
O art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição Federal aponta existir imunida-
de em favor das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos.
Podemos definir instituição de educação como sendo aquelas que auxiliam o Esta-
do na consecução dos ditames dos arts. 205 a 214 da Constituição Federal, objetivando
10
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos
outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem
fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.“
11
Regina Helena Costa. Imunidade Tributária. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
12
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed., São Paulo: Malheiros. 2010,
p. 758 e 759.
13
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 22. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 244.
Daniela Tadei Mailer 79
os preceitos desta lei que excluem a imunidade tributária aos rendimentos e ganhos
de capital recebidos por aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
Ou seja, restou configurada a inconstitucionalidade não só formal, mas também
material do § 1o do art. 12, da Lei Ordinária no 9.532/1997.
Partindo da premissa de que tal decisão possui efeitos erga omnes, os requisitos
vigentes na Lei Ordinária tiveram a sua eficácia suspensa, a fim de que a instituição
educacional goze de imunidade frente aos impostos que incidam sobre seu patrimô-
nio, renda ou serviços ligados aos seus objetivos sociais.
Como vimos na íntegra do presente estudo, as situações de imunidade tributária
não podem ser desconstituídas por meio de lei, sendo que todas as normas que in-
tegram o ordenamento jurídico nacional só serão válidas se não conflitarem com as
normas da Constituição Federal.
Verifica-se que há diversos arestos jurisprudenciais versando o tema, o que nos
leva à conclusão de que todo e qualquer requisito novo, exigido pela Legislação Or-
dinária, ou mesmo pela Lei Complementar, para implementação desse direito, em
princípio, está eivado de inconstitucionalidade tanto formal quanto material, haja
vista que o instituto da imunidade está reservado à norma constitucional.
Corroborando com o acima exposto, vale destacar, por derradeiro, decisão do
Supremo Tribunal Federal20 reafirmando seu posicionamento no sentido de reco-
nhecer a ilegalidade da cobrança de IRPJ sobre a renda de aplicações financeiras, e a
inconstitucionalidade não só formal, mas também material do § 1o do art. 12, da lei
questionada, senão vejamos:
20
Ag. Reg. no Recurso Extraordinário no 211790 AgR/MG; Rel. Min. Ilmar Galvão.
Daniela Tadei Mailer 83
positivos à distribuição de lucros. II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c,
e 146, II): ‘instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei’: delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no
ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí,
dos preceitos impugnados (Lei 9.532/1997, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente
deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304)
e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no
tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a consti-
tuição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o
que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina
infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar. 2. À luz desse critério dis-
tintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal arguida os
arts. 12 e §§ 2o (salvo a alínea f) e 3o, assim como o parágrafo único do art. 13; ao
contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2o, f; 13,
caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal
mas também material do § 1o do art. 12, da lei questionada. 3. Reserva à deci-
são definitiva de controvérsias acerca do conceito da entidade de assistência
social, para o fim da declaração da imunidade discutida – como as relativas
à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão
ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações
de previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requeren-
te, dizem com a validade do art. 12, caput, da Lei 9.532/1997 e, por isso,
devem ser consideradas na decisão definitiva, mas cuja delibação não é neces-
sária à decisão cautelar da ação direta” (DJ 09/09/1998 – grifos do autor).
No mesmo sentido, as decisões monocráticas seguintes: AI 519.185, de minha
relatoria, DJe 12/06/2008; RE 475.571, Rel. Min. Eros Grau, DJ 03/8/2006;
RE 424.506, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 31/05/2006; e RE 446.286, Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ 13/10/2005. 5. O acórdão recorrido está em harmonia com
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual nada há a prover
quanto às alegações da Recorrente”.
Os investimentos são realizados via o aporte de capital nas empresas, pela aquisi-
ção de ações ou títulos de dívida conversíveis em ações. Desta forma, os investidores
tornam-se acionistas destas empresas e podem participar ativamente da estratégia e
orientação dos negócios da companhia.
Salienta-se que os investimentos podem ser feitos em qualquer setor que apre-
sente perspectiva de grande crescimento e rentabilidade a longo prazo, de acordo
com o foco de investimentos definido pelos investidores ou fundos.
Os constantes esforços do mercado, governo e de órgãos reguladores em pro-
mover o aperfeiçoamento dos veículos de intermediação de recursos financeiros, têm
como foco proporcionar aos empreendedores maior acesso ao capital e contribuir
para a maior geração de emprego e renda, além da promoção do crescimento econô-
mico sustentável do país.
Diante do cenário jurídico atual, pessoas físicas e jurídicas estão autorizadas a in-
vestir em aplicações financeiras no Brasil, como mencionado no item anterior, bem
como no exterior, a fim de rentabilizar cada vez mais seu capital.
Aplicando tais informações para o caso em discussão, não poderia prever, à épo-
ca, o Código Tributário Nacional, instituído no ano de 1966, tamanhas transfor-
mações jurídicas, financeiras, e até tecnológicas, enfim, não poderia prever que o
mundo estaria globalizado, o sistema financeiro cada vez mais em ascensão, e que os
contribuintes estariam cada vez mais preocupados em maximizar suas receitas sem,
contudo, afrontar os ditames legais.
De acordo com a lei em vigor, se uma instituição de educação vier a realizar
qualquer aplicação fora do Brasil já seria motivo suficiente para perda ou suspensão
da aplicação do benefício da imunidade tributária, nos termos do § 1o do art. 14 do
CTN, por configurar uma finalidade diversa, e assim ser alcançada pela tributação
normal, mesmo que o pretendido com a obtenção dessas rendas fosse a manutenção
ou melhoramento da instituição.
No entanto, numa interpretação mais flexível, observa-se que se uma instituição
de ensino, pública ou privada, que goza da imunidade tributária, não afrontaria a le-
gislação, tanto a constitucional como a infraconstitucional, se investir sobras de sua
reserva do ano em investimento do tipo Private Equity.
Justifica-se o acima exposto, uma vez que as sobras de caixa existentes ao lon-
go do ano pelas instituições de ensino em certas oportunidades não são suficientes
para o investimento imediato em projetos de ampliação ou melhorias devidamente
ligados aos objetivos institucionais. Sendo assim, buscam alternativas para maximizar
seus recursos, visando a aplicação desses recursos em seus objetivos institucionais.
Ora, se a instituição imune realiza – independentemente de a aplicação finan-
ceira ser efetuada no País ou até Exterior, desde que os rendimentos retornem ao
86 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
7 REFERÊNCIAS
AFONSO, Sylvio César. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza da pessoa física –
aspectos infraconstitucionais relevantes. 2. ed., São Paulo: Editora Federal, 2009.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRIVATE EQUITY & VENTURE CAPITAL
http://www.abvcap.com.br/industria-de-pe-vc/sobre-o-setor.aspx – Acesso em 10/01/2011.
BARRETO, Aires; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações Constitucionais
ao Poder de Tributar. São Paulo: Dialética, 2001.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed., São Paulo:
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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
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GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: Fundamentos para uma teoria da nulidade. São
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GRECO, Marco Aurélio. Imunidade Tributária. Ives Gandra da Silva Martins (coord.). Imunida-
des Tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e
da Jurisprudência. 12. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente_1699372–
Acesso em 21/01/2011.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento
RE 168.110 DF, Rel. Min. Moreira Alves, 04/04/2000 – Acesso em 06/01/2011.
Imunidade e os
“livros-brinquedo”
1 INTRODUÇÃO
No presente trabalho, procuraremos estudar a imunidade, em especial a dos li-
vros, jornais e periódicos, prevista no art. 150, VI, d, da Constituição Federal de
1988, a fim de que possamos compreender o seu conceito, delimitando-se o sentido,
alcance e conteúdo da norma de imunidade.
Outrossim, nosso estudo objetiva analisar a possibilidade de a norma de imunida-
de sob enfoque abranger os chamados “livros-brinquedo”, que podem ser tomados
90 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
como uma nova espécie do gênero livro, com características híbridas, sendo o livro a
parcela preponderante desse novo modelo.
De plano, convém observar que a norma em comento foi editada em 1988,
momento histórico em que os livros, jornais e periódicos existiam apenas na forma
material, isto é, impressos em papel e organizados sob uma forma já conhecida, a de
brochura.
Com o passar do tempo, sobreveio a internet e com ela outros avanços tecnoló-
gicos que permitiram que os livros, jornais e periódicos adquirissem nova roupagem,
como os livros e periódicos editados na forma de CDs, forma eletrônica etc.
Não é só. Os antigos livros impressos e no modelo brochura também foram re-
formulados, passando a ser compostos pelo volume e mais acessórios interativos, pá-
ginas montáveis e desmontáveis, páginas em relevo, em braile e outros.
Daí surge a questão: nessa nova roupagem, os livros, jornais e periódicos conti-
nuam a ser livros, jornais e periódicos? O que são de fato? Quais as características fun-
damentais que devem possuir para que continuem a ser livros, jornais e periódicos?
E, nessa condição, continuam contemplados pela norma de imunidade preconi-
zada pelo art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal?
Antes de respondermos (ou ao menos tentarmos responder) a todas essas inda-
gações, sentimos a necessidade de demarcar a abrangência de nosso estudo, a fim de
que possamos, dentro do escopo do presente trabalho, entender um pouco mais o
instituto da imunidade e a sua evolução no tempo.
Assim, diante desse cenário, passamos a tratar tão somente da imunidade dos
livros, em especial daqueles que são vulgarmente chamados “livros-brinquedo”, fa-
zendo-se alusão aos elementos lúdicos que o compõem.
Delimitado o nosso objeto de análise e feita essa breve introdução, passamos a
tratar, propriamente, da imunidade dos “livros-brinquedo”.
2 A NORMA DE IMUNIDADE
Desse gênero normas, extraímos a espécie normas jurídicas, que são caracteri-
zadas, dentre outros aspectos, pela relação de pertinência que guardam com o orde-
namento legal de uma nação e pela sua coercibilidade, ou seja, pela obrigatoriedade
do seu cumprimento.
Miguel Reale,1 ao defender o seu próprio conceito de norma jurídica, não dei-
xa de fazer menção à noção compartilhada pela maioria de nossos doutrinadores, a
qual não esconde a tendência kelseniana que impera no Brasil. O saudoso professor
afirma que:
Alguns autores sob a influência de Hans Kelsen, que efetivamente trouxe uma pre-
ciosa contribuição ao esclarecimento do assunto, começam por dizer que a norma
jurídica é sempre redutível a um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê
um fato (F) ao qual se liga uma consequência (C) de conformidade com o seguinte
esquema: Se F é, então deve ser C.
Segundo essa concepção, toda regra de direito contém a previsão genérica de um
fato, com a indicação de que, toda vez que um comportamento corresponder a
esse enunciado, deverá advir uma consequência, que, por sinal, na teoria de Kelsen,
como veremos logo mais, corresponde sempre a uma sanção, compreendida apenas
como pena.
Fato é que a doutrina de Reale, de Bobbio e de tantos outros que ilustram todos
os conceitos de normas jurídicas, por mais peculiares que o sejam, giram em torno
de proposições prescritivas e/ou juízos hipotéticos condicionais.
Diante desse imenso leque de conceitos formulados pela mais abalizada dou-
trina de direito, partimos dos estudiosos da teoria geral do direito e chegamos aos
doutrinadores do âmbito tributário para estudar os seus conceitos de norma jurídica,
dentre os quais escolhemos o conceito que nos parece o mais completo e, ao mes-
mo tempo, o mais correto, qual seja, o defendido pelo Professor Paulo de Barros
Carvalho, para quem a norma jurídica é o juízo hipotético-condicional apreendido
pelo intérprete, em seu intelecto, a partir da significação extraída da leitura do texto
da lei (suporte físico).
1
Miguel Reale. Lições Preliminares de Direito. 23. ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 95.
92 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Firmada essa primeira premissa, é importante que não nos deixemos enganar: as
normas jurídicas, assim como as normas em geral, também contêm uma pluralida-
de de espécies, o que não torna o nosso estudo mais simples, pois, em sendo assim,
indaga-se que espécie de normas jurídicas são as normas de imunidade, cerne deste
estudo?
Assim, como o Professor Reale, o Professor Paulo de Barros Carvalho entende
que não existem apenas normas jurídicas voltadas à disciplina do comportamento
humano em suas relações de intersubjetividade, mas também normas de organiza-
ção, dirigidas aos órgãos do Estado, por exemplo.
Nessa linha, o Professor Paulo de Barros Carvalho elucida que as normas jurídi-
cas podem ser de comportamento ou de estrutura:2
A secção das normas em dois tipos, sob o critério da função que exercem no siste-
ma, apesar de se apresentar como estrutura de cunho meramente metodológico, é
bastante rica, na medida em que nos permite separar os diferentes regimes jurídicos
que a elas o direito impõe. Outrossim, em planos epistemológicos, as normas jurí-
dicas, como unidades atômicas do sistema, cumprem dois papéis diferentes: umas
disciplinam, pronta e diretamente, o comportamento – são regras de conduta; en-
quanto outras se ocupam também do proceder do homem no seio da sociedade,
porém, o fazem de maneira mediata e indireta – são as regras de estrutura.
Isso porque, sob o nosso ponto de vista, as normas de imunidade, como nor-
mas de estrutura que, junto com as normas impositivas de competências tributárias,
desenharam o arcabouço tributário de nosso sistema legal, são normas eminente-
mente estruturais, não comportando, em seu substrato, a outorga de direitos a uns
ou outros.
As pessoas contempladas direta ou indiretamente pelas normas de imunidade
detêm o direito de “não pagarem impostos” em virtude de um efeito da norma, não
devendo confundir-se o vetor deôntico-jurídico que motivou o constituinte com a
própria essência da norma de imunidade.
Com efeito, a imunidade sob apreciação é de natureza objetiva e tem por fim a
salvaguarda de diversos valores, como a liberdade de comunicação, o acesso à infor-
mação, educação e a cultura, dentre outros.
Em sendo assim, conceituá-la, como essência, em um direito subjetivo, nos pa-
rece um equívoco.
Feitas as considerações anteriores e definido o que entendemos por imunidade,
seguimos com nosso estudo.
listas telefônicas ou, ainda, do papel endurecido utilizado na capa dos periódicos
e livros.4
O Professor Paulo de Barros Carvalho5 é categórico ao afirmar que:
Qualquer livro ou periódico, e bem assim o papel utilizado para sua impressão, sem
restrições ou reservas, estarão à margem dos anseios tributários do Estado, no que
concerne aos impostos. De nada vale arguir que a frequência da edição seja peque-
na, que o livro tenha características especiais, ou ainda, que o papel não seja o mais
indicado para a impressão. Provado o destino que se lhe dê, haverá imunidade.
Grosso modo, todos nós sabemos o que é um livro. Sem rigor técnico, podemos
considerá-lo como uma quantidade de páginas datilografadas, com ou sem figuras e
textos organizados em uma determinada ordem, encadernados em brochura.
4
O STF assim já entendeu:
Imunidade Tributária. ICMS. Art. 150 da Constituição Federal. Insumos Destinados à Impressão de Jornais.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários no 190.761 e 174.476, reconheceu
que a imunidade consagrada no art. 150, VI, d, da Constituição Federal, para os livros, jornais e periódicos,
é de ser entendida como abrangente de qualquer material suscetível de ser assimilado ao papel utilizado no
processo de impressão. (RE 193883/SP – São Paulo).
Constitucional. Tributário. Imunidade. Art. 150, VI, d, da CF/88. ”Álbum de Figurinhas”. Admissibilidade.
1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo
evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem
como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. 2. O Constituinte, ao instituir esta
benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à
qualidade cultural de uma publicação. 3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este
benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um
juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público
infanto-juvenil. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 221239/SP; Rel. Min. Ellen Gracie; Segunda
Turma; DJ 06/08/2004).
5
Paulo de Barros Carvalho. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2. ed., São Paulo: Noeses, 2008, p. 352.
Fernanda Drummond Parisi 97
Tecnicamente e sob o ponto de vista legal, de acordo com o art. 2o, da Lei
no 10.753,6 de 30/10/2003, considera-se livro a publicação de textos escritos em
fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume car-
tonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e
acabamento.
O art. 6o, da aludida Lei no 10.573/2003, por sua vez, estabelece: “Art. 6o Na
editoração do livro, é obrigatória a adoção do Número Internacional Padronizado,
bem como a ficha de catalogação para publicação”.
Vê-se, por conseguinte, que, para ser livro, é imperioso que contenha o ISBN
– International Standard Book Number – que consiste em um sistema internacional
padronizado que identifica numericamente os livros segundo o título, o autor, o país
e a editora, individualizando-os, inclusive, por cada uma de suas edições.
O sistema ISBN aplica-se às publicações que contenham ao menos cinco páginas
e é controlado pela Agência Internacional do ISBN, incumbida da orientação, co-
ordenação e delegação de poderes às Agências Nacionais do ISBN de cada país. Em
nosso caso, tal Agência é a Fundação Biblioteca Nacional.
Vislumbrado o conceito de livro tanto sob o ponto de vista do leigo, quanto
pela perspectiva do conceito legal, vemos que o livro sempre será um veículo cultural
e informativo, que é registrado mundialmente segundo um padrão próprio (ISBN).
É notório que, com a evolução tecnológica, as características materiais previstas
no conceito de livro no entendimento descrito mudaram, e muito. É o caso do livro
eletrônico, em que não mais há o papel, a brochura, o volume material.
Entretanto, o livro continua o mesmo sob o aspecto de sua essência e sempre
será preenchido seu registro, qual seja, o ISBN perante o órgão competente. Portan-
to, pouco importa a forma sob a qual o livro se apresenta. Desde que seja veículo de
informações, com texto escrito, podendo conter figuras ilustrativas, sendo não perió-
dico e com ISBN próprio, livro será.
É importante frisar que, a nosso ver, as características formais que possam ter
mudado o aspecto externo do livro em função da evolução tecnológica em nada al-
teram o sentido, o alcance e o conteúdo da norma contida no art. 150, VI, d, da
Constituição Federal.
Isso porque as normas de imunidades não integraram o desenho constitucional
das competências tributárias por mero acaso, mas foram intencionalmente criadas
com finalidades precípuas, como a difusão da cultura e do conhecimento.
6
O Senador Acir Gurgacz elaborou o Projeto de Lei no 114/2010, que traz alterações à definição de livro veicu-
lada pelo art. 2o, da Lei no 10.573/2003, para acrescentar-lhe os livros convertidos em meio digital, magnético
ou ótico, ou, ainda, impressos no sistema braile. Em 21/12/2010, o PL encontrava-se na Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado Federal.
98 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Dessa feita, a simples alteração formal e não essencial dos livros são insuficientes
para que estes possam escapar do abrigo da norma constitucional estudada.7
Ainda no que pertine às alterações formais dos livros ao longo dos anos, é im-
portante destacar uma nova e diferente espécie de livros, qual seja, a dos chamados
“livros-brinquedo”, que são o objeto central de nosso estudo.
Os “livros-brinquedo” não são muito diferentes dos livros brochura tradicionais,
mas são assim denominados em virtude de suas características lúdicas, que os tornam
extremamente atraentes para o público ao qual se destinam, o das crianças.
Dentre as modalidades mais comuns dos “livros-brinquedo”, podemos mencio-
nar os livros pop ups, que são aqueles cujas páginas contêm dobraduras que, quando
abertas, formam imagens em relevo. Há também os livros que vêm acompanhados
de instrumentos musicais, bonecos dos personagens das histórias neles narradas, pá-
ginas divididas em quebra-cabeças, dentre outros.
Assim, imperioso é saber se essas características lúdicas ou acessórias têm o con-
dão de infirmar ou mesmo de sobrepujar a característica de livro que estes pos-
suem, de forma a se inquirir se a norma de imunidade sob análise deixa ou não de
contemplá-los.
Empresa gráfica importou livros-piano, isto é, livros infantis com teclado, que,
percutido sob a orientação de um texto, permite que a criança desperte para a
música. Na hora do desembaraço aduaneiro, tais livros-piano foram considerados
brinquedos. Em razão disso, a autoridade fazendária pretendeu fazer incidir sobre
esta importação o imposto específico, com a elevada alíquota de 105%.
Inconformada, a empresa impetrou mandado de segurança.
Decidiu esta ilustre jurista, que é titular da cadeira de Direito Administrativo da
Universidade Católica de São Paulo, que a circunstância de a criança se divertir,
enquanto aprende música, não retira destes livros-piano a natureza de livros, para
fins de imunidade.
A moderna Pedagogia (...) não pode prescindir dos recursos modernos, “foto-
magnéticos”, ou outros tais que, tirando o lado árduo do aprendizado, deem-lhe a
“leveza” necessária para permitir sua aceitação.
Já passou – e de há muito – a época em que o aprendizado de qualquer matéria
deveria ser feito de maneira “pesada”, aborrecida, que “estudar” ou “conhecer” era
“mal necessário”. Hoje educa-se a criança, possibilitando-se-lhe o conhecimento
da forma mais amena possível.
Lástima que um método mais eficaz de ensino possa provocar celeuma e, sobretu-
do, se queira cobrar imposto de importação à elevada alíquota de 105%, o que tor-
100 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Ainda mantendo os nossos estudos sob a óptica da legalidade, não excede men-
cionar que o parágrafo único, do já citado art. 2o,8 da Lei no 10.753/2003, prevê
expressamente a possibilidade de o livro ser acompanhado de um acessório.
O exposto nos leva a apenas uma conclusão, qual seja, a de que as inovações
pedagógicas, lúdicas ou físicas que se revelam como componente indissociável dos
“livros-brinquedo” são insuficientes para descaracterizá-los como livros.
A uma, porque aqueles continuam guardando consonância com o conceito legal
de livro previsto em norma plenamente em vigor, reunindo as características essen-
ciais dos livros, dentre as quais se destacam o ISBN e a necessidade de observância
aos direitos autorais. A duas, porque os objetos em estudo são preponderantemen-
te livros, seja nas suas características como asseverado, seja sob o aspecto financeiro,
dado que o custo do livro é sobremaneira superior aos dos acessórios que, por vezes,
o integram.
Em sendo assim e analisando-se a imunidade tributária em conjunto com o ar-
cabouço de nosso sistema normativo, imperiosa a conclusão de que a imunidade
8
“Art. 2o Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não
periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas
avulsas, em qualquer formato e acabamento.”
Fernanda Drummond Parisi 101
A autonomia didática exsurge do fato de que se tem um grupo de normas que apre-
sentam uma particular homogeneidade relativamente a seu objeto, sujeitando-se a
princípios de outros ramos do Direito. Neste sentido, pode-se afirmar que todos os
ramos do direito são didaticamente autônomos.
lei, entendida como a Lei Complementar ou a Lei Ordinária, mas também aos con-
ceitos estabelecidos por outro diploma normativo, qual seja, a Carta Magna.
E, ainda, o preceito em comento também guarda estreita relação com as normas
delineadoras da competência tributária, como explica o Professor Luciano Amaro:11
“Esses preceitos, a despeito de estarem alocados no capítulo da interpretação e inte-
gração da legislação tributária, nada mais são do que regras a sublinhar os confins da
competência tributária”.
O autor conclui seu raciocínio aduzindo que:
outra conclusão que não a de que a imunidade também abrange outras espécies tri-
butárias além dos impostos.
A própria essência da norma de imunidade, eivada de forte propósito finalístico,
não dá ensejo a qualquer outro entendimento, além do que o próprio texto consti-
tucional veicula preceitos imunizantes a outros tributos, do que se depreende que o
instituto não está circunscrito à espécie tributária imposta.
Mais uma vez, colacionamos as esclarecedoras lições do Professor Paulo de Bar-
ros Carvalho:
Feitas essas considerações, finalizamos este tópico acerca da exegese das nor-
mas de imunidades fortemente convencidos de que esta deve ser ampla, sistemática
e condizente com a essência do instituto, o qual abrange, inclusive, outras espécies
tributárias além dos impostos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
não são suficientes para subtrair o alcance da norma de imunidade dos chamados
“livros-brinquedo”.
Por meio da análise, logrou-se demonstrar que o conceito constitucional de li-
vros implicitamente contido no art. 150, inciso VI, d, da Carta Magna, e esmiuçado
no corpo da Lei no 10.753/2003 permanece intacto quando nele se insere os “li-
vros-brinquedo” sob exame.
E sendo assim, colocada à prova a amplitude e atualidade do texto constitucional
e, por que não, de sua magnitude, verificamos que a imunidade dos livros preconi-
zada no art. 150, inciso VI, d, deve ser prestigiada e respeitada nas novas espécies de
livros já surgidas, como ocorre com os “livros-brinquedo”, bem como em relação
àquelas que ainda estão por surgir.
Finalizamos, assim, nosso breve estudo, com a certeza de que o tema sob exame
comporta muito mais e mais profundos estudos e esclarecimentos. Contudo, encer-
ramos nossa breve análise com a satisfatória certeza de que trouxemos importante
questão à reflexão de todos aqueles que se interessarem pela leitura deste.
6 REFERÊNCIAS
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CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed., São Paulo:
Malheiros, 2008.
CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 3. ed., São Paulo: Max Limonad,
1998.
___________ . Curso de direito tributário. 21. ed., São Paulo: Saraiva, 2009.
___________ . Formalização da linguagem – proposições e fórmulas. Direito – revista do programa de
pós-graduação em direito – PUC/SP. São Paulo: Max Limonad, 1995.
___________ . Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 5. ed., São Paulo: Saraiva,
2007.
___________ . Direito tributário: linguagem e método. 2. ed., São Paulo: Noeses, 2008.
JARDIM, Eduardo Maciel Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 9. ed., São Paulo:
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1994.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23. ed., São Paulo: Saraiva, 1996.
SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997.
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max
Limonad, 1997.
___________ . Causalidade e relação no direito. 4.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
Imunidade das instituições
de assistência social versus
aplicações financeiras
do superávit
1 INTRODUÇÃO
As entidades de assistência social, a fim de gozar de imunidade prevista constitu-
cionalmente, não visam finalidade lucrativa e, dentre as suas finalidades, está a manu-
tenção de serviços de natureza assistencial para a coletividade em geral.
Ocorre que, na consecução de suas atividades normais, as Entidades de Assistên-
cia Social costumam manter aplicações financeiras, buscando a manutenção de sua
atividade principal, qual seja, a própria assistência social.
Por ser entidade imune, nos termos do art. 150, VI, alínea c, da Constituição
Federal, tais entidades não estão sujeitas ao recolhimento de imposto de renda sobre
os rendimentos auferidos em tais aplicações financeiras.
110 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso IV alínea “c” da Constituição
considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste serviços
para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral,
em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.
§ 1o Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital au-
feridos em aplicações financeiras de renda fixa e de renda variável.
(Grifos do autor)
O argumento tem por fundamento o art. 150, VI, c, da Magna Carta, o qual
dispõe:
Isso quer dizer que nenhum imposto poderá ser cobrado sobre o patrimô-
nio, renda ou serviços das instituições de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei, nem mesmo sobre ganhos auferidos em aplica-
ções financeiras, conforme já decidiu em sede de liminar o Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) nos autos da ADIn no 1802-3, in verbis:
Verifica-se que conforme decidido pelo STF referido dispositivo legal, que pre-
tendeu tributar pelo imposto os rendimentos e ganhos de capital auferidos em apli-
cações financeiras de renda fixa e de renda variável, foi afastado do ordenamento
jurídico, em face de sua manifesta inconstitucionalidade.
Por outro lado, independentemente da manifestação prévia da Corte Suprema,
ainda que em sede de liminar, necessário se faz demonstrar quais são os requisitos
legais para fruição da referida imunidade.
O primeiro deles é o correto enquadramento das entidades no conceito de ins-
tituição de assistência social. Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho nos en-
sina que:
1
STF. ADIn no 1802-3; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; j. 27/08/1998.
2
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Imunidade de Instituições de Assistência. RDT 35, p. 129.
3
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 102.
112 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
O art. 9o, inciso IV, alínea c, do mesmo diploma legal, por sua vez, dispõe:
4
STF. ADIn no 2028-5; Rel. Min. Moreira Alves; DJ 02/08/1999. (Grifos do autor).
Fernando Bonfá de Jesus 113
O art. 9o reproduz a regra prevista no já citado art. 150, VI, c, da atual Magna
Carta que, por sua vez, já constava das Cartas Políticas anteriores.
Assim, conforme se verifica, quatro (e somente quatro) são os requisitos estabe-
lecidos pelo legislador complementar, para fruição do benefício fiscal, a saber:
a) escrituração regular;
b) não distribuição de seu patrimônio ou renda;
c) proibição de remessa dos lucros ao exterior, devendo ser aplicados na ma-
nutenção dos objetivos institucionais;
d) cumprimento de obrigações acessórias.
a disposição constitucional não seja fraudada e dar instrumento para que a Admi-
nistração possa reconhecer as hipóteses de abuso e combatê-las.5
Instituição sem fins lucrativos é aquela que não se presta como instrumento de lu-
cro para seus instituidores ou dirigentes. A instituição pode, e deve, lucrar. Lucrar
5
Geraldo Ataliba. Imunidade de Instituições de Educação e Assistência. RDT 55, p. 138.
Fernando Bonfá de Jesus 115
para aumentar seu patrimônio e assim prestar serviços cada vez a maior número de
pessoas, e cada vez de melhor qualidade. O que não pode é distribuir lucros. Tem
de investir os que obtiver, na execução de seus objetivos.6
(...)
Contudo, o disposto no referido artigo 12, padece de vícios, pois pretendeu res-
tringir a imunidade Constitucional pela via oblíqua de lei ordinária.
(...)
Que as instituições de educação e de assistência social são entidades amparadas pela
imunidade, isto é, reconhecido pela melhor doutrina e por diversos julgados dos
Tribunais.
(...)
De fato, se as instituições de educação e de assistência social cumprirem funções
complementares à atividade que o estado deveria cumprir, elas não podem ser al-
cançadas pela tributação dos impostos gerais, pois o seu patrimônio deve ser pre-
servado, para que possam atingir os objetivos a que se propõem.
(...)
Destarte mostra-se plausível o direito pugnado pela agravante, motivo pelo qual
reconsidero a r. decisão “a quo”, para conceder a liminar, suspendendo a tri-
butação do imposto de Renda, na fonte, sobre os rendimentos e ganhos de
capital auferidos pela impetrante em aplicações financeiras de renda fixa ou
de renda variável, expedindo-se ofícios aos bancos onde a agravante mantém apli-
cações financeiras, para cumprimento dessa decisão, até ulterior decisão de mérito
pelo MM. Juízo Monocrático.7
(Grifos do autor)
6
Hugo de Brito Machado. Imunidade Tributária das Instituições de Educação e de Assistência Social e a Lei
no 9.532/97. In: Valdir de Oliveira Rocha. Imposto de Renda – Alterações Fundamentais. São Paulo: Dialética,
1998, 2. v., p. 69).
7
TRF-3a R.; processo no 98.03.019810-6; Rel. Juiz Pérsio Lima; j. 31/03/1998; publ. 20/04/1998.
116 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
De fato, a norma que concedeu a imunidade para as entidades sem fins lucrati-
vos pretendeu impedir que os resultados positivos apurados (superávits) fossem dis-
tribuídos a terceiros ou mesmo aos associados que formaram seu patrimônio
líquido, direta ou indiretamente, através da distribuição disfarçada de resulta-
dos, desvio dos objetivos sociais em benefício de determinado setor ou de determi-
nadas pessoas etc.
Tal orientação se coaduna como a própria razão de ser da imunidade em voga,
conforme manifestação da doutrina aplicável:
(...) concedida às entidades que, por sua natureza, não operam com fins econô-
micos, lucrativos, dedicando-se, em essência, a atividades que buscam o aperfei-
çoamento do homem no campo moral, intelectual, cultural, científico, artístico,
e outros que envolvem interesses na sua valorização, estimulando potencializadas
materiais e morais para o bem comum.8
Claro está, portanto, que a imunidade concedida jamais poderá ser aproveitada
para colocar em situação privilegiada determinadas empresas, travestidas de entida-
des de assistência social sem fins lucrativos, no exercício de atividades tipicamente
empresariais.
Da mesma forma, não se pode admitir que os associados das entidades de as-
sistência social sem fins lucrativos sejam beneficiados, via distribuição de resultados,
pelos superávits apurados por tal entidade.
Nas duas situações, estaríamos diante de típico caso de desvirtuamento dos ob-
jetivos sociais das entidades de assistência social, que, por si só, seria suficiente para
suspender a imunidade concedida, uma vez que restaria plenamente frustrado o fim
para qual foi concedida.
De tudo o que foi até aqui exposto, conclui-se que as entidades de assistência
social sem fins lucrativos devem observar as disposições descritas a seguir:
O superávit, nos termos da Constituição e da lei, é meio, e não fim. Melhor es-
clarecendo, é o meio que trará à pessoa administrativa as receitas necessárias ao
custeio das atividades públicas para as quais foi criada.
Nunca é demais lembrar que as empresas estatais delegatárias de serviços pú-
blicos são criadas para servir, vale dizer, para atingir, com a máxima eficácia
social possível, determinados objetivos que a ordem jurídica considera rele-
vantes – como, por exemplo, prestar o serviço de navegação aérea.
(...)
Ademais, a tendência do lucro é ser distribuído entre os capitalistas, ao passo que
o superávit sempre será reinvestido, para o melhor desempenho da função
pública (ou, quando pouco, da função de interesse público).9
(Grifos do autor)
Art. 277. Será classificado como lucro operacional o resultado das atividades, prin-
cipais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica (Decreto-Lei no 1.598,
de 1977, art. 11).
PARÁGRAFO ÚNICO. A escrituração do contribuinte, cujas atividades com-
preendam a venda de bens ou serviços, deve discriminar o lucro bruto, as despesas
operacionais e os demais resultados operacionais (Decreto-Lei no 1.598, de 1977,
art. 11, § 1º).
(...)
Art. 373. Os juros, o desconto, o lucro na operação de “reporte” e os rendimentos
de aplicações financeiras de renda fixa, ganhos pelo contribuinte, serão incluídos no
lucro operacional e, quando derivados de operações ou títulos com vencimento pos-
terior ao encerramento do período de apuração, poderão ser rateados pelos períodos
a que competirem (Decreto-Lei no 1.598, de 1977, art. 17, e Lei no 8.981, de 1995,
art. 76, § 2o, e Lei no 9.249, de 1995, art. 11, § 3o).
(Grifos do autor)
Dessa forma, indiscutível o fato de que a aplicação dos superávits apurados pelas
Entidades de Assistência Social no mercado financeiro não implica em desvio dos
seus objetivos sociais. Ao contrário, trata-se de mais uma forma de alcançá-los.
Ademais, cumpre lembrar que a não aplicação dos recursos ou sua aplicação gratui-
ta é que poderiam dar margem à perda da imunidade das Entidades de Assistência
Social, mas nunca a sua destinação em aplicação financeira remunerada.
Isto já foi objeto de inúmeras decisões do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (CARF), o qual tem reiteradamente decidido que a aplicação não remu-
nerada de recursos dá ensejo à perda da imunidade, como se observa da ementa
do julgamento transcrita a seguir, onde se analisa a destinação através de mútuo
gratuito, in verbis:
Empréstimo Gratuito. A imunidade que ampara as instituições referidas no artigo
126 do RIR/80 e a isenção que contempla as entidades a que se refere o arti-
go 130 do mesmo Regulamento, não prevalecem se há empréstimos a título
gratuito a outra pessoa jurídica de fins econômicos do grupo, e, principal-
mente, se a escrituração é feita por lançamentos globais, sem livros auxiliares
120 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
I. As entidades de assistência social por não terem fins lucrativos não podem apurar
superávit, e, caso o apurem, devem destinar tal resultado à manutenção e ao desen-
volvimento de seus objetivos sociais.
II. A aplicação de parte dos seus superávits no mercado financeiro, para preservação
do valor real dos mesmos, é uma forma de investir na manutenção e no desenvolvi-
mento dos objetivos sociais das entidades.
III. A legislação contábil e fiscal tratam as receitas financeiras como integrantes dos re-
sultados operacionais, decorrentes das atividades principais e acessórias da entidade.
6 REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. Imunidade de instituições de educação e assistência. São Paulo: RDT 55.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed., São Paulo:
Malheiros, 2008.
___________ . Imposto sobre a Renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros,
2007.
Fernando Bonfá de Jesus 121
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2005.
___________ . Imunidade de Instituições de Assistência, RDT 35.
COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 2. ed.,
São Paulo: Malheiros, 2006.
MACHADO, Hugo de Brito. Imunidade Tributária das Instituições de Educação e de Assistência
Social e a Lei no 9.532/97. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Imposto de Renda: Alterações Funda-
mentais. São Paulo: Dialética, 1998. 2. v.
NOÉ, Winkler. Imposto de Renda: Doutrina, Comentários, Decisões e Atos Administrativos,
Jurisprudência. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001.
A imunidade tributária
e os direitos e garantias
fundamentais dos
contribuintes
1 INTRODUÇÃO
O presente texto tem como objetivo trazer alguns apontamentos sobre a impor-
tância das imunidades tributárias sob a óptica dos direitos e garantias fundamentais
dos contribuintes.
O exame tem seu ponto de partida no Princípio Federativo e passa, também,
pela análise da Competência Tributária.
A partir daí, far-se-á incursão nos principais aspectos considerados pela Consti-
tuição Federal de 1988 como relevantes para a concessão do benefício fiscal da Imu-
nidade Tributária.
Em breve síntese, então, serão destacados os seguintes tópicos: (i) O Princí-
pio Federativo; (ii) a Competência Tributária; (iii) a Imunidade Tributária; (iv) os
124 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
2 O PRINCÍPIO FEDERATIVO
3 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
de crenças ou desejos sociais (Gabriel Tarde) ou produtos da consciência coletiva (Émile Durkheim)”. Ainda:
“É possível haver uma ordenação do valioso, não de forma absoluta, mas nos ciclos culturais que represen-
tam a história humana, sendo certo, outrossim, que existe algo de constante no mundo das estimativas, algo
que condiciona o processo histórico como categoria axiológica fundamental, que é o homem mesmo visto
como valor ou fonte espiritual de toda a experiência axiológica.” (Filosofia do Direito, São Paulo: Saraiva,
2002, p. 191).
5
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário, 23. ed., São Paulo: Malheiros, 2007,
p. 433.
126 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
A tutela dos direitos fundamentais ganhou maior relevo, tanto na esfera inter-
nacional quanto no ordenamento jurídico interno de cada Estado, a partir do final
do século XVIII com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789),
sendo seguida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pela Con-
venção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1968) e contra
a mulher (1979), e pela Convenção sobre os direitos das crianças (1989).
Marcelo Cerqueira, ao comentar sobre a Revolução Francesa, deixa claro o iní-
cio do reconhecimento de alguns direitos, inclusive no tocante à tributação:
E continua:
Desse modo, as normas imunizantes vêm, exatamente, garantir que, nas situações
e em relação às pessoas que apontam a tributação não amesquinhe o exercício de
direitos constitucionalmente contemplados.
A par dessa missão, as normas imunizantes operam como instrumentos de proteção
de outros direitos fundamentais. Constituem, assim, ao mesmo tempo, direitos e
garantias de outros direitos.10
10
Regina Helena Costa. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência. São Paulo: Malheiros, 2006.
132 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
equivale a dizer que não são passíveis de serem objeto de proposta de Emenda Cons-
titucional tendente a suprimi-las, que as sujeitem à efetiva possibilidade de destruição
ou, ainda, de qualquer alteração que lhes toquem o núcleo fundamental mitigando-
-lhes a sua eficácia, o que, convenhamos, seria o mesmo que extingui-las.
Sacha Calmon Navarro Coêlho entende serem as imunidades tributárias cláusu-
las pétreas:
Do mesmo modo, José Eduardo Soares de Melo quando afirma que as imuni-
dades tributárias “caracterizam-se como exclusão de competência, constituindo di-
reito e garantia individual”, de tal sorte que estão inseridas “no núcleo irreformável
da Constituição, art. 60, § 4o, IV”, consoante diretriz do STF.15
As imunidades tributárias não podem ser objeto de disposição por parte do
Constituinte derivado; isso ocorre tendo em vista que estes valores supremos da so-
ciedade neles refletidos foram alcançados a um nível tal de proteção, que nem mes-
mo as maiorias eventuais representadas no Parlamento lhes podem alterar no sentido
de restringir-lhes o sentido.
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn no 939-7, que
declarou a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional no 03 de 1997 e
da Lei Complementar no 77/1993, que dispuseram sobre o imposto provisório so-
bre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza fi-
nanceira nos princípios da anterioridade e da imunidade do art. 150 da Constituição
Federal, considerando-o cláusulas pétreas.16
Entendeu o Excelso Pretório que o princípio da anterioridade ligado ao poder
de tributar (art. 150, III, b), embora fora do catálogo dos direitos fundamentais pro-
priamente ditos, ou seja, do rol do art. 5o da Constituição, consubstancia um direito
fundamental do contribuinte. A seguir julgou pela inconstitucionalidade tributária
recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a ins-
tituição sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é garantia da
Federação (art. 60, § 4o, inciso I e art. 150, VI, a, da CF).
14
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: Ives Gandra da Silva
Martins (coord.). Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, p. 219.
15
José Eduardo Soares de Melo. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: Ives Gandra da Silva
Martins (coord.). Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, op. cit., p. 187.
16
STF – ADIn 939-7; Rel. Min. Sydney Sanches; DJU 18/03/1994.
134 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
7 REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. Imunidade de Instituições de Educação e Assistência. Revista de Direito Tri-
butário, v. 55.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1975.
_______. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1970.
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1992.
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_______. Lições de Direito Público. São Paulo: Dialética, 2009.
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1993.
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MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica.
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MELO, José Eduardo Soares de. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17. ed., São Paulo: Saraiva, 1996.
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SOBRINHO, José Wilson Ferreira. Imunidade Tributária. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
Editor, 1996.
Critérios gerais da imunidade
aplicada no conceito de
instituição de educação
e de assistência social
1 INTRODUÇÃO
2 DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
É importante frisar que a nossa Constituição não cria tributos, mas discrimina de
maneira detalhada a norma padrão de incidência.
Segundo o entendimento dos Professores Roque Antonio Carrazza e Paulo de
Barros Carvalho o tributo só se verifica se o ente político tributante exercer, efetiva-
mente, sua competência tributária atribuída pela Constituição Federal, com a edição
da lei ordinária.
Por sua vez o Professor Souto Maior Borges defende a ideia de que a criação do
tributo opera-se na própria Constituição, já que parte da premissa de que toda nor-
ma jurídica encontra seu fundamento último de validade nas normas constitucionais.
Relembrando a lição de Amílcar de Araújo Falcão, a atribuição de competência
tributária apresenta dois sentidos:
1
Roque Antonio Carrazza. A Imunidade Tributária das Fundações de Direito Privado, sem Fins Lucrativos. Bra-
sília: Rosseto, 2006, p. 13.
2
Idem, ibidem, p. 13.
3
Eduardo Sabbag. Manual de Direito Tributário. 2.ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 277.
4
Regina Helena Costa. Imunidades Tributárias. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 52.
140 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Nesse sentido, vejamos o que dispõe o art. 150, VI, c, da Constituição Federal no
que se refere à imunidade das instituições de educação e assistência social, in verbis:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
§ 7o São isentas5 de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
(Grifos do autor)
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemen-
te da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manuten-
ção ou de tê-la provida por sua família.
Com efeito, tendo em vista tal dispositivo a Lei no 8.742/1993 (Lei Orgânica
da Assistência Social), após reproduzir em seu art. 2o as mesmas disposições, definiu
entidades de assistência social nos seguintes termos:
Nessa esteira, nos valeremos da lição de Miguel Horvath Júnior, para quem a
assistência social é:
(...) direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não con-
tributiva que prevê os mínimos sociais. É realizada através de um conjunto inte-
grado de ações de iniciativa pública e da sociedade para garantir o atendimento às
necessidades básicas.
Os sujeitos protegidos são todos aqueles que não têm renda para fazer frente a sua
própria subsistência, nem família que os ampare, ou seja, “pobres”, na acepção
jurídica do termo.8
t "TJMPT
t $SFDIFT
t 0SGBOBUPT
t )PTQJUBJTFNBUFSOJEBEFTCFOFGJDFOUFT
t &OUJEBEFTEFBQPJPBPEFTFNQSFHBEP
t &OUJEBEFTCFOFGJDFOUFTFNHFSBMRVFCVTRVFNBUJOHJSBMHVNEPTPCKFUJWPT
destacados no art. 203 da Constituição Federal.
Como se vê, nesta perspectiva, para ser enquadrada como entidade de educação,
além da obrigatoriedade de ser autorizada e avaliada pelo poder público, a instituição
deve cumprir as normas gerais de educação e ter capacidade de autofinanciamento.
Assim sendo, o Professor Roque Antonio Carrazza entende que as instituições
de educação privadas, que cobram mensalidades, são albergadas pela imunidade, já
que cumprem, satisfatoriamente, um importante direito subjetivo do cidadão, o de
ter acesso à educação.
E em obra de sua autoria, a Professora Elizabeth Nazar Carrazza assevera que a
intenção do legislador constituinte, utilizando a palavra “instituições” é a de imuni-
zar as entidades formadas com o objetivo de servir à coletividade, colaborando com
o Estado ao suprir suas deficiências, no setor educacional. Se, apenas para argumen-
tar, as entidades particulares não gozassem de imunidade, pela só circunstância de
não serem gratuitos os seus serviços, jamais este sentido da norma constitucional
poderia ser alcançado.
Dessa forma, a cobrança de mensalidades não inibe a ação da imunidade, pois se
fosse requisito ao gozo da mesma, o conteúdo do art. 150, VI, c restaria esvaziado
no que pertine às instituições educacionais.
As escolas públicas (gratuitas, por força do art. 206, IV, da Constituição Federal
de 1988), por prestarem serviço público, estariam alcançadas pela alínea a, que de-
clara imunes a impostos os serviços prestados por pessoas políticas.
Superada a análise das características para configuração como uma entidade de
educação ou de assistência social, vejamos os requisitos estabelecidos em lei para a
fruição da imunidade ora analisada.
A princípio, pois, estes e somente estes são os requisitos que entendemos devem
ser observados.
Nesse sentido, o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho estipula que:
As pessoas políticas não podem instituir outros requisitos além dos previstos na lei
complementar da Constituição, que a todos obriga. Tampouco depende o gozo
de imunidade de requerimento ou petição. O imune, enquadrando-se na previsão
constitucional, observados os requisitos, tem, desde logo, direito. Não pagará im-
posto, desnecessária autorização, licença ou alvará do ente político cujo exercício
da competência está vedado.9
Com efeito, a legislação ordinária fixou outros requisitos que restringem ainda
mais a fruição do benefício da imunidade. São aqueles previstos no art. 12 da Lei
no 9.532/1997, a saber:
t RVFPTTFSWJÎPTTFKBNDPMPDBEPTËEJTQPTJÎÍPEBQPQVMBÎÍPFNHFSBM
t BOÍPSFNVOFSBÎÍPEPTEJSJHFOUFT
TBMWPOPDBTPEF04$*1 0SHBOJ[BÎÜFT
da Sociedade Civil de Interesse Público) e OS (Organizações Sociais);
t BDPOTFSWBÎÍPEPTEPDVNFOUPTRVFDPNQSPWFNPSJHFNEBTSFDFJUBTFEFT-
pesas e de quaisquer operações que venham a modificar a situação patri-
monial por cinco anos;
t BQSFTFOUBÎÍPEBEFDMBSBÎÍPEFSFOEJNFOUPTDPOGPSNFPEFUFSNJOBEPQFMB
Receita Federal do Brasil;
t PSFDPMIJNFOUPEPTUSJCVUPTSFUJEPTTPCSFPTSFOEJNFOUPTQBHPTPVDSF-
ditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados,
bem como cumprir as obrigações acessórias decorrentes;
t BTTFHVSBSBEFTUJOBÎÍPEFTFVQBUSJNÙOJPBPVUSBJOTUJUVJÎÍPRVFBUFOEBËT
condições para gozo da imunidade;
t PVUSPTSFRVJTJUPT
FTUBCFMFDJEPTFNMFJFTQFDÓGJDB
SFMBDJPOBEPTDPNPGVO-
cionamento da entidade;
t BEFTUJOBÎÍPEFFWFOUVBMTVQFSÈWJU à manutenção e desenvolvimento dos
objetivos sociais; e
t OÍPQBHBNFOUPFNGBWPSEFBDJPOJTUBT
EJSJHFOUFT
TØDJPTPVBTTPDJBEPTùEF
quaisquer despesas consideradas indedutíveis na determinação da base
de cálculo do IRPJ ou da CSLL.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado, por não ter condições de atender a toda a sociedade, se vale de pes-
soas jurídicas de direito privado, que o auxiliarão a realizar as suas atividades. Essas
pessoas são as instituições de assistência social sem fins lucrativos, as quais, por re-
alizarem atividades próprias do Estado e de relevante interesse social, foram eleitas
como beneficiárias da exoneração tributária.
O art. 150, VI, c, da Constituição Federal estabelece que são imunes à tributação
por meio de impostos o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições
de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
A lei a que faz referência este artigo é a lei complementar, em virtude de ter de
regular imunidades tributárias, que são limitações constitucionais ao poder de tribu-
tar. Esta lei só deve cuidar dos aspectos formais, de forma a assegurar a eficácia das
imunidades.
Tem se aplicado o art. 14 do Código Tributário Nacional, que faz as vezes de lei
complementar, e que apesar de ser uma lei ordinária de 1966, foi recepcionada pela
Carta Maior de 1988 com status de lei complementar, pois trata de normas gerais de
direito tributário.
10
Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 6. ed., São Paulo: Saraiva, 1998,
p. 249.
148 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
III. Escriturarem suas receitas em livros próprios, pois este é um dever instrumental
tributário, sob pena de não poder desfrutar da imunidade.
Importante ressaltar que lei ordinária da pessoa política tributante não pode
criar outros requisitos, que não os da lei complementar, muito menos regulamento,
portaria, parecer normativo etc.
Assim sendo, é flagrantemente inconstitucional o art. 12 da Lei no 9.532/1997,
ao estabelecer outros requisitos aos quais as instituições de educação ou de assistên-
cia social devem se reportar para a manutenção da imunidade.
9 REFERÊNCIAS
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Saraiva, 1998.
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Malheiros, 2008.
___________ . A Imunidade Tributária das Fundações de Direito Privado, sem Fins Lucrativos.
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CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 3. ed., São Paulo: Max Limonad,
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COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8. ed., Rio de Janeiro:
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COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e análise da jurisprudência do STF.
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Isabela Bonfá de Jesus 149
JARDIM, Eduardo Maciel Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 9. ed., São Paulo:
Saraiva, 2008.
JUNIOR, Miguel Horvath, Direito Previdenciário. 7. ed., São Paulo: Quartier Latin, 2008.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
MARINS, James. Fundações Privadas e Imunidade Tributária. Revista Dialética de Direito Tribu-
tário, São Paulo, jan. 1998.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1994.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e
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SABBAG. Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
A possível imunidade tributária
das instituições fechadas de
previdência complementar
LEONARDO VANNI
art. 150 da Constituição Federal. 4.1.2. Da ausência de finalidade lu-
crativa. 4.2. Do papel da norma complementar. 5. Da imunidade tribu-
tária das entidades de previdência privada. 5.1. Da equiparação legal
das entidades de previdência privada como instituições de assistência
social. 5.2. Da generalidade como requisito para a caracterização como
instituição de assistência social. 5.3. Do requisito da gratuidade. 6. Dos
argumentos conceituais – da diferença entre assistência social e previ-
dência. 7. Considerações finais. 8. Referências.
1 INTRODUÇÃO
1
Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil S.A. – Previ.
Leonardo Vanni 153
Sobre este ponto, de forma muita clara trata o ilustre Professor Roque Antonio
Carrazza:3 “De qualquer modo, as normas constitucionais que veiculam imunidades
contribuem para traçar o perfil das competências tributárias. A imunidade opera,
pois, no plano da definição da competência tributária”. (Grifos do autor)
Assentado o papel constitucional das normas imunizantes, passemos a analisar
quanto ao aspecto teleológico destas normas.
Nos termos da própria alínea c, inciso VI, do art. 150 da CF/88, temos que é
pressuposto para a fruição da imunidade tributária que a instituição não tenha fina-
lidade lucrativa, que conforme já visto, não pode se confundir com ausência de re-
sultados positivos.
Leonardo Vanni 157
Neste ponto, resta claro que o inciso I, do art. 14, do Código Tributário Na-
cional (CTN) vem para complementar a norma constitucional, qualificando como
“distribuição de lucros” a “finalidade lucrativa” referida na Carta Superior. Assim,
entende-se que a ausência de finalidade lucrativa, pressuposto constitucional da
norma imunizante, somente existe quando não houver a distribuição de resultados.
Em relação à norma do CTN que vincula a impossibilidade de distribuição de
lucros por parte das instituições imunes, dispõe Clélio Chiesa:6
Essa é uma regra que não inova efetivamente a ordem jurídica, haja vista que ela está
implicitamente contida no próprio comando constitucional, à medida que estabelece
que somente estejam albergadas pela imunidade as entidades sem fins lucrativos e,
para que determinada entidade se caracterize como tal, não pode haver a distribuição
de lucros ou participação no seu resultado, caso contrário, deixará de ser sem fins
lucrativos, transmutando sua natureza para entidade com fins lucrativos.
Deve-se atentar ao fato de que as instituições de assistência social não têm ca-
pacidade contributiva, de forma que não podem estas ser compelidas a contribuir.
Importante fazer alusão a este aspecto neste momento, de forma a compreender a
questão da extensão desta imunidade.
Para gozarem da imunidade tributária aqui analisada as instituições de assistência
social podem ter capacidade econômica, e é imprescindível que a tenham para que
possam desenvolver suas atividades. Já a capacidade contributiva, esta decorre da ca-
pacidade econômica, mas não deve ser confundida.
Exatamente, a Constituição reconhece a capacidade econômica destas entidades,
e por isso mesmo traz a norma de imunidade, de forma a resguardar determinadas
pessoas, para que estas possam atingir suas finalidades, as quais se confundem com
as finalidades do Estado.
Importante destacar que a desconsideração da capacidade contributiva de deter-
minados sujeitos, conferindo-lhes o direito público subjetivo à não tributação, somente
é legítima enquanto faça valer valores também preservados pela Constituição Federal.
Até aqui, nos debruçamos quanto aos requisitos genéricos para que uma en-
tidade de assistência social seja considerada imune, sendo que cabe neste segundo
momento passarmos à parte específica do presente estudo, qual seja, a imunidade
tributária das instituições de previdência privada.
Comecemos pelo que dispõe a atual Constituição Federal a respeito destas entidades:
Art. 39. As entidades fechadas terão como finalidade básica a execução e operação
de planos de benefícios para os quais tenham autorização específica, segundo normas
gerais e técnicas aprovadas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e As-
sistência Social.
(...)
§ 3o As entidades fechadas são consideradas instituições de assistência social, para os
efeitos da letra c do item II do artigo 19 da Constituição. (Revogado pelo Decreto-Lei
no 2.065, de 1983).
10
RE 89.012-SP; RE 108.796-SP; RE 115.970-RS.
164 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Desta forma, a generalidade retorna como requisito para que uma entidade seja
considerada de assistência social, desta vez não em função da restrição operada pelo
fato de que a entidade somente atende aos seus associados, mas sim porque atua me-
diante cobrança de pagamentos.
Em relação ao RE 202.700-DF, do qual o Ministro Maurício Corrêa foi o rela-
tor, a generalidade não atua como um requisito para a fruição da imunidade tribu-
tária, mas sim coloca-se em momento anterior, uma vez que compreende que esta é
característica inerente do que se compreende como assistência social.
A respeito do art. 203 da CF/88, por ocasião do julgamento do acórdão em re-
ferência, dispôs o Ministro Maurício Corrêa (relator):
(...) inferindo-se desse conjunto normativo que a assistência social estará dirigida a
toda coletividade, não se restringindo aos que podem contribuir. (...)
Parece-me, nesta linha de raciocínio, que as instituições assistenciais não podem
ser confundidas ou comparadas com as entidades fechadas de previdência privada
de gênese contratual, uma vez que somente conferem benefícios aos seus filiados
desde que esses recolham as contribuições pactuadas.
compreendido, naquela ocasião, que não seria necessário que a sociedade de objetivo
educacional ministrasse o ensino de forma gratuita.
Analisando o posicionamento do STF através dos anos, a respeito da imunidade
tributária das instituições fechadas de previdência, temos que a gratuidade foi majo-
ritariamente considerada como requisito para a fruição desta imunidade.
Já em 1978, no julgamento do RE 89.012-SP, prevaleceu entendimento que
afasta a generalidade como requisito para a fruição da imunidade, mas que reconhece
como necessária a gratuidade dos serviços:
Desta forma, embora para as demais atividades imunes a gratuidade não seja um
requisito a ser preenchido, este entendimento diverge no que diz respeito às institui-
ções dedicadas à previdência privada. No caso das últimas, ao receberem contribui-
ção de seus associados, acabam por perder sua natureza assistencial.
Esta interpretação fica clara pela ementa do acórdão proferido no RE 108.120-
SP, relatado pelo Ministro Sydney Sanches:
Imunidade tributária (ISS). Instituição de assistência social. Art. 19, III, c, da CF.
C/C Arts. 9, IV, c, e 14, III, do Código Tributário Nacional. Não basta, para esse
efeito, que a entidade preencha os requisitos do art. 14 e seus incisos do CNT; é
preciso, além disso, e em primeiro lugar, que se trate, de instituição de assistência
social. Hipótese não caracterizada, pois a recorrente, conforme os estatutos,
só presta serviços de assistência onerosa a seus associados, mediante contra-
prestação mensal, como entidade de previdência privada ou de auxílio mútuo,
sem realizar atendimento de caráter estritamente social, como o de assistência
gratuita a pessoas carentes.
(Grifos do autor).
Data maxima venia aos entendimentos da Suprema Corte citados, temos que a
imposição do requisito da gratuidade não é atenta à realidade, uma vez que estamos
comparando em condições iguais, Estado e entidade privada dedicada à assistência
social, o que não parece ser razoável.
O Estado, na manutenção da seguridade social, lança mão das contribuições
sociais, nos termos do art. 195 da Constituição Federal, sendo que a gratuidade do
serviço somente é possível em função de orçamento tributário, devidamente previsto
na Constituição.
Neste cenário comparativo, a atividade promovida pela iniciativa privada carece,
pelo menos, de previsão orçamentária, devendo, assim, buscar por si fontes de recur-
sos para o patrocínio de suas atividades.
Deve-se lembrar que é exatamente a não gratuidade que viabiliza a existência das
entidades de assistência social como instituições autônomas. Caso assim não fosse,
estas instituições estariam à mercê de contribuições privadas e públicas, o que muito
provavelmente dificultaria seu desenvolvimento.
Como já tratamos, nem a CF/88, tampouco o CTN prestigiaram como requisi-
to que a instituição privada de assistência social desenvolva suas atividades de forma
gratuita, mas somente que seu propósito não fosse o lucro.
Importante neste ponto trazer à tona a norma contida no § 7o do art. 195 da
CF/88, o qual imuniza as entidades de assistência social, em relação às contribuições
sociais, conforme segue:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(…)
§ 7o São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
da imunidade do art. 150, VI, “c”, pelas instituições de assistência social sem fins
lucrativos.
Desta forma, contrariu sensu, uma vez que a questão da gratuidade vem expres-
samente disposta no caso da imunidade pertinente às contribuições sociais, no caso
da imunidade dos impostos, inexiste este requisito.
Caso fosse a intenção do legislador constitucional impor tal requisito no caso das
imunidades dos impostos, tê-lo-ia inserido de forma expressa, como faz o art. 195
da CF/88.
Contudo, no caso das instituições de previdência complementar a gratuidade é
requisito, nos termos da já referida Súmula no 730 do STF, traduzindo-se no fato de
que estas entidades não poderão contar com contribuições dos associados.
Todavia, para que o cidadão participe da Previdência Oficial, este deverá ter pre-
viamente contribuído por diversos anos, somente podendo beneficiar-se dos benefí-
cios da previdência, após cumprido tempo preestabelecido de contribuição.
Dado que a previdência oferecida pelo Estado depende da contribuição daqueles
que buscam dela necessitar na velhice ou em caso fortuito, incompreensível imaginar
que a iniciativa privada tenha que lançar mão de uma forma completamente diferente
de organização para poder se dedicar a esta atividade.
Conforme já visto, a norma imunizante tem o papel de equalizar em condições
as iniciativas públicas e privadas que tenham como objetivo o bem-estar social. Nes-
te sentir, resta claro que a decisão do STF, pela gratuidade como requisito da imu-
nidade tributária das instituições fechadas de previdência complementar, vai contra
a natureza constitucional deste instituto, não devendo permanecer como requisito.
Pelo que se viu até aqui, o argumento daqueles que compreendem como indevi-
da a imunidade tributária das instituições fechadas de previdência privada se dá pela
desqualificação destas como instituições de assistência social.
Neste sentido, sob a vigência da Constituição de Federal de 1988, outro argu-
mento foi trazido à discussão, que diz respeito à distinção que a Carta de 1988 faz
entre assistência e previdência social.
Este argumento encontra seu arcabouço ideológico na redação do art. 194 da
CF/88: “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relati-
vos à saúde, à previdência e à assistência social”.
168 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Na verdade, sob o pálio da CF/88, penso que não há mais que discutir, dado que,
conforme foi dito, o art. 150, IV, c, estabelece a imunidade para as instituições de
assistência social. E a mesma Constituição estabelece a distinção entre previdência
e assistência social (...)
Assim, são instituições de assistência social aquelas que desempenham suas fun-
ções de acordo com algum dos objetivos previstos no art. 203, restando claro que as
atividades dedicadas à previdência enquadram-se nos objetivos acima descritos, no
170 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme visto, a norma imunizante deve ser tratada como instrumento utiliza-
do pelo legislador constitucional para procedimentalizar valores presentes na Cons-
tituição, escolhidos pelo Estado para serem preservados.
Nos termos acima expostos, foram trazidos à tona os principais argumentos ati-
nentes à discussão acerca da imunidade tributária das entidades fechadas dedicadas à
previdência complementar, buscando compreender quanto à possível configuração
destas entidades na condição de instituições de assistência social.
Desta forma, analisados os requisitos para a fruição da imunidade, tanto em
nível constitucional quanto em nível infraconstitucional, não encontramos qual-
quer óbice à incidência da norma imunizante sobre as instituições de previdência
complementar.
Por sua vez, os objetivos das entidades privadas dedicadas à previdência se iden-
tificam com os parâmetros estabelecidos para a assistência social, nos termos do
art. 203 da CF/88, o que deflagra a natureza assistencial das referidas instituições
privadas.
Neste sentido, dado o papel social desempenhado por estas instituições, as quais
somente surgem e se desenvolvem a partir de uma clara deficiência do Estado, en-
tendemos que não é coerente negligenciar o caráter assistencial destas entidades,
negando-lhes o direito de serem preservadas da imposição tributária.
Mais importante do que se ater a argumentos dados à mera interpretação literal
da Constituição, devemos interpretar a norma de imunidade de acordo com seu fun-
damento, observando o aspecto teleológico deste instituto.
Leonardo Vanni 171
8 REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., São Paulo: Malheiros Editores.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 5. ed., São Paulo: Forense,
1977.
BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de direito tributário. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1991.
BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. 2. ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1980.
CALMON, Sacha. Direito tributário brasileiro. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 15. ed., São Paulo:
Melhoramentos, 2000.
CHIESA, Clélio. Imunidade e Normas Gerais de Direito Tributário. In: Eurico Marcos Diniz de
Santi (coord.). Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em Homenagem
a Paulo de Barros Carvalho.
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. São Paulo: Malheiros, 2001.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13. ed., São Paulo: Malheiros, 1998.
Interpretação sistemática
da imunidade tributária de
livro estendida aos leitores
digitais do tipo kindle
1 INTRODUÇÃO
Consigna-se que as normas jurídicas deverão ser aplicadas nas relações intersub-
jetivas considerando o tempo e o espaço vivenciados em sociedade. Assim, as normas
jurídicas não devem ser aplicadas singela e literalmente nos exatos termos nelas pres-
critos, sem que acompanhem a evolução social.
Pretende-se, como objetivo principal deste estudo, analisar, em detalhes, os con-
ceitos inerentes à imunidade tributária prevista na Constituição Federal, traçando
considerações sobre a sua aplicabilidade a livros e outros mecanismos de difusão da
cultura, da informação e do conhecimento, tais como os mencionados e-readers.
Além disso, objetiva-se construir uma interpretação teleológica quanto à inten-
ção do legislador constitucional ao prescrever sobre a imunidade tributária do livro e
seus reflexos sobre outros instrumentos de similar utilidade.
Para tanto, além da revisão analítica da legislação específica a respeito do tema,
recorre-se à análise da doutrina e de recentes decisões proferidas pelo Judiciário so-
bre a matéria.
Depois de realizadas tais considerações e reflexões no que concerne à intenção
do legislador constitucional, questionam-se a possibilidade e o limite da extensão da
imunidade do livro-papel para os produtos virtuais que a cada dia surgem no merca-
do nacional e internacional, sob as mais variadas espécies e formas, e que são consu-
midos pela população, de forma acelerada.
Por fim, analisam-se alguns julgados decorrentes de ações perpetradas por con-
tribuintes que se viram obrigados, por parte do Estado-Fisco, ao pagamento de tri-
butos na aquisição de produtos virtuais cuja função é a de servir como leitor digital.
Marcio Cesar Costa 175
Além de outras indagações, questiona-se, ainda, sobre até que ponto os equi-
pamentos de leitura virtual, a exemplo do Kindle, poderão ser beneficiados pela
imunidade.
Assim, pode-se afirmar que a imunidade tributária constitui uma proteção ga-
rantida pela Constituição Federal ao contribuinte, ao tempo em que se configura
uma proibição aos Poderes Políticos em exigir o pagamento de tributos em face de
determinadas pessoas e objetos.
1
Luciano Amaro. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 307.
2
Regina Helena Costa. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Sa-
raiva, 2010, p. 79.
176 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
(...)
VI – instituir impostos sobre:
(...)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Livro é vocábulo gênero, que vem a ser toda edição comercial de obra literária,
científica, artística, musical, técnica ou pedagógica, gravada ou impressa em reu-
nião de folhas em cadernos, destinada à leitura. Em consequência, não se enquadra
3
“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura na-
cional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1o O Estado protegerá as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do pro-
cesso civilizatório nacional. § 2o A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os
diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3o A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração pluria-
nual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:
I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II – produção, promoção e difusão de bens culturais;
III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV – democratização
do acesso aos bens de cultura; V – valorização da diversidade étnica e regional.”
4
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
5
Bernardo Ribeiro de Moraes. A imunidade tributária e seus novos aspectos. In: Ives Gandra Martins (coord.)
Imunidades tributárias. São Paulo: RT/CEU, 1998, p. 137-138.
Marcio Cesar Costa 177
(...) devem ser equiparados ao livro, para fins de imunidade, os veículos de ideias,
que hoje lhe fazem às vezes (livros digitais) ou, até, o substituem. Tal é o caso –
desde que didáticos ou científicos – dos discos, dos disquetes de computador, dos
CD-Roms, dos slides, dos videocassetes, dos filmes etc.
Verifica-se, com isso, que, para o autor, a definição de livros, para efeito da imu-
nidade tributária nos termos do art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal,
não se resume tão somente ao livro-papel, ou seja, o autor considera livro o veículo
(suporte físico) de transmissão do pensamento.
A partir do enunciado prescritivo no caput do art. 7o e seus respectivos incisos e
parágrafos, da Lei no 9.610, de 19/02/1998 (Lei de Direitos Autorais),9 são consi-
deradas obras intelectuais aquelas que podem ser fixadas/exteriorizadas (dentro do
que é estabelecido pela Lei) em qualquer meio ou suporte físico, tangível ou intan-
gível, conhecido ou que se invente no futuro.
No inciso “I” do art. 2o consideram-se obras intelectuais protegidas os textos
de obras literárias, artísticas ou científicas. Considerando a finalidade do legislador
constituinte em conceder a imunidade tributária ao livro, a qual se resume no fato
7
Brasil. Lei no 10.753, de 30/10/2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/
L10.753.htm>.
8
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 774-745.
9
“Art. 7o São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em
qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I – os textos de
obras literárias, artísticas ou científicas; II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natu-
reza; III – as obras dramáticas e dramático-musicais; IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução
cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V – as composições musicais, tenham ou não letra; VI – as
obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII – as obras fotográficas e as produzidas
por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, lito-
grafia e arte cinética; IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X – os projetos,
esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, ceno-
grafia e ciência; XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como
criação intelectual nova; XII – os programas de computador; XIII – as coletâneas ou compilações, antologias,
enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de
seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. § 1o Os programas de computador são objeto de legislação
específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. § 2o A proteção concedida no inciso
XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais
que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. § 3o No domínio das ciências, a proteção
recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo
dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.”
Marcio Cesar Costa 179
de esse possuir um conteúdo intelectual, pode-se afirmar que tal benefício não está
ligado ao suporte físico e sim no conteúdo que nele é agregado.
Dessa forma, se o motivo da imunidade decorre unicamente do conteúdo do
suporte físico livro, propriedade intelectual, nos termos da norma ora em análise, a
propriedade literária também deverá ter o benefício da imunidade tributária nos ter-
mos do art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal.
Em síntese: analogicamente, a intenção do legislador ao definir o que sejam
obras intelectuais considerou o conteúdo que a obra literária apresenta e não o su-
porte físico no qual essa é apresentada.
Diante de tais considerações questiona-se: considera-se livro para efeito de imu-
nidade tributária apenas o suporte físico “papel” ou livro também é qualquer suporte
físico que tenha como finalidade a transmissão de pensamentos para a disseminação
de cultura?
No caso em questão, adota-se a interpretação no sentido de que o suporte físico
utilizado como veículo meramente transmissor de pensamento/cultura não deve ser
considerado relevante para efeito de imunidade tributária, isto porque a interpretação
que se deve construir da norma constitucional que institui tal imunidade deve conside-
rar o real objetivo do legislador constitucional a elaborar e colocá-la no Sistema.
Conclui-se, então, que a imunidade consagrada pelo art. 150, inciso VI, alínea d,
da Constituição Federal10 deverá abarcar todos os suportes físicos cuja função seja a de
utilizar o instrumento como objeto de leitura, independentemente da matéria, forma
e propriedade de que tenha sido fabricado. O conteúdo do suporte físico é que deverá
ser relevante para fins de beneficiar o instrumento com a imunidade de tributos.
5 E-READERS – KINDLE
O mecanismo de leitura denominado e-reader é um dispositivo eletrônico que
tem como função a exposição e a leitura de livros digitais (e-books).
Na maioria das vezes, equipamentos da espécie são providos da tecnologia co-
nhecida como e-ink, ou, se preferir, tinta digital. A sensação proporcionada pela
tecnologia dos equipamentos de leitura de e-books aproxima, com perfeição, os
e-readers dos livros convencionais. De tal similaridade, resulta a questão central de
que trata este artigo: os e-readers devem ter o mesmo tratamento tributário dos li-
vros convencionais?
Na atualidade, muitos são os e-readers criados e comercializados por diversas
empresas do mundo. Um deles, cuja marca comercial denomina-se Kindle, é tema
do presente estudo.
10
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
180 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Outra decisão que merece destaque, em que foram Relatores o Ministro Maurí-
cio Corrêa e o Ministro Marco Aurélio, nos autos do RE 174.476-SP, é:
Imunidade. Impostos. Livros. Jornais e periódicos. Artigo 150, Inciso VI, Alínea
“D”, da Constituição Federal. A razão de ser da imunidade prevista no tex-
to constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma
necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos,
ainda que normatizados, capazes de inibir a produção material e intelectual
de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o pa-
pel utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos
nela consumidos como são os filmes e papéis fotográficos. RE 174.476-SP. STF.
Pleno. Rel. Min. Maurício Corrêa. Rel. para o Acórdão Min. Marco Aurélio; j.
26/09/1996. (Grifos do autor)
interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações espe-
cíficas e determinadas. O disposto no art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição
Federal se revela aplicável, uma vez que novos mecanismos de divulgação e propa-
gação da cultura e informação de multimídia, como o CD-ROM, aos denominados
livros, jornais e periódicos eletrônicos, são alcançados pela imunidade. A norma
que prevê a imunidade visa facilitar a difusão das informações e cultura, garantindo
a liberdade de comunicação e pensamento, alcançando os vídeos, fitas cassetes,
CD-ROM, aos denominados livros, jornais e periódicos eletrônicos, pois o legisla-
dor apresentou esta intenção na regra no dispositivo constitucional. Apelação pro-
vida. (AMS – Apelação em Mandado de Segurança 307236; Rel. Juiz Nery Junior;
TRF3; DJF3; CJ1; 27/10/2009; p. 58)
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O preceito da imunidade (nos termos do art. 150, inciso VI, alínea d, da Cons-
tituição Federal)13 é genérica e garante a não instituição de tributos a livros, jornais e
periódicos, sem qualquer objeção. Trata-se, pois, de imunidade objetiva, não impor-
tando o conteúdo de tais veículos de informação.
A norma que aborda a definição de livro (art. 2o, da Lei no 10.753, de
30/10/2003)14 expressamente dispõe que livros em meios digitais só são equipa-
rados a livros quando utilizados exclusivamente por pessoas com deficiência visual,
ocasionando uma interpretação restrita do instrumento
Não resta dúvida que o legislador, ao criar a norma de imunidade tributária a
livros, teve como objetivo principal proteger a difusão e a pluralização da cultura.
Os e-readers, por constituírem um bem cultural equiparável aos livros, deverão
ser beneficiados com a norma de imunidade. Os e-readers apresentam-se com uma
grande evolução dos mecanismos da difusão da cultura e expressão. Trata-se, pois,
de um benefício que a tecnologia propicia à sociedade, trazendo uma nova forma de
acesso à cultura, à informação e ao conhecimento.
As funcionalidades objetivas de difusão cultural proporcionadas pelo Kindle e
outros e-readers constituem formas de observância do império da liberdade de pen-
samento, de consciência de crença e de expressão. Devem, portanto, gozar da imu-
nidade tributária.
Conclui-se, ademais, que, ao evitar o papel, os e-readers propiciam mais um be-
nefício à sociedade como um mecanismo de proteção ao meio ambiente. Assim sen-
do, emerge deles mais um motivo importante para que haja o estímulo por parte do
governo em incentivar o consumo desses equipamentos de leitura.
8 REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
13
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
14 ___________ .
Lei no 10.753, de 30 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/2003/L10.753.htm>.
Marcio Cesar Costa 187
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed., São Paulo:
Malheiros, 2008.
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional.
São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAES. Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos. In: Imunidades
tributárias. Ives Gandra Martins (coord.). São Paulo: RT/CEU, 1998.
Imunidade no ICMS
(imposto indireto)
1 INTRODUÇÃO
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e
as prestações se iniciem no exterior.
sem margem para qualquer derivação do leito previamente por ela traçado, de sorte
que qualquer estudo jurídico-tributário que pretenda ser dotado de rigor metodoló-
gico deve seguir os comandos norteadores insculpidos na Constituição.
É a Constituição o vetor da tributação, em que deve ser haurido o fundamento
de todas as normas, de sorte que o legislador de cada pessoa política dentro do siste-
ma federativo, ao tributar, por um lado, deve partir do vértice constitucional, elabo-
rando normas gerais e abstratas, trilhando o caminho previamente demarcado pelo
Texto Maior, desde as próprias Emendas Constitucionais até as normas de menor en-
vergadura (portarias, decretos etc.), posto que nenhum ato infraconstitucional pode
subsistir se afrontar os ditames máximos inscritos na Constituição.
Por outro lado, ao intérprete do direito não é oferecido outro caminho, qual
seja, a exegese deve ser construída sob o prisma da Constituição. Vale dizer que qual-
quer norma sob estudo deverá ser cotejada com a moldura constitucional.
Se a interpretação couber na moldura constitucional, estar-se-á diante de uma
norma válida, e, ao contrário, se não se enquadrar na moldura será inconstitucional
e, portanto, não será considerada norma válida, seja ela uma mera portaria ou de-
creto, ou até mesmo lei complementar, ou uma emenda à Constituição, que poderá
padecer do mesmo vício, a inconstitucionalidade, desde que é claro, seja afastado do
sistema jurídico pelas regras previstas no próprio sistema.
Nesse passo, deve ser afirmado de pronto, que o “imposto sobre operações re-
lativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte in-
terestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS” é o mais minuciosamente
tratado no texto constitucional.
Notamos que o constituinte quanto a esse imposto foi extremamente detalhista.
Esse tratamento detalhado decorre da necessidade de lhe dar uma feição mais completa
e tratamento uniforme pelos Estados e Distrito Federal, dado o seu alcance nacional.
O desenho constitucional rígido, que demarca o perfeito contorno do ato de tri-
butar, vale dizer, de criar in abstrato o tributo e discipliná-lo juridicamente, tolhe, so-
bremodo, a liberdade do legislador complementar e ordinário, que deverá dar vazão
ao comando constitucional, reproduzindo-o, agora, num grau de concreção maior,
todavia, não ultrapassando as divisas perfeitamente delineadas pela Carta Maior.
Sabemos que o ICMS reclama a edição de Lei Complementar para discipliná-lo.
A Lei Complementar no 87/1996 é, hoje, o texto básico que regra o ICMS, com
seus méritos e deméritos, porém, de observância obrigatória pelos entes federados.
Não existem registros históricos do início de imposição tributária por parte dos
governantes para custear os gastos do povo. Na Antiguidade, antes da criação da
192 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Com sua peculiar verve literária abriu um item específico no capítulo de sua ci-
tada obra10 para tratar da capacidade contributiva afirmando que ocorreu tanto aqui
como em constituições forâneas o que denominou de “constitucionalização do equí-
voco”, na medida em que referido princípio foi introduzido na constituição de di-
versos países (Brasil, em 1946; Espanha, 1945; Itália e Bulgária, 1947; Grécia, 1951
etc.).
Klaus Tipke e Joachim Lang11 em objeção à crítica de que o princípio da capa-
cidade contributiva é muito ambíguo, para se poder dele tirar soluções concretas,
aponta que:
Impostos há, porém, que, por sua natureza, não permitem que se atenda ao prin-
cípio da capacidade contributiva. É o caso do ICMS, que, positivamente, com ele
não se coaduna. De fato, a carga econômica deste imposto é repassada para o preço
da mercadoria. Quem a suporta não é o contribuinte (o comerciante, o industrial
ou o produtor que praticou a operação mercantil), mas o consumidor final da mer-
cadoria. Este, ao adquiri-la, visto repassado, no preço, a carga econômica do ICMS.
Tal carga é idêntica para todos os consumidores finais, sejam eles ricos ou pobres.
Exemplificando, se um milionário e um mendigo comprarem, cada um para si,
um maço de cigarros, da mesma marca, suportarão a mesma carga econômica do
imposto.
10
Idem, ibidem, p. 441.
11
Klaus Tipke; Joachim Lang. Direito tributário. Luiz Dória Furquim (trad. da 18. ed. alemã), Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2008, p. 201. V. I.
12
Antonio Luiz de Toledo Pinto; Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt; Livia Céspedes. Op. cit., p. 89.
13
Roque Antonio Carrazza. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 103.
196 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Vemos, portanto, que não é da índole do ICMS ser graduado de acordo com a
capacidade econômica dos contribuintes. Nem dos impostos que, como ele, são cha-
mados, pela Ciência Econômica, de indiretos (v.g., o IPI).
Há autores, porém, que se posicionam em sentido contrário, admitindo que o
ICMS seja regrado pelo princípio da capacidade contributiva. É o caso de Edvaldo
Brito14 que assim se manifesta: “(...) a ideia de não cumulatividade, é entre nós, um
princípio tributário uma vez que garante a observância da capacidade econômica do
contribuinte”. Regina Helena Costa15 também entende dessa forma, porém, sob o
fundamento de que ao ICMS se aplicam os princípios da não cumulatividade e da
seletividade: “Ambos os impostos (IPI e ICMS), como se vê, apresentam como ca-
racterísticas a não cumulatividade e a seletividade das alíquotas, que são, a nosso ver,
verdadeiras aplicações do princípio da capacidade contributiva”.
Não comungamos desse entendimento. Pensamos que o ICMS está fora do al-
cance do primado da capacidade contributiva e atina para o princípio da igualdade
quando a determinação de seu aspecto quantitativo obedece ao ditame da seletivi-
dade (CF, art. 155, § 2o, III), outro princípio que deriva do princípio da isonomia
tributária.
Ademais, a adoção de alíquotas diferenciadas para o ICMS de acordo com o
porte do contribuinte, baseado em seu faturamento, por exemplo, no afã de aten-
der ao princípio da capacidade contributiva dos contribuintes do ICMS, distorceria
sobremodo o fim desejado pelo constituinte porque comprometeria o princípio da
igualdade tributária, na medida em que os consumidores finais de igual porte econô-
mico seriam tratados diversamente se adquirissem mercadorias ou tivessem serviços
prestados por contribuintes de dimensão distintas.
Vale dizer, as empresas que fossem tributadas diferentemente por esse critério,
repassariam o ônus tributário para os preços e fariam com que o consumidor de um
grande estabelecimento pagasse mais pela mercadoria do que o mesmo ou outro
consumidor de um micro ou pequeno estabelecimento.
Da mesma sorte, não seria possível graduar as alíquotas do ICMS de acordo
com a capacidade contributiva do consumidor final já que este está fora da relação
jurídica tributária. Vejamos o que Cléber Giardino16 já dizia a respeito no início dos
anos 1980:
Para o Direito, só importam aqueles aspectos e ângulos que tenham sido incor-
porados à norma jurídica, que tenham sido trazidos à norma. (...). O consumidor
14
Edvaldo Brito. O ICMS: restrições à compensação do ICMS – bens do ativo e bens destinados a consumo do
estabelecimento. O ICMS e a LC 102. São Paulo: Dialética, 2000, p. 54.
15
Regina Helena Costa. Princípio da capacidade contributiva. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 94-95.
16
Cléber Giardino. O ICM e o princípio da não cumulatividade. Revista de Direito Tributário, no 25-26. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 189.
Osvaldo Santos de Carvalho 197
(que acaba arcando com o peso do ICM) é, p. ex., um dado irrelevante para o
ICM do ponto de vista do Direito, porque absolutamente nenhuma das normas
jurídicas que versam sobre o ICM dão relevância a essa pessoa, consideram essa
pessoa como importante, para efeito do ICM. O fato do valor desse tributo estar
ou não incluído no preço das mercadorias e, portanto, ser cobrado ou não pelo
vendedor ao comprador (e pago pelo comprador ao vendedor) é algo que também
escapa à consideração jurídica, porque nenhuma norma de Direito diz respeito a
esse fenômeno específico chamado pela economia de translação ou repercussão”.
(Grifos no original)
Encerrando este capítulo e antes de nos enveredarmos por um de seus mais im-
bricados temas que tanta celeuma produz no universo jurídico-tributário, qual seja
a não cumulatividade, relembramos que as normas informadoras do ICMS estão
densamente previstas na CF/88, formando o que Roque Antonio Carrazza deno-
mina de arquétipo do ICMS, deixando pouco espaço de manobra para a legislação
infraconstitucional.
É certo também que o instituto da não cumulatividade foi objeto de previsão do
constituinte (art. 155, § 2o, I, da CF/88), remetendo para lei complementar a disci-
plina do regime de compensação do ICMS (art. 155, XII, c).
Eduardo Domingos Bottallo17 em sua obra sobre os fundamentos do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) e inspirado em lição de Paulo Celso Bergstrom
Bonilha, falando sobre o direito à compensação do imposto, esclarece que:
Tais informações revelam, com suficiência, o método sobre o qual se apoia, opera-
cionalmente, o princípio da não cumulatividade: ele abrange o universo das opera-
ções praticadas pelos contribuintes, exprimindo, deste modo, os aspectos de conti-
nuidade e globalidade da incidência do imposto.
17
Eduardo Domingos Bottallo. Fundamentos do IPI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 45.
18
Geraldo Ataliba; Cléber Giardino. ICMS: Abatimento constitucional – princípio da não cumulatividade. Revis-
ta de Direito Tributário, no 29-30. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 116.
198 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Como é, então, possível afirmar-se que o imposto sobre uma operação se cumule
com o imposto sobre outra operação?
Quando se diz – e, lamentavelmente, isto foi muito dito, a partir de 1967, no
Brasil – que o princípio da não cumulatividade visa elidir uma chamada “incidên-
cia em cascata”, pressupõe, quem assim afirma, que o imposto não incide sobre
operações, mas que incide sobre mercadorias. Porque é evidente, que só se pode
cumular imposto, nessa matéria, na medida em que se tenha incidência sobre uma
mesma mercadoria, numa determinada operação anterior, e numa operação subse-
quente. Apenas, na medida em que se tome o ICM, não como um imposto sobre
operações, porém como um imposto sobre mercadorias, é que nós poderemos
falar numa chamada não cumulatividade estabelecida como mecanismo elidente de
“incidência em cascata”.
Confesso aos senhores a minha perplexidade! Não sei como se possa conciliar a
afirmação de que o ICM incide sobre operações com a afirmação de que a não
cumulatividade é algo que se dispõe a evitar “incidências em cascata”. Isso pressu-
põe reincidência sobre a mesma mercadoria. E esse fato inexiste no ICM, mesmo
porque o tributo não incide sobre mercadorias, mas sobre operações, absolutamen-
te autônomas e independentes uma das outras.
20
Cléber Giardino. Manifestação em mesa de debate sobre a tese “Não-cumulatividade e não-cumulação do
ICM”. Tese de autoria de Ernesto José Pereira dos Reis. Revista de Direito Tributário, no 22-23. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1982, p. 189.
200 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
É classificação que nada tem de jurídica; seu critério é puramente econômico. Foi
elaborada pela ciência das finanças, a partir da observação do fenômeno econômico
da translação ou repercussão dos tributos. É critério de relevância em certos sis-
temas estrangeiros. (...) A literatura de direito comparado deve ser recebida com
cautela. (...) No Brasil, para os juristas, essa classificação é irrelevante, salvo para in-
terpretar certas normas de imunidade ou isenção, pela consideração substancial
sobre a carga tributária, em relação à pessoa que suportará.
(Grifos do autor)
Com efeito, trata-se de classificação que deve ser vista com cautela. Certamente é
uma classificação de fundo econômico, todavia com reconhecidos reflexos jurídicos.
A classificação também é matizada por algumas incertezas, posto que não raro
os chamados “indiretos” são suportados pelo próprio contribuinte, não sendo repas-
sados a terceiros.
De outra banda, sob qualquer enfoque, seja econômico ou mesmo contábil, é
difícil imaginar um tributo “direto” que não seja, por qualquer artifício, incorporado
ao preço de mercadorias e serviços e, com isso, “repassado” a terceiros.
Os tributos, se adotarmos as lições da ciência contábil, são considerados como
custo na composição dos preços de mercadorias e serviços e repercutem economica-
mente sobre esses, sejam diretos ou indiretos.
É de meridiana clareza, portanto, que a simples repercussão econômica é insufi-
ciente para distinguir, pelo menos juridicamente, os tributos em diretos e indiretos.
Com o advento do art. 16623 da Lei no 5.172, de 25/10/1966, o Código Tri-
butário Nacional (CTN), daquela classificação dantes de cunho eminentemente eco-
nômico ou financista, decorreu uma nova proposta classificatória, partindo-se do
dado econômico (repercussão do ônus), procurando transformá-lo em instituto jurí-
dico (com o surgimento da norma para possibilitar a translação).
É razoável dizer que a classificação de tributos em diretos e indiretos subsistiu ao
CTN. A interpretação jurisprudencial, notadamente no Superior Tribunal de Justiça
(STJ), tem reafirmado a importância de tal distinção, sendo que para a jurisprudên-
cia o chamado indireto é o tributo que “repercute”.
22
Geraldo Ataliba. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 143.
23
O art. 166 prevê a possibilidade de restituição de tributos que “comportem, por sua natureza, transferência
do respectivo encargo financeiro”, ainda que impondo condições que a doutrina condena. Antes da edição do
CTN inexistia na legislação tributária brasileira hipótese legal que autorizasse a devolução de tributos pagos
indevidamente. Por conta disso, o STF aplicava o art. 964, do Código Civil anterior.
202 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Para os fins específicos desse estudo é preciso ainda observar que a doutrina do
direito tributário brasileiro costuma estudar as imunidades tributárias em conjunto
com as isenções tributárias, traçando os pontos assemelhados e que se desasseme-
lham entre os dois institutos.
30
Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 310-324.
31
Paulo de Barros Carvalho. Op. cit., p. 341-343.
204 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Trata-se, todavia, de institutos jurídicos distintos que, afora o fato de que as nor-
mas que cuidam de imunidades e isenções integram a classe das normas de estrutura
e veiculam, em seu conteúdo, normas relativas à tributação, uma distância gigantesca
as separam.
Como já assinalamos, as imunidades são normas jurídicas que limitam a com-
petência tributária dos entes tributantes, atuando num momento que antecede ao
próprio exercício da competência. Já a isenção se estabelece no plano da legislação
infraconstitucional, para alcançar situações passíveis de incidência não fosse a regra
isencional.
Para encerrar este capítulo sobre as imunidades ainda rememoramos que as imu-
nidades compõem uma classe perfeitamente determinável de sua abrangência. É a
Constituição Federal que cuida de cerrar os limites de seu alcance. Dito de outro
modo, as imunidades estão previstas na Constituição Federal.
Além das imunidades previstas no art. 150, VI, do texto constitucional (imuni-
dade recíproca; dos templos de qualquer culto; dos partidos políticos e das institui-
ções educacionais ou assistenciais; e dos livros, do periódico e do papel destinado à
sua impressão), encontraremos, espraiadas pelo texto constitucional, diversas outras
hipóteses de imunidades tributárias.
4 IMUNIDADE NO ICMS
Em outro julgado do STF a Ministra33 já faz uma distinção decidindo que a imu-
nidade se dirige ao “contribuinte de direito”, ou, em outras palavras, quando a enti-
dade imune comercializa mercadorias:
32
Brasil. STF – RE-EDV 186175/SP; Rel. Min. Ellen Gracie; DJ 23/08/2006. Disponível em <http://www.stf.jus.
br. Acesso em 02/02/2011.
33
Brasil. STF – RE 193.969/SP; Rel. Min. Ellen Gracie; DJ 08/11/2006. Disponível em http://www.stf.jus.br. Aces-
so em 02/02/2011.
206 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Os votos vencidos nos julgados citados, contudo, oferecem uma segura fun-
damentação no sentido de que a imunidade nos impostos indiretos não milita em
favor do patrimônio, renda ou serviços da entidade beneficiada, beneficiando, por
vias transversas o consumidor final, porquanto repercute financeiramente para ele,
que em última análise arcaria com o tributo e seria o real beneficiário da desoneração
tributária.
Ademais, é importante lembrar que a Constituição Federal estabelece que a frui-
ção da imunidade está atrelada às finalidades essenciais da atividade das pessoas polí-
ticas por ela protegidas (art. 150, § 4o) e elas devem, ainda, atentar para os requisitos
previstos no art. 14 do Código Tributário Nacional (não distribuírem resultado,
aplicação de seus recursos no País e manterem escrituração regular de seus efeitos
negociais).
Consignando o nosso respeito àqueles que assim entendem, não acompanhamos
referida tese de que a imunidade prevista no art. 150, VI, e suas alíneas, seja extensi-
va ao ICMS, quando adquirem mercadorias e serviços sujeitos à tributação pelo re-
ferido imposto, ocupando a posição de contribuintes “de fato”, na medida em que
suportam a carga do tributo, pelo fato de que o contribuinte “de direito”, faz o re-
colhimento do ICMS e repassa o custo no preço final da mercadoria. Mais adiante
teremos a oportunidade de apresentar jurisprudência que milita em desfavor dos dois
julgados anteriormente colados.
Posicionamo-nos no sentido de que, quanto aos impostos ditos indiretos (caso
do ICMS e do IPI), o denominado contribuinte “de fato”, não é o contribuinte elei-
to pela lei como aquele que tem o dever de recolher tributo. Ele é pessoa estranha à
relação jurídica tributária que se estabelece entre o contribuinte, dito “de direito” e
o sujeito ativo (no caso do ICMS os Estados da Federação e o Distrito Federal), que
tem a competência para instituir o ICMS por mandamento constitucional.
É a Constituição Federal que atribui competência aos Estados e ao Distrito Fe-
deral para instituir o ICMS.
A Constituição remete para Lei complementar (art. 146, inciso III) a compe-
tência para, além de dispor sobre conflitos de competência, limitações ao poder de
tributar, ditar normas gerais e matéria tributária, estabelecendo e definindo, entre
outros, a definição de contribuinte. Diz o art. 146, III, a da Carta Política:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discrimina-
dos nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
Art. 4o Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitu-
alidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de
mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem
habitualidade ou intuito comercial:
I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;
II – seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha inicia-
do no exterior;
III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;
IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e
energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização
ou à industrialização.
(...) qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume
que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que
as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Esse comando legal indica que nas situações de compra e venda de mercadorias
e prestação de serviços alcançados pelo ICMS, as pessoas que realizam com habitua-
lidade essas operações e prestações são, inequivocamente, nesta ordem, as empresas
comerciais e industriais que transacionam com mercadorias e serviços.
Osvaldo Santos de Carvalho 209
Nesse contexto, são essas empresas as alçadas, pela lei, à condição de sujeitos
passivos da relação tributária obrigacional e é com estas pessoas que se instaura o
vínculo obrigacional tributário, a cada operação ou prestação realizada com merca-
dorias e serviços.
Resta indagar, nesse passo, qual o papel desempenhado pelas entidades benefi-
ciadas constitucionalmente pela imunidade, no âmbito do tributo estadual (ICMS),
quando se coloca na condição de adquirente de mercadorias e serviços alcançados
pelo aludido tributo. Adote-se como exemplo, quando é adquirente da energia elé-
trica fornecida por concessionária ou tomador do serviço de telefonia prestado.
Pelo aqui exposto vê-se que no tocante a essas operações e prestações, tais pes-
soas políticas exercem papel destituído de qualquer relevância ou conotação jurídica
no âmbito do direito obrigacional tributário, sendo completamente estranhas à rela-
ção obrigacional tributária deflagrada com referidos negócios jurídicos.
Sob o ângulo eminentemente financeiro não é possível desconhecer o meca-
nismo da repercussão do tributo ICMS no preço dos bens ou serviços, objeto de
negócios jurídicos, razão pela qual não é razoável refutar a conclusão de que o inte-
ressado, neste particular, reveste-se da condição de pessoa que, a final, suportou o
ônus financeiro do tributo, é o que se denomina contribuinte “de fato”, pela circuns-
tância de que o contribuinte propriamente dito, aquele eleito pela lei como sujeito
passivo e que tem a obrigação de cumprir a obrigação tributária perante o sujeito ati-
vo, acaba repassando o custo tributário no preço final da mercadoria ou serviço que
sofreu a incidência do ICMS.
No entanto, tal circunstância é estranha à relação jurídica tributária decorrente
desses negócios, a qual, como visto, instaura-se exclusivamente entre as pessoas do
Estado e dos fornecedores desses bens ou serviços (contribuintes “de direito”).
Pois bem, o dispositivo constitucional que reconhece a imunidade às situações
previstas no art. 150, inciso VI, alíneas a até d, só pode ser aplicado nas situações em
que os beneficiários, não fosse a norma imunizante, ver-se-iam, potencialmente, na
condição de contribuintes de determinado tributo.
Quando aqui nos referimos à condição de contribuinte, estamos nos referindo
à situação em que a pessoa é colocada, por força da lei, no polo passivo da relação
obrigacional tributária, em consonância com o disposto no inciso I do parágrafo
único do art. 121 do Código Tributário Nacional, o denominado “contribuinte de
direito”.
Como se sabe, o “contribuinte de fato”, na verdade, não é contribuinte na acep-
ção semântica do termo. O contribuinte de fato jamais integra o critério pessoal das
regras de incidência tributária.
Trata-se de entendimento preponderante nos tribunais superiores. Trazemos
à colação vários julgados, tanto no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
210 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Deste modo, tem-se que o ICMS é o imposto sobre operações relativas à circulação
de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, inter-
municipal e de comunicação, da competência dos Estados e do Distrito Federal
previsto na Lei Complementar 87/96, podendo ser o contribuinte pessoa física ou
pessoa jurídica que realize, com intuito empresarial, operações comerciais que se
caracterizem fato gerador de ICMS.
Assim, o ICMS não incide sobre o patrimônio, a renda ou os serviços da
apelante, mas, incide sobre o fornecimento dos serviços de energia elétrica
por esta consumido, descaracterizando, por conseguinte, inexiste a suposta
imunidade disciplinada pelo art. 150, inciso VI, alínea a, da Constituição da
República. Isto posto nega-se provimento ao recurso.
(Grifos do autor)
Nesse último acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo consta como funda-
mento que
Osvaldo Santos de Carvalho 213
Aliás, outro não é o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Federal, que
reiteradamente vem se pronunciando no sentido de que a imunidade recíproca
não encontra aplicação nos casos em que o Poder Público é mero contribuinte de
fato do imposto, como na hipótese em discussão (RTJ 55/580; 57/244; 58/110;
59/774; 58/216).
lhes sejam prestados por terceiros. 3. Inexistência de direito líquido e certo a ser
amparado na via do mandamus. 4. Recurso ordinário não provido. RMS 19.671
/RJ; Rel. Min. João Otávio de Noronha; Segunda Turma; DJ de 10/10/2005).
(Grifos do autor)
Imunidade fiscal recíproca. Não tem aplicação, na cobrança do imposto sobre pro-
dutos industrializados. O contribuinte “de iure” é o industrial ou produtor. Não
é possível opor a realidade econômica à forma jurídica, para excluir uma obrigação
fiscal precisamente definida em lei. O contribuinte de fato é estranho à relação tri-
butária e não pode alegar, a seu favor, a imunidade recíproca. (RE 68.924/SP, Rel.
Min. Bilac Pinto, j. 28/09/1970).
imposto que poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica. Medi-
da cautelar indeferida.
AC-MC 457/MG – Minas Gerais; Medida cautelar em ação cautelar; Rel. Min.
Carlos Britto; Primeira Turma; j. 26/10/2004; DJ 11/02/2005; p. 5 .
(Grifos do autor)
Tal posicionamento encontra eco na doutrina pátria. Vejamos o que diz Zelmo
Denari:34
A imunidade das entidades de direito público não exclui o imposto sobre produtos
industrializados (IPI), ou sobre circulação de mercadorias (ICMS), relativo aos
bens adquiridos. É que o contribuinte destes é o industrial ou comerciante, ou
produtor que promove a saída respectiva. O Supremo Tribunal Federal já decidiu
de modo contrário, mas reformulou sua posição.
34
Zelmo Denari. Curso de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 157.
35
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Curso de direito tributário. 11. ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 202.
36
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Comentários a Constituição de 1988. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991,
p. 348.
216 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
tributária sobre pessoa de direito público, sem que isso possa atrair a aplicação da
regra imunitória (em que pesem algumas esparsas decisões contrárias).
Cautelar na ação cautelar 457-MG, pelo Min. Carlos Britto (RTJ 193/811), a imu-
nidade veda a instituição de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços
das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendi-
dos os requisitos da lei. No caso, todavia, o Estado não está tributando o pa-
trimônio, a renda ou os serviços prestados pela Associação São Cristóvão, mas
os produtos e serviços por ela adquiridos. Naquele precedente do STF, pretendia
o município se ver livre do ICMS incidente sobre fornecimento de energia elétrica
para a iluminação pública, quando não havia tributação de serviço, patrimônio ou
renda do próprio município. (...). As imunidades ao ICMS estão enumeradas no art.
155, XI, da CF, letra a e d, sem incluir a referida pela apelante. Assim, impossível
o acolhimento da pretensão da apelante, motivo pelo qual, fica mantida a improce-
dência da ação, negando-se provimento ao recurso. Urbano Ruiz – Relator.
(Grifos do autor)
Na mesma senda temos a Súmula no 591 do STF, embora citando o IPI (Im-
posto sobre Produtos Industrializados), perfeitamente aplicável ao ICMS no nosso
entendimento, por se tratar, ambos os impostos, de tributos indiretos ao estabelecer
“A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, con-
tribuinte do imposto sobre produtos industrializados”.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
II. Sabemos que o ICMS reclama a edição de Lei Complementar para discipliná-lo.
A Lei Complementar no 87/1996 é, hoje, o texto básico que regra o ICMS, com
seus méritos e deméritos, porém, de observância obrigatória pelos entes federados.
III. O ICMS está fora do alcance do primado da capacidade contributiva e atina para
o princípio da igualdade quando a determinação de seu aspecto quantitativo obede-
ce ao ditame da seletividade (CF, art. 155, § 2o, III), outro princípio que deriva do
princípio da isonomia tributária.
VII. Com efeito, trata-se de classificação que deve ser vista com cautela. Certamente é
uma classificação de fundo econômico, todavia com reconhecidos reflexos jurídicos.
VIII. Com o advento do art. 166 do CTN, daquela classificação dantes de cunho
eminentemente econômico ou financista, decorreu uma nova proposta classificató-
ria, partindo-se do dado econômico (repercussão do ônus), procurando transformá-
-lo em instituto jurídico (com o surgimento da norma para possibilitar a translação).
XI. As imunidades tributárias são normas jurídicas que estabelecem limites à compe-
tência dos entes tributantes. Elas atuam em momento anterior ao próprio exercício
da competência.
XIV. O ICMS, assim como o IPI, integra respectivamente a categoria dos impostos
incidentes sobre a circulação e a produção e, assim, por sua própria natureza, inci-
de sobre a circulação de mercadorias e produtos industrializados, matizando-os até
a etapa final de consumo ou de produção, amparados, entre outros, no princípio da
não cumulatividade.
XV. As imunidades que protegem determinadas pessoas, bens, coisas e situações es-
pecíficas da incidência tributária previstas na Constituição Federal, por meio da alí-
nea a do art. 150, VI, se referem aos “impostos sobre patrimônio, renda ou serviços”
das pessoas políticas nelas mencionadas, tais sejam União, Estados e Municípios. E
as imunidades contidas na alínea c se relacionam aos partidos políticos, incluindo
suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e de
assistência social.
XVII. Existem julgados isolados no STF que conferem guarida a uma interpretação
ampliativa do art. 150, c, da CF com a finalidade de abranger os ditos impostos in-
diretos no âmbito das imunidades tributárias fundamentados na tese de que não se
pode restringir a aplicação das imunidades a critérios de classificação dos impostos
adotados por normas infraconstitucionais, cumprindo perquirir, tão somente, é se o
bem adquirido integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade.
XVIII. Em que pese o nosso respeito àqueles que assim entendem, não acompanha-
mos referida tese de que a imunidade prevista no art. 150, VI e suas alíneas, seja ex-
tensiva ao ICMS, quando adquirem mercadorias e serviços sujeitos à tributação pelo
referido imposto, ocupando a posição de contribuintes “de fato”, na medida em que
suportam a carga do tributo, pelo fato do contribuinte “de direito”, fazer o recolhi-
mento do ICMS e repassar o custo no preço final da mercadoria.
XIX. Posicionamo-nos no sentido de que, quanto aos impostos ditos indiretos (caso
do ICMS e do IPI), o denominado contribuinte “de fato”, não é o contribuinte
eleito pela lei como aquele que tem o dever de recolher tributo. É pessoa estranha à
relação jurídica tributária, que se estabelece entre o contribuinte, dito “de direito” e
o sujeito ativo (no caso do ICMS os Estados da Federação e o Distrito Federal), que
têm a competência para instituir o ICMS por mandamento constitucional.
XXIII. Quando aqui nos referimos à condição de contribuinte, estamos nos remeten-
do à situação em que a pessoa é colocada, por força da lei, no polo passivo da rela-
ção obrigacional tributária, em consonância com o disposto no inciso I do parágrafo
único do art. 121 do Código Tributário Nacional, o denominado “contribuinte de
direito”.
5 REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
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224 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
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Imunidade da sociedade
de economia mista
1 INTRODUÇÃO
t BDPNQFUÐODJBQBSBUSJCVUBSQPSNFJPEFJNQPTUPTFOWPMWF
FWFOUVBMNFOUF
a competência para destruir;
t OÍPTFEFTFKBoFBQSØQSJB$POTUJUVJÎÍPOÍPBENJUFoOFNRVFB6OJÍP
destrua os Estados-membros, nem que estes se destruam mutuamente ou
à União;
t OFNB6OJÍPQPEFFYJHJSJNQPTUPTEPT&TUBEPTNFNCSPT
OFNFTUFTEB
União, ou uns dos outros.
1
Não entraremos aqui na discussão se os Municípios integram ou não a Federação, bem como se a autonomia
municipal é ou não cláusula pétrea.
Ricardo Bonfá de Jesus 227
O Professor Roque Antonio Carrazza assevera que sob o aspecto técnico seria
desnecessária a inserção da imunidade recíproca entre as pessoas políticas.
O ilustre mestre também conclui que a imunidade tributária recíproca atinge
todos os impostos, indistintamente, e não apenas os impostos sobre “patrimônio,
renda ou serviços, uns dos outros”, porque:
À primeira vista, seria possível dizer que, pela literalidade de tais disposições, é
vedada a instituição de imposto em relação a bens que compõem o patrimônio da
União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como dos bens de
propriedade de autarquias e fundações, vinculados às suas finalidades essenciais ou
delas decorrentes, desde que não relacionados à exploração de atividade econômica.
Por tal interpretação apenas os bens de propriedade dos entes políticos e suas
autarquias e fundações é que seriam imunes a este imposto.
Esse, inclusive, era o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal
(STF)2 até algum tempo atrás.
Ocorre, porém, que tal entendimento foi alterado pela Segunda Turma da Su-
prema Corte que admite a aplicação da imunidade recíproca também para as empre-
sas públicas e sociedades de economia mista que realizam serviços públicos.
Esse posicionamento, com o qual compactuamos, tem em conta que uma em-
presa pública ou uma sociedade de economia mista ao ser constituída para prestação
de um serviço público, é uma longa manus do ente político que a criou, devendo,
portanto, receber o mesmo tratamento que suas autarquias e fundações, inclusive no
que se refere às questões fiscais.
Veja, a Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre o tratamento jurídico tri-
butário dispensado às sociedades de economia mista e empresas públicas, prevê, em
seu art. 173, § 2o, que a elas não poderão ser concedidos privilégios fiscais não ex-
tensivos ao setor privado:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de ati-
vidade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
(...)
§ 2o As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de pri-
vilégios fiscais não extensivos ao setor privado.
43. Outrossim, erram uma vez mais os decretos-leis sub examine ao configurarem
as empresas públicas como constituídas para “exploração de atividade econômica”.
Não é exato. Por isto tal característica não pode ser proposta como um elemento
de sua definição. Deveras, algumas empresas públicas efetivamente são concebidas
como instrumento da atuação estatal no referido setor. Outras, entretanto, foram
criadas e existem para prestação de serviços públicos, serviços qualificados pela
Constituição em vigor, como privativos de entidade estatal ou da própria
União. Donde, a atividade em que se substanciam apresenta-se, do ponto de
vista jurídico (ainda que não o seja ou não o fosse sob perspectiva extrajurí-
dica), como a antítese da exploração da atividade econômica, já que esta, perante
a Lei Magna, é da alçada dos particulares, típica da iniciativa privada – e não do
poder público.(...)5
(Grifos do autor)
3
José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed., São Paulo: Malheiros, p. 777.
4
Idem, ibidem, p. 777 .
5
Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 25. ed., São Paulo: Malheiros, p. 175.
230 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Cumpre observar que a exploração dos serviços públicos, conforme indicado aci-
ma, por empresa estatal não se subordina às limitações do art. 173, que nada tem
com eles. Efetivamente, não tem cabimento falar em excepcionalidade, ou subsidia-
riedade, em relação à prestação de serviços públicos por entidades estatais ou por
6
Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 311.
Ricardo Bonfá de Jesus 231
seus delegados (...). Significa dizer, pois, que a empresa estatal prestadora daqueles
e de outros serviços públicos pode assumir formas diversas, não necessariamente
sob o regime jurídico próprio das empresas privadas. (...).7
Muito bem.
Sendo evidente que a prestação de serviço público não equivale à exploração de
atividade econômica e que, portanto, não há que se falar em vedação a qualquer for-
ma de privilégio fiscal às empresas governamentais, reportemo-nos, novamente, ao
art. 150 da Constituição Federal de 1988.
Segundo esse dispositivo, a imunidade recíproca se aplica aos entes políticos,
suas autarquias e fundações, nada dispondo, no entanto, sobre as empresas públicas
e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos.
Ora, como já mencionado, na medida em que tais empresas governamentais são
constituídas para prestação de serviços públicos, elas nada mais são do que verdadei-
ras extensões das pessoas políticas responsáveis pelo serviço a ser executado.
Devem ser a elas garantidas, portanto, as mesmas prerrogativas do poder estatal,
dentre elas a imunidade constante no art. 150, VI, a, e § 2o da Constituição Federal.
Nesse sentido, convém transcrevermos as lições de Roque Antonio Carrazza:
7
José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed., São Paulo: Malheiros, p. 778 e 779.
8
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Tributário. 25. ed., revista, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 629
a 633.
232 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Nesse sentido, ensina Regina Helena Costa11 que a interpretação das imunidades
deve ser efetuada de molde a efetivar o princípio ou liberdade por ela densificado,
portanto, dar – eficácia à liberdade por ela protegida. Deve ser efetuada na exata me-
dida para fazer exsurgir dela o valor albergado.
No caso em tela o preceito imunizatório está a proteger o fomento das ativi-
dades de interesse público exercido pela Sociedade de Economia Mista, na verdade
está a Sociedade de Economia Mista substituindo um atuar que inicialmente cabia
ao próprio Estado, e como bem lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro,12 o Estado,
paulatinamente, vai atribuindo tal missão de desenvolver determinados serviços pú-
blicos na área social à iniciativa privada. A tributação de tais serviços significa que o
Estado está a tributar a si próprio!
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
4 REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2009.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed., São Paulo: Ma-
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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed., São Paulo: Saraiva, 2005.
13
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário no 221239/SP; Rel. Min. Ellen Gracie; Segunda Tur-
ma; DJU 06/08/2004, p. 61.
234 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed., São Paulo: Malheiros,
Variações na competência
para tributar os serviços
de telecomunicação:
alguns efeitos concretos
1 INTRODUÇÃO
sociais – não eram excepcionadas da referida imunidade, fizeram com que a maior
parte da doutrina não se manifestasse sobre a validade de alguns tributos instituídos
sob a vigência da redação originária do art. 155, § 3o, da CF/88, para incidir so-
bre as materialidades ali previstas, como é o caso das contribuições ao FUST e ao
FUNTTEL.
Insurgindo-se contra este silêncio de quase uma década, o objetivo do presente
trabalho é (i) delimitar o sentido e alcance da regra de imunidade prevista no art. 155,
§ 3o, da CF/88; (ii) indicar os critérios para a sua aplicação ao caso concreto e, por fim,
(iii) os efeitos que projeta sobre a validade das Contribuições ao FUST e ao FUNTTEL.
Várias são as classificações que podem ser construídas a partir das regras de imu-
nidade. Interessa, entretanto, para o desenvolvimento do presente trabalho, aquela
que diferencia as imunidades em genéricas e específicas.3 Entende-se por imunidades
genéricas aquelas prescritas para todo e qualquer tributo, ao passo que as imunidades
específicas dizem respeito somente a uma determinada espécie tributária. O critério
de distinção está no próprio direito positivo: quando há referência a “tributos”, há
uma imunidade genérica; quando há referência a uma espécie tributária – impos-
tos –, por exemplo, tem-se uma imunidade específica.4
A Constituição Federal prescreve diversas imunidades específicas. O art. 150,
VI, por exemplo, veda a instituição de impostos sobre algumas materialidades que
enumera. Proíbe, por exemplo, a sua instituição sobre (a) patrimônio, renda e servi-
ços uns dos outros; (b) templos de qualquer culto; (c) livros, jornais, periódicos e o
papel destinado à sua impressão. Note-se que a referência constitucional é dirigida a
uma única espécie de tributo: os impostos. Por isso, configura imunidade específica.
Há, também, imunidades específicas relativas a outros tributos. O art. 195, § 7o,
da CF/88 prescreve que seriam “isentas de contribuição para a seguridade social as
entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em
lei”. Neste enunciado, embora o texto afirme “são isentas”, o que se tem é uma imu-
nidade. Trata-se de enunciado constitucional que veda a instituição de contribuições
sociais sobre as pessoas jurídicas que indica, conforme sejam atendidos os requisitos
da lei.
3
Importante destacar, nesta oportunidade, que a afirmação de que as imunidades tributárias se referem es-
pecificamente aos tributos não vinculados (impostos) é frágil e não resiste a análise do direito positivo. O texto
constitucional prescreve imunidades relativas a determinadas espécies e ao gênero tributo. Nesse ponto, pouco
importa tratar-se de um tributo vinculado ou não a uma atividade estatal, ou possuir ou não uma finalidade
específica. Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto também sustentam essa posição, afirmando: “em
várias passagens, a Constituição previu imunidade assim de taxas, como de contribuições”. Segundo explicam,
a afirmação de que imunidades só atingiam impostos tinha foros de verdade na vigência das Constituições de
1967 e de 1969. Porém, com a edição da Constituição de 1988, não é possível sustentar que elas se restringem
aos impostos, com apoio do texto constitucional. (Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto. Imunidades
tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar. 2. ed., São Paulo: Dialética, 2001, p. 97).
4
Esta classificação não se confunde com aquela oferecida por Sacha Calmon Navarro Coêlho, que distingue
“limitações genéricas e limitações específicas” ao poder de tributar. Diversamente da proposta deste trabalho,
o referido Autor utiliza como critério o fato de as “limitações” serem prescritas para todos os impostos ou so-
mente para tipo de imposto, tomando-o separadamente. Assim, limitações gerais alcançam todos os impostos
e limitações específicas que dizem respeito a um só imposto. (Sacha Calmon Navarro Coêlho. Comentários à
Constituição de 1988 – Sistema Tributário, p. 139).
238 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Art. 155.
(...)
§ 3o À exceção dos impostos de que tratam o inciso II deste artigo e o art. 153, I e II,
nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, servi-
ços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
Recorde-se, mais uma vez, o preceito do § 3o do art. 155 evocado como infringido
pela União Federal: § 3o À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput
deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre opera-
ções relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petró-
leo, combustíveis e minerais do País. O inciso II mencionado na norma concerne
ao Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual,
Intermunicipal e de Comunicações. Já os incisos I e II do art. 153 dizem respeito
aos impostos pertinentes às importações e alusivos à renda e proventos. STF – AI
210410/PE; Rel. Min. Marco Aurélio; DJ 13/05/1998.
incidir de forma específica sobre alguma das materialidades previstas pelo art. 155,
§ 3o, da CR; (ii) ter sido publicada antes da vigência da Emenda Constitucional
no 33/2001; e (iii) inexistência de conflitos com os princípios da solidariedade e
universalidade.
Vejamos cada um destes requisitos de forma analítica.
Este requisito pode ser inferido dos julgados que afastaram a aplicação da cita-
da imunidade do caso das contribuições ao PIS e da COFINS, cujas hipóteses de
incidência, confirmadas pela base de cálculo, consiste na receita bruta, que inclui
qualquer tipo de ingresso decorrente da prestação de serviços ou da venda de merca-
dorias. Não há nestes casos, portanto, criação de tributo incidente sobre materialida-
de expressamente vedada, mas sobre todo e qualquer ingresso, independentemente
da sua natureza, o que é permitido pelo sistema jurídico.
Plenamente coerente com o que dispõe o nosso ordenamento, as decisões pro-
feridas no plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE no 144.971-3/
DF e do AgRg no RE no 224.987-7/AL, no sentido de que a instituição de PIS/
COFINS sobre o faturamento das empresas não esbarra no limite da competência
tributária determinado pelo referido dispositivo constitucional.
Isso porque, para que se aplique a imunidade prevista no art. 155, § 3o, da
CF/88, exige-se que o tributo grave direta e exclusivamente as materialidades ali
previstas. Se a incidência for meramente indireta e/ou genérica, como no caso das
citadas exações, a tributação é possível.
À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I
e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica,
serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
Lei no 9.998/2000
Lei no 10.052/2000
Analisando estes dispositivos legais, não resta dúvida de que se trata de tribu-
tos que incidem sobre a prestação de serviços de telecomunicação. Sua hipótese de
incidência é confirmada por sua base de cálculo que aponta exclusivamente para a
244 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
receita bruta obtida com a prestação deste específico serviço. O texto legal é claro no
sentido de que apenas os ingressos econômicos derivados da exploração direta destas
atividades serão passíveis de sofrer a incidência tributária.
Como se vê, o legislador da União apropriou-se de materialidade que, à época
da edição das Leis nos 9.998/2000 e 10.052/2000, gozavam da imunidade prescrita
no art. 153, § 3o, da CR/88. De fato, as contribuições ao FUST e ao FUNTTEL
foram criadas mais de um ano antes da publicação da EC no 33/2001.
A aplicação da imunidade prescrita no art. 155, § 3o, da CF/88, exige que o
tributo grave direta e especificamente uma das materialidades que menciona. Este
é exatamente o caso dessas contribuições que, por expressa disposição de lei, incide
exclusivamente sobre a prestação de serviços de telecomunicações.
É sempre bom lembrar que ao legislador é permitido optar pela indicação ex-
pressa da base de cálculo e da hipótese de incidência ou apenas pela previsão da
primeira. Neste último caso, a lei instituidora do tributo trará de forma implícita a
respectiva hipótese de incidência.
A Lei no 9.998/2000 determinou que a base de cálculo da contribuição por
ela instituída é a “receita bruta operacional, decorrente de prestação de serviços de te-
lecomunicações nos regimes público e privado”. A Lei no 10.052/2000, por sua vez,
prescreveu que a base de cálculo da contribuição ao FUNTTEL é “receita bruta das
empresas prestadoras de serviços de telecomunicações”. Por conta destas estipulações, o
legislador deixou implícito que a hipótese de incidência desses tributos é a prestação
dos serviços de telecomunicação. Hipótese esta que era expressamente vedada pela
redação originária do art. 155, § 3o, da CF/88.
Entretanto, importa destacar que a base de cálculo é apenas uma medida eco-
nômica do fato que está sendo gravado com o tributo, com ele não se confundindo.
Assim, jamais seria possível afirmar que a materialidade das contribuições ao FUST e
ao FUNTTEL é a “receita bruta operacional” ou “receita bruta”, respectivamente,
pois, repita-se, a base de cálculo é apenas uma dimensão econômica do fato previsto
na hipótese de incidência.
Vale insistir: compondo a base de cálculo das contribuições em apreço desta for-
ma, o legislador deixou claro que a hipótese de incidência dos tributos é exclusiva-
mente a prestação de serviços de telecomunicação. Este é o único fato jurídico que
está sendo mensurado economicamente pelo critério quantitativo do tributo, nos
termos estabelecidos pelas Leis nos 9.998/2000 e 10.052/2000.
Ao assim proceder, prescrevendo a prestação dos serviços de telecomunicação
como hipótese de incidência desses tributos, o legislador se apropriou de fato que
estava fora da sua competência, violando a imunidade prescrita no art. 155, § 3o, da
CF/88, vigente à época da publicação da lei instituidora do tributo.
Tácio Lacerda Gama 245
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
8 REFERÊNCIAS
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1 INTRODUÇÃO
1
As receitas de exportação são, a princípio, passíveis de tributação pelas contribuições sociais, conforme com-
petência outorgada pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 (“CF” ou “Constituição
Federal”) por meio dos arts. 149 e 195.
248 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
não apenas em sua estrutura, mas também em sua função:2 a de proteger os valores
importantes para uma dada sociedade. As normas relativas às finalidades do Esta-
do, valores máximos3 positivados na Constituição Federal, orientam, portanto, quais
bens jurídicos o legislador deve tutelar.
Para o cumprimento destes misteres, o constituinte dota o Estado de poderes
para manejar os instrumentos que sejam hábeis a estas finalidades, e de recursos fi-
nanceiros para intervir de modo efetivo na ordem social. Aparelha o Estado com
órgãos e pessoas jurídicas incumbidas de realizar a função pública, e provê-lhe de
recursos financeiros,4 receitas originárias e de capital,5 com as quais abaste o erário.
Dentre as receitas originárias, destacam-se as receitas tributárias, nas quais se in-
cluem as contribuições sociais. Trata-se de obrigações pecuniárias compulsórias, exi-
gidas do cidadão, à vista de um fato econômico lícito por si praticado.6 Deveres desta
natureza são disciplinados pela CF/88 em seus arts. 145 e seguintes, os quais esta-
tuem o modo como a competência legislativa para instituí-los deve ser exercida. Não
são os únicos meios de o cidadão contribuir com o Estado,7 mas constituem a parte
substancial8 do exercício de sua solidariedade para com a sua comunidade.
A aptidão para criar tributos corresponde ao direito potestativo de criar, modi-
ficar e revogar obrigações tributárias, sendo referenciado pela norma constitucional9
como “poder tributário”. É por meio deste poder10 que o estado democrático brasi-
leiro angaria recursos materiais para provimento de seus misteres. E justamente por
ter um fim democrático, este poder utiliza-se, por suposto, de meios democráticos
para sua realização. Desta maneira, o tributo é criado por lei, com a devida antece-
dência e com o atendimento de algumas condições11 estipuladas pela CF/88.
2
Verba cum effectu, sunt accipienda: Não se presume, na lei, palavras inúteis. Literalmente: “devem-se com-
preender as palavras como tendo alguma eficácia.” (Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direi-
to. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 204). Por “eficácia”, podemos compreender, no contexto desta citação,
como a “eficácia social” do direito, isto é, sua obediência pelo cidadão ou, alternativamente, a aplicação da
consequência jurídica prescrita pela norma, como explicado por Paulo de Barros Carvalho, in: Curso de Direito
Tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 83.
3
Constituição Federal, especialmente arts. 1o a 4o; e art. 60, § 4o.
4
A CF/88 institui, pelos arts. 5o e 170, o direito à propriedade privada, o que equivale dizer que o Brasil é um
país capitalista. Esta disposição, conjugada com os arts. 21, VII, e 22, VI, e 192, indica que País adotará um
sistema financeiro para viabilizar a liquidação de direitos e obrigações. Por isto, o modo do País realizar suas
finalidades é pelo emprego da moeda.
5
Lei no 4.320/1964, art. 11.
6
Código Tributário Nacional (CTN), art. 3o.
7
Outras maneiras de o cidadão contribuir com a finalidade estatal, por exemplo, é a participação obrigatória
no serviço eleitoral ou de participar no Tribunal do Júri, deveres que, por não terem caráter pecuniário, não
pertencem à espécie tributária sob nossa análise.
8
A carga tributária brasileira, em 2005, foi de 37,37% do PIB. (Brasil. Secretaria da Receita Federal: Coordena-
ção-Geral de Política Tributária. Carga Tributária no Brasil 2005. Brasília, 2006, p. 1).
9
CF/88, art. 146, III.
10
A palavra “poder”, neste sentido, desvincula-se de seu contexto autoritário absolutista do Estado, para
assumir a designação da função legislativa estatal de instituir direitos e deveres, nos limites dos valores demo-
cráticos.
11
Como, por exemplo, a condição de serem criados por Lei Complementar em alguns casos.
Vitor Martins Flores 249
um objeto cultural29 e, como tal, dotada de valor. As consequências jurídicas são to-
das elas dotadas de uma carga valorativa, posto que seja por meio delas que se ve-
rifica a sociedade ter se aproximado ou se distanciado dos fins por si colimados.30
As normas que declaram uma finalidade para as demais normas estatuem definições
fundamentais31 e prescrevem modos de exercício da competência32 a serem utilizadas
como pressuposto pelas demais normas de ação. Trata-se, portanto, de normas dire-
cionadas ao legislador, estruturando o sistema com definições, valores (conteúdo a
priori das normas de conduta), 33 e modos de se prescrever condutas.
Analisado o Direito sob o ponto de vista puramente lógico, o fato de alguém
“sofrer” (rectius: “estar sujeito a”) uma consequência normativa não é necessaria-
mente bom ou ruim. As consequências jurídicas podem favorecer ou prejudicar o
sujeito, conforme ampliem ou diminuam seu patrimônio jurídico (seu conjunto de
direitos), e conforme este sujeito esteja disposto a abrir mão de um direito em fa-
vor de uma consequência.34 Assim, as consequências jurídicas podem ser positivas
2o efetivamente funciona como meio para a transformação objetiva, que é o objetivo da indagação.” (Nicola
Abbagnano. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 655).
29
“Neste tema, há que se ter como premissa que, sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particu-
larmente as normas jurídicas, estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente
presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte
que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função de seu papel sintático no conjunto,
acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de
compreensão de múltiplos segmentos.” (Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. São
Paulo: Noeses, 2008, p. 256).
30
O valor positivo corresponde à aproximação da finalidade, e a negativa ao distanciamento.
31
As normas que estatuem definições fundamentais são consideradas normas de estrutura do sistema, pois
sobre elas apoiam-se as demais prescrições. Trata-se de preconceitos valorativos institucionalizados. Gregorio
Robles explica sobre estes tipos de normas em nossa tradução livre: Porém junto a estas regras que expressam
uma exigência de conduta e, portanto, vão dirigidas diretamente à ação, existem aquelas outras que pontuam
ou definem os elementos necessários à convenção, já estudados. Não se dirigem diretamente à ação, ainda
que indiretamente, posto que é impensável, do ponto de vista lógico, que se possa realizar a ação sem que se
tenha indicado os elementos espaço-temporais, os sujeitos e as competências. Estas regras se expressam, ou
são exprimíveis, mediante o verbo ser, e por isto podem ser chamadas de regras ônticas.” (Gregorio Robles. Las
Reglas del Derecho y las Reglas de los Juegos. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México,
1988, p. 100).
32
As normas de competência estatuem em que condições podem ser criadas as normas jurídicas de condu-
ta. São normas de conduta, portanto, direcionadas ao legislador, conforme depreendemos da lição de Tácio
Lacerda Gama: “Estudamos a competência tributária para: identificar normas jurídicas relativas à tributação;
perceber como essas normas surgem, se transformam e se extinguem; distinguir uma norma produzida de for-
ma regular de outras produzidas irregularmente; ter argumentos para demonstrar essa irregularidade; perceber
que reações o sistema de direito positivo prescreve para as normas irregulares. Esses propósitos, todos eles,
evidenciam o estrito vínculo entre competência e validade das normas jurídicas.” (Tácio Lacerda Gama. Compe-
tência Tributária: Fundamentos para uma Teoria da Nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 302).
33
Sobre o fato de as normas principiológicas definirem o virtual conteúdo de demais normas, Paulo de Barros
Carvalho explica: “Outro critério focaliza as regras jurídicas tributárias pelo ângulo do grupo institucional a que
pertencem, separando-as em três classes: a) normas que demarcam princípios, concebidos para dar os limites
da virtualidade legislativa no campo tributário.” (Paulo Barros de Carvalho: Curso de Direito Tributário. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 237).
34
Isto é, até que preço o sujeito está disposto a pagar para poder praticar uma conduta. O legislador, ao es-
tatuir uma consequência para a prática de um ato que entenda contrário ao valor positivado, deve fazê-lo na
medida de efetivamente desestimular a conduta. Como não podemos estabelecer a priori este limite (posto
254 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
que até a morte é aceitável em favor de grandes causas), não podemos definir em linha de princípio se uma con-
sequência jurídica é boa ou ruim. O economista Steven Levitt, pela narração de Stephen Dubner, explica o curio-
so caso em que uma creche em Israel decidiu cobrar uma multa dos pais para a hipótese de eles se atrasarem
na busca de seus filhos ao final do dia. Antes, não havia uma multa para esta conduta. A partir da instituição
da “penalidade”, o número de atrasos subiu bastante. A conclusão do economista é de que os pais preferiram
pagar para poderem atrasar-se. Neste caso, constata-se que, se a multa funcionou, não foi uma punição, mas
uma legitimação da conduta suposta contrária à norma (Steven Levitt; Stephen Dubner. Freakonomics: A Rogue
Economist Explores the Hidden Side of Everything. Nova York: Harper Collins, 2005, p. 19).
35
“A teoria do ordenamento jurídico se baseia em três caracteres fundamentais a ela atribuídos: a unidade, a
coerência, a completitude; são estas três características que fazem com que o direito no seu conjunto seja um
ordenamento e, portanto, uma entidade nova, distinta das normas singulares que o constituem.” (Norberto
Bobbio. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1999, p. 198).
Vitor Martins Flores 255
com atenção ao contexto em que se inserem, pois, nada obstante tenhamos afirmado
que as normas sejam categorias lógicas e, como tal, neutras em valor quanto a sua
aplicação, elas têm carga valorativa quanto a sua finalidade, posto inserirem-se em
um contexto social e normativo maior. Cabe ao intérprete orientar-lhe a aplicação
para a finalidade à qual se destinam.
Sobre este diálogo entre objetividade interpretativa da norma (aproximação for-
malista do objeto, mais sintática), e inclinação axiológica na observação do siste-
ma jurídico (aproximação realista, mais semântica), estamos seguros de manter uma
coerência ao eleger a objetividade do primeiro critério, mas sem deixar confirmar
seu sentido com a contextualização das normas no cenário em que estão insertas.
Não perdemos o rigor científico nesta aproximação, pois como explica Ricardo A.
Guibourg36 em nossa tradução livre:
Por fim, reafirmamos a ideia de que as normas são criadas para serem cumpri-
das, e que as soluções que analisamos para os problemas mais a seguir descritos cor-
respondem, nesta medida, a uma exaltação da Constituição Federal e dos valores da
democracia por meio das formas jurídicas existentes.
No tópico seguinte, tratamos dos contornos normativos que nos trazem o pro-
blema que pretendemos estudar à luz destas premissas hermenêuticas.
38
A CF/1967, com a redação da Emenda Constitucional no 1 de 1969, dispunha: “Art. 21, § 2o A União pode
instituir: I – contribuições, observada a faculdade prevista no item I deste artigo, tendo em vista intervenção
no domínio econômico ou o interesse de categorias profissionais e para atender diretamente a parte da
União no custeio dos encargos da previdência social”; “Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores
os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: V – inte-
gração na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na
gestão, segundo fôr estabelecido em lei”. (Grifos do autor).
A LC 7/1970, por sua vez, dispôs: “Art. 1o É instituído, na forma prevista nesta Lei, o Programa de Integração
Social, destinado a promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empre-
sas”. (Grifos do autor).
39
CF/88, art. 239. “A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado
pela Lei Complementar no 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Ser-
vidor Público, criado pela Lei Complementar no 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação
desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de
que trata o § 3o deste artigo”.
40
Nada obstante o art. 195 da Constituição Federal indique que as contribuições sobre o faturamento são
devidas pelos “empregadores”, a LC 7/1970 indica serem os contribuintes as “empresas”, assim entendidas as
pessoas jurídicas, “nos termos da legislação do Imposto de Renda”. Assim, conforme esta lei, as pessoas jurí-
dicas não empregadoras não seriam contribuintes do PIS, o que confronta o art. 195 em sua redação original.
Nada obstante, quer nos parecer que o art. 239 da Constituição Federal recepcionou a LC 7/1970 em sua inte-
gralidade, o que corresponde, então, a uma exceção ao art. 195. Esta questão foi superada com a modificação
do art. 195 com a Emenda Constitucional no 20 de 1988, que incluiu expressamente, entre os contribuintes do
PIS, a empresa e as entidades a ela equiparadas.
Vitor Martins Flores 257
CF/88. São, portanto, contribuições que incidem sobre a mesma base de cálculo e
têm os mesmos contribuintes, razão pela qual são referidas com frequência, de modo
conjunto, como contribuições ao PIS/COFINS.41
Em 1998, ambas as contribuições passaram a ser regidas por um único diplo-
ma normativo geral, a Lei no 9.718/1998, a qual alargou suas bases de cálculo para
abranger não apenas o faturamento dos empregadores, mas a totalidade das receitas
auferidas pelas pessoas jurídicas em geral.
Os contribuintes não ficaram satisfeitos, pois a competência constitucional ou-
torgada ao legislador não poderia ir além do faturamento. Para tentar remediar a
situação, a Emenda Constitucional no 20 de 1988 (EC 20/98), modificou o art. 195
para permitir a tributação sobre a “receita ou faturamento”, devida não apenas pelo
empregador, mas também pela empresa e pela entidade a ela equiparada. A solução
não foi acolhida pelo Poder Judiciário, tendo o Supremo Tribunal Federal declara-
do, em controle difuso,42 a inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo
das contribuições nos moldes da Lei no 9.718/1998. Em atenção a este sinal, esta lei
foi modificada pela Lei no 11.941/2009, para restringir a tributação ao faturamento,
assim entendida a receita bruta da empresa.
Desde sua criação, estas contribuições foram rotuladas de “tributos pouco efi-
cientes”, pois tributavam repetidas vezes a cadeia de circulação de bens e serviços,
por gravar o faturamento de cada uma das pessoas jurídicas envolvidas na produção.
Assim, as empresas que concentrassem mais atividades em uma só pessoa jurídica te-
riam uma maior eficiência tributária por congregar todas as etapas da circulação de-
baixo de um só faturamento.
Para tentar melhorar a situação, a Medida Provisória no 66/2002,43 instituiu
o regime não cumulativo de cobrança do PIS,44 de acordo com o qual alguns gas-
tos realizados nas etapas anteriores da atividade produtiva são elegíveis ao descon-
to de créditos desta contribuição.45 A mudança foi bem recebida e aquela Medida
41
O que diferencia ambas é o destino dos fundos arrecadados. Ambas têm vocação para financiar a seguridade
social, assim entendidos os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, nos termos do art. 194
da CF/88. Mas o PIS, além desta vocação, destina-se a financiar o seguro-desemprego e o abono pecuniário
anual no valor de um salário mínimo a que fazem jus os empregados que percebam até dois salários mínimos
por mês.
42
Declaração de inconstitucionalidade com efeitos entre as partes que provocaram o Tribunal mediante Recur-
so Extraordinário (RE). Os recursos a este respeito são: RE 346.084, 357.950, 358.273, e 390.840.
43
Conhecida à época por “Minirreforma Tributária”.
44
A instituição do regime não cumulativo advém da prescrição do § 12 do art. 195 da CF/88, segundo o qual:
“A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos
I, b; e IV do caput, serão não cumulativas”. O modo não cumulativo de cálculo de tributos é responsável por
diretamente realizar o valor da não bitributação (non bis in idem) de uma mesma cadeia de circulação, motivo
pelo qual podemos entender esta regra como um princípio, isto é, uma norma de alta carga axiológica.
45
É de se observar que no regime não cumulativo, as contribuições ao PIS/COFINS tinham uma alíquota com-
binada de 3,65% (três inteiros e sessenta e cinco décimos por cento) do faturamento. Com o regime não cumu-
lativo, esta alíquota subiu para 9,25% (nove inteiros e vinte e cinco décimos por cento). Portanto, economica-
mente, o regime não cumulativo somente fez sentido para os setores da economia que conseguiam descontar
258 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
créditos no valor de pelo menos 5,6% (cinco inteiros e seis décimos por cento) de suas receitas (9,25% – 3,65%);
do contrário, a mudança do regime provocou um aumento da carga ao invés de um uso racional.
46
Devemos observar que também estão no regime não cumulativo as contribuições ao PIS/COFINS incidentes
sobre as importações (PIS/COFINS-Importação), instituídas pela competência tributária outorgada ao legislador
federal pelo art. 195, IV da CF/88. Nada obstante a nomenclatura comum e a possibilidade de utilização dos
créditos destas contribuições com aquelas devidas sobre as receitas, estas contribuições têm natureza jurídica
distinta, pois têm base de cálculo diferente das demais, conforme dispositivo didático do art. 4 o do CTN: “Art. 4o
A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrele-
vantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação
legal do produto da sua arrecadação”. Portanto, observamos mais uma vez que, neste estudo, restringimo-nos
ao PIS/COFINS sobre as receitas.
47
José Afonso Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 93.
(Grifos do autor).
48
As imunidades tributárias implicam não incidência de tributos sobre certos sujeitos ou objetos, posto
limitar a competência de sobre ele haver a criação de tributos, e, bem assim, a possibilidade de eles serem
alcançados no raio de virtual alcance da incidência tributária.
Vitor Martins Flores 259
Assim, os créditos que sobram de PIS/COFINS por conta das exportações po-
dem ser utilizados para o pagamento destas contribuições no mercado interno. No
entanto, há casos em que a pessoa jurídica, ainda assim, acumula créditos destas con-
tribuições. Para evitar o problema a legislação tributária adotou dois mecanismos.
O primeiro corresponde à desoneração da cadeia de circulação de mercadorias.
Para esta finalidade, (i) as vendas para comercial exportadora com a finalidade espe-
cífica de exportação deixam de ser tributadas.49 Também, (ii) as vendas de matérias-
-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem e bens de capital para
pessoas jurídicas preponderantemente exportadoras passam a ficar suspensas (rectius,
“isentas sob condição resolutiva”, a saber, a de integrarem produtos que efetivamen-
te são exportados).50 Mas estas regras não necessariamente alcançam o fim almejado,
pois, no caso (i), as comerciais exportadoras funcionam como mera “estrada” para a
exportação, sendo que as efetivas produtoras já foram todas tributadas na etapa an-
terior; e, no caso (ii), somente as reconhecidas como preponderantemente expor-
tadoras são abrangidas pela desoneração.
Como segundo mecanismo, a legislação tributária permitiu que o crédito de
PIS/COFINS apurado decorrente de exportação, tenha ele se acumulado ou não,
pode ser utilizado para pagamento de outros tributos próprios do contribuinte, que
sejam administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), como, por
exemplo, o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), a Contribuição So-
cial sobre o Lucro Líquido (CSLL), e o Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI).51 Caso, ainda assim, a pessoa jurídica não consiga utilizar de todo o crédito de
49
Lei n o 10.637/2002: “Art. 5o. A contribuição para o PIS/Pasep não incidirá sobre as receitas decorrentes
das operações de: III – vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação”. Lei
n o 10.833/2003: “Art. 6o. A COFINS não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de: (...) III – vendas
a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação”.
50
Lei no 10.865/2004: “Art. 40. A incidência da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS ficará suspensa
no caso de venda de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem destinados
a pessoa jurídica preponderantemente exportadora. § 1o Para fins do disposto no caput deste artigo,
considera-se pessoa jurídica preponderantemente exportadora aquela cuja receita bruta decorrente de exporta-
ção para o exterior, no ano-calendário imediatamente anterior ao da aquisição, houver sido igual ou superior
a 70% (setenta por cento) de sua receita bruta total de venda de bens e serviços no mesmo período, após
excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda”. (Grifos do autor).
Lei no 11.196/2005: “Art. 12. Fica instituído o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Em-
presas Exportadoras – Recap, nos termos desta Lei. (...) Art. 14. No caso de venda ou de importação de
máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, novos, fica suspensa a exigência: I – da Contri-
buição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita bruta da venda no mercado interno, quando
os referidos bens forem adquiridos por pessoa jurídica beneficiária do Recap para incorporação ao seu ativo
imobilizado”. (Grifos do autor).
51
Lei no 10.637/2002, art. 5o e Lei no 10.833/2003, art. 6o, ambos com a mesma redação: “§ 1o Na hipótese des-
te artigo, a pessoa jurídica vendedora [exportadora] poderá utilizar o crédito apurado na forma do art. 3o, para
fins de: (...) II – compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e con-
tribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, observada a legislação específica aplicável
à matéria. § 2o A pessoa jurídica que, até o final de cada trimestre do ano civil, não conseguir utilizar o crédito
por qualquer das formas previstas no § 1o, poderá solicitar o seu ressarcimento em dinheiro, observada a
legislação específica aplicável à matéria”. (Grifos do autor).
260 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
com maior precisão a sua quantidade e qualidade de ativos,54 isto é, os bens dos quais
podem efetivamente fruir. Esta circunstância termina por evidenciar que a imunidade
tributária não alcançou perfeitamente sua finalidade, pois o resultado, nestes casos, foi
a criação de uma despesa de PIS/COFINS onde ela não deveria existir.
Ressalte-se que será difícil convencer as Autoridades Fiscais da dedutibilidade
desta despesa do lucro tributável pelo IRPJ e pela CSLL, pois, sob sua óptica, os cré-
ditos devem ser considerados recuperáveis enquanto não terminado o procedimento
de restituição. Assim, esta despesa é oferecida à tributação por estes tributos à alí-
quota nominal de 34% (trinta e quatro por cento), correspondentes a 25% de IRPJ
e 9% de CSLL.
Ademais, deve-se anotar aqui, para maior precisão da análise, que estes créditos
correspondem efetivamente à indesejada despesa com exportação de tributos. Afinal,
somente descontam-se créditos em relação a aquisições efetivamente tributadas.55
Como estes créditos são perdidos pela falta da sua oportunidade de uso, o preço co-
brado pelos bens ou serviços exportados há de compensar o prejuízo decorrente da
baixa desses créditos acumulados, e, nesta medida, a imunidade tributária é malfe-
rida56 pelo incremento no preço das exportações, com a consectária “exportação de
tributos”.
Portanto, se retomarmos nossa premissa de que os valores constitucionais exis-
tem para serem implementados, e que as regras jurídicas existem para serem aplica-
das, o contribuinte poderá recorrer a outros dispositivos do ordenamento para fazer
valer a imunidade das suas exportações. É o que veremos a seguir.
que a lei autoriza”.57 Portanto, quando o Código Civil, Lei no 10.406/2002, dispõe,
em seu art. 286, que o “credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a nature-
za da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor”, deve-se entender que, quando
o devedor for pessoa jurídica de direito público, ela, a princípio, não quer autorizar
a cessão de sua dívida, salvo disposição de lei em sentido contrário.
Assim, os contribuintes que tenham créditos acumulados de PIS/COFINS não
podem ceder seus créditos a terceiros como maneira que eles possam, então, com-
pensá-los com seus débitos tributários. Mas a cessão de créditos não é a única ma-
neira possível para que a transferência do direito seja levada a efeito. Se a sociedade
detentora dos valores for cindida parcialmente e, em seguida, incorporada por outra
sociedade, os créditos poderão ser perfeitamente transferidos, conforme dispõe o
art. 30 da Lei no 10.865/2004 a seguir transcrito:
Art. 30. Considera-se aquisição, para fins do desconto do crédito previsto nos arts. 3o
das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003,
a versão de bens e direitos neles referidos, em decorrência de fusão, incorporação e
cisão de pessoa jurídica domiciliada no País.
§ 1o O disposto neste artigo aplica-se somente nas hipóteses em que fosse admiti-
do o desconto do crédito pela pessoa jurídica fusionada, incorporada ou cindida.
(Grifos do autor)
Portanto, caso exista uma motivação econômica que determine que a cisão par-
cial do patrimônio do contribuinte é a versão da parcela correspondente aos seus
créditos ao seu sucessor, o devedor das obrigações não pode se opor à transforma-
ção. Com efeito, apenas os credores da sociedade cindida podem opor-se à ope-
ração, alegando diminuição nas garantias de seus créditos, conforme dispõem o
art. 1.122 do Código Civil e o art. 232 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei das
S.A. – no 6.404/1976).58 Estas operações societárias de fusão, incorporação e cisão,
diferentemente da mera cessão, não têm como condição de validade a anuência dos
devedores, nem mesmo se o devedor for ente público. Desta forma, por força da lei,
o Poder Público tem a vontade de aceitar a transmissão das dívidas por estas moda-
lidades de sucessão de créditos, pois a legislação de regência não diferenciou, nem
precisava ter diferenciado, os devedores públicos e privados.59
57
Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 88.
58
Código Civil, art. 1.122: “Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o
credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.”
Lei das S.A., art. 232: “Até 60 (sessenta) dias depois de publicados os atos relativos à incorporação ou à fu-
são, o credor anterior por ela prejudicado poderá pleitear judicialmente a anulação da operação; findo o prazo,
decairá do direito o credor que não o tiver exercido.”
59
A desnecessidade de diferenciação decorre da circunstância, pressuposta, de que o devedor não deve liberar-
-se da dívida pelo mero evento societário. Assim, se a sociedade deixa de existir para ser incorporada inteira-
mente em outra pessoa jurídica, esta lhe sucede em todos os direitos e obrigações. Os créditos contra o Estado
264 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Iguais disposições são feitas pela Solução de Consulta a respeito do PIS. Portan-
to, os créditos de PIS/COFINS acumulados em virtude de exportação, podem
ser transferidos por sucessão empresarial a terceiros, mesmo que eles estejam
na sistemática cumulativa de apuração destas contribuições. Isto quer dizer que
eles podem ser utilizados efetivamente como moeda de pagamento dos tributos ad-
ministrados pela RFB, pois sua origem no regime não cumulativo perde relevância
ante ao direito de o contribuinte poder compensá-lo com qualquer dos tributos
mencionados.
Esta possibilidade não traz nenhum prejuízo ao Erário, pois a compensação é
algo por ele esperada. Sob o ponto de vista do interesse de fiscalizar a origem e os
montantes destes créditos, a União também nada tem a perder com esta operação,
são transferidos automaticamente com esta operação; do contrário, estaria violado o patrimônio do credor em
receber estes seus direitos.
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No mesmo sentido, a 9a Região Fiscal também já se manifestou sobre o assunto por meio das Soluções de
Consulta nos 244/2009 e 378/2009. Não identificamos precedentes a respeito do assunto nas demais Regiões
Fiscais.
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Omitimos, da Solução de Consulta, disposições relativas a créditos de outra origem que não a de exportação,
como, por exemplo, aos créditos presumidos da atividade agrícola de que trata a Lei no 10.925/2004.
Vitor Martins Flores 265
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ensaio, estabelecemos uma premissa teórica com forte ênfase na aplicação
da norma. Tomamos em alta consideração a ideia de que o valor normativo deve ser
materializado pela aplicação das regras que o sistema jurídico positivo comporta. No
caso em particular, estudamos a situação em que uma norma de imunidade tributá-
ria das receitas de exportação está sendo desrespeitada por falta de melhores regras
infraconstitucionais que implantem o valor disposto em nosso texto magno. Assim,
reconhecendo o sistema de Direito Positivo no seu estágio atual, propomos uma
flexão de suas normas para dar-lhe a melhor interpretação em favor da realização da
regra constitucional de imunidade tributária.
Com isto, chegamos à conclusão de que os créditos acumulados de PIS/CO-
FINS podem ser transferidos a terceiros mediante as operações societárias de cisão,
fusão e incorporação, e que estes créditos podem ser aproveitados por seu sucessor,
a despeito desta empresa não estar no regime não cumulativo destas contribuições.
6 REFERÊNCIAS
ROBLES, Gregorio. Las reglas del derecho y las reglas de los juegos. Ciudad de México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 1988.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 1968.