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IMUNIDADES

TRIBUTÁRIAS
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ELIZABETH NAZAR CARRAZZA
C o o r d e nad o r a

DANIEL MORETI
O r gani z ad o r

IMUNIDADES
TRIBUTÁRIAS
Roque Antonio Carrazza
Daniela Tadei M ailer
Fernanda Drummond Parisi
Fernando Bonfá de Jesus
Gilber to Frigo Junior
Isabela Bonfá de Jesus
Leonardo Vanni
Marcio Cesar Costa
Osvaldo Santos de Car valho
Ricardo Bonfá de Jesus
Tácio L acer d a G am a
Vitor Martins Flores

Fechamento desta edição: 13 de janeiro de 2012


© 2012, Elsevier Editora Ltda.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998.
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Copidesque: Tania Heglacy


Revisão: Renato Mello Medeiros
Editoração: Luciana Di Iorio
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Coordenadores

Elizabeth Nazar Carrazza


Professora Assistente-Doutora da Cadeira de Direito Tributário da Faculdade de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP. Coordenadora do Grupo de
Estudos de ICMS.

Daniel Moreti
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC/SP. Especialista em Direito Tributário. Professor de Direito Tributário em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Advogado em São Paulo. Juiz do Tribunal
de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT/SP.
Autores

Roque Antonio Carrazza


Professor Titular da Cadeira de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Advogado e Consultor Tribu-
tário. Ex-Presidente da Academia Paulista de Direito.

Daniela Tadei Mailer


Mestranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC-SP. Especialista em Direito Tributário (Lato Sensu) pela Universidade Presbi-
teriana Mackenzie. Advogada em São Paulo.

Fernanda Drummond Parisi


Mestre e Doutoranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC-SP. Especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão
Universitária – CEU. Bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Macken-
zie. Professora de Direito Tributário e de Direito Processual Tributário. Advogada
em São Paulo.

Fernando Bonfá de Jesus


Doutor e Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP. Professor dos cursos de pós-graduação em Direito Tributá-
rio da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, Escola Superior do Ministério
viii IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Público – ESMP e da Escola Paulista de Direito – EPD. Economista pela FAAP. Ad-
vogado em São Paulo.

Gilberto Frigo Junior


Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC-SP. Professor da pós-graduação Lato Sensu da Faculdade de Direito de São
Bernardo do Campo. Advogado em São Paulo.

Isabela Bonfá de Jesus


Doutoranda e Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC-SP. Professora de Direito Tributário do curso de graduação da
PUC-SP. Professora Convidada dos Cursos de pós-graduação em Direito Tributá-
rio da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP e da Escola Paulista de Direito
– EPD. Juíza do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT/SP.
Economista pela FAAP. Advogada em São Paulo.

Leonardo Vanni
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC-SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Advogado em São Paulo.

Marcio Cesar Costa


Professor em São Paulo. Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo – PUC-SP. Especialista em Direito Tributário pelo Insti-
tuto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET-SP. Advogado.

Osvaldo Santos de Carvalho


Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP. Professor dos cursos de especialização em Direito Tributário
do IBET, COGEAE-PUC, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, To-
ledo de Presidente Prudente e da Escola Fazendária do Estado de São Paulo – FA-
ZESP. Coordenador Adjunto da Administração Tributária – CAT-SEFAZ/SP. Juiz
do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT.

Ricardo Bonfá de Jesus


Doutorando e Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP. Professor Convidado dos Cursos de pós-graduação em Direi-
to Tributário da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP e Escola Paulista de
Direito – EPD. Economista pela FAAP. Advogado em São Paulo.
Autores ix

Tácio Lacerda Gama


Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC-SP. Professor de Direito Tributário da PUC-SP. Professor do Instituto Brasi-
leiro de Estudos Tributários – IBET. Advogado.

Vitor Martins Flores


Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Bacharel em Ciên-
cias Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Espe-
cialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBET.
Mestrando em Direito Tributário também pela PUC-SP. Advogado em São Paulo.
Apresentação

As imunidades tributárias constituem tema de inesgotável discussão na doutrina


e na jurisprudência.
As mudanças sociais com reflexo na economia e na atuação do Fisco, a altera-
bilidade dos conceitos de direito privado, a evolução da tecnologia, dentre outros
aspectos mutáveis na realidade social e jurídica contribuem para fazer deste um dos
temas mais debatidos e de rica experimentação no ambiente acadêmico.
Nas valiosas discussões e produções das turmas de Mestrado e Doutorado da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, bem como do Grupo de
Estudos que se reúne desde o ano de 2004, se extrai o material veiculado nesta obra,
a qual é complementada com a contribuição do Professor Roque Antonio Carrazza,
titular da cadeira de Direito Tributário da PUC-SP.
Esta criação teórica, orientada pela independência, autonomia retórica e nível
profundo de reflexão acerca do Direito Tributário, oferece aos leitores treze impor-
tantes estudos, os quais certamente proporcionarão melhor compreensão das ques-
tões atuais relativas às imunidades tributárias.

Elizabeth Nazar Carrazza e Daniel Moreti


A imunidade tributária dos
templos de qualquer culto
(art. 150, VI, b, da CF)
– Questões conexas

1. Introdução. Parte I – Considerações gerais. 2. As imunidades tributá-


rias. 2.1. A impossibilidade jurídica de serem ignoradas as situações de

ROQUE ANTONIO CARRAZZA


imunidade tributária. 3. Principais aspectos da imunidade dos templos
de qualquer culto. 3.1. A noção jurídica de “culto”. Parte II – Questões
específicas. 4. Delimitação dos problemas práticos a serem soluciona-
dos. 5. Irrelevância jurídica da fonte dos ganhos das igrejas, para fins de
fruição da imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição Federal. 6. Da
possibilidade jurídica de as igrejas, sem perda da imunidade tributária
do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, virem a criar instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos. 7. Importação de
bens materiais preordenados ao culto. Imunidade tributária em relação
ao imposto sobre a importação e o ICMS. 7.1. Generalidades. 7.2. A
intributabilidade das igrejas por meio de imposto sobre a importação.
7.3. A intributabilidade das igrejas por meio de ICMS – importação.
8. Considerações finais. 9. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Perquiriremos, neste artigo, qual o significado, o conteúdo e o alcance da imu-


nidade tributária prevista no art. 150, VI, b, da Constituição Federal.
Para tanto, dividiremos nosso estudo em duas partes.
Na primeira, teceremos algumas considerações sobre: (a) as imunidades tribu-
tárias, máxime as que alcançam os templos de qualquer culto (art. 150, VI, b, da
2 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

CF/88); (b) o modo, juridicamente aceito, de comprovar se as igrejas atendem a


suas finalidades essenciais (art. 150, § 4o, da CF/88); (c) a noção jurídica de culto.
De seguida, com apoio nas premissas jurídicas assentadas, cuidaremos de alguns
problemas tributários concretos, que costumam preocupar as igrejas, no que se refe-
re ao benefício constitucional em pauta.

PARTE I – Considerações Gerais

2 AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

I – Como se sabe, competência tributária é a aptidão jurídica que as pessoas políti-


cas (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal) receberam da Consti-
tuição Federal para instituir in abstracto tributos, descrevendo, legislativamente, suas
hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de
cálculo e suas alíquotas.1
As pessoas políticas somente podem criar os tributos que lhes são afetos, se os
acomodarem aos respectivos escaninhos constitucionais, construídos pelo legislador
constituinte, com regras positivas (que autorizam tributar) e negativas (que traçam
os limites materiais e formais da tributação).
Dentre as regras negativas, merecem destaque as que apontam as imunidades
tributárias, vale dizer, as proibições (“incompetências”) para que as entidades tri-
butantes onerem com exações fiscais certas pessoas, seja em função de sua natureza
jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações. Encerram
limitações,2 postas na própria Constituição Federal, à ação estatal de criar tributos.
Vai daí que as imunidades tributárias têm assento constitucional, motivo pelo
qual o tema reclama análise sob a exclusiva óptica da Carta Magna. Deveras, o alcan-
ce desses benefícios não deve ser construído com base na normatividade infracons-
titucional (v.g., no Código Tributário Nacional), mas, apenas, com apoio na própria
Constituição Federal, que há de ser entendida e aplicada de acordo com os valores
que ela consagra.
1
Para maior detalhamento do assunto, v. nosso Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed., São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 529 a 769.
2
O conceito jurídico de limitação foi bem precisado por Marco Aurélio Greco; in verbis: “As limitações (como
seu próprio nome diz) têm função ‘negativa’, condicionando o exercício do poder de tributar, e correspondem a
barreiras que não podem ser ultrapassadas pelo legislador infraconstitucional; ou seja, apontam para algo que
o constituinte quer ver ‘não atingido’ ou ‘protegido’. Em suma, enquanto os princípios indicam um caminho a
seguir, as limitações nos dizem para onde não seguir” (Imunidade Tributária. In: Ives Gandra da Silva Martins
(coord.). Imunidades Tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 710. Grifos do autor.
Roque Antonio Carrazza 3

As normas imunizantes limitam e impedem que as normas de tributação atuem,


por isso que criam situações permanentes3 de não incidência, que nem mesmo a lei
pode anular. É que a imunidade é, em si mesma, um princípio constitucional que
protege os interesses e valores fundamentais da sociedade.
Como corolário, a Administração Fazendária não pode pretender tributos das
categorias imunes, por impossibilidade jurídica de lei válida a respaldar tal pretensão.
Em consequência, as imunidades tributárias – que alguns impropriamente de-
finem como sendo “hipóteses de não incidência tributária constitucionalmente
qualificadas”4 – conferem aos beneficiários direitos públicos subjetivos,5 de não se-
rem compelidos a recolher tributos, nas hipóteses que elas apontam. Dão às pessoas
beneficiadas aquilo que poderíamos chamar de “garantias de não serem alvo de
exações”, enquanto praticam determinados fatos ou atos jurídicos, pois erigem bar-
reiras intransponíveis à própria competência tributária das pessoas políticas.
Caso o ente detentor da competência tributária, ao exercitá-la, venha a tributar
pessoa imune, esta terá legitimação ativa para ingressar em juízo e pleitear a invalida-
de da pretensão estatal.
Portanto, a norma imunizante não tem apenas a função de traçar o perfil da com-
petência tributária, mas a de, por efeito reflexo, conferir, aos destinatários, nas hipó-
teses que ela contempla, o direito público subjetivo de não serem alvo de tributação.6
Nesse sentido, diga-se de passagem, as lições clássicas de Ruy Barbosa Noguei-
ra, in verbis:

Tais imunidades inscritas na Constituição são limitações ao próprio poder impo-


sitivo, expressos por meio de proibições ou exclusões de competência, não apenas
para impedir a cobrança de impostos (...), mas vedação “a priori” da competência

3
As regras imunizantes criam situações de não incidência tributária, que não podem ser ilididas; não, pelo me-
nos, enquanto o Texto Constitucional não for revogado por novo poder constituinte originário. As emendas
constitucionais (fruto do poder constituinte derivado) não podem desconstituir situações de imunidade
tributária, que – adiantamos – protegem e garantem direitos fundamentais. Podem, é certo, modificar a
Constituição, mas observados limites (materiais e formais, implícitos e explícitos), tecnicamente conhecidos
como cláusulas pétreas (cláusulas de identidade constitucional), dentre as quais se inscrevem as regras imu-
nizantes. O poder constituinte derivado é, no rigor dos princípios, poder constituído e, bem por isso,
subordinado, condicionado e secundário. Subordinado, porque regrado pelas próprias normas constitucionais.
Regrado, porque seu exercício deve obedecer à forma prefixada na própria Constituição. E, secundário, porque
seu fundamento de validade é a Constituição vigente, que atualiza e, desde que não esbarre em cláusulas
pétreas, completa.
4
Na realidade, a competência tributária já nasce demarcada pelo Texto Magno, inclusive por meio das regras
de imunidade que ele alberga. Ademais, tais regras sempre incidem, justamente para impedir a tributação, nas
hipóteses que elas contemplam.
5
Direitos públicos subjetivos, na lição escorreita de Riccardo Guastini (Teoria e Dogmatica delle Fonti.
Milano: Dott A. Giuffrè Editore, 1998, p. 17), são os que derivam de normas que conferem, aos destinatários,
direitos oponíveis ao Estado.
6
A regra imunizante confere à pessoa a que favorece o direito público subjetivo de não sofrer a ação tributária
do Estado, ou seja, de não ver seu patrimônio jurídico agredido fora dos lindes do campo aberto à tributação
das pessoas políticas.
4 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

do legislador ordinário, expressamente inscrita na Constituição Federal, por meio


de textos proibitivos, normativos e autoaplicáveis das “hipóteses negativas de atri-
buição de competência”.7

Logo, as regras de imunidade, além de explicitarem formalmente a incompetên-


cia do legislador ordinário (ou, em alguns casos, complementar)8 para instituir tribu-
tos nas situações abarcadas por seus preceitos, conferem, aos beneficiários, o direito
fundamental de defesa, vale dizer, de bater às portas do Poder Judiciário, para que
ele, uma vez constatada a violação, fulmine a inconstitucionalidade, decretando a in-
validade da pretensão fiscal.9

II – Aprofundando o assunto, a competência tributária traduz-se numa autoriza-


ção ou legitimação para a criação de tributos (aspecto positivo) e num limite para
fazê-lo (aspecto negativo).
Eduardo Domingos Bottallo coloca esta ideia de modo bem preciso. Ouçamo-lo:

(...) o campo de incidência da norma (tributária) é identificado mediante um pro-


cesso de qualificação de fatos. Sob tal perspectiva, torna-se simples deduzir qual
será, por oposição, a área de não incidência. Esta corresponderá ao plano integrado
pelo grupo de fatos que – apesar de existentes – não foram alcançados pela dispo-
sição normativa. (...)
Pois bem. Quando a não incidência decorre de expressa disposição constitucional,
que vede ao legislador ordinário competente instituir determinado tributo, alcan-
çando certa realidade, ou pessoa, estamos diante da figura da imunidade. Neste
caso, a vedação – por estar contida no próprio texto da Lei Maior – apresenta-se
como “limitação constitucional do poder de tributar” de que são titulares União,
Estados, Distrito Federal e Municípios.
Este, pois, o campo das imunidades tributárias: hipóteses de não incidência consti-
tucionalmente qualificadas.10

7
Ruy Barbosa Nogueira. Imunidades – Contra Impostos na Constituição Anterior e sua Disciplina Mais Completa
na Constituição de 1988. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 22 e 23.
8
Demandam lei complementar, para serem validamente instituídos, os empréstimos compulsórios (cf.
art. 148, da CF/88), os impostos residuais (cf. art. 154, I, da CF/88) e as contribuições sociais que criam
novas fontes de custeio para a seguridade social (cf. art. 195, § 4o, da CF/88).
9
No mesmo sentido, Heleno Taveira Torres observa: “As ‘imunidades tributárias’ são garantias constitucionais
dirigidas imediatamente à regulação das condutas dos legisladores, estabelecendo proibição de exercício da
competência tributária no âmbito material autorizado pela Constituição e, em contrapartida, destinadas me-
diatamente aos respectivos beneficiários, atribuindo a estes o direito público subjetivo de não tributação sobre
os bens, as pessoas, serviços ou situações declarados imunes.” (Teoria da norma de imunidade tributária e sua
aplicação às instituições de educação. In: Direito Tributário e Ordem Econômica. São Paulo: Quartier Latin,
2010, p. 164).
10
Eduardo Domingos Bottallo. Fundamentos do IPI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 107 e 108 (es-
clarecemos no parêntese).
Roque Antonio Carrazza 5

Com efeito, a imunidade tributária tem sede constitucional, pelo que seu con-
ceito não pode ser construído com base na normatividade legal. É a própria Cons-
tituição Federal que, por meio das regras imunizantes, ajuda a delimitar os limites
normativos das competências tributárias das pessoas políticas.
Por aí se vê que os preceitos imunizantes encerram normas de sobredireito
(Überrecht), também chamadas regras de estrutura, vale dizer, que dispõem sobre
a edição de outras regras.
As normas constitucionais que tratam de imunidades tributárias fixam, por assim
dizer, a não competência (incompetência) dos entes políticos para onerarem com
exações certas pessoas, seja pela natureza jurídica que elas têm, seja porque coligadas
a determinados fatos, bens ou situações.11

III – Remarcamos que as normas constitucionais que veiculam imunidades contri-


buem para traçar o perfil das competências tributárias.
Corroborando a ideia, Paulo de Barros Carvalho expõe:

(...) a regra que imuniza é uma das múltiplas formas de demarcação de compe-
tência. Congrega-se às demais para produzir o campo dentro do qual as pessoas
políticas poderão operar, legislando sobre matéria tributária. Ora, (...) a norma
que firma a hipótese de imunidade colabora no desenho constitucional da faixa de
competência adjudicada às entidades tributantes. Dirige-se ao legislador ordinário
para formar, juntamente com outros mandamentos constitucionais, o feixe de atri-
buições entregue às pessoas investidas de poder político. Aparentemente, difere dos
outros meios empregados por mera questão sintática.12

É o que também ensina José Souto Maior Borges, in verbis:

A regra jurídica de imunidade insere-se no plano das regras negativas de competên-


cia. O setor social abrangido pela imunidade está fora do âmbito da tributação.
Previamente excluído, como vimos, não poderá ser objeto de exploração pelos
entes públicos.13

Portanto, a lei, ao descrever a norma jurídica tributária, não pode, sob pena de
manifesta inconstitucionalidade, colocar certas pessoas na contingência de recolher
aqueles tributos indicados na Carta Suprema. Por muito maior razão, não o pode
11
Embora a doutrina mais tradicional classifique as imunidades em subjetivas, objetivas e mistas, con-
forme se refiram a pessoas, a coisas ou a ambas, em termos técnico-jurídicos, são sempre subjetivas, já
que invariavelmente beneficiam pessoas, quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com
determinados fatos, bens ou situações.
12
Paulo de Barros Carvalho. Imunidades tributárias. Trabalho inédito, 1984, p. 5 e 6.
13
José Souto Maior Borges. Isenções Tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969, p. 209. Grifos do autor.
6 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

fazer a Administração Fazendária, que, ao interpretar e aplicar a lei, também é obri-


gada a levar em conta os ditames constitucionais.

IV – Impende assinalar, sempre nesse domínio, que os preceitos constitucionais


respeitantes às imunidades tributárias das pessoas físicas ou jurídicas beneficiadas,
conferem-lhes garantias fundamentais e, bem por isso, são diretamente aplicáveis,
vinculando, de modo inafastável, a União, os Estados-membros, os Municípios e o
Distrito Federal.
Tais preceitos são, em suma, de eficácia plena e aplicabilidade imediata, inde-
pendendo, pois, para produzirem seus regulares efeitos, da edição de normas inferio-
res, que lhes explicitem o conteúdo.14 Seus comandos endereçam-se tanto ao legislador
(que editará normas de alcance geral e, neste sentido, dará consecução aos mandamen-
tos da Lei Maior), como ao juiz e ao administrador público (que aplicarão estas normas
de caráter geral, se e enquanto estiverem conformes à Constituição Federal).
Vem ao encontro de nosso entendimento o § 1o, do art. 5o, da Constituição Fe-
deral, que estipula terem aplicação imediata “as normas definidoras dos direitos e ga-
rantias fundamentais”.

V – Logo, desobedecer a uma regra de imunidade equivale a incidir em inconstitu-


cionalidade. Ou, parafraseando Aliomar Baleeiro, “as imunidades tornam inconsti-
tucionais as leis ordinárias que as desafiam”.15
Aproveitando o mote, permitimo-nos acrescentar: as imunidades tornam du-
plamente inconstitucionais as manifestações interpretativas e os atos adminis-
trativos que as desafiam.
De fato, se nem a lei pode anular ou restringir as situações de imunidade con-
templadas na Constituição, por muito maior razão não o poderão fazer intérprete e
o aplicador das normas tributárias.
Em suma, criar tributos, só a lei pode; violar imunidades tributárias, nem ela pode.

VI – Por isso tudo, a interpretação dos preceitos imunizantes há de ser sempre ge-
nerosa (Geraldo Ataliba), posto expressarem a vontade do legislador constituin-
te – explicitamente manifestada – de preservar da tributação, valores de particular
significado político, social, religioso, econômico etc. Noutros torneios, as normas
constitucionais que tratam de imunidades tributárias devem ser interpretadas teleo-
logicamente e da forma mais ampla possível (interpretação extensiva), em sintonia,
de resto, com a regra “in dubio pro imunitatem”.
14
José Carlos Vieira de Andrade assinala que, em relação a tais normas, o “seu conteúdo é ou deve ser concre-
tizado ao nível da Constituição, em última análise por intermédio de uma interpretação criadora”. (Os direitos
fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 140).
15
Aliomar Baleeiro. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 87.
Roque Antonio Carrazza 7

O exegeta e o aplicador devem, pois, identificar o bem jurídico tutelado pela


imunidade, e optar pela interpretação que melhor o garanta.
A postura se justifica, porquanto as imunidades tributárias invariavelmente visam
assegurar princípios fundamentais ao regime, evitando sofram as interferências e as
perturbações da tributação.
Ademais, a consagração, pelo Texto Constitucional, de uma imunidade tributá-
ria, é, quase sempre, a consequência lógica de um direito fundamental.
Quando a Constituição Federal prescreve serem imunes aos impostos os templos
de qualquer culto (art. 150, VI, b), ela não está senão dando efetividade ao direito
fundamental à liberdade de consciência e de crença, que se manifesta no livre exer-
cício dos cultos religiosos.
Essa linha de raciocínio assim pode ser resumida: a razão de ser da imunidade
prevista no art. 150, VI, b, da Constituição Federal reside no interesse da sociedade
em ver afastados procedimentos, ainda que normatizados, capazes de inibir a
livre manifestação da religiosidade das pessoas.
Enfim, o próprio Pretório Excelso acolheu a tese de que as imunidades tributá-
rias devem receber uma interpretação extensiva e teleológica, para que não aluam os
escopos políticos que levaram o constituinte originário a plasmá-las na Carta Magna.

VII – Pois bem. De acordo com a maior ou menor amplitude das imunidades tribu-
tárias, estas se dividem em genéricas (v.g., as apontadas no art. 150, VI, da CF, que
alcançam todos os impostos) e específicas (v.g., as apontadas no art. 150, § 2o, X, a
a d, da CF/88, que alcançam apenas o ICMS).
Entretanto, genéricas ou específicas, as imunidades sempre excluem da compe-
tência tributária as situações, pessoas ou fatos a que se referem.

2.1 A impossibilidade jurídica de serem ignoradas as situações de


imunidade tributária

Pensamos ser oportuno frisar que as imunidades – ao contrário das isenções –


não tratam da fenomenologia da incidência, porquanto operam antes deste momen-
to. De fato, antecedem ao próprio exercício, pelas pessoas políticas, das respectivas
competências tributárias, até porque – como vimos – são normas de estrutura que
ajudam a delinear as regras-matrizes das exações a que se referem.
O que estamos querendo exprimir é que, em razão de sua incompetência tribu-
tária, as pessoas políticas não podem nem mesmo isentar o que já é imune. Quanto
mais ignorar ou costear as situações de imunidade. Tampouco, podem fazer com
que, por intermédio de uma interpretação restritiva, restem atropelados os coman-
dos constitucionais que tratam destes assuntos.
8 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Daí ser vedado adotar uma interpretação restritiva das regras de imunidade tri-
butária, sob pena de restarem esvaziados os escopos constitucionais que motivaram
o constituinte originário a forjá-las. O melhor é fazer uma interpretação teleológica,
ou seja, buscar-lhes o sentido e o bem jurídico que protegem.
É sempre bom termos presente, por outro lado, que o louvável propósito de evitar
a evasão tributária não tem força bastante para anular direitos constitucionais dos con-
tribuintes, como, o de verem respeitadas as imunidades tributárias que os favorecem.
Remarcamos que a imunidade cria, em favor das pessoas envolvidas, o direito
subjetivo de exigir que o Poder Público se abstenha de cobrar-lhes certos tributos.
Assim como as pessoas têm o direito de pagar apenas os tributos previstos em lei,
têm o direito de não pagar os tributos do quais estão constitucionalmente imunes.
Depois, a imunidade tributária possui, entre nós, assento constitucional e, deste
modo, não pode ter seu alcance destruído ou, mesmo, amesquinhado, por normas
infraconstitucionais.16
Calham, a propósito, estas argutas observações de Josaphat Marinho:

A ampliação excessiva de normas tributárias nas Constituições mutila a competên-


cia do legislador ordinário... A Constituição brasileira é manifestamente ampla e rí-
gida na disciplina do sistema tributário, e por isso mesmo restritiva da competência
do legislador ordinário.17

Em suma, as inibições de competência tributária plasmadas pela Constituição


não podem ser neutralizadas, nem pela lei, nem, muito menos, pelo aplicador da lei.
É o caso, aqui, de aplicarmos a velha fórmula positivista: algo (pessoa, bem, ope-
ração etc.) é imune à tributação porque o constituinte originário o quis. Diante do
imperativo constitucional devem cessar quaisquer discussões que tenham em mira
reverter, ainda que parcialmente, o quadro.
Muito bem, estendido este pano de fundo, estudemos, agora, com as necessárias
simplificações, a situação de imunidade contemplada na alínea b, do inciso VI, do
art. 150, da Constituição Federal.

3 PRINCIPAIS ASPECTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS


TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

I – Os templos de qualquer culto são imunes à tributação por meio de impostos, ex


vi do disposto no art. 150, VI, b, da Constituição Federal:
16
O contrário se dá com as isenções tributárias, que podem ser concedidas ou suprimidas pelas pessoas políti-
cas, no exercício de suas competências tributárias.
17
Josaphat Marinho. Princípios Constitucionais Tributários. In: Estudos de Direito Público em Homenagem a
Aliomar Baleeiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1976.
Roque Antonio Carrazza 9

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto.

Esta imunidade – convém que se frise – representa a extensão do direito funda-


mental à liberdade de consciência e de crença, consagrado no art. 5o, incisos VI, VII
e VIII, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin-
do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exer-
cício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e
a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades
civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convic-
ção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Como facilmente se percebe, a ratio essendi destes dispositivos é garantir, a todas


as pessoas, sua religiosidade e, mais do que isso, permitir que a divulguem e manifes-
tem livremente. A Constituição conferiu-lhes a titularidade ativa do direito à ampla
e irrestrita liberdade religiosa.18

II – A liberdade religiosa, uma das manifestações dos direitos humanos em socieda-


de, tem três dimensões: individual, social e política. Com efeito, abrange (i) o direito
de ter convicções sobre assuntos espirituais (dimensão individual), (ii) o direito de
manifestá-las livremente (dimensão social) e (iii) o direito à objeção de consciência
(dimensão política).
Desenvolvendo a ideia, o direito de ter convicções protege o foro íntimo das
pessoas, permitindo que cultivem, sem nenhum empeço, suas crenças religiosas.
18
Nunca é demais lembrar, com Ricardo Lobo Torres, que “é por intermédio das imunidades que as liberdades
se afirmam como direitos absolutos diante do poder tributário” (Os Direitos Humanos e a Tributação – Imuni-
dades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 50).
10 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Já, o direito de manifestar suas convicções garante a todas as pessoas, individual


ou coletivamente, em público ou em caráter privado (inclusive na prisão),19 exercitar
o culto, com seus dogmas e liturgias, bem como ensiná-los, sem vir sofrer, por isso,
quaisquer constrangimentos ou danos.20
Por fim, o direito à objeção de consciência concede, ao indivíduo, a faculdade
de, em nome das suas convicções espirituais, subtrair-se às obrigações legais (v.g., ao
serviço militar obrigatório), sem sofrer qualquer tipo de sanção, a menos que se re-
cuse “a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (art. 5o, VIII, da CF).
Vai daí que não pode haver nenhuma forma de discriminação (princípio da não
discriminação)21 fundada nas convicções religiosas das pessoas. Exige-se, da parte
do Estado, uma postura proativa, capaz de garantir, a cada indivíduo, a opção de,
sem qualquer prejuízo ou ameaça, adotar, ou não, uma religião22 ou, se entender
oportuno, mudar para outra.
Note-se que o conceito de religião é aberto, abarcando qualquer crença trans-
cendental de pessoas que se reúnem com a certeza íntima de que estão moralmente
obrigadas pelos mandamentos que dela emanam.23
O valor intrínseco do culto e seus fundamentos morais, tanto quanto a essência
ou o conteúdo da religião, escapam à análise do Poder Público, até para que não res-
tem prejudicadas as crenças das minorias.
Daí que a liberdade religiosa, afirmada em nosso texto constitucional, reclama,
máxime das autoridades públicas, o pleno respeito às convicções e à independência
espiritual de cada indivíduo. Direito fundamental, consagrado na própria Declaração
Universal dos Direitos Humanos (art. 18), da qual o Brasil é signatário, é, em nosso
19
Evidentemente, o detento terá, apesar do seu direito fundamental à liberdade religiosa, que suportar as li-
mitações inerentes à condenação e às exigências próprias de sua execução. Não poderá, por exemplo, dirigir-se
livremente ao templo de sua preferência, nem participar de procissões ou romarias. São as decorrências lógicas
da própria privação da liberdade física a que, em razão da condenação criminal, está submetido.
20
Este direito pode ser restringido, motivadamente (portanto, com possibilidade de controle judicial), por
razões de ordem, saúde ou segurança pública, e sempre com base em lei.
21
Ana Maria Guerra Martins tece oportunas considerações acerca do princípio da não discriminação; ver-
bis: Este princípio baseia-se na igualdade de todos os seres humanos e é uma decorrência da igual dignidade
de todos os seres humanos. É afirmado no art. 1o, § 3o, da Carta das Nações Unidas, nos arts. 1o e 2o da DUDH
(Declaração Universal dos Direitos do Homem) e em todos os instrumentos internacionais de direitos humanos,
de entre os quais cumpre destacar o art. 2o, no 1, do PIDCP (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos).
O princípio da não discriminação supõe que deve ser dado um tratamento igual a indivíduos e situações
iguais e implica a existência de uma norma que prescreva essa igualdade de tratamento.
As convenções de âmbito geral adoptam uma postula global e esforçam-se por levar em conta toda a
discriminação, proibindo as discriminações em função do sexo, da raça, da língua, da religião, das opi-
niões, do nascimento, da origem nacional ou social, de pertencer a uma minoria nacional, da fortuna ou ainda
qualquer outra situação. (Direito Internacional dos Direitos Humanos. Coimbra: Almedina, 2006, p. 173-174.
Esclarecemos nos parênteses e grifamos).
22
O Estado não pode obrigar as pessoas a terem uma crença religiosa ou a participarem, contra sua vontade,
de atividades espirituais; tampouco pode prejudicar a quem delas se abstiver.
23
Não é por outro motivo que o conceito de religião não é substancial, mas funcional.
Roque Antonio Carrazza 11

ordenamento constitucional, cláusula pétrea, não podendo, pois, ser derrogado,


nem mesmo por meio de emenda constitucional.
Em suma, o Estado brasileiro tem a obrigação constitucional de respeitar as convic-
ções religiosas – sejam quais forem – de seus habitantes, pelo que deve manter neutra-
lidade sobre o assunto e tratar com isonomia as múltiplas religiões existentes no País.24

III – Remarque-se que o País assegura a livre manifestação de qualquer culto. Daí o
desafio constante de, sem perda do secularismo, proteger o direito fundamental à li-
berdade religiosa, que se imbrica num dos pilares do nosso ordenamento jurídico: a
dignidade da pessoa humana.25 É ela que justifica a atribuição de direitos funda-
mentais aos cidadãos, quando se defrontam com o Estado-Poder.26
Não é difícil perceber, pois, que a imunidade tributária dos templos de qualquer
culto reforça e salvaguarda o princípio da liberdade religiosa. É, no dizer expressi-
vo de Ricardo Lobo Torres, seu contraponto fiscal.27 Justamente por este motivo,
a imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, deve ser interpretada com
vistas largas. Mais do que o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a ce-
rimônias religiosas, o benefício alcança a própria entidade mantenedora (a igreja),
além de estender-se a tudo quanto esteja vinculado às liturgias (batizados, celebra-
ções religiosas, consagrações, vigílias etc.).
E nem se diga que, no texto constitucional, está escrito “templos” (local do cul-
to) e, portanto, o que foge disso, é pura especulação dos interessados em dilargar
o campo da imunidade em destaque. Tal entendimento não se sustenta, em face da
interpretação sistemática dos dispositivos acima citados e do próprio preâmbulo da
Carta Suprema.28
24
Em consequência do princípio da isonomia, as vantagens, inclusive tributárias, que uma confissão religio-
sa recebe, devem ser estendidas às demais.
25
Para não deixar nenhuma dúvida a respeito, a Constituição Federal, já em seu art. 1o, III, enuncia solenemente
que a República Federativa do Brasil também se fundamenta na “dignidade da pessoa humana”. O indivíduo
é o limite e a base do domínio político da República, motivo pelo qual a dignitas humana é inviolável, ou seja,
é um bem jurídico absoluto, que não pode ser lesado por nenhuma pessoa, seja de direito público, seja de
direito privado. Também é inalienável e irrenunciável, já que a vida não pode ser degradada a um sem valor,
nem mesmo por seu titular.
26
Nessa linha, José de Melo Alexandrino acentua, com propriedade, que “num ordenamento de Estado cons-
titucional, os direitos fundamentais constituem garantias jurídicas dirigidas contra o Estado ou principalmente
contra o Estado. Esta regra é inquestionável: tem uma justificação histórica e filosófica; tem justificação nos
textos e na estrutura das Constituições, encontrando o mais amplo acolhimento na prática de todas as ordens
jurídicas das sociedades abertas; tem uma justificação funcional e é defensável segundo os quadros da ciência
jurídica.” (Direitos Fundamentais: Introdução Geral. Estoril: Princípia, 2007, p. 96. Grifos do autor).
27
José de Melo Alexandrino. Op. cit., p. 210.
28
O preâmbulo da Constituição Federal assim dispõe: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob
a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. Grifos do autor.
12 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Ademais, como os templos, em si mesmos considerados, não possuem nem ren-


da nem patrimônio, nem prestam serviços, segue-se, necessariamente, que a imu-
nidade em tela subjetiva-se na igreja, vale dizer, na pessoa jurídica regularmente
constituída, que mantém, como finalidade essencial (art. 150, §  4o, da CF/88),
atividades religiosas.29
Aprofundando o assunto, está dentro das finalidades essenciais do templo de
qualquer culto, sua construção, decoração e manutenção.30 Isso porque a imunida-
de em questão protege o patrimônio da igreja, compreendendo seus bens móveis e
imóveis.31

IIIa – A propósito, vale salientar que o legislador, mesmo o Constituinte, não dá à


publicidade normas jurídicas, mas textos, a cujos enunciados o labor hermenêuti-
co atribui significados. A esses significados, sim, dá-se o nome técnico de normas
jurídicas.
É por isso que não é jurídica a interpretação literal, também chamada interpre-
tação gramatical. A interpretação gramatical é mero pressuposto de interpretação;
é ponto de partida, jamais ponto de chegada do labor exegético. Jurídica é a inter-
pretação sistemática e, quando se está diante de direitos fundamentais (como
este de ver garantida a livre manifestação da religiosidade das pessoas), uma inter-
pretação conforme a Constituição,32 com o conjunto de seus critérios e valores.
29
No mesmo sentido, Regina Helena Costa observa: “Ora, os templos não possuem patrimônio, renda e servi-
ços, mas sim a pessoa jurídica que os detém. Se a imunidade vincula-se ao patrimônio, à renda e aos serviços
relacionados com as finalidades essenciais da ‘entidade’ mencionada na alínea ‘b’ do inciso VI do art. 150 (§ 4o),
trata-se da própria Igreja – esta, sim, possuidora de patrimônio, renda e serviços.” (Imunidades Tributárias –
teoria e análise da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 158).
30
Apenas a guisa de curiosidade, esta ideia foi encampada pelo Código Tributário da Alemanha, de 1977,
que, em seu art. 54, § 2o, estabelece: “constituem fins religiosos especialmente a construção, decoração
e manutenção de templos e casas paroquiais, a celebração do culto religioso, a formação de clérigos e
ministros, o ensino religioso, o sepultamento dos mortos e o culto de sua memória, bem como a administração
da Igreja, a remuneração dos clérigos e ministros, dos funcionários e auxiliares eclesiásticos, a instituição de
fundos para o amparo à velhice e invalidez em favor dessas pessoas e de seguro social para as respectivas viúvas
e órfãos”. (Novo Código Tributário Alemão. Alfred J. Schmidt e outros (trad.). São Paulo: Forense/IBDT, 1978).
Grifos do autor.
31
Estamos tomando a palavra patrimônio no sentido de conjunto de direitos de conteúdo econômico,
abrangendo, assim, a propriedade, a posse, os direitos obrigacionais, os direitos a prestações pecuniárias, bem
como aqueles cujo objeto tenha valor de uso ou de troca.
32
Entende-se atualmente que a Constituição, além de ser o texto fundador e legitimador do ordenamento nor-
mativo, é um parâmetro hermenêutico de construção e realização do Direito. O postulado da interpretação
conforme a Constituição leva necessariamente a que, diante de várias possibilidades interpretativas de uma
norma, se opte pela mais consentânea com o Texto Magno.
Nesse sentido, de resto, pronunciou-se Karl Larenz; in verbis: “Se uma interpretação, que não contradiz os
princípios da Constituição, é possível segundo os demais critérios de interpretação, há de preferir-se a qualquer
outra em que a disposição viesse a ser inconstitucional. A disposição é então, nesta interpretação, válida. Disso
decorre, então, que de entre várias interpretações possíveis segundo os demais critérios sempre obtém prefe-
rência aquela que melhor concorde com os princípios da Constituição” (Metodologia da Ciência do Direito. José
Lamego (trad.), 3. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 480).
Roque Antonio Carrazza 13

Retomaremos esta ideia quando analisarmos, com maior detença, o § 4o, do art. 150,
da Constituição Federal.

IIIb – Retomando a linha de pensamento, a expressão templos de qualquer culto


há de receber interpretação abrangente, de modo que, no contexto constitucional,
deve ser tomada no sentido de igrejas, em suas várias formas organizacionais.
Por igreja entendemos a instituição religiosa que cultua, por meio de ritos pró-
prios, um Ser Transcendental e que, no dizer expressivo de Del Giudice, “tende a
conseguir o bem comum sobrenatural da santificação dos fiéis”.33
Assentada esta premissa, é o caso de indagarmos: que impostos poderiam even-
tualmente alcançar os templos de qualquer culto?
Vários impostos, apressamo-nos em responder.
De fato, sobre o imóvel onde o culto se realiza incidiria o imposto predial e ter-
ritorial urbano (IPTU); sobre a prestação do serviço religioso, o imposto sobre servi-
ços de qualquer natureza (ISS); sobre as esmolas, espórtulas e dízimos pagos à igreja,
por seus fiéis, o imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ); sobre a aquisição
de bens imóveis destinados ao culto, o imposto sobre a transmissão “intervivos”, por
ato oneroso, de bens imóveis (ITBI); sobre a importação de bens relacionados com
o culto, o imposto sobre a importação (II), o imposto sobre produtos industrializa-
dos (IPI) e o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação
(ICMS); e assim avante.
Ora, nenhum destes impostos – nem quaisquer outros que incidam sobre atos
ou fatos coligados ao exercício das atividades religiosas – pode incidir sobre os tem-
plos de qualquer culto, em consequência da regra imunizante em estudo.

IV – Sempre mais se revela que a alínea b em foco visa a assegurar a livre manifestação
da religiosidade das pessoas, isto é, da fé que elas têm em certos valores transcenden-
tais. O Estado (aqui tomado no sentido de pessoa política tributante) não pode, nem
mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício dos cultos religiosos.
Portanto, o fundamento da imunidade dos templos de qualquer culto não é au-
sência de capacidade contributiva (aptidão econômica para contribuir com os gas-
tos da coletividade), mas a proteção da liberdade dos indivíduos, que restaria tolhida,
caso as igrejas tivessem que suportar os impostos incidentes “sobre o patrimônio,
a renda ou os serviços”, mesmo quando tais fatos jurídico-econômicos guardassem
sintonia com as “finalidades essenciais” (art. 150, § 4o, da CF/88) do culto.
Aqui chegados, vale lembrar célebre decisão (caso McCulloch vs. Maryland), expen-
dida em 1819, pela Suprema Corte norte-americana, à época presidida pelo legendário
33
Nociones de Derecho Canónico, Pamplona, 1955, p. 44.
14 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

John Marshall. Nesse autêntico leading case ficou assentada ideia que, sendo universal
e atemporal, vale até hoje, inclusive para o Brasil; a saber: “a competência para tributar
por meio de impostos envolve, eventualmente, a competência para destruir”.
Ora, não se deseja – e a Constituição brasileira expressamente não o admite –
que as pessoas políticas prejudiquem, muito menos destruam, os cultos religiosos,
que devem ser livres.
Assim, as pessoas políticas não podem exigir impostos dos “templos de qual-
quer culto”. Insista-se: das igrejas, com suas mantenedoras.
Mais e mais se robustece a ideia de que a Constituição garante, inclusive com a
imunidade tributária em tela, a liberdade de culto e a igualdade entre as crenças re-
ligiosas (Sacha Calmon Navarro Coêlho), o que, de resto, vem proclamado em seu
já citado art. 5o, inciso VI.
Pois bem. Uma das fórmulas encontradas para tanto foi justamente esta: vedar
a cobrança de impostos sobre os templos de qualquer culto. A Constituição estende
a imunidade tributária aos cultos religiosos, sem olhar para a igreja que os promove,
pelo que fica vedada qualquer atividade legislativa capaz de submetê-la ao pagamen-
to de tributos não vinculados.

V – Abrindo um ligeiro parêntese, a imunidade em estudo é decorrência natural


da separação entre a Igreja e o Estado, decretada com a Proclamação da República
(1889) e mantida até os dias atuais.
Sabemos que, durante o Império (de 1822 a 1889), tínhamos uma religião ofi-
cial: a religião católica apostólica romana, que, conquanto não fosse imposta pela
força, desfrutava de grandes privilégios, a ponto de se confundir com o próprio Es-
tado.34 As outras religiões eram aceitas, mas apenas a católica recebia especial prote-
ção do Estado.35 Naquela época, pois, tolerância significava apenas não perseguir as
pessoas, por suas convicções ou práticas religiosas.
34
O art. 5o da Constituição de 1824 dispunha: “Art. 5o A religião católica apostólica romana continuará a ser
a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em
casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. A situação perdurou até que, proclamada a
República, o governo provisório determinou a liberdade de cultos e a igualdade das religiões, com a edição do
Decreto no 119-A, de 07/01/1890.
35
Isso era, a um tempo, bom e mau para a religião católica apostólica romana. Bom, porque a Igreja Católica
tinha todas as facilidades (por exemplo, os bispos, sacerdotes e religiosos em geral eram considerados funcio-
nários públicos do Império, fazendo jus a salário e aposentadoria). E mau, porque, apesar da benesse – e justa-
mente em razão dela –, perdeu quase que completamente sua autonomia. Para termos uma ideia deste aspecto
negativo, basta lembrar que nenhum bispo católico podia ser ungido por Roma, sem o placet do Imperador.
Havia, pois, no Brasil da época, um verdadeiro césaro-papismo, à semelhança do que existiu na antiga Roma,
sob o governo de Constantino, o Grande.
Merece registro, neste passo, a célebre Questão Religiosa, quando alguns bispos católicos criticaram o Im-
perador, sendo, em consequência, encarcerados. Sob o aspecto jurídico, nenhuma injuridicidade sofreram, já
que, sendo funcionários do Império, tinham o dever de obediência ao Imperador, que os impedia de tecer, em
público, comentários desairosos à sua pessoa.
Roque Antonio Carrazza 15

Com a proclamação da República, que se inspirou no positivismo de Augusto


Comte, foi imediatamente decretada a separação entre a Igreja e o Estado, que se
tornou laico, deixando de privilegiar qualquer religião, ainda que majoritária; pelo
contrário, passou a aceitar todas elas, a começar pelas minoritárias.36
Esta asserção vem confirmada pelo art. 19, I, da Constituição Federal, que
estabelece:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funciona-
mento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.37

Logo, o Estado brasileiro é incontendivelmente laico, vale dizer, não confes-


sional. Todavia, como já sinaliza o preâmbulo de nossa Carta Magna (que invoca
“a proteção de Deus”, no sentido de “Ser Transcendental”), está longe de ser ateu ou
inimigo da fé. Pelo contrário, respeita todas as religiões, conquanto delas se mante-
nha equidistante, e dá às pessoas a opção de, sem sofrerem gravames fiscais, virem a
praticar qualquer delas ou, até, não praticarem nenhuma.
A razão de ser do art. 150, VI, b, da Constituição Federal é o direito funda-
mental à liberdade religiosa, como bem o percebeu Ricardo Lobo Torres, in verbis:

O fundamento jurídico da imunidade dos templos é a “liberdade religiosa”, um


dos pilares do liberalismo e do Estado de Direito. O cidadão pode praticar a reli-
gião que quiser – ou não praticar nenhuma – sem que esteja sujeito ao pagamento
de qualquer tributo. A imunidade fiscal, no caso, é um atributo da própria pessoa
humana, é condição de validade dos direitos fundamentais.38

Evidentemente, o Estado tolera as religiões que não ofendem nem a moral, nem
os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança nacional. Há, no en-
tanto, uma presunção no sentido de que toda religião é legítima, presunção esta que
só cede passo diante de inequívoca prova em contrário, a ser produzida pelo Estado,
perante o Poder Judiciário, assegurado à igreja o exercício de seu direito constitucio-
nal à ampla defesa, com o contraditório e o devido processo legal.
36
Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, a Igreja da Razão
(igreja positivista) e o centro espírita. Mesmo cultos com poucos adeptos têm direito à imunidade, até por-
que o benefício em tela é mais necessário às religiões incipientes que àquelas que, tendo grande número de
fiéis, bem ou mal, sempre encontrariam meios de sobrevivência, ainda que compelidas a suportar pesadas
cargas fiscais.
37
Esse dispositivo veda, de modo indireto embora, que o Estado, subvencionando uma Igreja, venha a criar
embaraços à formação e ao livre funcionamento de outras.
38
Ricardo Lobo Torres. Op. cit., p. 211.
16 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Entretanto, como o Direito não se compadece com fraudes e abusos, é mister


averiguar, com cuidado, se o “culto” atende aos requisitos mínimos de espiritua-
lidade e transcendentalidade, para que venha guindado ao patamar de verdadeira
religião.39

VI – Retornando à questão central, os “templos de qualquer culto” são, como vi-


mos, imunes a impostos.
A própria palavra templos tem sido entendida com certa dose de liberalidade.
Assim, são considerados templos, não apenas os edifícios destinados à celebração
pública dos ritos religiosos, isto é, os locais onde o culto se professa, mas, também,
seus anexos, vale dizer, os imóveis que tornam possível ou, quanto pouco, facilitam
a prática da religião. Exemplificando, consideram-se anexos dos templos, em termos
de religião católica, a casa paroquial, o seminário, o convento, a abadia, o cemitério
onde os religiosos ou os membros das ordens terceiras são sepultados etc., desde que
estes imóveis venham empregados, como observa Aliomar Baleeiro, nas atividades
essenciais do culto. Implementada a condição, também eles não podem sofrer a in-
cidência do IPTU. Já, na religião protestante, evangélica ou pentecostal, são anexos
dos templos a casa do pastor (local, pertencente à confissão religiosa, onde o pastor
reside, prepara suas prédicas, recebe os fiéis etc.), o centro de formação de pastores
etc.; na israelita, a casa do rabino (observados os mesmos requisitos), o centro de
formação de rabinos (o rabinato); na umbandista, a casa do “pai de santo”, o terrei-
ro onde são doutrinados os sacerdotes do culto etc. Neste ponto, não podemos ser
preconceituosos, afrontando o desígnio constitucional.40
De fato, de pouco valeria considerar imune ao IPTU o templo propriamente
dito e fazer incidir este tributo sobre o imóvel pertencente à confissão religiosa, onde
o oficiante do culto reside, prepara suas homilias, atende aos interessados em obter
assistência espiritual. Seria o mesmo que dar com a mão direita e tirar com a esquer-
da, o que, por óbvio, a Constituição não faz.41

VII – Em relação ao imóvel rural, a igreja regularmente constituída também goza


de imunidade tributária, quando nele se desenvolvem atividades essenciais ao culto –
como, por exemplo, a formação de religiosos. A situação não se descaracteriza, ainda
39
Pelo menos para os fins do disposto no art. 150, VI, b, da Constituição Federal, não revestiria a condição de
culto uma hipotética “Igreja” que tivesse por objetivo “adorar” um grande herói do esporte.
40
Valem, a propósito, as oportunas ponderações de Sacha Calmon Navarro Coêlho; in verbis: “O templo, dada
a isonomia de todas as religiões, não é só a catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o ter-
reiro de candomblé ou de umbanda, a igreja protestante, shintoísta e a mesquita maometana. Pouco importa
tenha a seita poucos adeptos. Desde que uns na sociedade possuam fé comum e se reúnam em lugar dedicado
exclusivamente ao culto da sua predileção, este lugar há de ser um templo e gozará de imunidade tributária.”
(Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 303 e 304).
41
Outra não é a lição de Carlos Maximiliano; in verbis: “A Constituição não destrói a si própria. Em outros
termos, o poder que ela confere com a mão direita, não retira, em seguida, com a esquerda” (Comentários à
Constituição Brasileira de 1946. 5. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954, p. 134. v. I).
Roque Antonio Carrazza 17

que ali presentes empreendimentos hortifrutigranjeiros ou agropastoris, desde que,


no entanto, a produção se destine ao consumo interno, e não ao comércio.
Estão igualmente abrangidos pela imunidade em tela, os rendimentos obtidos
pela igreja, quando promove uma quermesse, desde que, comprovadamente, rever-
tam em benefício do culto. O mesmo podemos dizer dos serviços de comunicação
radiofônica e televisiva, se realizados com o propósito de evangelização.
Afinal, a própria existência do templo traz à sirga o reconhecimento de sua plena
autonomia e, por via de consequência, o direito à criação e fruição dos meios mate-
riais, para a plena realização de seus fins espirituais.

VIII – De qualquer modo, a imunidade, como anota Luís Eduardo Schoueri, não
pode atropelar o princípio constitucional da livre iniciativa e, assim, não se estende
às atividades que podem ser exercidas, com igual proveito, pela iniciativa privada.42
Portanto, a imunidade passa ao largo, quando se demonstra a existência, no
culto, da finalidade mercantil, isto é, de práticas típicas das entidades lucrativas, que
levam ao enriquecimento pessoal dos membros da igreja e que provocam desequilí-
brio na concorrência.
Mas, quid iuris, se os rendimentos obtidos por meio de atividades econômicas,
forem carreados às igrejas e suas finalidades essenciais?

IX – No passado, pronunciamo-nos no sentido de não estarem cobertas pela imu-


nidade as rendas provenientes da comercialização de objetos sacros, da exploração
econômica de estacionamentos e restaurantes, da venda de licores, vinhos, velas etc.,
ainda que revertessem em benefício do culto. Justificávamos nossa posição, argu-
mentando que estas não são finalidades essenciais ao culto, mas meramente tem-
porais, esbarrando assim, na restrição veiculada no art. 150, § 4o, da Constituição
Federal (“as vedações expressas no inciso VI, alíneas ‘b’ e ‘c’, compreendem somente o
patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entida-
des nelas mencionadas”).
Ocorre, porém, como tantas vezes se disse, que nada neste mundo foi suficien-
temente pensado, que não possa ser repensado. Sempre se pode voltar a encarar um
assunto de modo renovado.43
42
Contribuição ao Estudo do Regime Jurídico das Normas Tributárias Indutoras como Instrumento de Interven-
ção sobre o Domínio Econômico, tese de titularidade, Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2002, p. 381.
43
Como acentua, com toda a propriedade, Ernest Bloch: “Tudo o que é sensato pode já ter sido sete vezes pen-
sado. Todavia, quando foi novamente pensado, em outro tempo e lugar, não era mais o mesmo. Não apenas
seu pensador, mas sobretudo aquilo a ser pensado alterou-se neste interregno.” (citado por Reinhard Singer,
em seu artigo “Direitos Fundamentais no Direito do Trabalho”, traduzido por Pedro Scherer de Mello Aleixo e
publicado no livro Direitos Fundamentais e Direito Privado – Uma Perspectiva de Direito Comparado. Coimbra:
Almedina, 2007, p. 327).
18 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Assim, hoje, depois de retrilhar os caminhos do nosso pensamento, estamos


convencidos de que o supra aludido parágrafo, por envolver restrições, há de ser in-
terpretado com cautela (“exceptio est strictissimae interpretationis”), de modo a não
afetar o núcleo essencial do preceito imunizante em pauta.
Em nosso atual ponto de vista, o § 4o, do art. 150, da Constituição Federal, ao
aludir às “finalidades essenciais” dos templos de qualquer culto, não leva em conta
– ao contrário do que uma primeira leitura revela – o modo pelo qual os recursos
são carreados para a igreja, mas o lugar para onde devem ir. Desde que comprova-
damente se destinem à mantença do culto e das atividades da igreja, implementa-se
o desígnio constitucional em pauta.
Noutras palavras, se as rendas obtidas, ainda que de forma atípica, pela institui-
ção religiosa, tiverem aplicação consentânea com as finalidades essenciais do culto, o
reconhecimento da imunidade tributária é de rigor.
Concordamos, pois, com Regina Helena Costa, quando observa:

Pensamos que o que a Lei Maior exige é uma correspondência entre a renda ob-
tida pelo templo e sua aplicação; então, havendo relação entre a renda e as finali-
dades essenciais, satisfeita estará a vontade constitucional. Logo é a “destinação”
dos recursos obtidos pela entidade o fator determinante do alcance da exoneração
constitucional.44

No mínimo, o assunto há de ser examinado com cautela. Somente a análise


imparcial e desprovida de preconceitos, de cada caso concreto, revelará se as fina-
lidades essenciais do culto estão ou não sendo atendidas, com os rendimentos da
igreja ou com os bens, móveis ou imóveis, incorporados ao seu patrimônio. Caso
se demonstre que a entidade religiosa, ainda que aufira recursos desenvolvendo ati-
vidades puramente temporais, os aplica para a consecução de seus objetivos espiri-
tuais, não há motivos jurídicos para retirar-lhe a imunidade do art. 150, VI, b, da
Constituição Federal.

X – É certo que o § 4o, do art. 150, da Constituição Federal, estabelece que a imu-
nidade aos impostos dos templos de qualquer culto, “compreendem somente o patri-
mônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades
nelas mencionadas”.
Segundo pensamos, este dispositivo, ao aludir às “finalidades essenciais”, está a
cuidar, no ponto que ora nos interessa, dos bens (móveis e imóveis), rendas e servi-
ços relacionados ao bom funcionamento da igreja e à ampliação do número de seus
fiéis. Desde que comprovadamente se destinem à mantença ou, mesmo, ao aperfei-
çoamento do culto, implementa-se o desígnio constitucional em pauta.
44
Regina Helena Costa. Op. cit., p. 160.
Roque Antonio Carrazza 19

Especificamente quanto ao patrimônio da igreja, pouco importa, a nosso ver,


o tipo de bens que a ele serão incorporados. O que a Constituição protege não é o
bem em si mesmo considerado, mas os fins a que se destina. Se, pela óptica dos líde-
res religiosos e dos fiéis, ele for essencial ao exercício do culto religioso, é abrangido
pela imunidade.
Segue-se, do exposto, que o patrimônio, as rendas e as atividades da igreja, des-
de que de origem lícita e preordenados ao culto – finalidade essencial da instituição
religiosa – são imunes aos impostos.
O único limite que o § 4o, do art. 150, da Constituição Federal estabelece para
o gozo da exoneração constitucional, é a impossibilidade de a igreja distribuir seus
bens ou rendimentos aos que a dirigem ou a terceiros que desempenham atividades
laicas.
Em suma, o que o dispositivo constitucional em foco veda é a apropriação dos
haveres da igreja, para serem utilizados em finalidades distintas do culto.
Seguindo nesta trilha, temos por irrelevante a natureza da fonte dos recursos da
igreja (aluguéis, prestação onerosa de serviços, aplicações financeiras etc.). Basta que
seja lícita e não conspire contra o princípio da livre concorrência.
Dignas de aplauso, a respeito, as percucientes observações de Aires Fernandino
Barreto, in verbis:

Salvo se houver agressão ao princípio da livre concorrência, no mais podem as ren-


das ser provenientes de quaisquer fontes lícitas. Isto é até desejável juridicamente.
Nada tem de repugnante. Pelo contrário, a simples presença no texto constitucio-
nal da imunidade para essas entidades já mostra ser desígnio constitucional claro
que elas obtenham rendas, empreguem seu patrimônio e desempenhem serviços
tendo em vista esse objetivo, que, por sua vez, irá suportar, custear financeiramente
aquelas finalidades realizadoras de valores constitucionalmente prestigiados. (...)
Se essas entidades têm imóveis, não se espera que eles fiquem ociosos. Se elas pos-
suem terrenos, é altamente desejável que os explorem, direta ou indiretamente,
com estacionamentos ou qualquer outra forma. Se são titulares de prédios, é bom
que os aluguem, desde que fortaleçam suas finanças. Se têm maquinaria e pessoal
especializado, que invistam em editoras ou que prestem serviços de variada ordem.
Suas finalidades são constitucionalmente queridas. E só são realizáveis com recursos
financeiros. E esses recursos financeiros não existiriam se as entidades não alugas-
sem, não prestassem serviços, não auferissem rendas. (...)
Seja em se tratando de templo, de partido político, de suas fundações, de institui-
ção de educação ou de assistência social, o que a Constituição protege são os fins
consistentes na liberdade do exercício do culto religioso, na prestação de educação
20 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

e no oferecimento de assistência social. O que a Constituição veda é a distribuição


de “lucros” (melhor seria “superávits”).45

Não precisaria dizer mais, nem melhor.


Desdobrando estas ideias, as aquisições de bens móveis ou imóveis e as rendas
(provenientes de lucros, ganhos de capital e alugueres de imóveis) desde que “rela-
cionadas às finalidades essenciais” do culto, passam ao largo dos impostos que, de
regra, incidem sobre estas operações jurídicas. Sendo mais explícitos, as rendas da
igreja, se diretamente relacionadas às finalidades essenciais do culto, são imunes ao
IRPJ; os serviços por ela prestados a título oneroso, desde que também revertam em
benefício do culto, imunes ao ISS; seu patrimônio, que lhe dá visibilidade material e
reforça a fé de seus adeptos, imune ao imposto sobre a importação, ao IPTU, ao
ITBI, ao IPI, ao ICMS; e assim por diante.
A imunidade em tela só cede passo quando as rendas, os serviços e o patrimônio
da igreja estão a serviço de finalidades estranhas ao culto, cabendo ao Poder Público
o ônus da prova deste desvirtuamento.

XI – Ao assim nos posicionarmos, estamos a seguir tendência do próprio Supremo


Tribunal Federal, manifestada na Súmula no 724,46 que embora aluda às situações de
imunidade traçadas no art. 150, VI, c, da Constituição Federal (partidos políticos
e suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e
de assistência social, sem fins lucrativos), revela que o que importa, para usufruir do
benefício em tela, não é o modo como os ganhos são obtidos, mas como vêm apli-
cados. Numa frase, o que se protege dos impostos são os valores que revertam em
benefício da igreja e dos seus objetivos espirituais, ainda que decorram de atividades
não diretamente religiosas.
Em contranota, a imunidade somente cessa se for provado que as rendas dos
templos são aplicadas em fim diverso que o de culto, como, por exemplo, no enri-
quecimento de seus líderes.
De conseguinte, correndo-nos de posição anteriormente assumida, pensamos
que os ganhos provenientes de alugueres de imóveis, da locação do salão de festas
da igreja, da participação em sociedades com fins lucrativos (depois de estas terem
recolhido os tributos de estilo), da prestação onerosa de serviços etc., ajustam-se aos
ditames do precitado art. 150, § 4o, da Constituição Federal, desde que – insistimos
– revertam em benefício do culto, melhor assegurando a liberdade de crença. Em
45
Aires Fernandino Barreto. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 62 e 63. Grifos
do autor.
46
Supremo Tribunal Federal. Súmula no 724: “Ainda quando alugado a terceiros permanece imune ao IPTU o
imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, ‘c’, da Constituição, desde que o valor
dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”.
Roque Antonio Carrazza 21

suma, é suficiente, para a exoneração constitucional, que haja comprovada relação


entre as receitas auferidas e as “finalidades essenciais” da confissão religiosa.
Pedimos vênia para insistir que não há nenhuma regra constitucional, quer ex-
plícita, quer implícita, que proíba a igreja de manter seu patrimônio ou, mesmo, de
tomar as medidas conducentes à sua crescença, até porque, com tais cautelas, ela ten-
derá a ganhar um número maior de adeptos, além de melhor se instrumentar para
atingir seus objetivos transcendentais. O que não lhe é dado fazer é distribuir seus
ganhos ou tê-los como objetivo precípuo.
Sem novos bens ou rendas e estando eles estagnados ou inativos, a igreja tenderá
a desaparecer, ideia que briga com o ideário do Diploma Magno, que é exatamen-
te o de permitir que ela se desenvolva e ajude a realizar o valor liberdade religiosa.
Depois, se as próprias pessoas políticas, sem perda de status, remuneram-se pe-
los serviços que prestam, obtendo, assim, os meios econômicos que lhes permitem
alcançar os fins que a Constituição lhes aponta, mutatis mutandis o mesmo podem
fazer as igrejas, sem que se lhes afaste a imunidade tributária. As rendas destas últi-
mas, desde que aproveitadas em suas finalidades essenciais (religiosas), podem per-
feitamente provir de serviços remunerados, que escaparão à incidência do ISS; de
aluguéis de imóveis e de doações em dinheiro, que refugirão ao IRPJ; de vendas de
objetos sacros, que não serão alcançadas pelo ICMS; e assim por diante.
Logo, a adoção, pela igreja, de medidas econômicas, bem como a cobrança de
preços – ainda que correspondam aos de mercado – pelos serviços prestados à comu-
nidade, não a transforma, como num passe de mágica, numa empresa privada, sujeita
aos tributos em geral. Para que a imunidade continue presente, basta que as rendas e
receitas daí advindas venham empregadas na realização de suas finalidades essenciais.

XII – Demais disso, as igrejas, por “viverem no mundo”, têm o direito de nele
buscar os meios que lhes garantirão a sobrevivência e a prosperidade. Tal a lição de
Matteo de Mori, in verbis: “A realidade humana e visível da Igreja postula que essa
deva viver no mundo com os meios que o mundo coloca à disposição mesmo en-
quanto estes possam servir de atingimento dos próprios fins espirituais”.47
Efetivamente, quando o Direito dá os fins (no caso, a liberdade religiosa), ipso
facto dá os meios, inclusive os materiais, para alcançá-los (Rui Barbosa). Pois bem, os
aportes financeiros das igrejas nada mais são do que os meios materiais, destinados
a dar suporte econômico às suas – desinteressadas e de relevante interesse público –
finalidades essenciais.
Noutros falares, se a Constituição assegura especial proteção aos templos de
qualquer culto (tanto que sobre eles estende o manto da imunidade tributária),
47
Il tributo ecclesiastico nella normativa codiciale attuale. Romae: Ponficium Athenaeum Antonianum, Facultas
Iuris Canonici, 1997 (traduzimos).
22 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

segue-se logicamente que tudo o que licitamente possibilitar o atingimento de seus


objetivos essenciais é abrangido por esta mesma proteção.
De fato, não faria o menor sentido que os cultos tivessem recebido da ordem ju-
rídica tamanha proteção e as igrejas, que afinal os viabilizam, vissem onerados, com
impostos, os meios financeiros que os possibilitam.

XIII – Quanto aos livros religiosos (bíblias, livros de doutrina, missais, biografias de
santos etc.), aos catecismos, às estampas sagradas, às revistas de formação cristã, aos
“santinhos”, que costumam ser comercializados no interior dos templos, contam
com o benefício da imunidade tributária, só que agora em função do disposto no
art. 150, VI, d, da Constituição Federal.48
Também estamos convencidos de que devem ser equiparados aos livros, para fins
de imunidade tributária, os veículos de ideias, que hoje lhes fazem as vezes, isto é,
os livros eletrônicos (v.g., discos, disquetes, CD-Roms, slides, videocassetes, filmes e,
mais recentemente, o produto denominado kindle, que possui a função exclusiva de
possibilitar a leitura digital de jornais, revistas e periódicos).
É que a expressão “livros, jornais e periódicos”, como procuramos demons-
trar em nosso Curso de Direito Constitucional Tributário,49 está empregada, em nos-
so Texto Magno, no sentido de meios de difusão da cultura, pouco importando o
meio que a realiza (impressão gráfica em papel, impressão magnética em disquete de
computador, gravação em CD-Rom etc.). Positivamente não é o suporte material do
livro que a Constituição protege, mas a ampla divulgação do pensamento (sentido
finalístico).
Demais disso, trata-se de imunidade objetiva, que visa assegurar a todos os in-
divíduos, não só a liberdade de pensamento e expressão, como o direito à educação,
à cultura e à própria liberdade de crença.
De fato, na medida em que a Constituição Federal garante a liberdade de reli-
gião, todos os meios de assegurá-la e incrementá-la, notadamente o modo de divul-
gação de suas doutrinas, há de ser protegido. Assim, para tornarem economicamente
mais acessíveis tal difusão de ideias, as operações jurídicas com livros religiosos, in-
clusive os eletrônicos, gozam de imunidade aos impostos, não havendo a necessidade
de virem preenchidos quaisquer requisitos ou condições.

XIV – Dando seguimento a nossa manifestação, entendemos que os donativos ou


aportes de capital realizados pelas pessoas físicas ou jurídicas, em favor das confissões
48
Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: (...) d) livros, jornais,
periódicos e o papel destinado a sua impressão”.
49
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed., São Paulo: Malheiros, 2011,
p. 862 a 878.
Roque Antonio Carrazza 23

religiosas, não trazem, para estas, encargos tributários, maiormente o de recolherem


o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). É que corretamente tem-se acei-
to que estes rendimentos permitem que, ao recebê-los, melhor se instrumentem a
levar avante suas atividades essenciais.
O mesmo se pode dizer das prestações que recebem de seus fiéis, por meio de
oblações,50 oferendas (esmolas ou coletas)51 e liberalidades de uso.
Desenvolvendo o raciocínio, também estamos convencidos de que estão abrangi-
das pela imunidade as aplicações financeiras, no Brasil e no exterior, dos rendimentos
da igreja (provenientes, por exemplo, de doações dos fiéis), porque, preservando-lhe
o patrimônio, melhor garantem o culto religioso, sem caracterizar, no entanto, âni-
mo de lucro.
Relembramos que, o que caracteriza o ânimo de lucro, não é a mera obtenção
de rendas (qualquer que seja sua origem), mas sua obtenção com o fito de reparti-las.
Dito de outro modo, mais técnico, o lucro objetivo (a obtenção de rendas) não alui a
imunidade tributária em pauta; o que a afasta, sim, é o lucro subjetivo (a distribuição
das rendas entre os dirigentes da igreja), que, este sim, tipifica ânimo de lucro.
Portanto, sem ânimo de lucro52 não é a igreja que deixa de perseguir ou ob-
ter rendas (lucro objetivo), mas a que, no caso de obtê-las, longe de distribuí-las
entre seus líderes ou membros (lucro subjetivo), destina-as à consecução de fins
espirituais.

XV – A imunidade alcança, ainda, o veículo utilizado, comprovada e exclusivamen-


te, na catequese ou nos serviços do culto. Sobre ele não incide o Imposto sobre a
Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Também este imposto não pode ser
exigido se o religioso transforma um ônibus, caminhão ou aeronave num “templo
móvel” (a expressão é de Aliomar Baleeiro). São situações incomuns que, todavia,
também encontram amparo constitucional para a imunidade.
50
Oblações são disposições patrimoniais, feitas por ato inter vivos ou mortis causa, em favor de entidades
eclesiásticas, com uma finalidade sobrenatural.
51
Oferendas são doações manuais por meio das quais se atendem às necessidades de entidades eclesiásticas
e se facilita a realização de seus fins (de culto ou caritativos), sem que a relação jurídica entre o ofertante e o
aceitante, completada com a traditio, origine posteriores efeitos jurídicos.
Tais oferendas podem realizar-se, seja de forma ocasional (esmolas), seja mediante coletas e não se re-
vestem de nenhum tipo de formalismo (entrega instantânea e ausência de um documento justificativo das
mesmas).
52
Digno de encômios, pelo poder de síntese e pela exatidão, o seguinte comentário de Isidoro Martín Dégano:
“Definitivamente, a entidade sem ânimo de lucro não é aquela que não persegue ou não obtém rendas, mas a
que, no caso de obtê-las, não as pode distribuir entre seus membros, já que as destina a outro fim. Quer dizer,
a falta de um lucro subjetivo, entendida como a proibição expressa de distribuir os ganhos auferidos, é o que
define estas entidades.” (El régimen tributario de las confesiones religiosas y de sus entidades en el derecho
español. Monografia Ciências Jurídicas, Madrid: McGraw-Hill, 1999, p. 47 (traduzimos).
24 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

XVI – Ainda acerca do assunto, a imunidade das igrejas não depende para ser fruí-
da – ao contrário do que se dá com as instituições assistenciais e educacionais sem
fins lucrativos, que devem obedecer aos requisitos apontados em lei complementar
(ex vi de uma interpretação sistemática do disposto nos arts. 150, VI, c, in fine e 195,
§ 7o, in fine, da CF) –, que seus recursos sejam integralmente aplicados no País. As-
sim, elas podem perfeitamente aplicá-los no exterior, para a ampla difusão da fé, de
seu corpo de doutrinas e de seus valores espirituais, o que, de resto, vem ao encontro
do disposto no já estudado art. 150, § 4o, da Constituição Federal.
A questão foi bem estudada por Ives Gandra da Silva Martins, in verbis:

Fora a hipótese do § 4o, não há qualquer limitação imposta às igrejas na aplica-


ção de seus recursos, lembrando-se que as igrejas históricas cristãs, de fundadores
conhecidos, são igrejas plurinacionais, em que os seus fiéis comungam da mesma
crença e ideais, independentemente da nação em que vivem, e se auto auxiliam na
expansão da fé e dos princípios de caridade e benemerência.
O toque mais relevante de tais igrejas é sua universalidade e sua autocomunicação,
como acontece com a Igreja Católica romana, cujas diretrizes de preservação da fé
e de definição missionária se conformam em Roma, ou com a Igreja Adventista,
cuja General Conference Corporation of Seventh-Day Adventists está sediada nos
Estados Unidos.
Em outras palavras, todas as igrejas históricas são Igrejas Universais, espalhando
seus movimentos catequéticos e suas obras de benemerência e difusão da fé e de
valores por todo o mundo.53

Portanto, desde que preencham suas finalidades essenciais, as igrejas não preci-
sam cumprir outros requisitos para continuarem sob o pálio do art. 150, VI, b, da
Constituição Federal. Estão livres do IRF, quando aplicam seus recursos no exterior,
a fim de propagar e disseminar, para todo o orbe, seu corpo de doutrinas.

XVII – Finalizando este tópico, temos para nós que juridicamente nada impede que,
para melhor difundirem seu ideário espiritual, as igrejas venham, com recursos pró-
prios, (i) a adquirir bens voltados a estimular a fé das pessoas,54 e (ii) a criar ou a in-
centivar a criação de instituições assistenciais e educacionais, sem fins lucrativos,55
voltadas ao ensino de pessoas carentes, à prevenção e recuperação dos males causados
pelo alcoolismo, pelas drogas e pelo tabagismo, ao tratamento de doenças mentais,
ao tratamento de moléstias ou de deformidades físicas etc. Quando o fazem, nem
perdem o benefício constitucional, nem se sujeitam à tributação por meio de IRF.
53
Ives Gandra da Silva Martins. Imunidades condicionadas e incondicionadas – inteligência do Art. 150, Inciso
VI e § 4o e Art. 195, § 7o, da Constituição Federal”. Revista Dialética de Direito Tributário no 28, p. 68.
54
Este assunto será mais bem desenvolvido no item 8, infra.
55
Estas instituições também serão imunes à tributação por meio de impostos, agora mercê do que estipula o
art. 150, VI, c, da Constituição Federal.
Roque Antonio Carrazza 25

Há, porém, dois limites para isso, a saber: (1) é necessário que as instituições as-
sistenciais ou educacionais, sem fins lucrativos, tenham objetivos consentâneos com
os princípios religiosos da igreja que as instituiu ou as mantém; (2) não pode haver
qualquer tipo de distribuição de patrimônio ou de recursos, ainda que a título de
gratificações, dividendos ou participações, aos dirigentes da igreja instituidora ou
mantenedora.
Implementados esses dois requisitos, a igreja continuará a fruir normalmente da
imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, porquanto, ainda que por in-
terposta pessoa (a instituição educacional ou assistencial sem fins lucrativos, por ela
patrocinada), continuará a atender às suas “finalidades essenciais”.
Vejamos, agora, qual a noção jurídica de “culto”.

3.1 A noção jurídica de “culto”

I – De uns tempos a esta parte, mais e mais se tem difundido a ideia de que, como a
Constituição não define culto, o assunto ficaria a depender exclusivamente da discri-
cionariedade do legislador ou, até, do administrador fazendário.
Dessa linha de pensamento ousamos divergir.
Sabemos que inexiste, em nosso Diploma Magno, um conjunto racional e arti-
culado de normas, que discipline, em todas as suas manifestações – ou, mesmo, nas
mais importantes –, o fenômeno dos cultos religiosos.
É igualmente certo que a palavra culto é polissêmica, servindo para designar
tanto o conjunto de ritos desenvolvidos por uma Igreja, como a própria “confissão
religiosa”.
Todavia, a análise da Carta Constitucional como um todo facilmente revela que
culto, no contexto da alínea b, do inciso VI, do art. 150, deste Diploma Magno, tem
o sentido de confissão religiosa, motivo pelo qual é dela que passamos a nos ocupar.

II – Confissão religiosa nada mais é do que uma entidade dotada de estrutura or-
gânica hierarquizada, instituída com o objetivo fundamental de agrupar, de modo
permanente, pessoas que partilham das mesmas crenças transcendentais, vale dizer,
que nutrem a mesma fé numa dada divindade. Nesse sentido, são confissões religio-
sas não só a Igreja Católica e as nascidas da Reforma Protestante, como as que ado-
tam fórmulas mais elementares e variadas de organização (sinodal, congregacionista
etc.). Também merecem esta qualificação as comunidades judaicas e muçulmanas,
que, embora se caracterizem pela dispersão e multiplicidade e se relacionem mais por
vínculos religiosos do que jurídicos, possuem uma fé comum.
26 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Tal a lição de Motilla de la Calle, in verbis:

(Confissão religiosa é a) comunidade permanente de pessoas ligadas pelo vínculo


da fé comum, caracterizada pela existência de uma organização própria e normas
escritas, para a consecução dos fins religiosos, que se apresenta como unitária, fren-
te ao ordenamento do Estado e é dotada dos elementos próprios dos ordenamen-
tos jurídicos.56

Segue-se do exposto que, para que se reconheça a existência de uma confissão


religiosa, é preciso que sejam identificáveis, pelo menos, quatro requisitos; a saber:
(a) uma crença comum num Ser Supremo e Transcendente;57 (b) alguns atos de cul-
to, disciplinando a relação dos fiéis, que devem ser em número significativo, com
o Ser Supremo e Transcendente, em que creem;58 (c) uma organização jurídica,
por mínima que seja, indicando a designação da entidade, seu regime de funciona-
mento e seus órgãos representativos (ministério sacerdotal, pastoral ou hierárquico);
(d) certa estabilidade, isto é, vontade de perdurar no tempo.59

III – A esses requisitos essenciais, costumam agregar-se outros, que, embora não obri-
gatórios, ajudam a reconhecer, quando presentes, a existência jurídica da confissão
religiosa. Dentre eles, podemos mencionar, exemplificativamente: (a) um governo
eclesiástico definido e distinto dos demais; (b) um código formal de doutrina e dis-
ciplina; (c) ministros selecionados, após haverem concluído estudos específicos; (d)
uma literatura própria; (e) celebração de Assembleias regulares; (f) prestação de ser-
viços religiosos com caráter regular; e, (g) escolas para o ensino religioso aos jovens.
A par disso, a diversidade de confissões existentes – consequência da aplicação
do pluralismo ao âmbito religioso – impõe que cada uma delas tenha umas tantas ca-
racterísticas peculiares, que a diferenciem das demais.60

IV – Remarque-se que todas as confissões religiosas regularmente constituídas têm


jus à imunidade de que trata o art. 150, VI, b, da Constituição Federal, circunstância
que, de resto, rima com a característica do Estado brasileiro de proteger os direitos e
as liberdades fundamentais da pessoa humana e sua dignidade.
56
Motilla de la Calle. Los acuerdos entre el Estado y las confesiones religiosas en el derecho español. Barcelona:
Bosch, 1985, p. 305, 306 (esclarecemos no parêntese e traduzimos).
57
Isso já aparta da confissão religiosa as entidades relacionadas com o estudo e a experimentação dos fenôme-
nos psíquicos ou parapsicológicos, ou da difusão de valores humanísticos ou espirituais e outros fins análogos,
alheios aos religiosos.
58
Em qualquer religião há de existir um culto, entendido como forma de comunicação entre a pessoa e a divin-
dade, por meio de práticas que tendam a uma finalidade de religação salvadora.
59
Para maior aprofundamento do assunto, veja-se, de Isidoro Martín Dégano. El régimen tributário..., p. 5 a 12.
60
Esta diferenciação, no entanto, não precisa ser tão acentuada, a ponto de cada confissão religiosa dever
apresentar características completamente distintas das demais. Isso, inclusive, é, em alguns casos, de todo em
todo impossível, como, por exemplo, nas denominadas Igrejas Cristãs, que, dada sua origem comum, possuem,
com pequenas variações, fins coincidentes.
Roque Antonio Carrazza 27

Isso reforça nossa convicção, já manifestada,61 de que as regras imunizantes de-


vem receber, no que concerne aos templos de qualquer culto, uma interpretação
ampliativa, até porque existem muitos outros direitos, menos antigos ou nobres, do
que o de estar ligado à Deus, que desfrutam, no direito pátrio, de especial prote-
ção tributária.
De fato, a Constituição Federal reconhece e protege grande cópia de direitos,
sem os quais hoje seria inconcebível uma vida razoável e civilizada. Alguns são recen-
tíssimos, como o direito à proteção do meio ambiente ou o direito à proteção da in-
timidade, em face das agressões informáticas. Ora, não se discute que o Estado, para
protegê-los, venha a se utilizar, dentre outros, dos instrumentos tributários.
Pois bem. Desde tempos imemoriais, o sentimento religioso é uma das marcas
mais expressivas do gênero humano. Em que pesem os esforços do racionalismo para
erradicar o elemento sobrenatural que toda religião encerra, é evidente que continua
a integrar a natureza humana.

V – Por outro lado, tem-se entendido que, com a realização das atividades estrita-
mente religiosas, as confissões também beneficiam ao Estado, pois, com a divulgação
de suas doutrinas, formam e educam seus membros, que, afinal, integram a socie-
dade e, assim, vão ajudar a transformá-la para melhor. Logo, os efeitos positivos da
pregação não se esgotam em quem a recebe, mas se transferem, em maior ou menor
medida, a outras pessoas, repercutindo no bem-estar geral.
Para não ficarmos na aridez da teoria, basta pensar no que representa para a co-
munidade as atividades da igreja que se traduzem em ensino, cultura, saúde, bene-
merência, moralidade pública e privada, educação dos cidadãos na prática de virtudes
eminentemente sociais (justiça, caridade, abnegação no serviço ao próximo etc.), tra-
tamento de drogados, reabilitação de detentos e assim avante.62 A eficácia dessas con-
dutas não se esgota nos fiéis, mas, pelo contrário, afeta, de forma positiva, a toda a
sociedade.
É quanto basta para justificar a imunidade tributária das igrejas, que são, como
quer Albiñana García-Quintana, “defensoras de valores humanos e de contribuírem,
de um ou outro modo, para o bem temporal do homem”.63 Ademais, garante, às
pessoas, o direito fundamental à liberdade de consciência e de ampla manifestação
de suas crenças espirituais.
Assim agremiados, podemos cuidar de algumas questões específicas.
61
Supra, item 2-VI.
62
Na Constituição brasileira muitos desses objetivos, que a doutrina italiana significativamente chama de
scopi ou interessi meritevoli (Franco Gallo. Il soggetti del libro primo del codice civile e l’Irpeg: problematiche e
possibili evoluzioni. Milano: Rivista di Diritto Tributario, no 4, 1993, p. 354), são da alçada do Poder Público, isto
é, devem ser perseguidos e alcançados pelo Estado. Ora, na medida em que as Igrejas os perseguem e alcan-
çam, não devem ser objeto de gravames tributários.
63
Albiñana García-Quintana. La financiación de las Iglesias. REDF, no 14, 1977, p. 331 e 332.
28 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

PARTE II – Questões específicas

4 DELIMITAÇÃO DOS PROBLEMAS PRÁTICOS A SEREM


SOLUCIONADOS

Veremos, agora, três problemas práticos que costumam preocupar as igrejas: a


saber: (a) se perdem a imunidade tributária do art. 150, VI, b, da Constituição Fe-
deral, caso venham a receber, total ou parcialmente, lucros, de empresas das quais
detêm o controle acionário; (b) se o benefício fiscal em tela cai por terra, caso, para
melhor realizarem seus programas de ação, venham a criar, com seus recursos e de al-
guns fiéis, instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos; e, (c) se
têm imunidade ao Imposto sobre a Importação e ao ICMS, caso importem pedras e
objetos sagrados, com o objetivo de incorporá-los aos seus templos religiosos.
Estes três pontos serão devidamente examinados, o que faremos com base nos
fundamentos lançados na primeira parte deste estudo.

5 IRRELEVÂNCIA JURÍDICA DA FONTE DOS GANHOS DAS IGREJAS,


PARA FINS DE FRUIÇÃO DA IMUNIDADE DO ART. 150, VI, B, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL

I – É comum igrejas deterem o controle acionário de empresas, com fins lucrativos


e participarem do capital social de emissoras de rádio e de televisão, utilizadas para a
divulgação de suas doutrinas. Com a obtenção dos rendimentos oriundos destas ati-
vidades, empregam-nos na consecução de suas finalidades essenciais.
Daí a pergunta: estes episódios têm o condão de ilidir a imunidade tributária?
O mesmo é propor a questão que lhe dar resposta negativa.
Então vejamos.

II – Como procuramos demonstrar no item 3.1, anteriormente apresentado, as igrejas


regularmente constituídas são imunes à tributação por meio de impostos (art. 150,
VI, b, da CF), justamente para que reste garantido o direito fundamental à liberdade
de consciência e de crença, com todos os seus consectários: possibilidade de mani-
festação da religiosidade das pessoas, direito de divulgar os ritos e as doutrinas so-
brenaturais, faculdade de conquistar adeptos, de formar novos líderes espirituais, de
multiplicar o número de templos existentes etc.
Deixamos igualmente assentado que, como decorrência do princípio da igual-
dade, as igrejas devem receber idêntico tratamento imunitário, não sendo dado, ao
Poder Público, discriminá-las, em razão do número de adeptos, de sua antiguidade,
de suas doutrinas, de seus rituais etc.
Roque Antonio Carrazza 29

Por estas razões, o art. 150, VI, b, da Constituição Federal exige uma interpre-
tação favorável, de modo a estender a imunidade tributária, não apenas aos templos
propriamente ditos, mas, como já vimos, aos seus anexos (v.g., os centros de forma-
ção de pastores) e a tudo quanto se refere ao culto e à própria entidade mantenedora
da igreja. Por identidade de razão, o benefício alcança os serviços de comunicação
radiofônica e televisiva, prestados com o propósito de evangelização.
Enfim, em nome da santificação dos fiéis, o exercício dos atos ou fatos coligados
ao exercício das atividades religiosas, não pode ser embaraçado por meio de impostos.
Rememore-se, ainda, que o Estado brasileiro, conquanto laico, não é ateu ou
inimigo da fé; antes, respeita todas as religiões, permitindo que as pessoas as prati-
quem livremente, sem que as igrejas ou os fiéis se sujeitem, por isso, ao pagamento
de qualquer imposto.

III – Justamente em função deste conjunto de diretrizes e valores, são abrangidos


pela imunidade a impostos, os rendimentos obtidos pelas igrejas, quando promovem
quermesses, alugam salões de festa, locam espaços nos templos, para eventos (ainda
que com fins comerciais ou de propaganda), administram estacionamentos, recebem
alugueres dos seus imóveis, efetuam aplicações financeiras etc., desde que, é claro,
tudo reverta em benefício do culto.
Noutra retórica, as igrejas têm, por injunção constitucional, o direito de criar e
fruir, sem empeços tributários, os meios materiais idôneos a propiciar-lhes o atingi-
mento de seus objetivos espirituais.
O fundamental – permitimo-nos insistir – é que os rendimentos obtidos, seja
por meio das doações dos fiéis, seja de atividades econômicas, aí compreendidas as
aplicações financeiras, revertam em benefício das finalidades essenciais da igreja,
como de resto estatui o já estudado § 4o, do art. 150, da Constituição Federal.64
De fato, o que afasta a imunidade tributária não é a forma pela qual os recursos
vão ter aos cofres da igreja, mas o modo como são empregados. Portanto, se os re-
cursos obtidos, ainda que por meio de atividades puramente temporais, vêm empre-
gados na promoção das atividades fundamentais do culto e da igreja, a desoneração
fiscal em pauta é inafastável.
Positivamente, a natureza e a origem dos recursos da igreja, por si sós, não
empecem a fruição da imunidade tributária. Esta – reiteramos – somente aluiria na
hipótese de os haveres da entidade religiosa virem a ser utilizados em finalidades des-
conectadas com o culto.
Em resumo, a fonte dos recursos da igreja, se não infringir maustratos ao prin-
cípio da livre concorrência, nem for ilícita, não interfere na regra insculpida no
art. 150, § 4o, da Constituição Federal.
64
V., supra, item 3, incisos IX a XII.
30 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Vai daí, que os aluguéis recebidos dos locatários de imóveis da igreja, os preços
cobrados por serviços prestados, os dividendos obtidos com aplicações financeiras,
suas participações nos resultados econômicos positivos de sociedades com fins lucra-
tivos (depois, evidentemente, de estas terem recolhido os tributos de estilo), desde
que revertam em benefício de suas finalidades essenciais, não têm força jurídica bas-
tante para desconstituir a imunidade tributária que ora faz nossos cuidados.
Nunca é demais insistir que, em decorrência do direito fundamental à liberdade
religiosa, basta, para os fins do disposto no art. 150, VI, b, da Lei Maior, que exista
uma correlação entre as receitas auferidas e as finalidades essenciais da igreja.
Com efeito, em vão buscaremos no Texto Magno qualquer dispositivo que, sob
pena de perda da imunidade tributária, a impeça de aumentar seu patrimônio, até
porque, assim procedendo, terá à disposição mais meios econômicos para divulgar
suas doutrinas, ganhar adeptos e alavancar seus objetivos espirituais.

IV – Convém que se assinale, ainda, que não trazem encargos tributários, para a igre-
ja (como, por exemplo, o de recolher o IRPJ), os donativos, oblações e oferendas
de seus fiéis, bem assim os aportes de capital realizados, em seu favor, por pessoas
jurídicas. É que tais ganhos e rendimentos melhor a instrumentam a atingir suas fi-
nalidades essenciais.
Também é de nossa convicção que estão sob o manto da imunidade tributária as
aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, dos rendimentos da igreja, pois, au-
mentando-lhe o patrimônio, garantem-lhe a consecução de seus objetivos espirituais.
A imunidade em tela só cede passo caso as rendas, os serviços ou o patrimônio
da igreja estiverem a serviço de finalidades estranhas ao culto. Mas, mesmo nestas
hipóteses, caberia ao Poder Público o ônus da prova do desvirtuamento, observados
os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Vejamos, agora, a possibilidade jurídica de a igreja, sem perda da imunidade tri-
butária do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, vir a criar ou a estimular a cria-
ção de instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, e quais os
limites para isso.

6 DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AS IGREJAS, SEM PERDA DA


IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, VIREM A CRIAR INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL, SEM FINS LUCRATIVOS

I – É comum igrejas criarem (ou estimularem a criação), com recursos próprios e


de alguns fiéis, instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos
Roque Antonio Carrazza 31

(imunes à tributação por meio de impostos, ex vi do disposto no art. 150, VI, c, da


CF),65 bem como de fundações de direito privado, que tenham por objetivo a manu-
tenção de tais associações beneficentes.
No mais das vezes, tais instituições são mantidas, não só em benefício dos fiéis,
como da comunidade em geral, e costumam receber das igrejas contribuições espo-
rádicas, que as auxiliam a levar avante seus objetivos filantrópicos e economicamente
desinteressados.
Pois bem. Tudo está em se saber se as igrejas conservam a imunidade tributária
do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, na hipótese de virem a manter institui-
ções de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, que a ajudarão a realizar
seus objetivos essenciais.
Temos para nós que sim, desde que tais entidades comprovadamente concre-
tizem programas consentâneos com os perseguidos pelas igrejas, vale dizer, atuem
como sua longa manus.

II – É assunto bem averiguado que as pregações e atividades religiosas das igrejas fa-
vorecem não só àqueles que diretamente as recebem, como às pessoas a estas últimas
próximas. Nessa medida, não é exagero proclamar que repercutem, de modo positi-
vo, na sociedade em geral.
Deveras, as igrejas, ao educarem seus fiéis, incutindo-lhes a prática da caridade,
da justiça, da dedicação ao próximo, do civismo, associam-se ao Estado, contribuin-
do para o bem temporal das pessoas. Mais poderão fazer, se fundarem instituições
educacionais e assistenciais, sem fins lucrativos, que persigam os mesmos fins.
Assim, em exemplário armado ao propósito, as instituições de educação e de as-
sistência social, sem fins lucrativos, a serem criadas, deverão estar preordenadas ao
ensino de pessoas carentes, à recuperação de alcoólatras e drogados, à reintegração
social de presidiários, ao tratamento de doentes físicos e mentais, e assim avante.
Insistimos que tais instituições deverão ter objetivos que venham ao encontro do
ideário espiritual e temporal das igrejas a que estão vinculadas. A par disso, não pode-
rão distribuir seu patrimônio ou recursos aos seus dirigentes ou aos das preditas igrejas.
Cumpridos estes dois requisitos, as igrejas continuarão a desfrutar da imunidade
do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, até porque, no caso, as instituições edu-
cacionais e assistenciais, sem fins lucrativos, bem como as fundações de direito pri-
vado, que tenham por objeto a manutenção de tais entidades religiosas, a ajudarão a
atender às suas “finalidades essenciais”.
65
Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...). VI – instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio,
renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores,
das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da
lei.” (Grifos do autor).
32 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

7 IMPORTAÇÃO DE BENS MATERIAIS PREORDENADOS AO CULTO.


IMUNIDADE TRIBUTÁRIA EM RELAÇÃO AO IMPOSTO SOBRE A
IMPORTAÇÃO E O ICMS

7.1 Generalidades

I – É de nosso conhecimento que igrejas costumam importar pedras ou objetos sa-


grados, com os quais edificam ou guarnecem seus templos religiosos. Fazem-no com
o fito de incorporá-los à edificação e, portanto, ao seu próprio patrimônio.
Pois bem. Estamos convencidos de que tais operações de importação são abran-
gidas pela regra imunizante insculpida no art. 150, VI, b, da Constituição Federal.
Começamos por dizer que não são as propriedades físico-químicas das pedras ou
objetos sagrados que devem ser levadas em conta, para a fruição do benefício cons-
titucional. O que releva acentuar é o aspecto cultural, histórico e religioso dos mes-
mos, que, por si só, os torna bens infungíveis, vale dizer, que não se podem substituir
por outros que tenham as mesmas características e sirvam para satisfazer as mesmas
necessidades.66
Logo, na medida em que tais bens são insubstituíveis para os fins a que se des-
tinam, sua importação é imune à tributação por meio de impostos, nomeadamente
do Imposto sobre a Importação e do ICMS-importação, temas dos quais passamos
a tratar.

7.2 A intributabilidade das igrejas por meio de imposto sobre a


importação

I – Estamos convencidos de que as igrejas, quando importam bens considerados sa-


grados, para com eles revestirem, interna e externamente, seus templos, não poderão
ser tributadas por meio de imposto sobre a importação.
Só para registro, o imposto sobre a importação vem genericamente disciplinado
no art. 153, I, da Constituição Federal: “Art. 153. Compete à União instituir impos-
tos sobre: I – importação de produtos estrangeiros”.
Importação, como é sabido e consabido, é o ato de, por força de um negócio jurídi-
co, trazer, em caráter definitivo e com repercussões econômicas, um produto do exterior.
O imposto sobre a importação incide no momento em que o produto ingressa
no território nacional, para ser, ao depois, nacionalizado, na repartição aduaneira.
66
É o caso das pedras de Salt Lake City (EUA), com as quais os fiéis da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias (Igreja Mórmon) erigem os altares dos seus templos, como determinou Joseph Smith Jr. (restaura-
dor do Movimento dos Santos dos Últimos Dias). Ainda que encontráveis em outros pontos do globo terrestre,
somente elas se prestam aos objetivos espirituais que seus fiéis perseguem.
Roque Antonio Carrazza 33

Vai daí que se considera importado o produto, para fins de incidência do impos-
to específico, quando o ingresso se faz em caráter definitivo e com intuitos econô-
micos (comerciais, industriais ou de consumo), como bem elucida Alberto Xavier:

(Importação) exprime o fenômeno pelo qual um produto estrangeiro entra no ter-


ritório nacional, sendo aí destinado ao consumo. A importação, como fato gerador
do imposto de importação, é um fato complexo de formação sucessiva, enquanto
se desdobra em vários momentos distintos no tempo. O processo de importação
inicia-se com o embarque da mercadoria no exterior, a que se sucede a entrada no
território nacional e a destinação a consumo interno.67

Como é fácil notar, o imposto em foco tem por hipótese de incidência possí-
68
vel o fato de uma pessoa, física ou jurídica, promover a importação de produtos
estrangeiros ou preordenar-se a adquiri-los diretamente.69

II – A tributação por meio de imposto sobre a importação submete-se a vários regi-


mes, assunto que não vem para aqui.
O importante é termos presente que este tributo tem por contribuinte a pessoa,
física ou jurídica, que promove a operação de importação de produto estrangeiro,
ou, como ensina José Eduardo Soares de Melo, pratica “atos pertinentes à aquisição
direta de produtos estrangeiros”.70
67
Alberto Xavier. Autorização para importação de regime de entreposto aduaneiro, Aduaneiro (legislação). São
Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 352 (esclarecemos no parêntese).
68
Hipótese de incidência é o fato, descrito em lei, que, acontecido, faz nascer a relação jurídica tributária,
que tem por objeto a dívida tributária. Ou, se preferirmos, invocando as lições sempre preciosas do saudoso
mestre Geraldo Ataliba, é o fato, descrito em lei, que, se e quando acontecido, faz nascer, para uma dada pes-
soa, o dever de pagar o tributo.
Não devemos confundir este fato, descrito em lei, e por ela alçado à condição de hipótese ou suposto,
com a ocorrência real deste mesmo fato. Noutros termos, mais técnicos, não devemos confundir a hipótese
de incidência tributária (fato gerador “in abstracto” do tributo), com o fato imponível do tributo
(fato gerador “in concreto” do tributo).
Esta, diga-se de passagem, é distinção conceitual que a melhor doutrina vem fazendo com clareza. Deve-
ras, uma realidade é o fato descrito em lei, que, acontecido, faz nascer o tributo (a hipótese de incidência)
e, outra, muito diversa, é o fato que aconteceu, isto é, que realizou o tipo tributário e, por isso mesmo,
determinou o surgimento, “in concreto”, da exação (o fato imponível). Estamos, neste passo, diante de dois
planos distintos e, por isso mesmo, inconfundíveis: o primeiro, abstrato, normativo; o outro, concreto, fáti-
co. A hipótese de incidência está na lei; o fato imponível, no mundo fenomênico.
O tributo só pode ser validamente exigido quando um fato ajusta-se rigorosamente a uma hipótese de
incidência tributária. E este fato outro não é senão o fato imponível. Vale, a propósito, a clássica asserção de
Albert Hensel: “Só deves pagar tributo se realizas o fato imponível.” (Diritto Tributario. Dino Jarach (trad.). Mila-
no: Dott. A. Giuffrè Editore, 1956, p. 148. Literalmente, a frase é: “Il comando – tu devi pagare delle imposte – è
sempre condizionato dalla frase: se tu realizzi la fattispecie legale”).
69
O Decreto-lei no 2.472/1988, dando nova redação ao Decreto-lei no 37/1966, restringiu o âmbito de abran-
gência do imposto, ao estabelecer que ele incide sobre a importação de “mercadoria estrangeira” (sobre o
conceito de mercadoria discorreremos, mais adiante, no item 11).
70
José Eduardo Soares de Melo. A Importação no Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p. 44 (esclarecemos no primeiro parêntese).
34 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Percebe-se, pois, com facilidade, que se trata de um tributo direto, já que sua
carga econômica é suportada, desde o primeiro momento, pelo próprio realizador
do fato imponível. É o patrimônio de quem promove a importação do bem estran-
geiro que é imediatamente alcançado pela exação.
Ora, na medida em que (i) as igrejas são imunes à tributação por meio de impos-
tos (cf. art. 150, VI, b, da CF), (ii) as pedras e os objetos sagrados são por elas próprias
importados, (iii) destinam-se ao atendimento de finalidades essenciais do culto (v.g.,
construção de templo, de alto significado religioso), e, (iv) acabam se incorporando
ao patrimônio da entidade, segue-se, com a força irresistível dos raciocínios lógicos,
que tais operações são imunes à tributação por meio de imposto sobre a importação.71

7.3 A intributabilidade das igrejas por meio de ICMS – importação

I – Igualmente não temos dúvidas em proclamar que as igrejas são imunes ao


ICMS, quando importam as pedras e objetos sagrados, para que guarneçam templos
religiosos.
Lembramos que a Constituição Federal, em seu art. 155, II, outorgou, aos Es-
tados-membros e ao Distrito Federal, competência para criar impostos sobre “ope-
rações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e prestações se
iniciem no exterior”.
Interessa-nos também considerar, para os fins deste estudo, o disposto no art.
155, § 2o, IX, a, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 155 – (omissis):


(...)
§ 2o O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte: (...)
IX – incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou
jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a
sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao
Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento destinatário da mercado-
ria, bem ou serviço.72

71
Poder-se-ia também invocar, em favor intributabilidade das Igrejas, o próprio Decreto-lei no 2.472/1988, que,
ao criar in abstracto o imposto sobre a importação, não exauriu a competência tributária federal, já que
determinou que o imposto em tela somente incide sobre a importação de mercadoria estrangeira, deixando,
pois, ao largo da tributação a importação de bens de uso ou consumo ou para serem incorporados ao ativo
permanente do importador. Todavia, o argumento da imunidade, por ter sede constitucional, prejudica a invo-
cação da lei que não criou todas as situações de incidência possíveis.
72
Esclarecemos no parêntese.
Roque Antonio Carrazza 35

Em rigor, ICMS não passa de uma sigla, a hospedar, pelo menos, três impostos
diferentes; a saber: (a) o imposto sobre operações relativas à circulação de merca-
dorias (que compreende o que nasce da entrada, na Unidade Federada, de bens ou
mercadorias importadas do exterior); (b) o imposto sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal; e, (c) o imposto sobre prestações de ser-
viços de comunicação.73 São impostos diferentes exatamente por terem hipóteses de
incidência e bases de cálculo diferentes.74
Estas ideias, diga-se de passagem, encontram-se bem travejadas no art. 4o, do
Código Tributário Nacional.75
Muito bem. O binômio hipótese de incidência/base de cálculo, demonstra
que o rótulo ICMS alberga, pelo menos, os três impostos diferentes há pouco men-
cionados. Há, pois, pelo menos três núcleos distintos de incidência do ICMS.76 Ape-
sar disso, todos eles possuem um “denominador comum”,77 que permite venham
estudados conjuntamente.
Feito este introito, importa-nos, agora, analisar, ainda que sumariamente, o
ICMS incidente sobre operações mercantis. É ele que vai iluminar o melhor modo de
entender o ICMS que alcança as importações de mercadorias (ICMS-importação).

II – A regra-matriz do ICMS incidente sobre as operações mercantis (ICMS-


-operações mercantis) encontra-se nas seguintes partes do art. 155, II, da Consti-
tuição Federal: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre...
operações relativas à circulação de mercadorias... ainda que as operações se iniciem
no exterior”.
73
Embora, sob certo aspecto, ainda se possa dizer que há mais dois impostos chamados ICMS (o imposto sobre
produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos
e de energia elétrica, e o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais) o fato é
que podem ser reconduzidos àquele que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Eles têm
sido tratados à parte (nós mesmos o fizemos em nosso livro ICMS), porque ambos descendem dos chamados
impostos únicos da Carta de 1967, que eram de competência federal. Com o advento da Constituição de
1988, foram re-rotulados ICMS e passaram a ser impostos de competência estadual.
74
Embora não pretendamos enveredar por este assunto, temos por indisputável que o que distingue um tributo
de outro não é o nome que possui, nem a destinação do produto de sua arrecadação, mas sua hipótese de
incidência, confirmada por sua base de cálculo.
75
Código Tributário Nacional: “Art. 4o A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador
da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais
adotadas pela lei; II – a denominação legal do produto da sua arrecadação”.
76
A fórmula adotada pela Constituição de 1988, de colocar impostos diferentes sob o mesmo rótulo, além de
não ser das mais louváveis, sob o aspecto científico, está, na prática, causando algumas confusões. Deveras, o
legislador ordinário, nem sempre afeito à melhor técnica, tem, com relativa frequência, dispensado o mesmo
tratamento jurídico aos distintos fatos econômicos que o ICMS pode alcançar. Não é possível, segundo pensa-
mos, tratar da mesma maneira as operações relativas à circulação de mercadorias (que envolvem obrigações
de dar) e as prestações de serviços de transporte interestadual e de comunicação (que envolvem obrigações
de fazer).
77
Assim, por exemplo, todos devem obedecer aos princípios da não cumulatividade e da seletividade.
36 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à cir-
culação de mercadorias. A lei que veicular sua hipótese de incidência, só será válida
se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias.
É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e, não,
meramente física), o que pressupõe a transferência, de uma pessoa a outra, da pos-
se ou da propriedade da mercadoria. A ideia, abonada pela melhor doutrina (Souto
Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cléber Giardino etc.),
encontrou guarida no próprio Supremo Tribunal Federal.78
Salientamos que a Constituição não prevê a tributação de mercadorias, por
meio de ICMS, mas a tributação das “operações relativas à circulação de mercado-
rias”, isto é, das operações que têm por objeto mercadorias. Os termos circulação
e mercadorias qualificam as operações tributadas por via de ICMS. Não são todas
as operações jurídicas que podem ser tributadas, mas apenas as relativas à circulação
de mercadorias. O ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem mercado-
rias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos produtores originários aos con-
sumidores finais.
Para que um ato configure uma operação mercantil, é mister que: (a) seja re-
gido pelo Direito Comercial; (b) tenha sido praticado num contexto de atividades
empresariais (visando, portanto, resultados econômicos positivos); (c) tenha por ob-
jeto uma mercadoria.79
78
V. Revista Trimestral de Jurisprudência, no 64, p. 538.
79
Observamos que, quando a Constituição utilizou o termo mercadoria, encampou um conceito que estava
perfeitamente desenhado pela lei comercial (lei de caráter nacional).
A ninguém deve causar estranheza que assim seja, pois, como leciona Gian Antonio Micheli, catedrático de
Direito Tributário, da Universidade de Roma, o Direito Tributário é um direito de superposição e, nessa me-
dida, capta conceitos e assimila institutos, tais como lhe são fornecidos por outros setores do mundo jurídico.
Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 110, do Código Tributário Nacional.
Logo, mercadoria, para fins de tributação por via de ICMS, é o que a lei comercial assim considera. Segue-
-se, daí, que não pode a lei dos Estados ou do Distrito Federal alterar este conceito, para fins tributários. Por
quê? Porque esta é uma matéria de Direito Comercial, ou seja, sob reserva de lei nacional e, destarte, mo-
dificável apenas por meio de lei ordinária do Congresso.
Temos, pois, que o conceito de mercadoria, no que atina ao ICMS, há de ser entendido como em Direito Co-
mercial. E, mercadoria, tornamos a repetir, é o bem móvel, que se submete à mercancia, ou seja, que é colocado
no mundo do comércio (in commercium), sendo submetido, deste modo, ao regime de direito mercantil, que
se caracteriza como corre magistério, pela autonomia das vontades e pela igualdade das partes contratantes.
Tanto é mercadoria o gênero alimentício exposto à venda num supermercado, como a escultura que uma
galeria de arte coloca em comércio, como, ainda, o relógio que está à venda na relojoaria.
Estas ideias encontram-se abonadas por De Plácido e Silva; in verbis: “Mercadoria – palavra derivada do
latim ‘merx’, que se formou ‘mercari’, exprimindo a coisa que serve de objeto à ‘operação comercial’. Ou seja,
a coisa que constitui objeto de uma venda. É especialmente empregado para designar as ‘coisas móveis’ postas
em mercado. Não se refere aos imóveis, embora estes sejam também objeto de venda. A rigor, pois, mercadoria
é a designação genérica dada a toda coisa móvel, apropriável, que possa ser objeto de comércio.” (Vocabulário
Jurídico, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, v. III e v. IV, p. 181).
Mercadoria, enfim, é a coisa fungível (que se pode substituir por outra com as mesmas características e apta
a satisfazer as mesmas necessidades) que se destina ao comércio.
Roque Antonio Carrazza 37

IIa – Reiteramos que o imposto em tela incide sobre operações com mercadorias
(e, não, sobre a simples circulação de mercadorias). Só a passagem de mercadorias
de uma pessoa a outra, por força da prática de um negócio jurídico comercial, é que
abre espaço à tributação em estudo.
Neste sentido, encampamos clássica lição de Geraldo Ataliba:

A sua perfeita compreensão e a exegese dos textos normativos a ele referentes evi-
dencia prontamente que toda a ênfase deve ser posta no termo “operação” mais do
que no termo “circulação”. A incidência é sobre operações e não sobre o fenômeno
da circulação.
O fato gerador do tributo é a operação que causa a circulação e não esta.80

Tal operação é justamente o fato jurídico que desencadeia o efeito de fazer nas-
cer a obrigação de pagar ICMS.
Logo, este ICMS tem por hipótese de incidência a operação jurídica que, pra-
ticada por comerciante, industrial ou produtor, acarreta, circulação de mercadoria,
isto é, transmissão de sua titularidade.

IIb – Podemos, pois, reafirmar, com apoio nas lições dos mais conspícuos tribu-
taristas, que a materialidade (o núcleo) da hipótese de incidência do ICMS é –
porque assim o exige a Carta Constitucional – o ato de realizar operações (atos
jurídicos) mercantis. O ICMS é, portanto, um tributo que incide sobre o negócio
jurídico (realizado por comerciante, industrial, produtor ou assemelhados) enseja-
dor da transferência de mercadoria. A matriz constitucional do ICMS determina
que ele deve incidir sobre operações relativas à circulação de mercadorias (direitos
sobre mercadorias), promovidas espontaneamente e por meio de negócios jurídicos
mercantis, por produtores, industriais e comerciantes, ou por quem juridicamente
lhes faça as vezes.
Do exposto, confirmamos que o nascimento do dever de recolher ICMS en-
contra-se indissociavelmente ligado à concomitância dos seguintes pressupostos:
(i) a realização de operações (negócios jurídicos) mercantis; (ii) a circulação jurídica
(transmissão da posse ou da propriedade); (iii) a existência de mercadoria enquanto
objeto; (d) o propósito de lucro imediato, com a entrega (tradictio) da mercadoria.

IIc – Enfim, por meio de ICMS, tributa-se a obrigação (a operação jurídica) de dar
uma mercadoria. De sorte que o ICMS é um imposto que incide sobre o negócio
jurídico mercantil. É, pois, uma modalidade de imposto sobre atos jurídicos (na
conhecida classificação de Amilcar de Araújo Falcão). No mesmo sentido, Pontes
80
Geraldo Ataliba. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1966, p. 246.
38 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

de Miranda frisava que o ICMS é “imposto sobre negócio jurídico bilateral, consen-
sual... de que se irradia a circulação”.81
Pois bem. O ICMS incidente sobre as importações de mercadorias e bens segue
estas mesmas diretrizes, conforme melhor passamos a expor e fundamentar.

III – O ICMS-importação não passa de uma modalidade do ICMS-operações mer-


cantis, mas possui algumas peculiaridades que precisam ser apontadas, porque im-
portantíssimas à compreensão e solução dos problemas jurídicos ora levantados.
Uma delas, é que ele incide sobre a simples entrada, no estabelecimento do im-
portador, de mercadorias vindas do exterior, independentemente de quem seja o des-
tinatário final da operação subsequente, agora com as mercadorias já nacionalizadas.
Apenas a título de curiosidade, a Constituição atual, no ponto que ora faz nossos
cuidados, basicamente reproduziu a EC no 23/1983,82 já que também permite que
o ICMS incida sobre a entrada de mercadoria importada do exterior.

IIIa – O fato imponível (fato gerador “in concreto”) deste ICMS ocorre, por injun-
ção constitucional, com a entrada física da mercadoria importada do exterior.
Realmente, por força do critério territorial de repartição de competências
impositivas, o ICMS é devido à Unidade Federada onde a importação se consuma,
pela realização do desembaraço aduaneiro, à vista da localização do “estabelecimen-
to onde ocorrer a entrada física” da mercadoria.83
Apresenta-se afinado neste diapasão o art. 4o, parágrafo único, I, da Lei Comple-
mentar no 87/1996, quando estatui que o contribuinte do imposto é a pessoa física
ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial, promove a importa-
ção de “mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja sua finalidade”.
Segue a mesma diretriz a legislação paulista (art. 23, da Lei Estadual
o
n  6.374/1989 e art. 36, do RICMS/SP), ao dispor que o local da operação de im-
portação é o do destinatário, onde ocorrer a entrada física da mercadoria ou bem.
Convém lembrar que o critério adotado pela Constituição, na partilha das
competências impositivas dos Estados foi, além do material, o territorial. Noutros
81
Comentários à Constituição de 1967. 2. ed., 2a tiragem, São Paulo: RT, São Paulo, 1973, v. II, p. 507.
82
A Emenda Constitucional no 23/1983 foi o veículo introdutor, no ordenamento constitucional vigente à épo-
ca (CF de 67/1969), do ICM na importação de mercadorias.
Antes do advento da EC no 23/1983, os Estados, com base em legislação ordinária, tentaram (em vão)
tributar, a título de ICM, ainda que a descoberto de previsão constitucional, as importações efetuadas por
produtores, industriais e comerciantes. Com a edição desta emenda constitucional viabilizou-se juridicamente
a pretensão dos Estados.
83
Portanto, o momento em que se considera ocorrido o fato imponível do ICMS em discussão, não é nem a
mera entrada física de mercadorias ou bens no território brasileiro, nem seu desembaraço aduaneiro, mas sua
entrada no estabelecimento ou domicílio do importador.
Roque Antonio Carrazza 39

termos, levou em conta, para a solução de possíveis conflitos, o âmbito de aplicação


territorial das leis que criam os impostos estaduais.
Este critério exige que a única lei tributária aplicável seja a do Estado-membro
onde o fato imponível se verificou.
Portanto, se o fato imponível do ICMS (v.g., a prática de uma operação de im-
portação de materiais esportivos) ocorreu no Estado “A”, apenas a lei desta Unidade
Federada poderá incidir e irradiar efeitos. Esta é uma garantia constitucional de re-
partição de competências entre Unidades Federadas e, ao mesmo tempo, uma típi-
ca garantia material de direitos fundamentais, pela certeza e segurança jurídica que
protege.

IIIb – Nunca é demais destacar que também este ICMS é sobre operações mercan-
tis, já que sua hipótese de incidência é importar, sendo comerciante, industrial ou
produtor, mercadorias. Daí ele se conectar com o próprio ICMS incidente sobre
operações mercantis.
Há, a respeito, uma única exceção: admite-se a exigência deste imposto quan-
do houver a entrada de bem importado do exterior por pessoa física ou jurídica (cf.
art. 155, § 2o, IX, a, da CF/88, com a redação dada pela EC no 33/2001).84

IIIc – O sujeito passivo do ICMS-importação é a pessoa, física ou jurídica, que pro-


move a operação de importação da mercadoria (aí compreendida a energia elétrica)
ou do bem móvel corpóreo (bem material).
Como é fácil notar, esta modalidade de ICMS-operações mercantis (o ICMS-
-importação) tipifica um tributo direto (ao contrário do ICMS-operações mer-
cantis convencional, que é um tributo indireto).85
84
Não estamos considerando, por impertinente aos propósitos deste artigo, a questionável constitucionali-
dade, aberta pela EC no 33/2001, do ICMS – importação alcançar também o particular e o contribuinte não
habitual.
85
O art. 166, do Código Tributário Nacional, dá grande relevância a esta questão, porquanto estatui: “Art. 166.
A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro so-
mente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro,
estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.
Esta alusão aos tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro
(tributos indiretos), em boa verdade, tem significado econômico, ao qual, no entanto, o Poder Judiciário tem
rendido homenagens, a ponto de o assunto haver sido objeto da Súmula no 546, do Supremo Tribunal Federal,
que tem por enunciado: “Súmula no 546. Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconheci-
do por decisão, que o contribuinte ‘de jure’ não recuperou do contribuinte ‘de facto’ o ‘quantum’ respectivo”.
Como se pode notar, o Poder Judiciário tem levado em conta, na repetição do indébito tributário, a circuns-
tância de ordem fática, de ter ou não comprovadamente havido o repasse, a terceiro, do valor do tributo.
Em caso negativo, reconhece, ao contribuinte de iure, o direito à repetição; em caso positivo, tem pautado
suas decisões de acordo com os ditames do precitado art. 166, do CTN, vale dizer, exige a “autorização” do
contribuinte de facto.
Logo, ganhou foros de cidade a ideia de que alguns tributos (os “indiretos”), ainda que comprovadamente
indevidos, só são repetíveis se observados os ditames do art. 166, do CTN.
40 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Registramos meteoricamente que tributos indiretos (ou que repercutem) são


aqueles cuja carga econômica é suportada, não pelo sujeito passivo da obrigação tri-
butária (contribuinte de direito), mas por terceira pessoa (contribuinte de fato),
que não realizou o fato imponível (fato gerador in concreto), mas a ele está de al-
gum modo coligada.
Também permitimo-nos relembrar que, aos tributos indiretos (ou que não
repercutem), contrapõem-se os tributos diretos, que são aqueles cuja carga econô-
mica é suportada pelo próprio realizador do fato imponível. Neles, o contribuinte
(de iure) não transfere o respectivo encargo financeiro a terceiro (o contribuinte de
facto), mas ele próprio o suporta.
É justamente o que se dá com o ICMS que incide sobre as operações de impor-
tação de mercadorias e de bens, ainda que promovidas por particulares ou contri-
buintes não habituais.
Cumpre salientar que, embora as operações de importação em tela tenham sido
equiparadas às operações mercantis, elas se revestem de algumas especificidades.
De fato, o importador não se equipara a um comerciante atacadista, que reven-
de, ao varejista ou ao consumidor final, mercadorias de seu estoque, a eles repassan-
do a carga econômica do tributo.
Pelo contrário, no ICMS em tela de discussão, é o próprio importador que tem
o dever de arcar com o ônus de recolhê-lo aos cofres estaduais. Em sua pessoa se con-
fundem as figuras do contribuinte de direito e do contribuinte de fato.
Noutro giro verbal, o importador da mercadoria ou do bem é, a um tempo,
contribuinte de direito e contribuinte de fato. Contribuinte de direito, porque
ocupa o polo passivo da obrigação de recolher ICMS e, contribuinte de fato, por-
que suporta, ele próprio, a carga econômica da exação, isto é, não a repassa a terceiro.

IV – Portanto, quando as igrejas importam, sem a intermediação de terceiros, pedras


e objetos sagrados, elas figurarão no polo passivo do ICMS, na condição de contri-
buintes de direito e de contribuintes de fato.86
Portanto, serão, in casu, contribuintes do ICMS, nas duas acepções possíveis: de
direito (porque integrarão o polo passivo da obrigação tributária correspondente) e,
de fato (porque suportarão a carga econômica do tributo). Terão, pois, legitimidade
para pleitear, em nome próprio, a restituição do ICMS-importação, caso forem com-
pelidas (indevidamente, frise-se) a recolhê-lo.
As igrejas poderão, igualmente, pleitear – assistidas pelo bom direito, diga-se
de passagem – o reconhecimento da imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição
86
Neste caso, as Igrejas absolutamente não poderão ser consideradas meros terceiros, que arcarão com o ônus
da tributação por via de ICMS-importação. Pelo contrário, também figurarão no polo passivo da relação
jurídico-tributária correspondente.
Roque Antonio Carrazza 41

Federal, já que importarão os mencionados bens para fins religiosos, vale dizer, para
a construção, guarnecimento e decoração de templos. Remarcamos que esses bens
destinar-se-ão exclusivamente ao desenvolvimento do culto, atendendo, destarte, a
uma de suas finalidades essenciais (art. 150, § 4o, da CF/88).
Em suma, não há como afastar, na hipótese, sem afronta manifesta ao Texto
Constitucional, a imunidade ao ICMS-importação.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tudo posto e considerado, só nos resta sumular as seguintes conclusões:

I – A imunidade tributária ajuda a delimitar o campo tributário. De fato, as regras


de imunidade também demarcam (no sentido negativo) as competências tributárias
das pessoas políticas. Ajudam a apontar, no campo fiscal, os limites materiais e for-
mais da atividade legiferante.

Ia – A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas


constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto, fixam a incompe-
tência das entidades tributantes para onerarem, com exações, certas pessoas, seja em
função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou
situações.

Ib – Por efeito reflexo, as regras imunizantes conferem aos beneficiários o direito


público subjetivo de não serem tributados. O direito à imunidade é uma garantia
fundamental, constitucionalmente assegurada ao contribuinte, que nenhuma lei, po-
der ou autoridade podem anular.

Ic – As regras de imunidade, forjadas pelo constituinte, em nome do povo brasileiro,


objetivam preservar valores políticos, religiosos, educacionais, sociais etc., colocando
a salvo de impostos algumas pessoas.

II – A teor do art. 150, inciso VI, alínea b, da Constituição Federal, são imunes à tri-
butação por meio de impostos os templos de qualquer culto. Tal regra representa a
extensão do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença, consagra-
do no art. 5o, incisos VI, VII e VIII, da Constituição Federal.

IIa – A imunidade em tela subjetiva-se na igreja, isto é, na pessoa jurídica, regular-


mente constituída, que mantém, como finalidade essencial, atividades religiosas.

IIb – A palavra templos há de ser interpretada com liberalidade. São considerados


templos, não apenas os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos,
42 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

mas, também, seus anexos, vale dizer, os imóveis que tornam possível ou, quando
pouco, facilitam a prática da religião (v.g., a casa paroquial).

IIc – No mesmo sentido, a imunidade alcança os bens móveis relacionados ao bom


funcionamento da igreja e à ampliação do número de seus fiéis, além de estender-se
a tudo quanto estiver vinculado às liturgias (batizados, celebrações religiosas, vigílias,
consagrações etc.).

III – O fundamento da imunidade dos templos de qualquer culto não é a ausência


de capacidade contributiva, mas a proteção da liberdade dos indivíduos, que res-
taria tolhida, caso as igrejas tivessem que suportar os impostos incidentes “sobre o
patrimônio, a renda ou os serviços”, mesmo quando tais fatos jurídico-econômi-
cos guardassem sintonia com as “finalidades essenciais” (art. 150, § 4o, da CF) do
culto.

IV – A imunidade tributária dos templos de qualquer culto reforça e salvaguarda o


princípio da liberdade religiosa, já que é seu contraponto fiscal. Por esse motivo,
o art. 150, VI, b, da Constituição Federal deve ser interpretado com vistas largas
(interpretação generosa), alcançando, inclusive, o patrimônio da igreja, nele com-
preendidos seus bens móveis e imóveis.

V – Em razão do disposto no art. 150, VI, b, da Constituição Federal, não podem


incidir, dentre outros, (i) o IPTU, sobre o imóvel onde o culto se realiza, (ii) o ISS,
sobre a prestação do serviço religioso, (iii) o IRPJ, sobre as esmolas, espórtulas e
dízimos pagos à igreja, pelos seus fiéis, (iv) o ITBI, sobre a aquisição de bens imó-
veis destinados ao culto, (v) o imposto sobre a importação, o IPI, e o ICMS, sobre
a importação de bens móveis, a serem incorporados ao patrimônio dos templos reli-
giosos, e (vi) o IOF, sobre as aplicações financeiras que a igreja realiza, em ordem a
preservar seu patrimônio.

VI – O § 4o, do art. 150, da Constituição Federal, ao aludir às “finalidades es-


senciais” dos templos de qualquer culto, não leva em conta o modo pelo qual os
recursos são carreados para a igreja, mas o lugar para onde devem ir. Quando com-
provadamente se destinam à mantença do culto e das atividades da igreja, implemen-
ta-se o desígnio constitucional de liberdade de consciência e de crença.

VIa – O patrimônio, as rendas e as atividades da igreja, desde que de origem lícita e


preordenados ao culto – finalidade essencial da instituição religiosa –, são imunes aos
impostos. O único limite que o § 4o do art. 150 da Constituição Federal impõe, para
o gozo da exoneração constitucional em tela, é a apropriação dos haveres da igreja,
para serem utilizados em finalidades distintas do culto.
Roque Antonio Carrazza 43

VIb – Os ganhos provenientes de alugueres de imóveis da igreja, da locação do seu


salão de festas, da participação em sociedades com fins lucrativos (depois de estas te-
rem recolhido os tributos de estilo), da prestação onerosa de serviços etc., ajustam-
-se aos ditames do art. 150, § 4o, da Constituição Federal, bastando que revertam
em benefício do culto.

VIc – As igrejas, por “viverem no mundo”, têm o direito de nele buscar os meios
que lhes garantirão a sobrevivência e a prosperidade.

VId – Os donativos ou aportes de capital realizados, pelas pessoas físicas ou jurídi-


cas, em favor das confissões religiosas, não trazem, para estas, encargos tributários,
maiormente o de recolherem o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
É que estes rendimentos permitem que melhor se instrumentem a levar avante suas
atividades essenciais.

VII – O § 4o, do art. 150, da Constituição Federal, ao estatuir que a imunidade aos
impostos, dos templos de qualquer culto, compreendem somente o patrimônio, a
renda e os serviços, relacionados com suas finalidades essenciais, cuida, inclusive,
dos bens móveis e imóveis relacionados ao bom funcionamento da igreja e à amplia-
ção do número de seus fiéis.

VIIa – Se os bens materiais tiverem aplicação consentânea com as finalidades essen-


ciais do culto, o reconhecimento da imunidade tributária é de rigor. O ônus da prova
do eventual desvirtuamento de tais finalidades compete ao Poder Público, observa-
dos os princípios do contraditório e da ampla defesa.

VIIb – Desdobrando a ideia, as aquisições de bens móveis ou imóveis, desde que


diretamente relacionados às finalidades essenciais do culto, passam ao largo dos im-
postos que, de regra, incidem sobre estas operações jurídicas (ICMS-importação,
imposto sobre a importação, IPI, ITBI etc.).

VIIc – As igrejas, para melhor difundirem seu ideário espiritual, podem adquirir ou
importar bens voltados a estimular a fé das pessoas. Quando o fazem, não perdem o
benefício constitucional em tela.

VIII – A imunidade das igrejas independe, para ser fruída – ao contrário do que se
dá com as instituições assistenciais e educacionais sem fins lucrativos, que devem
obedecer aos requisitos apontados em lei complementar (ex vi de uma interpreta-
ção sistemática do disposto nos arts. 150, VI, c, “in fine”, e 195, § 7o, “in fine”, da
CF/88) –, que seus recursos sejam integralmente aplicados no País. Assim, elas po-
dem perfeitamente aplicá-los no exterior, para a ampla difusão da fé, de seu corpo de
44 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

doutrinas e de seus valores espirituais, o que, de resto, vem ao encontro do disposto


no art. 150, § 4o, da Constituição Federal.

IX – Nada impede, juridicamente, que as igrejas venham, com recursos próprios, a


criar ou a incentivar a criação de instituições assistenciais e educacionais, sem fins lu-
crativos, voltadas ao ensino de pessoas carentes, à prevenção e recuperação dos males
causados pelo alcoolismo, pelas drogas e pelo tabagismo, ao tratamento de doenças
mentais, ao tratamento de moléstias ou de deformidades físicas etc.

IXa – Há, porém, dois requisitos a serem preenchidos, para que a imunidade tri-
butária não sofra abalos; a saber: (1) é necessário que as instituições assistenciais ou
educacionais, sem fins lucrativos, tenham objetivos consentâneos com os princípios
religiosos da igreja que as instituiu ou as mantém; (2) não pode haver nenhum tipo
de distribuição de patrimônio ou de recursos, ainda que a título de gratificações, di-
videndos ou participações, aos dirigentes da igreja instituidora ou mantenedora.

IXb – Com estas cautelas, a igreja continuará a ter jus à imunidade do art. 150, VI,
b, da Constituição Federal, porquanto, embora por sua longa manus (a instituição
educacional ou assistencial sem fins lucrativos, por ela patrocinada), atenderá às suas
“finalidades essenciais”.

IXc – A atuação das igrejas favorece não só a quem diretamente a recebe, como às
pessoas a ela próximas e, nessa medida, repercute, de modo positivo, na sociedade
em geral. As igrejas mais poderão contribuir para o bem temporal das pessoas, se fun-
darem instituições educacionais e assistenciais, sem fins lucrativos, que persigam os
mesmos fins, ou se criarem fundações de direito privado, que tenham por objetivo a
manutenção de tais entidades.

X – As aquisições de bens móveis, relacionados às finalidades essenciais do culto


(pedras sagradas, relíquias, objetos consagrados etc.), passam ao largo dos impostos
que, de regra, incidem sobre essas operações jurídicas (ICMS-importação, imposto
sobre a importação, IPI etc.).

Xa – A operação de importação de tais bens, se levada a efeito pela igreja, não po-
derá, por força do disposto no art. 150, VI, b, da Constituição Federal, ser tributada
por meio de imposto sobre a importação, que é um tributo direto, já que sua car-
ga econômica é suportada, desde o primeiro momento, pelo próprio realizador do
fato imponível. É o patrimônio de quem promove a importação do bem estrangeiro
que vem imediatamente alcançado pela exação.

Xb – A igreja é imune também ao ICMS, quando importa bens considerados sagra-


dos, para que guarneçam os templos.
Roque Antonio Carrazza 45

Xb.1 – O sujeito passivo do ICMS-importação é a pessoa, física ou jurídica, que


promove a operação de importação da mercadoria ou do bem móvel corpóreo (bem
material).

Xb.2 – Esta modalidade de ICMS-operações mercantis (o ICMS-importação) tipi-


fica um tributo direto (ao contrário do ICMS-operações mercantis convencional,
que é um tributo indireto), já que é o próprio importador que tem o dever de arcar
com o ônus de recolhê-lo aos cofres estaduais.

Xb.3 – O importador da mercadoria ou do bem é, a um tempo, contribuinte de


direito e contribuinte de fato. Contribuinte de direito, porque ocupa o polo pas-
sivo da obrigação de recolher ICMS; contribuinte de fato, porque suporta, ele pró-
prio, a carga econômica da exação, isto é, não a repassa a terceiro.

Xb.4 – Portanto, quando a igreja importa, sem a intermediação de terceiros, obje-


tos sagrados, ela será o sujeito passivo do ICMS, na condição de contribuinte de
direito e de contribuinte de fato, pelo que pode validamente pleitear o reconheci-
mento da imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição Federal. De fato, estes bens
materiais, por se destinarem ao desenvolvimento do culto, atendem a uma de suas
finalidades essenciais (art. 150, § 4o, da CF/88).

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A autoaplicabilidade
da imunidade do papel
destinado à impressão de
livros, jornais e periódicos

1. Introdução. 2. Competência tributária e as imunidades tributárias.


3. Normas de estrutura e normas de comportamento. 4. A imunidade
dos livros, jornais e periódicos e do papel destinado à sua impressão.
4.1. Considerações gerais. 4.2. Os mecanismos de controle da utilização

DANIEL MORETI
do papel imune. 4.3. A instituição de deveres instrumentais tributários
por ato normativo infralegal. 4.4. Classificação das normas constitucionais
quanto ao grau de eficácia e aplicabilidade e as imunidades tributárias.
4.4.1. O papel da lei complementar em matéria de imunidades tributá-
rias. 4.4.2. Imunidade no papel destinado à impressão de livros, jornais e
periódicos: norma constitucional autoaplicável. 4.5. As sanções políticas
em matéria de papel imune. 5. Considerações finais. 6. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho ocupar-se-á da imunidade do papel destinado à impressão


de livros, jornais e periódicos, ao qual também nos referiremos como papel imune,
prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal. O foco central da análise ver-
sará sobre os meios de controle da desoneração tributária.
Motivou o estudo o fato de que o papel adquirido com imunidade tributária,
muitas vezes, é utilizado de forma irregular, vale dizer, em finalidades distintas da
impressão de livros, jornais e periódicos. Diante desse desvio de finalidade, as pessoas
políticas, no exercício de sua competência tributária, vêm instituindo instrumentos
50 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

de controle e regulação de tais operações, com o intuito de impedir o desvirtuamen-


to da regra imunizante.
Todavia, nota-se que tais meios de controle, não raro, afiguram-se ilegítimos,
pois consistem: a) na instituição de deveres instrumentais tributários para controle
das operações com papel imune ao arrepio de princípios constitucionais orientadores
do poder de tributar e; b) no estabelecimento de requisitos para fruição da imunida-
de tributária em casos em que estas são normas autoaplicáveis.
Não é só. Em outras situações identificam-se atos da Administração Tributária
que impõe o constrangimento ilegal aos contribuintes que ostentam ver reconhecida
a imunidade do papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, promo-
vendo a cobrança de tributos por vias transversas.
Demarcado o campo de estudo, passamos a examinar o tema proposto.

2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

O tema imunidades tributárias, pressupõe, sob qualquer ótica, a fixação do pon-


to de partida na noção de competência tributária, com sua abordagem, ainda que
breve.
A competência tributária é atributo conferido pelo legislador constituinte aos
entes políticos para criar, in abstracto, tributos. Consiste, assim, em uma autorização
constitucional legitimadora do poder de tributar.
Todavia, a competência tributária tem seus delineamentos e contornos especifi-
camente traçados pela própria Constituição Federal. Afigura-se, nesse ponto, a imu-
nidade tributária, que tem como função auxiliar na delimitação do campo tributário,
porquanto as regras de imunidade também demarcam, no aspecto negativo, as com-
petências tributárias outorgadas às pessoas políticas.
Nas palavras de Roque Antonio Carrazza “(...) a competência tributária é dese-
nhada também por normas negativas, que veiculam o que se convencionou chamar
de imunidades tributárias”.1
Nesse sentido, a competência tributária se traduz em duas vertentes. Na primei-
ra uma autorização ou legitimação para criação de tributos (sentido positivo). E a
segunda num limite para fazê-lo (sentido negativo), consubstanciando-se as normas
de imunidade tributária neste segundo aspecto, eis que fixam hipóteses de incompe-
tência tributária.
1
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed., São Paulo: Malheiros, 2010,
p. 745.
Daniel Moreti 51

Novamente, conforme lição de Roque Antonio Carrazza:

(...) As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto,


fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com
exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coliga-
das a determinados fatos, bens ou situações.2

Outro não é o entendimento de Paulo de Barros Carvalho, que assim define as


imunidades tributárias:

(...) classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto


da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das
pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de
tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.3

Portanto, os entes federativos carecem de competência tributária para tributar


aquelas pessoas, bens ou situações alcançadas pelas normas de imunidade previstas pela
Carta Magna, pois as normas constitucionais que veiculam imunidades contribuem
para traçar o perfil das competências tributárias em seu aspecto ou sentido negativo.

3 NORMAS DE ESTRUTURA E NORMAS DE COMPORTAMENTO


A dogmática jurídica costuma dividir as normas jurídicas em dois grandes gru-
pos, a saber: (a) normas de estrutura (ou de organização) e; normas de comporta-
mento (ou de conduta).
As primeiras (normas de estrutura) são aquelas pelas quais o direito regula sua
própria criação, dispondo sobre o modo pelo qual as normas jurídicas que o inte-
gram serão produzidas. Já as normas de comportamento são aquelas direcionadas
diretamente à regulação das condutas intersubjetivas das pessoas.
Conforme Aurora Tomazini de Carvalho, assinalando a distinção,

(...) são de estrutura as regras que instituem condições, fixam limites e prescrevem a
conduta que servirá de meio para a construção de outras regras. São de comportamen-
to as normas que prescrevem todas as outras relações intersubjetivas, reguladas juridi-
camente, desde que não referentes à formação e transformação de unidades jurídicas.4

Temos, assim, que as normas de estrutura são aquelas também voltadas indireta-
mente para as condutas das pessoas, pois possuem como objetivo final a regulação os
2
Idem, ibidem, p. 746.
3
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 236.
4
Aurora Tomazini de Carvalho. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo:
Noeses, 2009.
52 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

comportamentos relacionados à produção de novas unidades jurídicas, enquanto as


normas de comportamento são voltadas imediatamente às condutas interpessoais.
Trazendo tal classificação para o instituto da imunidade tributária ora em análise,
verifica-se que as normas de imunidade localizam-se na classe das normas de estrutu-
ra, porquanto, têm como escopo auxiliar na delimitação das competências tributárias,
influindo na atividade legislativa, pois são voltadas ao comportamento do legislador
relativamente à produção de novas unidades jurídicas tributárias, as quais não podem
alcançar as situações, pessoas ou fatos abrangidos pela regra imunizante.

4 A IMUNIDADE DOS LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS E DO PAPEL


DESTINADO À SUA IMPRESSÃO
No presente capítulo passamos a analisar a norma de imunidade tributária pre-
vista no art. 150, VI, d, da Constituição, sob o enfoque das obrigações acessórias que
as envolvem e requisitos legais instituídos para sua fruição.

4.1 Considerações gerais

Em breve percurso histórico pelo ordenamento jurídico brasileiro, verifica-se


que a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 31, inciso V, alínea “c”, enun-
ciou a imunidade exclusivamente do papel destinado à impressão de jornais, perió-
dicos e livros, sendo o primeiro dispositivo constitucional a regular esta espécie de
imunidade. A redação do dispositivo, vale dizer, não sofreu alteração com a Emenda
Constitucional 18 de 1965.
O texto fundamental da Carta de 1967 estendeu aos livros, jornais e periódi-
cos a imunidade anteriormente restrita ao papel destinado a impressão destes bens
(art. 20, inciso III, alínea d) o que fora mantido com o advento da EC no 1/1969
(art. 19, inciso III, alínea d).
A Constituição Federal de 1988 manteve a imunidade dos livros, jornais, perió-
dicos e do papel destinado a sua impressão em seu art. 150, inciso VI, d, sendo esta
a prescrição normativa vigente acerca do tema, in verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias atribuídas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
(...)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
(...)
Daniel Moreti 53

Sobre o conteúdo da redação, ao apontar os vocábulos “jornais” e “periódicos”,


observa-se que, conforme magistério de Paulo de Barros Carvalho,5 há indisfarçável
redundância no texto constitucional, pois o jornal é um periódico, sendo de veicula-
ção diária, na maioria das vezes, segundo a sua própria etimologia.
Assim, o simples apontamento dos “periódicos” teria sido suficiente para alber-
gar os jornais e outras espécies do gênero, como, por exemplo, as revistas.
É assegurada, portanto, conforme expressa previsão da Carta Magna, a imuni-
dade tributária dos livros, jornais e periódicos e do papel destinado à sua impressão,
com o objetivo de garantir a desoneração tributária e, com isso, a redução dos custos
de produção dos veículos de difusão da cultura, informações e pensamento.

4.2 Os mecanismos de controle da utilização do papel imune

A Constituição Federal garante a imunidade tributária dos livros, jornais e pe-


riódicos, bem como do papel empregado na impressão dos referidos veículos de in-
formação e pensamento, o que demonstra clara a finalidade de estimular e preservar
a divulgação de ideias, conhecimentos e cultura, desonerando o ciclo produtivo dos
instrumentos que expressam tais conteúdos, promovendo, assim, o fomento à difu-
são cultural e das informações de maneira geral.
Tal desoneração, por meio da imunidade tributária, se verifica relativamente aos
impostos que incidem sobre a importação, a produção e a circulação de livros, jor-
nais e periódicos e o papel destinado a sua impressão, a saber: imposto de importação
(II); imposto sobre produtos industrializados (IPI) e imposto sobre operações rela-
tivas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interes-
tadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS).6
5
Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. 23. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 244.
6
Existem também desonerações tributárias manifestadas por outras formas jurídicas, previstas na legislação
infraconstitucional, no tocante a contribuições, porquanto as imunidades, que naturalmente decorrem da Carta
Magna, no que diz respeito aos livros, jornais e periódicos e ao papel destinado à sua impressão, alcançam
apenas os impostos. Assim é que a Lei no 10.865/2004, conforme redação de seu art. 28, reduziu a 0 (zero)
as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da
venda, no mercado interno, de papel destinado à impressão de jornais e de papéis classificados nos códigos
4801.00.10, 4801.00.90, 4802.61.91, 4802.61.99, 4810.19.89 e 4810.22.90, todos da TIPI, destinados a im-
pressão de periódicos. Tal redução passou a valer pelo prazo de quatro anos a partir da data de vigência da
aludida lei ou até que a produção nacional alcance 80% do consumo interno, sendo o benefício prorrogado até
30/04/2012 pelo art. 18 da Lei no 10.727/2008.
A redução de alíquotas também se aplica à receita bruta decorrente da venda no mercado interno de livros,
conforme definido no art. 2o da Lei no 10.753/2003 (art. 28, inciso VI da Lei no 10.865/2004).
A redução de alíquotas também se estende às contribuições para o PIS/PASEP-importação e COFINS-im-
portação, conforme dispõe a Lei no 10.865/2004, no § 12 do art. 8o. Assim, a alíquota 0 (zero) alcança as hipó-
teses de importação de papel destinado a impressão de jornais e papéis classificados nos códigos 4801.00.10,
4801.00.90, 4802.61.91, 4802.61.99, 4810.19.89 e 4810.22.90, todos da TIPI, destinados a impressão de
periódicos, pelo período de quatro anos a contar da vigência da aludida lei, ou até que a produção nacional
54 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Com efeito, questão de grande complexidade e desafio se coloca no tocante ao


controle e fiscalização pela Administração Tributária do papel utilizado na impressão
de livros, jornais e periódicos, porquanto não raro o desvio de finalidade na sua utili-
zação, verdadeiro ato de evasão fiscal, pois o papel empregado em finalidades outras
que não à impressão de livros, jornais e periódicos está normalmente sujeito à carga
tributária dos impostos anteriormente mencionados.
Não obstante o louvável objetivo de evitar a evasão fiscal, com o intuito de re-
gular e controlar as operações com o chamado papel imune e certificar sua correta
utilização, a Administração Tributária das diversas pessoas políticas se valem de varia-
dos instrumentos, por vezes precários, ineficazes e até mesmo ofensivos às garantias
constitucionais.
No âmbito federal, atualmente regulam o tema a Lei no 11.945/2009, bem
como a Instrução Normativa expedida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil –
RFB no 976/2009.
A Lei no 11.945/2009 instituiu o chamado Registro Especial, obrigatório para
pessoas jurídicas que realizam operações com papel imune, sendo-lhes vedado reali-
zar o despacho aduaneiro, a aquisição, a utilização ou a comercialização do referido
papel sem prévia satisfação dessa exigência.
A Instrução Normativa RFB no 976/2009, além reproduzir as disposições ati-
nentes ao Registro Especial instituído pela Lei no 11.945/2009, mediante autoriza-
ção legislativa (art. 1o, § 3o, inciso II da Lei no 11.945/2009), instituiu a Declaração
Especial de Informações Relativas ao Controle do Papel Imune – DIF – Papel Imune,
de apresentação periódica obrigatória para pessoas jurídicas que promovam o despa-
cho aduaneiro, a aquisição, a utilização ou a comercialização de papel imune.
No âmbito do Estado de São Paulo, inovando no ordenamento jurídico do ente fe-
derado, o Regulamento do ICMS – RICMS, aprovado pelo Decreto no 45.490/2000,
teve acrescentado o § 6o ao seu art. 7o pelo Decreto no 55.308/2009, com a seguinte
redação:

Art. 7o. (Omissis)


(...)
§ 6o – A não incidência do imposto sobre as operações com o papel destinado à impressão
de livro, jornal ou periódico, a que se refere o inciso XIII, depende de prévio reconhe-
cimento pelo fisco, nos termos de disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda.

atenda 80% do consumo interno. A redução de alíquotas foi prorrogada até 30/04/2012, conforme dispõe o
art. 18 da Lei no 10.727/2008.
Também é 0 (zero) a alíquota do PIS/PASEP-importação e da COFINS-importação incidentes sobre a importa-
ção de livros, conforme definido no art. 2o da Lei no 10.753/2003 (art. 8o, § 12, inciso XII da Lei no 10.865/2004).
Daniel Moreti 55

Com base na previsão do RICMS, foi expedida a Portaria CAT no  14/2010,
pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, a qual sofreu alterações promo-
vidas pelas Portarias CAT no 46/2010, CAT no 51/2010, CAT no 103/2010, CAT
no  114/2010 e CAT no  120/2010, instituindo o Sistema de Reconhecimento e
Controle das Operações com o Papel-Imune – RECOPI.
Nos termos dos arts. 1o e 2o da aludida portaria, a não incidência do imposto
sobre as operações com o papel destinado à impressão de livro, jornal ou periódico
depende de prévio reconhecimento pela Secretaria da Fazenda, o qual será conferido
às operações realizadas por contribuintes credenciados no RECOPI.
O art. 2o-A da Portaria CAT no 14/2010, com a redação que lhe deu a Portaria
CAT no 46/2010, prescreve que o imposto incidirá sobre o papel não destinado à
impressão de livro, jornal ou periódico.
Referidos deveres instrumentais tributários, como é rotina nos dias atuais, exi-
gem dos contribuintes que operam com papel imune complexa e onerosa estrutu-
ra administrativa para seu cumprimento, acarretando, conforme menciona Roque
Antonio Carrazza,7 aquilo que a doutrina norte-americana chama de custos de con-
formidade, isto é, elevadas e significativas despesas para prática do ato, além de vio-
lar garantias fundamentais dos contribuintes, conforme passamos a demonstrar.

4.3 A instituição de deveres instrumentais tributários por ato


normativo infralegal

O direito positivo brasileiro revela a intensidade com que os contribuintes e ter-


ceiros a eles relacionados são chamados a colaborar com a Fazenda Pública, no inte-
resse da arrecadação e da fiscalização de tributos.
A propósito do tributo, outras relações jurídicas emergem, de conteúdo não
patrimonial, manifestadas num fazer, num não fazer ou num suportar. Trata-se dos
chamados deveres instrumentais tributários (obrigações tributárias acessórias, con-
forme a terminologia do Código Tributário Nacional – CTN),8 impostos pela lei,
seja para os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas), seja para terceiros, sempre no
interesse da Administração Tributária.9
7
Roque Antonio Carrazza. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 215.
8
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 2o A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto das prestações positivas ou
negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
(...)”
9
Paulo de Barros Carvalho refuta a expressão “obrigação tributária acessória”. Esclarece sua rejeição ao termo
com base na doutrina civilista, atribuindo natureza de obrigação apenas àquelas relações jurídicas susceptíveis
de expressão pecuniária (obrigações de dar), não ostentando tal natureza as condutas consistentes em fazer
ou não fazer, não passíveis de conversão em termos econômicos, as quais seriam relações jurídicas não obri-
gacionais.
56 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Os deveres instrumentais tributários possibilitam o controle, pelo Estado, sobre


a observância do cumprimento das obrigações estatuídas com a decretação dos tri-
butos, os quais, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho,

(...) são, entre muitos, o de escriturar livros, prestar informações, expedir notas fis-
cais, fazer declarações, promover levantamentos físicos, econômicos ou financeiros,
manter dados e documentos à disposição das autoridades administrativas, aceitar a
fiscalização periódica de suas atividades, tudo com o objetivo de propiciar ao ente
que tributa a verificação do adequado cumprimento da obrigação tributária.10

Esses deveres formais não se confundem com a obrigação tributária principal


prevista pelo CTN,11 pois esta corresponde ao dever de caráter patrimonial – obriga-
ção de dar – decorrente da constituição do fato jurídico tributário ou da imposição
de penalidade pecuniária.
A função dos deveres instrumentais é documentar a incidência da regra-matriz
dos tributos, de modo a instrumentalizar e permitir o regular lançamento e a exigên-
cia da percussão tributária.
Destarte, o princípio da legalidade, consubstanciado pela Carta Magna, em seu
art. 5o, inciso II,12 impõe que qualquer pretensão à instituição de deveres – de caráter
patrimonial ou não –, deverá ser regida por lei, e não por atos normativos inferiores
expedidos pelo Poder Executivo, pois no sistema constitucional brasileiro a imposi-
ção de qualquer obrigação tributária requer a previsão legal, observado o postulado
da Tripartição dos Poderes e o processo legislativo sistematizado pela própria Cons-
tituição Federal.
Essa diretriz, essencial no Estado Democrático de Direito, consagra a submissão
de todos, inclusive do Estado à previsão de lei, produto da vontade geral nos moldes

Nesse sentido, o autor conclui que as chamadas obrigações acessórias, além de não constituírem obriga-
ções, pois não têm caráter patrimonial, muitas vezes não ostentam caráter acessório, porquanto em inúmeras
situações são exigidos certos comportamentos, sem que se possa detectar uma prestação pecuniária que
satisfaça o caráter jurídico de tributo, p. ex., o dever jurídico de prestar declaração de rendimentos e de bens
à Fazenda Pública, quando não haja tributo a pagar. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.
23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 358-362).
Dessa forma, declara sua preferência pela expressão “deveres instrumentais ou formais”, no que é acompa-
nhado pela doutrina Roque Antonio Carrazza.
10
Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. 23. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 360-361.
11
“Art. 113. (Omissis)
§ 1o A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo
ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
(...)”
12
“Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(...)”
Daniel Moreti 57

delineados pelo princípio republicano, pois, conforme salienta Roque Antonio


Carrazza, “O Estado de Direito assegura o império da lei, como expressão da von-
tade popular”.13
Na medida em que o princípio da legalidade deve orientar todos os elementos da
relação jurídico-tributária, embora os deveres instrumentais tributários careçam de
conteúdo patrimonial, é indubitável que tal postulado irradie seus efeitos ao dever de
colaborar com o fisco, porquanto atribuídos de modo compulsório aos contribuin-
tes, chamando-os a contribuir com a fiel aplicação das leis tributárias.
Nesse sentido, merece destaque o magistério de Roque Antonio Carrazza:

Observe-se que, na medida em que o princípio da legalidade irradia efeitos sobre


todos os elementos essenciais da relação jurídico-tributária, não vemos como bani-
-lo do campo do dever de colaborar com o fisco – sempre mais atribuído compul-
soriamente aos contribuintes ou a terceiros a eles relacionados – para boa aplicação
das leis tributárias.14

José Souto Maior Borges em lição sobre o tema adverte:

Por força do art. 5o, II, qualquer pretensão ao cumprimento de obrigações acessó-
rias deverá ser submetida à regência de lei, e não de atos infralegais do Executivo,
como os decretos regulamentares. E compreende-se que assim o seja, porque não
é só pela via da exigência de prestações pecuniárias compulsórias que o Estado se
insinua nas relações entre particulares, a demandar-lhes, com voracidade insaciável,
uma crescente ordem de obrigações (deveres administrativos) instituídas por sim-
ples comodidade burocrática. Porque é muito mais fácil à Administração do que
assumi-las, sub-rogar os particulares no exercício de funções que lhe são – a ela
Administração – constitucionalmente atribuídas.15

A instituição de deveres instrumentais requer, assim, ato normativo geral e abs-


trato, com força de lei, e que tenha sido produzido segundo o procedimento previs-
to pela Lei Maior, figurando como regra neste cenário a lei ordinária.16
13
Roque Antonio Carrazza. Curso de direito constitucional tributário, 26. ed., São Paulo: Malheiro, 2010, p. 255.
14
Roque Antonio Carrazza. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010.
15
José Souto Maior Borges. Princípio constitucional da legalidade e categorias obrigacionais. RTD 23-4, p. 89
(foi atualizada a referência do artigo constitucional).
16
Roque Antonio Carrazza explica que é apta para a instituição de deveres instrumentais a lei em sentido lato.
Nas suas palavras: “Naturalmente a lei é entendida, nesse passo, em sentido lato, agasalhando não só a ema-
nada do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, das Câmaras Municipais e da Câmara Legislativa (lei
stricto sensu), como, também, as leis delegadas e as medidas provisórias, desde que, é claro, sejam editadas
em obediência ao processo de elaboração que o Código Supremo houve por bem traçar.” (In: Curso de Direito
Constitucional Tributário. p. 354).
58 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Assentada a posição da melhor doutrina acerca da necessidade da instituição de


deveres instrumentais tributários por meio de lei, inúmeros precedentes jurispruden-
ciais se verificam nesse sentido:

TRIBUTÁRIO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACES-


SÓRIA. APRESENTAÇÃO DE DTCF. INVALIDADE. 1. Obrigação tributária
acessória precisa estar prevista em lei, no sentido formal e material, não bastando
simples instrução normativa para sua criação, em razão do princípio da legalidade
do art. 5o, II, da Constituição da República. 2. A obrigação de apresentar DCTF
não está prevista em nenhuma norma com estatura ao menos de lei ordinária, mas
apenas e tão somente em instruções normativas. 3. A IN 129/96 foi editada com
base em delegação de competência legislativa expressa no art. 5o do DL 2.214/84,
que, entretanto, perdeu seu vigor 180 dias após a promulgação da Constituição
de 1988, por força do art. 26, I do ADCT/88. 4. Apelação e remessa oficial tida
por interposta improvidas. Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu e ne-
gou provimento à apelação e à Remessa oficial tida por interposta. (TRF1; AC
200501990328691; Relatora Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso;
jan./2006).

OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. DECLARAÇÃO DE CONTRI-


BUIÇÕES E TRIBUTOS FEDERAIS (DCTF). INSTRUÇÃO NORMATIVA
129/86. ILEGALIDADE. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. A criação da
obrigação tributária deve ser antecedida por lei ordinária, constituindo ilegalidade
sua instituição via instrução normativa. Apelação e remessa oficial tida com inter-
posta improvidas. (TRF5; MAS 96.00555897-3/AL; Rel. Juiz Francisco Falcão;
Primeira Turma; set/1996).

OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES E TRI-


BUTOS FEDERAIS: DCTF. INSTRUÇÃO NORMATIVA 129/86. ILEGALI-
DADE. 1. É ilegal a criação de obrigação tributária acessória, cujo descumprimento
importa em pena pecuniária, via instrução normativa, emanada de autoridade in-
competente. 2. Desatendimento ao princípio da reserva legal, sendo indelegável a
matéria de competência do Congresso Nacional. 3. Recurso voluntário e remessa
oficial improvidos. (TRF1; AC 95.01.1875-5; Rel. Juíza Eliana Calmon; Quarta
Turma; set/1995).

OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.


1. Submetendo-se, a Administração Pública, ao Princípio da Legalidade que, no
campo tributário, se reveste de rigidez ainda maior, atenta contra o mesmo criar-
-se Obrigação Tributária de caráter acessório sem o respaldo em lei; 2. Remessa de
ofício a que se nega provimento. (TRF4; RN 89.04.19822-4/PR; Rel. Juiz Paim
Falcão; Primeira Turma; un., j. dez/1989).
Daniel Moreti 59

De fato, os deveres instrumentais tributários só podem ser criados por meio de


ato normativo com força de lei, não sendo dado fazê-lo aos atos inferiores expedi-
dos pelo Poder Executivo (decreto, portaria, instrução normativa etc.), sob pena de
afronta ao princípio da legalidade.
Não obstante, improcedente o argumento de que o art. 115 do Código Tri-
butário Nacional17 autoriza a criação de deveres instrumentais por atos normati-
vos infralegais expedidos diretamente pelo Poder Executivo, porquanto a expressão
“legislação tributária” empregada pelo legislador do aludido diploma não pode so-
brepor-se ao princípio da legalidade, eis que a obrigação acessória é também uma
obrigação ex lege.
É o que afirma Roque Antonio Carrazza: “De fato, conquanto o supramencio-
nado art. 115 do CTN, aluda à legislação, o princípio da legalidade fala mais alto do
que os simples nomes ou fórmulas linguísticas, pelo que também a obrigação acessó-
ria é uma obrigação ex lege”.18
Ainda, Mizabel de Abreu Machado Derzi, em nota de atualização á obra de
Aliomar Baleeiro, salienta,

“O fato gerador da obrigação acessória também decorre de lei. A lei cria os deveres
acessórios, em seus contornos básicos, e remete ao regulamento a pormenorização
de tais deveres. Mas eles são e devem estar antes plasmados, modelados e enfor-
mados na própria lei. Ao dizer o CTN que o fato gerador da obrigação acessória é
qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abs-
tenção de ato que não configure a obrigação principal (art. 115), não rompe com
o princípio fundamental da legalidade, apenas reconhece que existe margem de
discricionariedade para que, dentro dos limites da lei, o regulamento e demais atos
administrativos normativos explicitem a própria lei, viabilizando a sua fiel execução.
A expressão legislação tributária, definida pelo próprio CTN, no art. 96, aliás, no-
meia em primeiro lugar a lei, como ato próprio do Poder Legislativo. A lei, assim,
integra com primazia o conceito de legislação tributária (art. 96 c/c 98), à qual se
submetem os atos normativos do Executivo.”19

Nesse passo, é certo que a lei que cria a obrigação acessória, além de indicar o
dever a ser cumprido, deve apontar o modo pelo qual isso se dará, devendo apontar
os contornos básicos de quando e como adotar a conduta positiva ou negativa, em
favor dos interesses do Estado-Fisco.
17
Art. 115: “Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável,
impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”.
18
Roque Antonio Carrazza. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 214.
19
Aliomar Baleeiro. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atualizada por Mizabel de Abreu Machado Derzi. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. p. 709-710.
60 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Aos atos normativos infralegais, por exemplo, regulamentos, portarias, atos de-
claratórios, instruções normativas etc., cabe apenas detalhar tal conduta, no intuito
de viabilizar a boa execução da lei que a determinou.
Não se trata de negar o dever de cumprimento de obrigações instituídas no inte-
resse da arrecadação e da fiscalização de tributos pelas entidades e atividades imunes,
mas apenas afirmar que a lei (lato sensu) é o instrumento normativo apto à institui-
ção de tais deveres.
Fixadas as premissas de que os deveres instrumentais devem, portanto, ser ins-
tituídos por lei, e submetendo a esta ideia aqueles deveres formais instituídos pela
Instrução Normativa RFB no 976/2009 e pela Portaria CAT no 14/2010, da Secre-
taria da Fazenda do Estado de São Paulo, temos claro que estes meios de controle
à utilização do papel imune padecem do vício da inconstitucionalidade, por ofensa
ao princípio da legalidade, já que instituídos por atos normativos despidos da força
legal, a qual afigura-se imprescindível à criação de deveres e obrigações de quaisquer
naturezas.

4.4 Classificação das normas constitucionais quanto ao grau de


eficácia e aplicabilidade e as imunidades tributárias
Inobstante a demonstrada inconstitucionalidade da instituição de obrigações
acessórias por atos normativos infralegais, há de se observar o foco temático sob a
luz da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.
Segundo a tradicional lição de José Afonso da Silva quanto ao grau de eficácia e
aplicabilidade das normas constitucionais, temos a seguinte classificação: (a) normas
de eficácia plena e aplicabilidade imediata; (b) normas de eficácia contida e aplicabi-
lidade imediata; (c) normas de eficácia limitada ou reduzida, as quais se subdividem
nas seguintes classes: (c1) normas de eficácia limitada definidoras de princípio ins-
titutivo; e (c2) normas de eficácia limitada definidoras de princípio programático.20
As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas aptas à sua incidência
imediata, prescindindo de regulação normativa posterior para sua aplicação. Criam
situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, desde logo exigíveis.21
As normas constitucionais de eficácia contida também receberam do constituin-
te aptidão suficiente para reger as situações que disciplinam, mas preveem meios
normativos (leis, conceitos genéricos etc.) não destinados a desenvolver sua aplicabi-
lidade, mas ao contrário, permitindo limitações à sua eficácia e aplicabilidade.22
20
José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 261-262.
21
Regina Helena Costa. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 2. ed., São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 92.
22
Idem, ibidem, p. 92.
Daniel Moreti 61

Por sua vez, as normas constitucionais de eficácia limitada não receberam do


constituinte aptidão suficiente para sua aplicação, cabendo ao legislador infraconsti-
tucional a tarefa de completar a regulamentação da matéria nelas traçada em princí-
pio ou esquema.
Nesse sentido, considerando ser a norma imunizante explicitadora da situação
que alcança de modo preciso, possibilitando ao aplicador da norma a exata identifica-
ção de seus contornos, conclui-se que a mesma deve qualificar-se, conforme lição de
Regina Helena Costa,23 como norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade
imediata ou de eficácia contida e aplicabilidade imediata.
E, ainda de acordo com os ensinamentos da Professora, a grande maioria das
imunidades tributárias está inserida em normas de eficácia plena ou autoaplicáveis,
in verbis:

O legislador constituinte optou, na quase totalidade das regras imunizatórias, por


inserir a exoneração tributária em norma de eficácia plena ou autoaplicáveis, não
deixando ao talante do legislador infraconstitucional a possibilidade de contenção
ou restrição de sua eficácia.24

Ademais, o art. 5o, § 1o, da CF/88 dispõe que “as normas definidoras de direitos
e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, estando enquadradas nesta cate-
goria as normas de imunidade.
Com efeito, as regras imunizatórias apenas se submeterão às classe das normas
de eficácia contida e aplicabilidade imediata nos casos em que a própria Constituição
previr a edição de lei para restringir ou implementar o comando normativo.
Nesse passo, imprescindível analisar, ainda que sucintamente, o papel da lei com-
plementar tributária, instrumento apto a regular as imunidades, nos casos em que o
Texto Constitucional assim dispôs.

4.4.1 O Papel da lei complementar em matéria de imunidades


tributárias

O art. 146, inciso II, da Lei Maior atribui à lei complementar, dentre outras fun-
ções, o mister regulamentador das limitações constitucionais ao poder de tributar, in
verbis: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) II – regular as limitações constitucio-
nais ao poder de tributar; (...)”.
23
Idem, ibidem, p. 93.
24
Idem, ibidem, p. 102.
62 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Segundo a prescrição normativa, cabe exclusivamente à lei complementar re-


gular as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre as quais se situam as
imunidades tributárias.
Verificamos no item anterior que as regras de imunidade tributária são classifica-
das como normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata ou como
normas constitucionais de eficácia contida, nos casos em que a Constituição Federal
explicitar.
Pois bem. Analisando as imunidades tributárias delineadas pelo inciso VI, do
art. 150 da CF/88, nota-se que, no caso da imunidade dos partidos políticos, suas fun-
dações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de as-
sistência social, sem fins lucrativos, previstos na alínea “c” do dispositivo, por exemplo,
o legislador constituinte condicionou sua fruição a certos requisitos legais. Vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
VI – instituir impostos sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência so-
cial, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
(...)25

Trata-se, pois, de uma regra imunizatória de eficácia contida ou não autoaplicá-


vel, eis que a Constituição condiciona o gozo da imunidade à observância dos requi-
sitos da lei, conforme se depreende da parte final do art. 150, VI, alínea c.
Em que pese o legislador constituinte ter mencionado “atendidos os requisitos
da lei” e não “atendidos os requisitos de lei complementar”26, a única lei apta a regular
25
Grifos do autor.
26
Sem adentrar na discussão acerca da hierarquia entre lei ordinária e lei complementar, tema divergente na
doutrina, pois este não é o objetivo do presente estudo, distinguem-se os instrumentos normativos nos aspec-
tos formal e material.
No aspecto formal, a diferença reside no quorum necessário para aprovação: maioria simples dos membros
das duas Casas do Congresso Nacional para lei ordinária e maioria absoluta para aprovação de lei complemen-
tar (CF/88, art. 69).
No aspecto material, a lei ordinária figura como instrumento hábil para o exercício das competências tribu-
tárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A lei complementar será necessária para a instituição dos tributos sob sua reserva, pela União, a saber: os
empréstimos compulsórios (art. 148 da CF/88), o imposto residual (art. 154, I da CF/88) e a contribuição social
residual (art. 195, § 4 o, da CF/88).
Sua função primordial, porém, é dispor sobre as normas gerais em matéria de legislação tributária, confor-
me previsão do art. 146 da Carta Magna, hipótese em que é editada pela União e possui caráter nacional, vale
dizer, sujeita todas as pessoas políticas às situações por ela reguladas.
Essas normas gerais veiculadas por lei complementar abrigam diretrizes, preceitos fundamentais para har-
monização e uniformização das matérias sujeitas à sua disciplina, incluindo-se aqui os requisitos para fruição
Daniel Moreti 63

as limitações ao poder de tributar é a lei complementar, nos termos do art. 146, in-


ciso II, da Lei Maior. É exatamente nesse sentido e em respeito à aludida regra que
o art. 14 do Código Tributário Nacional27 estabelece os requisitos para fruição da
imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea c da Constituição, pelas
instituições de educação e assistência social, sendo impertinente a ampliação ou mo-
dificação do rol de requisitos pela lei ordinária.
Nesse sentido o entendimento de Ives Gandra da Silva Martins:

...a lei a que faz menção o constituinte é a lei complementar, como já a doutrina
e a jurisprudência tinham perfilhado no passado, representando o Código Tribu-
tário Nacional tal impositor de requisitos. É que, se ao legislador ordinário fosse
outorgado o direito de estabelecer condições à imunidade constitucional, poderia
inviabilizá-la pro domo suo. Por esta razão, a lei complementar, que é nacional e da
Federação, é a única capaz de impor limitações, de resto, já plasmadas no art. 14
do Código Tributário Nacional.28

Portanto, sempre que existir comando constitucional, vinculando determinada


imunidade tributária à disposição de lei, estar-se-á referindo ao instrumento norma-
tivo denominado lei complementar, eis que apenas este é que possui aptidão para
regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, nos termos do art. 146 da
CF/88, incluídas aqui as imunidades tributárias.

4.4.2 Imunidade do papel destinado à impressão de livros, jornais e


periódicos: norma constitucional autoaplicável

No caso da imunidade foco do presente trabalho (imunidade do papel destina-


do a impressão dos livros, jornais e periódicos), é nítido que o legislador constituin-
te, diversamente do que fez a propósito da imunidade do art. 150, VI, c, atribuiu à
norma de imunidade eficácia plena e aplicabilidade imediata, porquanto não existem
apontamentos constitucionais à regulação ou instituição de requisitos pela legislação
infraconstitucional.
Classificando as normas de imunidade em condicionadas e incondiciona-
das, Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto, em obra dedicada ao tema imunida-
des, explicam que as imunidades incondicionadas são aquelas que não dependem

da imunidade tributária do art. 150, VI, c, da Lei Maior, hipótese em que a lei complementar atua como norma
geral reguladora de limitações constitucionais ao poder de tributar, conforme o art. 146, II, da CF/88.
27
O CTN (Lei no 5.172/1966) foi editado sob a forma de lei ordinária, todavia, foi recepcionado pela CF/1988
com natureza de lei complementar, por versar sobre matérias que hoje estão reservadas estritamente a esta
modalidade de ato normativo (art. 146 da CF).
28
“Imunidade Tributária”, In: Imunidades Tributárias, Pesquisas Tributárias no 4, coordenador Ives Gandra da
Silva Martins, co-edição Centro de Extensão Universitária, São Paulo, RT, 1998, p. 318.
64 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

de estabelecimento de qualquer condição por normas infraconstitucionais para que


sejam levadas a efeito.29
São, pois, verdadeiras normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade
imediata – norma autoaplicável, enquadrando-se nessa classe, além da imunidade dos
livros, jornais e periódicos e do papel destinado à sua impressão (art. 150, VI, d, da
CF), as imunidades recíprocas dos entes políticos (art. 150, VI, a, da CF) e a imuni-
dade dos templos de qualquer culto (art. 150, VI, b, da CF).
Afigura-se evidente, assim, que a imunidade dos livros, jornais e periódicos e do
papel destinado à sua impressão, prevista no art. 150, VI, d, da CF/88, é norma in-
condicionada, ou de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Sendo assim, não pode
sofrer limitações ou restrições pela legislação infraconstitucional.
Fixadas essas premissas, no nosso sentir inafastáveis, porquanto as normas de
imunidade decorrem de outros princípios constitucionais, na qualidade de garantias
fundamentais dos cidadãos, figurando, assim, como verdadeiras “cláusulas pétreas”,30
cumpre analisar sob tais fundamentos os instrumentos de regulação da utilização do
papel imune, a saber, o Registro Especial para operar com papel imune, instituído pela
Lei no 11.945/2009 e o credenciamento no RECOPI, regulado pela Portaria CAT
no 14/2010, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
Esses instrumentos de controle trouxeram à tona, com relação aos impostos fe-
derais, a necessidade da obtenção prévia de Registro Especial junto a Secretaria da
Receita Federal do Brasil para operar com papel imune e, para imunidade do ICMS
no Estado de São Paulo, o credenciamento prévio no sistema denominado RECOPI,
junto à Secretaria da Fazenda desta unidade federada.
Referidos mecanismos, em que pese o louvável propósito de combater a evasão
fiscal e evitar a utilização irregular do papel imune, constituem verdadeiros requisitos
ou condições instituídas pelo legislador infraconstitucional para reconhecimento da
imunidade tributária nas operações que envolvam papel destinado à impressão de li-
vros, jornais e periódicos, sendo, pois, exigências manifestamente inconstitucionais,31
29
Nas suas palavras: “Por imunidades incondicionadas deve-se entender aquelas que independem de qualquer
integração constitucional para viabilizá-las. Ou, dito de outra forma, a Constituição não estabelece qualquer
requisito, qualquer condição para que a imunidade tenha plena eficácia”. (In: Imunidades Tributárias: limitações
constitucionais ao poder de tributar, 2. ed., São Paulo: Dialética, 2001, p. 14.)
30
Nesse sentido a lição de Roque Antonio Carrazza: “(...) a maioria das imunidades contempladas na Consti-
tuição é uma decorrência natural dos grandes princípios constitucionais tributários, que limitam a ação estatal
de exigir tributos (igualdade, capacidade contributiva, livre difusão da cultura e do pensamento, proteção à
educação, amparo aos desafios etc.). Portanto, não podem ter seu alcance diminuído nem mesmo pode meio
de emendas constitucionais, quanto mais pelo legislador ordinário”. (Curso de direito constitucional tributário.
p. 755).
31
A inconstitucionalidade dos requisitos para fruição da imunidade estabelecidos pela Portaria CAT no 14/2010
foi reconhecida em janeiro de 2011, em decisão proferida pelo Juízo da Primeira Vara da Fazenda Pública da
Comarca de São Paulo/SP, Processo no 0025598-45.2010.8.26.0053, na qual o Magistrado deixou consignado
que “(...) 2 – Pelo que se percebe da clara disposição legal, a imunidade conferida ao papel destinado à im-
pressão de jornais, periódicos e livros é favor concedido pela norma maior sem qualquer condição, de modo
Daniel Moreti 65

porquanto a imunidade em tela é norma constitucional incondicionada ou autoa-


plicável, não sendo admitida a imposição de condicionamentos não autorizados pela
Carta Magna para sua fruição.
Ademais, acaso se enquadrassem as regras imunizantes do papel destinado à im-
pressão de livros, jornais e periódicos em normas de eficácia contida, hipótese em
que seria admitida a instituição de requisitos pela legislação infraconstitucional, ape-
nas à lei complementar seria dado cumprir tal função.

4.5 As sanções políticas em matéria de papel imune

Não bastasse a violação do princípio da legalidade na instituição de deveres ins-


trumentais tributários por ato normativo despido de força de lei para regulação e
controle da fruição de imunidades tributárias, bem como a inconstitucionalidade
do estabelecimento de requisitos para fruição de imunidade tributária, para a qual a
CF/88 não previu tal condicionamento, o tema denota-se ainda mais grave ao esta-
belecer a legislação infraconstitucional outras restrições ao gozo das imunidades, as
quais podem ser afastadas mediante o pagamento de tributos.
Estamos referindo às chamadas sanções políticas.
Tratam-se, pois, de meios coercitivos impostos ao contribuinte, consubstancia-
dos em restrições, vedações ou condicionamentos à fruição de direitos essenciais dos
contribuintes, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento de tributos e outros
encargos tributários.
Rotineiramente, o Fisco se vale de medidas dessa natureza no intuito de cons-
tranger o contribuinte ao pagamento do tributo, passando ao largo de garantias
constitucionais. É o caso, por exemplo, da interdição de estabelecimento, da apreen-
são de mercadorias, a imposição do regime especial de fiscalização etc.
Referidas sanções políticas, de forma evidente, padecem do vício da inconstitu-
cionalidade, pois ofendem princípios supremos como o livre exercício da atividade
econômica, a ampla defesa e seu consectário, o devido processo legal, entre outros.
A doutrina rejeita esses meios ilegítimos utilizados para a cobrança de tributos
destacando-se, nesse sentido, a lição de Roque Antonio Carrazza:

Em boa verdade científica, o Poder Público, para receber seu crédito, não pode agir
“manu militari”, mas, pelo contrário, deve valer-se exclusivamente dos meios em

que o rol de exigências postas na portaria CAT 14/10 demonstra clara afronta ao comando constitucional. De
fato, deve-se atentar que, nos termos da mesma portaria, se a não incidência do imposto depende de prévio
reconhecimento pela Secretaria da Fazenda, dos requisitos por ela elencados, a contrario sensu se não houver o
implemento daquela condição, deduz-se que o tributo passa a ser devido. Ora, se assim é, impõe-se considerar
a inconstitucionalidade da regra, haja vista que a Constituição já estabeleceu não se poder cobrar tributo da
matéria prima já mencionada, porque considerada imune.”
66 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

direito admitidos (basicamente os constantes do processo de execução fiscal, discipli-


nado na Lei no 6.830/80).32

No Judiciário felizmente verifica-se a existência de três súmulas editadas pelo


Supremo Tribunal Federal – STF proibindo as chamadas sanções políticas. São elas,
respectivamente, de no 70, 323 e 547.33
Destarte, no Projeto de Lei Complementar – PLC no 646/1999, chamado “Có-
digo de Defesa do Contribuinte”, existe previsão expressa nesse sentido, in verbis:

Art. 14. É vedada, para fins de cobrança extrajudicial de tributos, a adoção de meios
coercitivos contra o contribuinte, tais como a interdição de estabelecimento, a proibi-
ção de transacionar com órgãos e entidades públicas e instituições oficiais de crédito, a
imposição de sanções administrativas ou a instituição de barreiras fiscais.
Parágrafo único. Os regimes especiais de fiscalização, aplicáveis a determinados con-
tribuintes, somente poderão ser instituídos nos estritos termos da lei tributária.

Com efeito, as sanções políticas não se confundem com sanções pelo descumpri-
mento de obrigações acessórias.
Nesse sentido, Clélio Chiesa34 ressalta tal distinção, expondo que as obrigações
tributárias acessórias têm como finalidade o controle das ocorrências dos fatos jurí-
dicos tributados. Já as sanções políticas visam criar embaraços ao desenvolvimento re-
gular das atividades desenvolvidas pelos contribuintes com o objetivo de encurtar o
período de tempo existente entre a ocorrência do fato jurídico tributário e o efetivo
recolhimento do tributo, ainda que tais sanções impliquem em violações a direitos e
garantias dos contribuintes.
Trazendo tais preceitos ao tema em estudo, verifica-se que a Portaria CAT
no 14/2010, expedida pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, estabele-
ce que o pedido de credenciamento no RECOPI será indeferido, dentre outras hi-
póteses, no caso da existência de débito fiscal inscrito em dívida ativa, decorrente de
Auto de Infração e Imposição de Multa – AIIM lavrado com a exigência do imposto
em razão do desvio de finalidade do papel imune, in verbis:

Art. 5o (...)
§ 1o O pedido será indeferido, em relação a cada um dos estabelecimentos, conforme o
caso, se constatada:

32
Roque Antonio Carrazza. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 219.
33
STF. Súmula no 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de
tributo”. Súmula no 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de
tributo”. Súmula no 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas,
despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.
34
Clélio Chiesa. Fiscalização tributária – limites à instituição de deveres tributários e à imposição de sanções
pelo não pagamento de tributo e não cumprimento de deveres instrumentais. In: Valdir de Oliveira Rocha.
(Coord.) Grandes questões atuais de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2006, p. 44-45.
Daniel Moreti 67

(...)
3 – existência de débito fiscal inscrito em Dívida Ativa, decorrente de Auto de Infra-
ção e Imposição de Multa – AIIM, lavrado com a exigência do imposto em razão do
desvio de finalidade do papel imune.

Vale ressaltar que a situação já foi pior, eis que na redação original da portaria a
vedação alcançava contribuintes com débito fiscal decorrente de Auto de Infração e
Imposição de Multa – AIIM lavrado com a exigência do imposto devido em razão
do desvio de finalidade do papel imune, ainda que pendente de julgamento nos ór-
gãos do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT, redação que foi alterada pela Portaria
CAT no 114/2010.
Seguindo na trilha proposta, verifica-se que o § 2o, do mesmo art. 5o, da aludida
portaria, estabelece que, ante a existência de débito inscrito em dívida ativa, decor-
rente de auto de infração e imposição de multa sob a acusação de desvio de finalidade
do papel imune, o pedido de credenciamento no RECOPI será deferido se o débito
existente for objeto de parcelamento que esteja sendo regulamente cumprido ou es-
teja garantido em execução fiscal, nos termos da legislação vigente e a juízo da Pro-
curadoria Geral do Estado, in verbis:

Art. 5o (...)
(...)
§ 2o Não será motivo para indeferimento do pedido de credenciamento no Sistema
RECOPI a existência de débito fiscal, inscrito em Dívida Ativa, decorrente de Auto
de Infração e Imposição de Multa – AIIM, lavrado com a exigência do imposto em
razão do desvio de finalidade do papel imune, caso este débito:
1 – seja objeto de parcelamento que esteja sendo regularmente cumprido;
2 – esteja garantido em execução fiscal, nos termos da legislação vigente e a juízo da
Procuradoria Geral do Estado;

Pois bem. Ainda que a inscrição em dívida ativa venha retratar a liquidez, cer-
teza e exigibilidade do crédito tributário, o ordenamento jurídico prevê, com base
no devido processo legal, consubstanciado pelos princípios do contraditório e ampla
defesa, os mecanismos apropriados para cobrança de tributos, nos moldes delineados
pela Lei no 6.830/1980.
Com efeito, não é dado ao Estado-Fisco, mormente por ato infralegal, impedir
o contribuinte de se credenciar em sistema condicionante à fruição da imunidade tri-
butária do papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, em razão da
existência de débito fiscal decorrente de auto de infração e imposição de multa, ainda
que sob a acusação do desvio de finalidade do papel imune.
68 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Ademais, a coerção ilegal, ou meio indireto para cobrança do tributo, fica evi-
dente ao admitir o § 2o, do art. 5o, da Portaria CAT no 14/2010, da Secretaria da
Fazenda do Estado de São Paulo, o deferimento do pedido de credenciamento, caso
o mesmo débito venha a ser parcelado ou garantido em execução fiscal.
Portanto, resta impedido o direito à fruição da imunidade, vale dizer, direito pú-
blico subjetivo de exigir que o Estado não exija tributos sobre operações com papel
destinado a impressão de livros, jornais e periódicos, desde que o contribuinte seja
devedor do Fisco, o que se revela como verdadeira sanção política.
Noutro giro verbal, o contribuinte que possuir débito de ICMS, inscrito em dí-
vida ativa, decorrente de AIIM com a acusação de desvio de finalidade de papel imu-
ne, acaso pague a dívida, realize seu parcelamento, ou ofereça garantia para satisfação
do débito tributário, estará autorizado a se credenciar no RECOPI e, assim, realizar
operações com papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, com imu-
nidade tributária.
Em que pese a já mencionada inconstitucionalidade do estabelecimento de re-
quisitos para fruição desta imunidade, dentre os quais afigura-se o prévio creden-
ciamento no RECOPI, o contribuinte paulista que desejar operar com papel imune
se verá ainda coagido a satisfazer os desígnios da Fazenda Pública do Estado de São
Paulo, ao arrepio de garantias constitucionais irremovíveis.
Pensamos, assim, que, em respeito aos princípios constitucionais, dentre os quais
se destacam o livre exercício da atividade econômica e a ampla defesa, aquele contri-
buinte que bater às portas do Poder Judiciário poderá ter reconhecido o direito de se
credenciar no RECOPI, passando a se beneficiar da imunidade do papel destinado à
impressão de livros, jornais e periódicos, ainda que possua débito de ICMS junto ao
Estado de São Paulo, inscrito em dívida ativa e decorrente de AIIM por suposto des-
vio de finalidade de papel imune.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese ao quanto foi exposto, cumpre formular as seguintes considerações


finais:

I – A imunidade tributária tem como função auxiliar na delimitação do campo


tributário.
As regras de imunidade também demarcam, no aspecto negativo, as competências
tributárias outorgadas às pessoas políticas.
As regras de imunidade tributária enquadram-se na categoria das normas de es-
trutura, pois possuem como objetivo final regular os comportamentos relacionados
à produção de novas unidades jurídicas.
Daniel Moreti 69

II – A imunidade dos livros, jornais e periódicos alcança também o papel destinado a


sua impressão, com o objetivo de fomentar a difusão da cultura e informações.

III – Para controle das operações com papel imune, destacam-se os seguintes
instrumentos:
a) Em âmbito federal, atualmente regulam o tema a Lei no 11.945/2009, bem
como a Instrução Normativa RFB no 976/2009. Referida Lei no 11.945/2009 ins-
titui o chamado Registro Especial, obrigatório para pessoas jurídicas que realizem
operações com papel imune, sendo-lhes vedado realizar o despacho aduaneiro, a
aquisição, a utilização ou a comercialização do referido papel sem prévia satisfação
dessa exigência.
A Instrução Normativa RFB no 976/2009 reproduziu as disposições atinentes ao
registro especial instituído pela Lei no 11.945/2009 e instituiu a obrigação acessória
denominada DIF-Papel imune, de apresentação periódica obrigatória para pessoas
jurídicas que promovam o despacho aduaneiro, a aquisição, a utilização ou a comer-
cialização de papel imune.
b) No âmbito do Estado de São Paulo, foi expedida a Portaria CAT no 14/2010,
a qual prevê que a não incidência do ICMS sobre as operações com o papel destina-
do à impressão de livro, jornal ou periódico, depende de prévio reconhecimento pela
Secretaria da Fazenda, o qual será conferido às operações realizadas por contribuin-
tes credenciados no RECOPI.

IV – Os deveres instrumentais tributários, embora careçam de conteúdo patrimonial,


devem ser instituídos por ato normativo com força de lei, padecendo de inconsti-
tucionalidade os atos infralegais expedidos pelo Poder Executivo que se imiscuírem
em tal mister.
São, portanto, inconstitucionais os deveres instrumentais instituídos pela Instru-
ção Normativa RFB no 976/2009 e pela Portaria CAT no 14/2010 da Secretaria da
Fazenda do Estado de São Paulo.

V – A imunidade do papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos prevista


no art. 150, VI, d, da Constituição é norma de eficácia plena e aplicabilidade imedia-
ta, não sendo admitida a limitação de sua fruição pelo legislador infraconstitucional.
Por força do art. 146, II, da Constituição, apenas à lei complementar é dado re-
gular imunidades, enquanto limitações ao poder de tributar, estritamente nas hipó-
teses ressalvadas pelo legislador constituinte.
São, nesse sentido, inconstitucionais os requisitos para fruição da imunidade
do papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos instituídos pela Lei
no 11.945/2009 e pela Portaria CAT no 14/2010 da Secretaria da Fazenda do Es-
tado de São Paulo, por ser a norma do art. 150, VI, d, da Lei Suprema, da espécie
das autoaplicáveis.
70 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

VI – Sanções políticas são restrições ou vedações impostas ao exercício de direitos do


contribuinte como forma indireta de compeli-lo ao pagamento do tributo.
A proibição de credenciamento no RECOPI prevista pela Portaria CAT
no  14/2010 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo para contribuintes
que possuam débito inscrito em dívida ativa, decorrente de auto de infração com exi-
gência de ICMS em razão de desvio de finalidade do papel imune, viola o princípio
do livre exercício da atividade econômica, além do devido processo legal, figurando
como nítida sanção política.
Confirma a coerção ilegal a possibilidade de credenciamento no RECOPI ao con-
tribuinte cujo débito fiscal seja objeto de parcelamento ou que esteja garantido em
execução fiscal.

6 REFERÊNCIAS

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esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007.
Imunidade tributária
destinada às instituições de
ensino e a tributação em
investimentos financeiros
e no tipo private equity

DANIELA TADEI MAILER


1. Introdução. 2. Considerações gerais. 2.1. Supremacia da Constitui-
ção Federal e a competência tributária. 3. Imunidade tributária. 3.1.
Classificação. 3.2. Abrangência da imunidade tributária. 3.3. Imunidade
tributária das instituições de educação. 4. A imunidade tributária das
instituições de educação e rendimentos auferidos em investimentos fi-
nanceiros. 5. Destinação dos recursos financeiros de uma instituição de
educação e aplicação em investimentos do tipo private equity. 6. Consi-
derações finais. 7. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo consiste na análise do instituto da imunidade tributária, es-


pecificamente, a imunidade tributária destinada às instituições de ensino, nos termos
do art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição Federal.
Com base no tema principal, analisaremos dois pontos importantes sendo (i) a
inconstitucionalidade do § 1o, do art. 12 da Lei Ordinária no 9.532/1997, dispositi-
vo este que restringiu a imunidade aos rendimentos e ganhos de capital auferidos em
aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável; e ainda, (ii) a possibilidade
74 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

da instituição de ensino destinar temporariamente seus recursos em aplicações e in-


vestimentos financeiros qualificados/exclusivos, tais como Private Equity.1
Como ponto inicial será delimitado de forma sintética o objeto do estudo e o
método científico de abordagem.
Em seguida, serão desenvolvidas algumas considerações sobre a ilegalidade na
tributação de uma instituição que goza da imunidade sobre seus investimentos finan-
ceiros, bem como, a inconstitucionalidade da Lei Ordinária no 9.532/1997, a qual
vetou, indevidamente, referida imunidade.
Logo após, serão desenvolvidas considerações sobre aplicações e investimento
financeiros, em especial, no que diz respeito a Private Equity.
Salienta-se que alguns fundos de investimento, especialmente no setor de Priva-
te Equity, podem destinar os recursos aplicados para fora do país, buscando assim a
maximização da rentabilidade do capital de seus quotistas.
Neste diapasão, embora os recursos sejam originalmente investidos no Brasil,
analisaremos se tal situação poderia configurar uma violação ao inciso II do art. 14
do Código Tributário Nacional.
Ao final, faremos uma conclusão sobre os dispositivos legais que regulamentam
a imunidade tributária, detectando a problemática acima mencionada, contextuali-
zando o assunto dentro do sistema jurídico.

2 CONSIDERAÇÕES GERAIS

2.1 Supremacia da Constituição Federal e a Competência Tributária

A Constituição Federal é a norma fundamental do nosso sistema jurídico, ou


seja, pela sua própria natureza, é tida como a primeira lei positiva, como ápice do
ordenamento jurídico.
Segundo os ensinamentos do ilustre Prof. Sylvio César Afonso:2

A Constituição Federal ocupa dentro do ordenamento jurídico brasileiro o patamar


mais elevado dentre os dispositivos legais disponíveis. É ela que dá fundamento de
validade às demais normas. (...)
De fato, nos “Estados de Direito” a Constituição é a lei máxima, submetendo
todos os cidadãos e os próprios Poderes Legislativos, Executivo e Judiciário. Uma

1
Esta classe de ativos permite aos investidores participar do crescimento das empresas de capital fechado, com
o objetivo de alcançar retornos mais elevados a longo prazo do que as disponíveis no mercado aberto. Private
equity abrange uma variedade de oportunidades de investimentos, tanto nacional como internacional.
2
Sylvio César Afonso. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Física. Aspectos
Infraconstitucionais Relevantes. 2. ed., São Paulo: Federal, 2009, p. 18.
Daniela Tadei Mailer 75

norma jurídica, ao menos em tese, só será considerada válida se estiver em perfeita


harmonia com as normas constitucionais.

É na Constituição Federal que encontramos as disposições que tratam de maté-


rias tributárias, bem como o sistema rígido de distribuição de competências.
Salienta-se que não é permitido aos entes ultrapassar os limites constitucionais,
sob pena de nulidade plena do ato praticado sem os ditames constitucionais, de-
vendo, via de regra, todas as normas e atos ser submetidos ao rigoroso teste de
constitucionalidade.
Uma vez elencado na Constituição Federal, caberá aos entes políticos (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios) seguir rigidamente este caminho jamais
ultrapassando seus limites, e dentro de suas competências constitucionalmente
outorgadas.
Quanto à competência tributária, o ilustre Prof. Tácio Lacerda Gama3 se mani-
festa no seguinte sentido:

É a aptidão, juridicamente modalizada como permitida ou obrigatória, que alguém


detém, em face de outrem, para alterar o sistema de direito positivo, mediante a in-
trodução de novas normas jurídicas que, direta ou indiretamente, disponham sobre
a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.

No mesmo sentido, o ilustre Prof. Paulo de Barros Carvalho4 conceitua compe-


tência tributária “como uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que
são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para
a produção de normas jurídicas sobre tributos”.
Assim, em nosso ordenamento jurídico, apenas a União, Estados, Municípios e
Distrito Federal, entes que possuem Legislativo próprio, têm competência tributária
reservada pela Constituição Federal.
Deste modo, os limites que a Constituição traçou para que as pessoas políticas
tributem não podem ser deslocadas nem por meio de Lei Complementar, entenda-se
Código Tributário Nacional, nem por Leis Ordinárias.
Feita esta primeira análise, ainda que demasiadamente breve, entraremos na aná-
lise do instituto da imunidade tributária, tema este de índole constitucional.

3
Tácio Lacerda Gama. Competência Tributária – fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses,
2009, p. 218.
4
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 22. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
76 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

As imunidades são, sem dúvida, uma das formas mais tradicionais de se excluir
da incidência tributária de determinadas pessoas e situações.
Em linhas gerais, podemos conceituar a imunidade tributária como classe de-
terminada ou imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da
Constituição Federal que estabelecem, expressamente, a incompetência das pessoas
políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tribu-
tos que alcancem situações e pessoas específicas e suficientemente caracterizadas.
Em outras palavras, é a autorização prevista na Constituição Federal, dos entes
políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) cobrar tributos sobre de-
terminadas pessoas e situações, no entanto, veda também expressamente a tributação
dos entes federativos sobre patrimônio, renda ou serviço um dos outros, nos termos
do art. 150, inciso VI, a, da Carta Magna.
Segundo o entendimento do ilustre Prof. Roque Antonio Carrazza,5 a expressão
imunidade tributária tem duas acepções, senão vejamos:

Uma, ampla, significando a incompetência da pessoa política para tributar, e outra,


restrita, aplicável às normas constitucionais que, de modo expresso, declaram ser
vedado às pessoas políticas tributar determinadas pessoas, quer pela natureza jurí-
dica que possuem, quer pelo tipo de atividade que desempenham, quer, porque
coligadas a determinados fatos, bens ou situações.

Podemos dizer que a imunidade apresenta uma natureza dúplice, uma vez que
de um lado representa uma norma constitucional e do outro constitui direito público
subjetivo das pessoas por ela favorecidas.
De acordo com o posicionamento de Aires F. Barreto,6 seguindo a linha de en-
sinamento do mestre Aliomar Baleeiro, as imunidades tributárias, são, portanto, ma-
téria pertencente à disciplina constitucional da competência, configurando as mais
importantes limitações constitucionais ao poder de tributar.
Sobre o tema, Tácio Lacerda Gama7 entende que “imunidade tributária são pro-
posições que compõem a norma de competência tributária restringindo um ou mais
aspectos de sua materialidade”.
5
Antonio Roque Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário, 26. ed., São Paulo: Malheiros, 2010,
p. 757 e 758.
6
Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar.
2. ed., São Paulo: Dialética, 1999, p. 11.
7
Tácio Lacerda Gama. Competência Tributária – Fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses,
2009, p. 243.
Daniela Tadei Mailer 77

Podemos dizer ainda, que a imunidade tributária é uma garantia constitucional,


uma vez que se destinam a conferir efetividade a determinados direitos e garantias
fundamentais reconhecidos e assegurados às pessoas e às instituições.
Dessa forma, sempre que a própria Constituição estiver exonerando ou impe-
dindo a imposição tributária, está-se a tratar de imunidade, uma vez que a incidência
tributária é excluída diretamente pelo texto constitucional.8 Assim essa garantia cons-
titucional, veda a impossibilidade dos entes federativos tributarem o patrimônio, a
renda ou os serviços dos partidos políticos, inclusive de suas fundações, das entidades
sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem
fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

3.1 Classificação

As normas imunizantes podem ser classificadas da seguinte forma: quanto aos


valores constitucionais protegidos ou quanto ao grau de intensidade e amplitude, em
gerais e específicas, tópicas ou especiais.
As imunidades gerais ou genéricas dirigem vedações a todas as pessoas políticas e
abrangem todo e qualquer imposto que recaia sobre o patrimônio, a renda ou os ser-
viços das entidades mencionadas. Já as imunidades específicas, tópicas ou especiais,
são restritas a um único tributo e dirigem-se a determinada pessoa política.
As imunidades podem ser subjetivas ou objetivas. Quanto às subjetivas (também
chamadas de pessoais) recaem sobre o sujeito, ou seja, em razão da condição de de-
terminadas pessoas, sendo assim, são outorgadas em razão da natureza jurídica da
pessoa ou mesmo em relação ao papel socialmente relevante que ela desempenha; já
as imunidades objetivas (também chamadas de reais) recaem sobre as coisas, sendo
concedidas em razão de determinados fatos, bens ou situações, sendo assim, embora
também beneficiem pessoas, não são outorgadas em função delas.
Por fim, entende-se que as imunidades subjetivas ainda podem ser classificadas
em ontológicas ou políticas. As ontológicas são reconhecidas em razão de um prin-
cípio constitucional, o princípio da isonomia;9 ao passo que as imunidades políticas
são outorgadas para prestigiar outros princípios constitucionais.
8
RE 168.110 – DF; Rel. Min. Moreira Alves; 04/04/2000.
9
O princípio da isonomia é postulado geral, expressamente consagrado mediante uma regra de limitação ao
poder de tributar e uma de imposição de gradação dos encargos segundo a capacidade econômica. O art. 150,
inciso II, é tido pela doutrina como o princípio da isonomia tributária propriamente dito e está vazado nos se-
guintes termos: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...). II – instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função
por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Esse dis-
positivo representa, todavia, apenas uma face da isonomia, consistente na vedação do arbítrio.
78 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

3.2 Abrangência da imunidade tributária

De acordo com o art. 15010 da Constituição Federal, a imunidade tributária se


dá apenas aos impostos. Entretanto, na verdade, a Constituição Federal concede
imunidade para outros tributos, mas isto se dá de maneira esparsa, ou seja, em arti-
gos distintos.
Na Carta Magna, especificamente no art. 5o, temos a previsão da imunidade das
taxas, uma vez que o inciso XXXIV menciona que todo cidadão tem direito, inde-
pendente de pagamento de taxas, a petição e a obtenção de certidões em repartições
públicas. O mesmo ocorre no art. 5o, inciso LXXVI, que concede aos reconhecida-
mente pobres, gratuidade das taxas relativas ao registro civil de nascimento e da cer-
tidão de óbito.
Em relação às contribuições sociais, embora no § 7o, do art. 195, da Constitui-
ção Federal tenhamos a expressão “isenção”, sua real natureza é de imunidade, sen-
do assim, neste dispositivo temos a imunidade no que tange às contribuições sociais.
A doutrina tradicional sustenta que as imunidades foram feitas para os impostos
e os tributos que guardam esta característica. Entretanto, uma corrente doutrinária
mais recente entende que as taxas e as contribuições sociais gozam de imunidade
tributária, não sendo benefício exclusivo os impostos. A ilustre Desembargadora Fe-
deral Regina Helena Costa,11 o ilustre Prof. Roque Antonio Carrazza12 (mais recen-
temente), bem como o ilustre Prof. Paulo de Barros Carvalho13 coadunam com esse
entendimento.
Contudo, para efeitos do presente estudo não serão discutidas as imunida-
des relativas às taxas e contribuições sociais, ficando a análise focada no campo dos
impostos.

3.3 Imunidade tributária das instituições de educação

O art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição Federal aponta existir imunida-
de em favor das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos.
Podemos definir instituição de educação como sendo aquelas que auxiliam o Esta-
do na consecução dos ditames dos arts. 205 a 214 da Constituição Federal, objetivando
10
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos
outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem
fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.“
11
Regina Helena Costa. Imunidade Tributária. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
12
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed., São Paulo: Malheiros. 2010,
p. 758 e 759.
13
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 22. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 244.
Daniela Tadei Mailer 79

o desenvolvimento pleno da pessoa. A educação não abrange somente o conhecimento


formal, mas também aquele que permite ao indivíduo conviver em harmonia com seus
semelhantes.
Nesse sentido, dispõe o art. 205 da Carta Magna14 que educação é um direito
de todos e um dever do Estado, exigindo-se assim uma constante promoção e incen-
tivo, com a colaboração da própria sociedade, na busca do pleno desenvolvimento
da pessoa.
Seguindo o posicionamento do ilustre Prof. Roque Antonio Carrazza, trata-se
de norma cogente, que, embora seja de eficácia limitada, reforça um dos direitos so-
ciais enumerados no art. 6o da Constituição Federal,15 e por este motivo, não pode
ser ignorada pelos Poderes Públicos, já que cuida de interesse social relevante.16
A fim de que a iniciativa privada possa cooperar com o Estado nessa missão,
suprindo suas deficiências no setor educacional,17 o constituinte inseriu o atributo
da imunidade tributária às instituições de educação privada, conforme preceitua o
art. 150, inciso VI, c, da Constituição Federal.
Nos termos do dispositivo constitucional anteriormente mencionado, é vedado
ao Poder Público instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das insti-
tuições de educação, sem fins lucrativos, se atendidos os requisitos descritos em lei.
Desse modo, a imunidade tributária, no que se refere às instituições de educa-
ção, é uma imunidade subjetiva, ou seja, condicionada para a sua fruição, ao atendi-
mento de requisitos infraconstitucionais, como veremos adiante.
Insta salientar que a doutrina e jurisprudência posicionam-se de modo unânime
na afirmação de que a lei competente para disciplinar os requisitos ao gozo da imu-
nidade determinada pelo texto constitucional deve ser a lei complementar, em razão,
principalmente, de se tratar de matéria própria às limitações do poder de tributar e
em face do que dispõe o art. 146, inciso II, da Constituição Federal.18
Corroborando com esse entendimento, o Professor Roque Antonio Carrazza
aponta que esta norma deverá ser complementar, forte ao art. 146, inciso II, da
Constituição da República Federativa do Brasil.
14
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cida-
dania e sua qualificação para o trabalho.“
15
“Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.“
16
Antonio Roque Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed., São Paulo: Malheiros, p. 816
e 817.
17
“Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I – cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.“
18
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.“
80 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

O texto constitucional disciplina que a imunidade tributária é em favor das ins-


tituições de educação, desde que sem fins lucrativos, contudo, não impede a obten-
ção de lucro, uma vez que os lucros obtidos devem ser destinados, exclusivamente,
a atividade-fim da instituição.
Sendo assim, tais instituições podem e devem ter sobras financeiras; não podem,
no entanto, distribuir tais lucros, tampouco realizar distribuição disfarçada desses
lucros.
Quando mencionamos que a instituição de educação não deve ter finalidade de
lucro, não estamos dizendo que a gratuidade na prestação deste serviço é requisi-
to essencial para o gozo da imunidade, haja vista que o produto da arrecadação das
mensalidades, limita-se a investir em equipamentos e produtos destinados a ativida-
de, bem como, na remuneração de seus funcionários.
No que concerne à remuneração dos funcionários da entidade, esta deverá ser
equivalente à prestação do labor, não podendo ser exorbitante, sob pena de configu-
rar disfarçada distribuição de lucros.
Ademais, é imperativo que a instituição realize serviços em consonância com os
ditames de seu estatuto social.
Assim, para gozar da imunidade em comento, é imprescindível que o contri-
buinte satisfaça os requisitos insculpidos na Constituição Federal, mormente os defi-
nidos no art. 14 do Código Tributário Nacional, in verbis:

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9o é subordinado à observância


dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qual-
quer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formali-
dades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1o Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1o do art. 9o, a autori-
dade competente pode suspender a aplicação do benefício. (Grifos do autor)

Insta salientar que a Lei no 5.172/1966, a qual instituiu o Código Tributário


Nacional, apesar de tratar-se de Lei Ordinária, foi recepcionada pelo nosso ordena-
mento jurídico como Lei Complementar, somente podendo ser revogada ou alterada
por outra Lei Complementar.
Ressalta-se que a Constituição Federal concede imunidade tributária às institui-
ções educacionais sem fins lucrativos, sendo a Lei Complementar o instrumento para
regulamentar tal benefício.
Daniela Tadei Mailer 81

Dessa forma, podemos verificar que o legislador atribuiu à norma Constitucio-


nal o instituto da imunidade tributária, e ao Código Tributário Nacional dispositi-
vo para regulamentar tal benefício, a fim de evitar uma tributação ilegal, abusiva e
arbitrária dos entes federados, assegurando aos contribuintes segurança nas relações
jurídicas.
No entanto, apesar das considerações acima, faz-se necessário analisar duas ques-
tões importantes referentes à imunidade tributária, quais sejam (i) a inconstituciona-
lidade do § 1o, do art. 12 da Lei Ordinária no 9.532/1997, dispositivo este que não
abrange a imunidade aos rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações
financeiras de renda fixa ou de renda variável, que trataremos em seguida; e ainda,
(ii) o local da aplicação dos recursos da instituição de educação.

4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO E


RENDIMENTOS AUFERIDOS EM INVESTIMENTOS FINANCEIROS

Como brevemente explanado, a Constituição Federal esgotou de forma rígida


o tema da competência tributária, não sendo permitido aos entes ultrapassar os li-
mites constitucionais, sob pena de nulidade plena do ato praticado sem os ditames
constitucionais, devendo, via de regra, todas as normas e atos serem submetidos ao
rigoroso teste de constitucionalidade.
Quanto à imunidade tributária de instituição de ensino, prescreve o caput do
art. 12, da Lei Ordinária no 9.532, de 1997, os requisitos necessários para tal fruição.
Entretanto, dispõe o § 1o, do art. 12 da referida lei, que não estão abrangidos
pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financei-
ras de renda fixa ou de renda variável.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de In-
constitucionalidade 1802-3,19 em agosto de 1998, tendo como Relator, à época, o
Ministro Sepúlveda Pertence, o qual deferiu, em parte, pedido de medida cautelar
suspendendo entre outros dispositivos do referido diploma legal, o que diz respeito
ao recolhimento de tributos retidos sobre os rendimentos e ganhos de capital, au-
feridos em aplicações financeiras por instituições de ensino (art. 12, § 1o), pagos ou
creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados.
Tal decisão teve como principal argumento que as exigências conferidas pela Lei
Ordinária no 9.532/1997 são inválidas, uma vez que, por ser instituído por Lei Ordi-
nária não possui o condão de suprir ou alterar previsões contidas no Código Tributá-
rio Nacional, tampouco na Constituição Federal, sendo, portanto, inconstitucionais
19
Ação Direta de Inconstitucionalidade encontra-se em conclusão com Relator, desde 30/03/2010. Origem Dis-
trito Federal; Rel. Min. Dias Toffoli; Requerente Confederação Nacional de Saúde – Hospitais Estabelecimentos
e serviços – CNS.
82 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

os preceitos desta lei que excluem a imunidade tributária aos rendimentos e ganhos
de capital recebidos por aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
Ou seja, restou configurada a inconstitucionalidade não só formal, mas também
material do § 1o do art. 12, da Lei Ordinária no 9.532/1997.
Partindo da premissa de que tal decisão possui efeitos erga omnes, os requisitos
vigentes na Lei Ordinária tiveram a sua eficácia suspensa, a fim de que a instituição
educacional goze de imunidade frente aos impostos que incidam sobre seu patrimô-
nio, renda ou serviços ligados aos seus objetivos sociais.
Como vimos na íntegra do presente estudo, as situações de imunidade tributária
não podem ser desconstituídas por meio de lei, sendo que todas as normas que in-
tegram o ordenamento jurídico nacional só serão válidas se não conflitarem com as
normas da Constituição Federal.
Verifica-se que há diversos arestos jurisprudenciais versando o tema, o que nos
leva à conclusão de que todo e qualquer requisito novo, exigido pela Legislação Or-
dinária, ou mesmo pela Lei Complementar, para implementação desse direito, em
princípio, está eivado de inconstitucionalidade tanto formal quanto material, haja
vista que o instituto da imunidade está reservado à norma constitucional.
Corroborando com o acima exposto, vale destacar, por derradeiro, decisão do
Supremo Tribunal Federal20 reafirmando seu posicionamento no sentido de reco-
nhecer a ilegalidade da cobrança de IRPJ sobre a renda de aplicações financeiras, e a
inconstitucionalidade não só formal, mas também material do § 1o do art. 12, da lei
questionada, senão vejamos:

Recurso extraordinário. Constitucional e tributário. Imposto de renda. Não in-


cidência sobre a renda de aplicações financeiras. Precedente. Medida cautelar na
ação direta de inconstitucionalidade 1.802. Recurso extraordinário ao qual se nega
seguimento.
(...)
No julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
1.802, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, o Supremo Tribunal Federal defe-
riu parcialmente a medida para suspender a vigência do § 1o e da alínea f do § 2o do
art. 12 da Lei no 9.532/1997, que excepcionava da imunidade prevista no art. 150,
inc. VI, alínea c, da Constituição “os rendimentos e ganhos de capital auferidos em
aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável: I. Ação direta de inconsti-
tucionalidade: Confederação Nacional de Saúde: qualificação reconhecida, uma vez
adaptados os seus estatutos ao molde legal das confederações sindicais; pertinência
temática concorrente no caso, uma vez que a categoria econômica representada
pela autora abrange entidades de fins não lucrativos, pois sua característica não é a
ausência de atividade econômica, mas o fato de não destinarem os seus resultados

20
Ag. Reg. no Recurso Extraordinário no 211790 AgR/MG; Rel. Min. Ilmar Galvão.
Daniela Tadei Mailer 83

positivos à distribuição de lucros. II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c,
e 146, II): ‘instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei’: delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no
ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí,
dos preceitos impugnados (Lei 9.532/1997, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente
deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304)
e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no
tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a consti-
tuição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o
que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina
infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar. 2. À luz desse critério dis-
tintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal arguida os
arts. 12 e §§ 2o (salvo a alínea f) e 3o, assim como o parágrafo único do art. 13; ao
contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2o, f; 13,
caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal
mas também material do § 1o do art. 12, da lei questionada. 3. Reserva à deci-
são definitiva de controvérsias acerca do conceito da entidade de assistência
social, para o fim da declaração da imunidade discutida – como as relativas
à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão
ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações
de previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requeren-
te, dizem com a validade do art. 12, caput, da Lei 9.532/1997 e, por isso,
devem ser consideradas na decisão definitiva, mas cuja delibação não é neces-
sária à decisão cautelar da ação direta” (DJ 09/09/1998 – grifos do autor).
No mesmo sentido, as decisões monocráticas seguintes: AI 519.185, de minha
relatoria, DJe 12/06/2008; RE 475.571, Rel. Min. Eros Grau, DJ 03/8/2006;
RE 424.506, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 31/05/2006; e RE 446.286, Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ 13/10/2005. 5. O acórdão recorrido está em harmonia com
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual nada há a prover
quanto às alegações da Recorrente”.

Ademais, os rendimentos e aplicações financeiras de renda fixa ou variável não


implicarão renda dissociada da atividade fim do ente imune. As operações financeiras
a viabilizar ou otimizar a atuação das entidades nas suas atividades fins não desbor-
dam do seu objeto, caracterizando-se como simples instrumento administrativo para
consecução das suas atividades.
Portanto, concluímos que se a imunidade é uma garantia individual de não tri-
butação, caracterizando-se, assim, como cláusula pétrea e que não pode ser ceifada
sequer por Emenda Constitucional, então resta claro que o legislador infraconstitu-
cional não pode promover uma regulamentação que, ao final, leve à sua restrição.
Não pode tributar as aplicações financeiras de renda fixa ou variável com impostos
(tais como o imposto sobre a renda, e o imposto sobre operações financeiras). Afinal,
tais aplicações não configuram desvio de finalidade.
84 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

5 DESTINAÇÃO DOS RECURSOS FINANCEIROS DE UMA


INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO E APLICAÇÃO EM INVESTIMENTOS
DO TIPO PRIVATE EQUITY

Como mencionado, outro ponto que merece destaque no presente estudo é a


análise do local da aplicação dos recursos da instituição de educação, em observância
ao art. 14, inciso II, do Código Tributário Nacional.21
Ressalta-se que a imunidade prevista no art. 150, inciso VI, c, da Constituição
Federal trata de norma de eficácia contida e aplicabilidade imediata, ou seja, sua efi-
cácia depende do cumprimento de requisitos estabelecidos no art. 14 do Código Tri-
butário Nacional, após requeridas no próprio texto constitucional quando dito que
“atendidos os requisitos da lei”.
Entre os requisitos a serem observados por uma instituição de educação para
não ser alcançada pela tributação de impostos sobre a sua renda e patrimônio, ne-
cessário se faz analisar se os rendimentos aplicados em investimentos financeiros, tais
como Private Equity afrontaria o disposto no art. 14, inciso II, do CTN.
Faz-se tal questionamento, tendo vista que alguns fundos de investimento, espe-
cialmente no setor de Private Equity, podem destinar os recursos aplicados para fora
do país, visando a maximização da rentabilidade do capital de seus quotistas.
Pois bem, a título exemplificativo, o termo Private Equity 22 está relacionado ao
tipo de capital empregado nos fundos, que em sua maioria são constituídos em acor-
dos contratuais privados entre investidores e gestores, não sendo oferecidos aber-
tamente no mercado, e sim através de colocação privada. Tais fundos podem ser
nacionais como internacionais.
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários é responsável pela regulamenta-
ção e fiscalização da atuação de tais fundos, bem como da atuação de seus gestores/
administradores. É aplicável a Instrução CVM no 391/03 (Fundos de Investimento
em Participações – aplicáveis aos veículos de venture capital e private equity). Seja
qual for a formatação do fundo, sua gestão fica a cargo de empresas especializadas.
O investimento em Private Equity é uma alternativa de financiamento de lon-
go prazo em que os riscos do negócio são compartilhados, através da parceria entre
gestores e empreendedores para agregar valor à empresa investida. O gestor injeta
capital e profissionaliza a companhia para, no momento certo, vender a sua partici-
pação com lucro.
21
”Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9o é subordinado à observância dos seguintes requisitos
pelas entidades nele referidas. (...) II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos
seus objetivos institucionais.“
22
<http://www.abvcap.com.br/industria-de-pe-vc/sobre-o-setor.aspx>.
Daniela Tadei Mailer 85

Os investimentos são realizados via o aporte de capital nas empresas, pela aquisi-
ção de ações ou títulos de dívida conversíveis em ações. Desta forma, os investidores
tornam-se acionistas destas empresas e podem participar ativamente da estratégia e
orientação dos negócios da companhia.
Salienta-se que os investimentos podem ser feitos em qualquer setor que apre-
sente perspectiva de grande crescimento e rentabilidade a longo prazo, de acordo
com o foco de investimentos definido pelos investidores ou fundos.
Os constantes esforços do mercado, governo e de órgãos reguladores em pro-
mover o aperfeiçoamento dos veículos de intermediação de recursos financeiros, têm
como foco proporcionar aos empreendedores maior acesso ao capital e contribuir
para a maior geração de emprego e renda, além da promoção do crescimento econô-
mico sustentável do país.
Diante do cenário jurídico atual, pessoas físicas e jurídicas estão autorizadas a in-
vestir em aplicações financeiras no Brasil, como mencionado no item anterior, bem
como no exterior, a fim de rentabilizar cada vez mais seu capital.
Aplicando tais informações para o caso em discussão, não poderia prever, à épo-
ca, o Código Tributário Nacional, instituído no ano de 1966, tamanhas transfor-
mações jurídicas, financeiras, e até tecnológicas, enfim, não poderia prever que o
mundo estaria globalizado, o sistema financeiro cada vez mais em ascensão, e que os
contribuintes estariam cada vez mais preocupados em maximizar suas receitas sem,
contudo, afrontar os ditames legais.
De acordo com a lei em vigor, se uma instituição de educação vier a realizar
qualquer aplicação fora do Brasil já seria motivo suficiente para perda ou suspensão
da aplicação do benefício da imunidade tributária, nos termos do § 1o do art. 14 do
CTN, por configurar uma finalidade diversa, e assim ser alcançada pela tributação
normal, mesmo que o pretendido com a obtenção dessas rendas fosse a manutenção
ou melhoramento da instituição.
No entanto, numa interpretação mais flexível, observa-se que se uma instituição
de ensino, pública ou privada, que goza da imunidade tributária, não afrontaria a le-
gislação, tanto a constitucional como a infraconstitucional, se investir sobras de sua
reserva do ano em investimento do tipo Private Equity.
Justifica-se o acima exposto, uma vez que as sobras de caixa existentes ao lon-
go do ano pelas instituições de ensino em certas oportunidades não são suficientes
para o investimento imediato em projetos de ampliação ou melhorias devidamente
ligados aos objetivos institucionais. Sendo assim, buscam alternativas para maximizar
seus recursos, visando a aplicação desses recursos em seus objetivos institucionais.
Ora, se a instituição imune realiza – independentemente de a aplicação finan-
ceira ser efetuada no País ou até Exterior, desde que os rendimentos retornem ao
86 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

país para o atendimento, exclusivamente, das finalidades essenciais da entidade in-


vestidora – não haverá, por si só, motivos para perda e/ou suspensão da imunidade
tributária.
Conforme já explanado, os Tribunais Superiores já consolidaram o entendimen-
to no sentido de que aplicações financeiras não configuram desvio de finalidade; o
mesmo entendimento pode ser estendido no caso de Private Equity, uma vez que os
recursos são originalmente investidos no Brasil, e os acréscimos financeiros decor-
rentes destes investimentos serão destinados exclusivamente à consecução da ativida-
de-fim do ente imune.
Nota-se que as instituições imunes quando aplicam seus recursos em investi-
mentos do tipo Private Equity visam apenas maximizar seus recursos, a fim de que
se possibilitem aplicar tal investimento na melhoria da sua atividade-fim, sendo que
qualquer tipo de investimento/operação deve ser registrado em seus livros fiscais, a
fim de assegurar sua exatidão.
Diante de tais argumentações, não estamos visando afrontar os princípios cons-
titucionais e o direito positivo, e sim, diante do cenário jurídico e financeiro atual-
mente em desenvolvimento acelerado, estamos visando cotejar alternativas para que
as instituições de ensino, tanto privada como pública, possam através de investimen-
tos financeiros do tipo Private Equity viabilizar a rentabilidade de seus recursos, sem
depender, exclusivamente, de incentivos públicos que, em muitos casos, não são su-
ficientes para manter uma instituição de ensino devidamente capacitada a promover
a educação e o bem social.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, em arremate, ainda que as conclusões já se encontrem con-


signadas no decorrer do texto, cumpre repisarmos os principais pontos.
Primeiramente, as imunidades tributárias são, sem dúvida, uma das formas mais
tradicionais de se excluir da incidência tributária determinadas pessoas e situações,
sendo uma garantia constitucional que destina a conferir efetividade a determinados
direitos e garantias fundamentais.
A Constituição Federal veda a impossibilidade dos entes federativos tributarem
o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, inclusive de suas funda-
ções, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de as-
sistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
De acordo com a Constituição Federal em seu art. 150, a imunidade tributária
se dá apenas aos impostos; entretanto, na verdade, a Constituição Federal concede
imunidade para outros tributos, tais como, contribuições sociais e taxas.
Daniela Tadei Mailer 87

Em se tratando da vedação de se tributar as instituições de ensino sem fins lucra-


tivos, vislumbra-se aqui a busca pelo exercício pleno do direito à educação, garantia
essa necessária a qualquer cidadão, objetivando o desenvolvimento pleno da pessoa.
O texto constitucional disciplina que a imunidade tributária é em favor das ins-
tituições de educação, desde que sem fins lucrativos; contudo, não impede a obten-
ção de lucro, uma vez que os lucros obtidos devem ser destinados à atividade-fim da
instituição.
Para fazer jus à imunidade em comento, é imprescindível que o contribuinte sa-
tisfaça os requisitos insculpidos na Constituição Federal, mormente os definidos no
art. 14, incisos I a III do Código Tributário Nacional.
No entanto, apesar das considerações anteriores, faz-se necessário analisar duas
questões importantes referentes a imunidade tributária, quais sejam, a inconstituciona-
lidade do § 1o, do art. 12 da Lei 9.532/1997, dispositivo este que veda a imunidade
aos rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou
de renda variável; e ainda, o local da aplicação dos recursos da instituição de educação.
Quanto a inconstitucionalidade do § 1o, do art. 12 da Lei 9.532/1997, o Su-
premo Tribunal Federal, através da ADIn 1.802-3, se manifestou pela inconstitu-
cionalidade do referido parágrafo uma vez que, por ser instituído por lei ordinária,
não possui o condão de suprir ou alterar previsões contidas no Código Tributário
Nacional, tampouco na Constituição Federal; sendo, portanto, inconstitucionais os
preceitos desta lei que excluem da imunidade tributária os rendimentos e ganhos de
capital recebidos por aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
O fato é que os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa ou variável
não implicam renda dissociada da atividade-fim do ente imune.
No que tange aos investimentos e aplicações financeiras do tipo Private Equity,
nos termos do § 1o do art. 14 do CTN, se uma instituição de educação vier a realizar
qualquer aplicação fora do país já seria motivo suficiente para perda ou suspensão da
aplicação do benefício da imunidade tributária, por se configurar uma finalidade di-
versa, e assim ser alcançada pela tributação normal.
Entretanto, numa interpretação mais flexível, observa-se que se uma instituição
de ensino, pública ou privada que goza da imunidade tributária, não afrontaria a le-
gislação, tanto a constitucional como a infraconstitucional, se investir sobras de sua
reserva do ano em investimento do tipo Private Equity, uma vez que os investimen-
tos são originalmente investidos no Brasil.
Justifica-se o exposto, uma vez que as sobras de caixa existentes ao longo do ano pe-
las instituições de ensino, em certas oportunidades não são suficientes para o investimen-
to imediato em projetos de ampliação ou melhorias devidamente ligados aos objetivos
institucionais, e assim essas instituições de ensino buscam alternativas para maximizar e
rentabilizar seus recursos, visando aplicação futura em seus objetivos institucionais.
88 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Apesar de o art. 14, inciso II do CTN, mencionar que as instituições de edu-


cação devem aplicar integralmente no país os seus recursos para a manutenção dos
seus objetivos institucionais, o objetivo principal da norma é que a instituição imu-
ne invista 100% (cem por cento) do recurso em sua atividade-fim, sem que haja
desvio de finalidade.
Portanto, caso a instituição de ensino opte por este tipo de investimento, mas te-
nha o cuidado de aplicar integralmente no país os resultados econômicos que vier a ob-
ter, continua a atender o disposto no art. 14, inciso II do Código Tributário Nacional,
e assim se beneficia da imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal.

7 REFERÊNCIAS
AFONSO, Sylvio César. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza da pessoa física –
aspectos infraconstitucionais relevantes. 2. ed., São Paulo: Editora Federal, 2009.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRIVATE EQUITY & VENTURE CAPITAL
http://www.abvcap.com.br/industria-de-pe-vc/sobre-o-setor.aspx – Acesso em 10/01/2011.
BARRETO, Aires; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações Constitucionais
ao Poder de Tributar. São Paulo: Dialética, 2001.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed., São Paulo:
Malheiros, 2010.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
COSTA, Regina Helena. Imunidade Tributária. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: Fundamentos para uma teoria da nulidade. São
Paulo: Noeses, 2009.
GRECO, Marco Aurélio. Imunidade Tributária. Ives Gandra da Silva Martins (coord.). Imunida-
des Tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e
da Jurisprudência. 12. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente_1699372–
Acesso em 21/01/2011.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento
RE 168.110 DF, Rel. Min. Moreira Alves, 04/04/2000 – Acesso em 06/01/2011.
Imunidade e os
“livros-brinquedo”

FERNANDA DRUMMOND PARISI


1. Introdução. 2. A norma de imunidade. 2.1. Conceito de norma jurí-
dica. 2.2. Normas de estrutura vs. normas de conduta. 2.3. Conceito de
imunidade. 2.4. Sentido, alcance e conteúdo da norma de imunidade
prevista no art. 150, VI, d, da Constituição Federal. 3. Livro: gênero e
espécies. 3.1. Conceito de livro. 3.2. Os chamados “livros-brinquedo”.
3.3. Os “livros-brinquedo e a imunidade. 4. A inalterabilidade dos con-
ceitos de direito privado para incidências tributárias. 4.1. A exegese do
art. 110, do Código Tributário Nacional. 4.2. A exegese das normas de
imunidade e a jurisprudência. 5. Considerações finais. 6. Referências.

1 INTRODUÇÃO
No presente trabalho, procuraremos estudar a imunidade, em especial a dos li-
vros, jornais e periódicos, prevista no art. 150, VI, d, da Constituição Federal de
1988, a fim de que possamos compreender o seu conceito, delimitando-se o sentido,
alcance e conteúdo da norma de imunidade.
Outrossim, nosso estudo objetiva analisar a possibilidade de a norma de imunida-
de sob enfoque abranger os chamados “livros-brinquedo”, que podem ser tomados
90 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

como uma nova espécie do gênero livro, com características híbridas, sendo o livro a
parcela preponderante desse novo modelo.
De plano, convém observar que a norma em comento foi editada em 1988,
momento histórico em que os livros, jornais e periódicos existiam apenas na forma
material, isto é, impressos em papel e organizados sob uma forma já conhecida, a de
brochura.
Com o passar do tempo, sobreveio a internet e com ela outros avanços tecnoló-
gicos que permitiram que os livros, jornais e periódicos adquirissem nova roupagem,
como os livros e periódicos editados na forma de CDs, forma eletrônica etc.
Não é só. Os antigos livros impressos e no modelo brochura também foram re-
formulados, passando a ser compostos pelo volume e mais acessórios interativos, pá-
ginas montáveis e desmontáveis, páginas em relevo, em braile e outros.
Daí surge a questão: nessa nova roupagem, os livros, jornais e periódicos conti-
nuam a ser livros, jornais e periódicos? O que são de fato? Quais as características fun-
damentais que devem possuir para que continuem a ser livros, jornais e periódicos?
E, nessa condição, continuam contemplados pela norma de imunidade preconi-
zada pelo art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal?
Antes de respondermos (ou ao menos tentarmos responder) a todas essas inda-
gações, sentimos a necessidade de demarcar a abrangência de nosso estudo, a fim de
que possamos, dentro do escopo do presente trabalho, entender um pouco mais o
instituto da imunidade e a sua evolução no tempo.
Assim, diante desse cenário, passamos a tratar tão somente da imunidade dos
livros, em especial daqueles que são vulgarmente chamados “livros-brinquedo”, fa-
zendo-se alusão aos elementos lúdicos que o compõem.
Delimitado o nosso objeto de análise e feita essa breve introdução, passamos a
tratar, propriamente, da imunidade dos “livros-brinquedo”.

2 A NORMA DE IMUNIDADE

2.1 Conceito de norma jurídica

Lembrando as lições de Norberto Bobbio, tomamos as normas como verdadei-


ras constantes da vida humana, regulando tudo e todos, de alguma maneira, o tem-
po todo.
Em acepção não técnica, a norma é atrelada à regulamentação, seja de condutas,
seja de procedimentos, de uso de aparelhos, de organização, ou muitas outras. É um
comando, um vetor para uma conduta, um modo de agir ou mesmo de interpretar
outro comando.
Fernanda Drummond Parisi 91

Desse gênero normas, extraímos a espécie normas jurídicas, que são caracteri-
zadas, dentre outros aspectos, pela relação de pertinência que guardam com o orde-
namento legal de uma nação e pela sua coercibilidade, ou seja, pela obrigatoriedade
do seu cumprimento.
Miguel Reale,1 ao defender o seu próprio conceito de norma jurídica, não dei-
xa de fazer menção à noção compartilhada pela maioria de nossos doutrinadores, a
qual não esconde a tendência kelseniana que impera no Brasil. O saudoso professor
afirma que:

Alguns autores sob a influência de Hans Kelsen, que efetivamente trouxe uma pre-
ciosa contribuição ao esclarecimento do assunto, começam por dizer que a norma
jurídica é sempre redutível a um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê
um fato (F) ao qual se liga uma consequência (C) de conformidade com o seguinte
esquema: Se F é, então deve ser C.
Segundo essa concepção, toda regra de direito contém a previsão genérica de um
fato, com a indicação de que, toda vez que um comportamento corresponder a
esse enunciado, deverá advir uma consequência, que, por sinal, na teoria de Kelsen,
como veremos logo mais, corresponde sempre a uma sanção, compreendida apenas
como pena.

O Professor Miguel Reale afirma que o verdadeiro conceito de norma jurídica é


muito mais amplo do que o conceito de juízo hipotético ou proposição prescritiva,
defendidos por muitos, como Bobbio, por exemplo, aduzindo, nesse sentido, que:

O que efetivamente caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie, é o fato


de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de
conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória.

Fato é que a doutrina de Reale, de Bobbio e de tantos outros que ilustram todos
os conceitos de normas jurídicas, por mais peculiares que o sejam, giram em torno
de proposições prescritivas e/ou juízos hipotéticos condicionais.
Diante desse imenso leque de conceitos formulados pela mais abalizada dou-
trina de direito, partimos dos estudiosos da teoria geral do direito e chegamos aos
doutrinadores do âmbito tributário para estudar os seus conceitos de norma jurídica,
dentre os quais escolhemos o conceito que nos parece o mais completo e, ao mes-
mo tempo, o mais correto, qual seja, o defendido pelo Professor Paulo de Barros
Carvalho, para quem a norma jurídica é o juízo hipotético-condicional apreendido
pelo intérprete, em seu intelecto, a partir da significação extraída da leitura do texto
da lei (suporte físico).
1
Miguel Reale. Lições Preliminares de Direito. 23. ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 95.
92 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Firmada essa primeira premissa, é importante que não nos deixemos enganar: as
normas jurídicas, assim como as normas em geral, também contêm uma pluralida-
de de espécies, o que não torna o nosso estudo mais simples, pois, em sendo assim,
indaga-se que espécie de normas jurídicas são as normas de imunidade, cerne deste
estudo?
Assim, como o Professor Reale, o Professor Paulo de Barros Carvalho entende
que não existem apenas normas jurídicas voltadas à disciplina do comportamento
humano em suas relações de intersubjetividade, mas também normas de organiza-
ção, dirigidas aos órgãos do Estado, por exemplo.
Nessa linha, o Professor Paulo de Barros Carvalho elucida que as normas jurídi-
cas podem ser de comportamento ou de estrutura:2

A secção das normas em dois tipos, sob o critério da função que exercem no siste-
ma, apesar de se apresentar como estrutura de cunho meramente metodológico, é
bastante rica, na medida em que nos permite separar os diferentes regimes jurídicos
que a elas o direito impõe. Outrossim, em planos epistemológicos, as normas jurí-
dicas, como unidades atômicas do sistema, cumprem dois papéis diferentes: umas
disciplinam, pronta e diretamente, o comportamento – são regras de conduta; en-
quanto outras se ocupam também do proceder do homem no seio da sociedade,
porém, o fazem de maneira mediata e indireta – são as regras de estrutura.

Passemos a analisá-las com maior detença.

2.2 Normas de estrutura vs. normas de conduta

A doutrina retrocolacionada é muito clara, mostrando a flagrante divisão entre


as normas de conduta e as normas de estrutura.
Pousando nossa atenção nessa divisão, verificamos que as normas de estrutura
são aquelas que irradiam efeitos indiretos sobre a conduta humana. Assim, podemos
considerar como regras de estrutura aquelas que disciplinam a criação e edição de
leis, decretos, resoluções, portarias etc.
Também são regras de estrutura aquelas que delimitam as competências e fun-
ções dos poderes executivo, legislativo e judiciário.
Outrossim, podemos considerar como normas de estrutura, agora na seara do
direito tributário, aquelas que definem o âmbito de competência tributária impositi-
va dos entes federativos.
Já as regras de conduta são aquelas cujos efeitos atingem diretamente o com-
portamento humano em suas relações intersubjetivas, como as normas relativas aos
2
Paulo de Barros Carvalho. Direito, Linguagem e Método. 2. ed., São Paulo: Noeses, 2008, p. 359.
Fernanda Drummond Parisi 93

deveres do locatário em relação ao locador, da penalidade ao infrator dos deveres


eleitorais e, no campo tributário, a norma individual e concreta de lançamento de um
dado tributo devido por um determinado contribuinte.
Nesse contexto, resta saber onde se enquadram as normas de imunidade. Seriam
elas normas de estrutura, já que intimamente atreladas ao desenho constitucional de
competências tributárias, ou, ao contrário, seriam normas de conduta, porquanto
impedem que o ente federativo, em dadas circunstâncias e em face de certas pessoas,
lhes imponha a obrigação de pagar determinado tributo?
A nosso ver, não há dúvidas de que são normas de estrutura. Com efeito, a nor-
ma de imunidade é aquela que, juntamente com as normas que outorgam competên-
cias tributárias, desenha o todo, que é a competência tributária.
Nas palavras do professor Roque Carrazza:3 “(...) a imunidade tributária ajuda
a delimitar o campo tributário. De fato, as regras de imunidade também demarcam
(no sentido negativo) as competências tributárias das pessoas políticas”.
Diante das considerações expendidas, não há como se confundir as normas de
estrutura, ou organizacionais, com as normas reguladoras de comportamentos.
Também, nessa linha, se afigura muito claro que as normas de imunidade se en-
quadram na espécie de normas de estrutura, pelo que damos por firmada a premissa
com a qual trabalharemos: as normas de imunidade são normas jurídicas, da espécie
normas de estrutura.

2.3 Conceito de imunidade

Consoante afirmamos na seção anterior, as normas de imunidade são normas de


estrutura que, juntamente com as normas de competências tributárias constitucio-
nais, desenham o perfil de competência tributária de nosso ordenamento legal, deli-
mitando as atribuições tributárias de cada ente federativo.
Noutras palavras, não há de se falar em “limitação constitucional ao poder de
tributar”, porquanto jamais existiu a atribuição de competência tributária sobre as
hipóteses contempladas pelas normas de imunidade.
Com o devido respeito a nobres doutrinadores como Aliomar Baleeiro, que pre-
goam ser a norma de imunidade uma verdadeira limitação ao poder de tributar, não
lhes assiste razão em nossa humilde óptica.
A nosso ver, como bem explanado pelo Professor Paulo de Barros Carvalho em
sua obra e magistério, não se deve deixar levar pelo entendimento equivocado de
respeitáveis juristas que consideram a imunidade norma que incide em momento
3
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 705.
94 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

posterior ao da incidência tributária, como se houvesse a fenomenologia da incidên-


cia cujos efeitos seriam suprimidos pela norma de imunidade.
Daí também não nos parecer acertada a corrente doutrinária igualmente defen-
dida por louváveis juristas que consideram a imunidade tributária como uma “hipó-
tese de não incidência constitucionalmente qualificada”.
Isso porque, em nosso entendimento, a imunidade é norma que, tal qual a nor-
ma de competência, delimita o âmbito de imposição tributária de que dispõem as
pessoas políticas de direito público, isto é, União, Estados, Distrito Federal e Muni-
cípios, sendo, por conseguinte, norma de estrutura dirigida aos entes federativos, a
qual não pode ser equiparada às normas de condutas, das quais fazem parte as nor-
mas de incidências tributárias.
Outrossim, também entendemos não ser plausível a corrente doutrinária que
defende ser a norma de imunidade uma norma que exclui ou suprime o poder de
tributar, pois, por inferência lógica, na medida que a consideramos como norma que
delimita as competências tributárias conjuntamente com as normas impositivas, não
podemos alterar sua natureza de “definidora de competências” tal qual “supressora
de competências” fosse.
Nesse passo, definimos a norma de imunidade como a norma constitucional de
estrutura, que fixa incompetências tributárias na medida em que, juntamente com as
normas constitucionais que outorgam as competências tributárias impositivas, deli-
mita o âmbito de atribuições tributárias existente em nosso sistema legal.
Ainda, vislumbrando a importância e a complexidade da norma de imunidade,
entendemos necessário trazer à baila, não obstante a brevidade do presente estudo,
aspectos da imprescindível obra da Professora Regina Helena Costa, a respeito do
tema, a saber:

A definição do conceito deve observar o fato de o instituto apresentar dúplice na-


tureza: de um lado, exsurge a imunidade como norma constitucional demarcatória
da competência tributária, por continente de hipótese de intributabilidade, e, de
outro, constitui, direito público subjetivo das pessoas por ela direta ou indireta-
mente por ela favorecidas.

Segundo a mencionada professora, o aspecto formal da imunidade seria sua ca-


racterística de norma constitucional demarcadora de incompetências tributárias, ao
passo que o aspecto substancial do conceito seria o direito subjetivo que a norma
atribui às pessoas por ela favorecidas.
Sem prejuízo do elevado respeito que devotamos à Professora Regina Helena
Costa, aquilo que ela considera como aspecto substancial do conceito de imunidade
se afigura como efeito da norma, e não como parte integrante de seu conceito.
Fernanda Drummond Parisi 95

Isso porque, sob o nosso ponto de vista, as normas de imunidade, como nor-
mas de estrutura que, junto com as normas impositivas de competências tributárias,
desenharam o arcabouço tributário de nosso sistema legal, são normas eminente-
mente estruturais, não comportando, em seu substrato, a outorga de direitos a uns
ou outros.
As pessoas contempladas direta ou indiretamente pelas normas de imunidade
detêm o direito de “não pagarem impostos” em virtude de um efeito da norma, não
devendo confundir-se o vetor deôntico-jurídico que motivou o constituinte com a
própria essência da norma de imunidade.
Com efeito, a imunidade sob apreciação é de natureza objetiva e tem por fim a
salvaguarda de diversos valores, como a liberdade de comunicação, o acesso à infor-
mação, educação e a cultura, dentre outros.
Em sendo assim, conceituá-la, como essência, em um direito subjetivo, nos pa-
rece um equívoco.
Feitas as considerações anteriores e definido o que entendemos por imunidade,
seguimos com nosso estudo.

2.4 Sentido, alcance e conteúdo da norma de imunidade prevista no


art. 150, VI, d, da Constituição Federal
A Carta Magna prevê uma série de imunidades. A que nos interessa é aquela
que tem por objeto os livros, jornais e periódicos, bem como o papel destinado à sua
impressão.
A norma imunizante em questão tem por escopo a valorização da cultura e, so-
bretudo, o acesso à informação, por isso é voltada a retirar o ônus tributário dos li-
vros, jornais e periódicos, que são importantes canais de circulação de informações,
cultura e educação.
Nesse passo e levando-se em consideração as premissas firmadas nos itens ante-
riores, podemos afirmar desde já que o dispositivo constitucional em comento tem
por sentido aquele que se extrai da própria norma (juízo hipotético condicional) que
o veicula, qual seja, o de que a venda e a circulação de livros, jornais, periódicos e
do papel destinado à sua impressão estão fora do campo de incidência de impostos,
sendo que tal comando alcança toda e qualquer espécie de livro, jornal, periódico ou
papéis destinados à sua impressão.
O alcance da norma de imunidade já foi objeto de muito debate, mas com base
em interpretação sistemática do ordenamento jurídico e, ainda, pela lógica depre-
endida pela própria estrutura gramatical do preceito legal, não há dúvidas de que
não deve haver restrições ao tipo de periódico, como, por exemplo, no caso das
96 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

listas telefônicas ou, ainda, do papel endurecido utilizado na capa dos periódicos
e livros.4
O Professor Paulo de Barros Carvalho5 é categórico ao afirmar que:

Qualquer livro ou periódico, e bem assim o papel utilizado para sua impressão, sem
restrições ou reservas, estarão à margem dos anseios tributários do Estado, no que
concerne aos impostos. De nada vale arguir que a frequência da edição seja peque-
na, que o livro tenha características especiais, ou ainda, que o papel não seja o mais
indicado para a impressão. Provado o destino que se lhe dê, haverá imunidade.

Em sendo assim, podemos concluir ser o sentido da norma de imunidade sob


enfoque o de que os livros e demais itens nela previstos não estão sujeitos a qualquer
incidência de impostos, bem como ser o seu conteúdo modal deôntico proibido: é
vedado incidir impostos sobre a venda de livros, jornais, periódicos e papel empre-
gado em sua produção.
Ainda, o alcance da norma de imunidade é amplo o bastante para abranger to-
das as espécies dos gêneros livros, periódicos e jornais, bem como as de papéis neles
utilizados.

3 LIVRO: GÊNERO E ESPÉCIES

3.1 Conceito de livro

Grosso modo, todos nós sabemos o que é um livro. Sem rigor técnico, podemos
considerá-lo como uma quantidade de páginas datilografadas, com ou sem figuras e
textos organizados em uma determinada ordem, encadernados em brochura.
4
O STF assim já entendeu:
Imunidade Tributária. ICMS. Art. 150 da Constituição Federal. Insumos Destinados à Impressão de Jornais.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários no 190.761 e 174.476, reconheceu
que a imunidade consagrada no art. 150, VI, d, da Constituição Federal, para os livros, jornais e periódicos,
é de ser entendida como abrangente de qualquer material suscetível de ser assimilado ao papel utilizado no
processo de impressão. (RE 193883/SP – São Paulo).
Constitucional. Tributário. Imunidade. Art. 150, VI, d, da CF/88. ”Álbum de Figurinhas”. Admissibilidade.
1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo
evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem
como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. 2. O Constituinte, ao instituir esta
benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à
qualidade cultural de uma publicação. 3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este
benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um
juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público
infanto-juvenil. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 221239/SP; Rel. Min. Ellen Gracie; Segunda
Turma; DJ 06/08/2004).
5
Paulo de Barros Carvalho. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2. ed., São Paulo: Noeses, 2008, p. 352.
Fernanda Drummond Parisi 97

Tecnicamente e sob o ponto de vista legal, de acordo com o art.  2o, da Lei
no 10.753,6 de 30/10/2003, considera-se livro a publicação de textos escritos em
fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume car-
tonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e
acabamento.
O art. 6o, da aludida Lei no 10.573/2003, por sua vez, estabelece: “Art. 6o Na
editoração do livro, é obrigatória a adoção do Número Internacional Padronizado,
bem como a ficha de catalogação para publicação”.
Vê-se, por conseguinte, que, para ser livro, é imperioso que contenha o ISBN
– International Standard Book Number – que consiste em um sistema internacional
padronizado que identifica numericamente os livros segundo o título, o autor, o país
e a editora, individualizando-os, inclusive, por cada uma de suas edições.
O sistema ISBN aplica-se às publicações que contenham ao menos cinco páginas
e é controlado pela Agência Internacional do ISBN, incumbida da orientação, co-
ordenação e delegação de poderes às Agências Nacionais do ISBN de cada país. Em
nosso caso, tal Agência é a Fundação Biblioteca Nacional.
Vislumbrado o conceito de livro tanto sob o ponto de vista do leigo, quanto
pela perspectiva do conceito legal, vemos que o livro sempre será um veículo cultural
e informativo, que é registrado mundialmente segundo um padrão próprio (ISBN).
É notório que, com a evolução tecnológica, as características materiais previstas
no conceito de livro no entendimento descrito mudaram, e muito. É o caso do livro
eletrônico, em que não mais há o papel, a brochura, o volume material.
Entretanto, o livro continua o mesmo sob o aspecto de sua essência e sempre
será preenchido seu registro, qual seja, o ISBN perante o órgão competente. Portan-
to, pouco importa a forma sob a qual o livro se apresenta. Desde que seja veículo de
informações, com texto escrito, podendo conter figuras ilustrativas, sendo não perió-
dico e com ISBN próprio, livro será.
É importante frisar que, a nosso ver, as características formais que possam ter
mudado o aspecto externo do livro em função da evolução tecnológica em nada al-
teram o sentido, o alcance e o conteúdo da norma contida no art. 150, VI, d, da
Constituição Federal.
Isso porque as normas de imunidades não integraram o desenho constitucional
das competências tributárias por mero acaso, mas foram intencionalmente criadas
com finalidades precípuas, como a difusão da cultura e do conhecimento.
6
O Senador Acir Gurgacz elaborou o Projeto de Lei no 114/2010, que traz alterações à definição de livro veicu-
lada pelo art. 2o, da Lei no 10.573/2003, para acrescentar-lhe os livros convertidos em meio digital, magnético
ou ótico, ou, ainda, impressos no sistema braile. Em 21/12/2010, o PL encontrava-se na Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado Federal.
98 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Dessa feita, a simples alteração formal e não essencial dos livros são insuficientes
para que estes possam escapar do abrigo da norma constitucional estudada.7

3.2 Os chamados “livros-brinquedo”

Ainda no que pertine às alterações formais dos livros ao longo dos anos, é im-
portante destacar uma nova e diferente espécie de livros, qual seja, a dos chamados
“livros-brinquedo”, que são o objeto central de nosso estudo.
Os “livros-brinquedo” não são muito diferentes dos livros brochura tradicionais,
mas são assim denominados em virtude de suas características lúdicas, que os tornam
extremamente atraentes para o público ao qual se destinam, o das crianças.
Dentre as modalidades mais comuns dos “livros-brinquedo”, podemos mencio-
nar os livros pop ups, que são aqueles cujas páginas contêm dobraduras que, quando
abertas, formam imagens em relevo. Há também os livros que vêm acompanhados
de instrumentos musicais, bonecos dos personagens das histórias neles narradas, pá-
ginas divididas em quebra-cabeças, dentre outros.
Assim, imperioso é saber se essas características lúdicas ou acessórias têm o con-
dão de infirmar ou mesmo de sobrepujar a característica de livro que estes pos-
suem, de forma a se inquirir se a norma de imunidade sob análise deixa ou não de
contemplá-los.

3.3 Os “livros-brinquedo” e a imunidade

De plano, afirmamos que, sob o nosso ponto de vista, os “livros-brinquedo” são


tão livros quanto os demais. Suas características lúdicas têm por finalidade despertar
o interesse do público infantil a que se destinam, fazendo com que as criancinhas,
desde a mais tenra infância, sejam despertadas para o gosto da leitura.
A técnica é aprovada por diversos pedagogos e psicólogos e a finalidade da imu-
nidade dos livros em comento guarda perfeita harmonia com a norma constitucio-
nal, pois, permitindo a difusão da cultura e acesso de informações ao público mirim,
a sua finalidade se encontra inegavelmente alcançada.
É importante observar que os “livros-brinquedo” são essencialmente livros,
preenchem os requisitos legais do conceito de livros e contêm ficha catalográfica e
ISBN, de modo que os seus acessórios são parcela ínfima do todo que os constitui,
7
Nada obstante, o E. STF recentemente manifestou-se em sentido contrário, não reconhecendo a imunidade
da enciclopédia Jurídica Eletrônica acessível por processamento de dados, e formatada na forma de software
– RE 330.817, sob o frágil argumento de que a imunidade em comento não abrange outros insumos que não
o papel destinado à impressão. Note que o argumento, já firmado como se denota da Súmula no 657, não en-
frenta a questão posta, qual seja, a nova roupagem do livro, daí a sua insuficiência para se pôr termo à questão.
Fernanda Drummond Parisi 99

permanecendo-lhes integralmente aplicável a norma contida no art. 150, inciso VI,


alínea d, da Carta Magna.
Aspectos extrínsecos à materialidade física dos “livros-brinquedo” corroboram o
quanto aduzido. Como exemplo, podemos citar o custo dos elementos lúdicos atre-
lados aos livros, os quais são sobremaneira inferiores ao custo do livro no que pertine
ao texto, direitos autorais, brochura, tinta, papel especial para impressão etc.
Tal aspecto, muito embora seja de natureza financeira, e não jurídica, escapando,
pois, à seara de nosso estudo, não deve ser desprezado porquanto constitui elemento
informador do assunto tratado, mostrando que, em termos formais, as característi-
cas de livro dos chamados “livros-brinquedo” preponderam, e muito, sobre os seus
aspectos lúdicos.
Não há dúvidas, portanto, de que as características preponderantes dos “livros-
-brinquedo” são efetivamente de livros, do que se infere, logicamente, que são mais
uma nova espécie de livro, como se deu com os livros eletrônicos, sem que, contudo,
tenham deixado de ser livros.
Em nossos estudos, deparamo-nos com caso prático mencionado na doutrina
do Professor Roque Carrazza, decidido pela saudosa Lúcia Valle Figueiredo, a saber:

Empresa gráfica importou livros-piano, isto é, livros infantis com teclado, que,
percutido sob a orientação de um texto, permite que a criança desperte para a
música. Na hora do desembaraço aduaneiro, tais livros-piano foram considerados
brinquedos. Em razão disso, a autoridade fazendária pretendeu fazer incidir sobre
esta importação o imposto específico, com a elevada alíquota de 105%.
Inconformada, a empresa impetrou mandado de segurança.
Decidiu esta ilustre jurista, que é titular da cadeira de Direito Administrativo da
Universidade Católica de São Paulo, que a circunstância de a criança se divertir,
enquanto aprende música, não retira destes livros-piano a natureza de livros, para
fins de imunidade.

O Professor Carrazza prossegue transcrevendo parte da sentença:

A moderna Pedagogia (...) não pode prescindir dos recursos modernos, “foto-
magnéticos”, ou outros tais que, tirando o lado árduo do aprendizado, deem-lhe a
“leveza” necessária para permitir sua aceitação.
Já passou – e de há muito – a época em que o aprendizado de qualquer matéria
deveria ser feito de maneira “pesada”, aborrecida, que “estudar” ou “conhecer” era
“mal necessário”. Hoje educa-se a criança, possibilitando-se-lhe o conhecimento
da forma mais amena possível.
Lástima que um método mais eficaz de ensino possa provocar celeuma e, sobretu-
do, se queira cobrar imposto de importação à elevada alíquota de 105%, o que tor-
100 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

nará, claramente, o “livro-piano” (...), o festivo “brinquedo” dos mais abastados,


pois só a estes passará a ser acessível.
Em síntese: não cabe dúvida, a lume da peça apresentada, estarmos diante de um
livro “suave”, pois adaptado a crianças pequenas.
Não estamos, e certamente, diante de mero brinquedo, feito exclusivamente para
provocar entretenimento, “lazer”, “folga”, sem finalidade de aprendizado.

Ainda mantendo os nossos estudos sob a óptica da legalidade, não excede men-
cionar que o parágrafo único, do já citado art. 2o,8 da Lei no 10.753/2003, prevê
expressamente a possibilidade de o livro ser acompanhado de um acessório.

Parágrafo único. São equiparados a livro:


I – fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro;
II – materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material
similar;
III – roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didáticas;
IV – álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar;
V – atlas geográficos, históricos, anatômicos, mapas e cartogramas;
VI – textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato
de edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte;
VII – livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com de-
ficiência visual;
VIII – livros impressos no Sistema Braille.

O exposto nos leva a apenas uma conclusão, qual seja, a de que as inovações
pedagógicas, lúdicas ou físicas que se revelam como componente indissociável dos
“livros-brinquedo” são insuficientes para descaracterizá-los como livros.
A uma, porque aqueles continuam guardando consonância com o conceito legal
de livro previsto em norma plenamente em vigor, reunindo as características essen-
ciais dos livros, dentre as quais se destacam o ISBN e a necessidade de observância
aos direitos autorais. A duas, porque os objetos em estudo são preponderantemen-
te livros, seja nas suas características como asseverado, seja sob o aspecto financeiro,
dado que o custo do livro é sobremaneira superior aos dos acessórios que, por vezes,
o integram.
Em sendo assim e analisando-se a imunidade tributária em conjunto com o ar-
cabouço de nosso sistema normativo, imperiosa a conclusão de que a imunidade
8
“Art. 2o Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não
periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas
avulsas, em qualquer formato e acabamento.”
Fernanda Drummond Parisi 101

preconizada pelo art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal, é plenamente


aplicável aos “livros-brinquedo”, restando flagrante o alcance da norma sob exame.

4 A INALTERABILIDADE DOS CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO


PARA INCIDÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

4.1 A exegese do art. 110, do Código Tributário Nacional

A análise da norma contida no artigo 110,9 do Código Tributário Nacional, é de


suma relevância no presente estudo.
É que referido dispositivo impõe vedação a quaisquer alterações de conceitos fir-
mados no âmbito do direito privado para fins de incidências tributárias.
Assim, lembramos, mais uma vez, o magistério do Professor Paulo de Barros
Carvalho, que ensina a unicidade do direito, lembrando que a sua divisão em ramos
diversos é puramente didática.
Em consonância com o entendimento do Professor Paulo de Barros Carvalho, a
Professora Regina Helena Costa10 elucida:

A autonomia didática exsurge do fato de que se tem um grupo de normas que apre-
sentam uma particular homogeneidade relativamente a seu objeto, sujeitando-se a
princípios de outros ramos do Direito. Neste sentido, pode-se afirmar que todos os
ramos do direito são didaticamente autônomos.

No caso presente, há conceito de livro legalmente estabelecido, com o qual se


coadunam os chamados “livros-brinquedo”.
E sendo assim, a exegese do dispositivo sob enfoque somente pode ser a de que
não é permitida, em nosso ordenamento, a alteração do conceito de livro, no qual es-
tão inseridos os “livros-brinquedo”, a fim de torná-los passíveis de serem tributados,
como se a eles não fosse aplicada a norma de imunidade estudada.
Com efeito, a exegese do disposto no art. 110 do Código Tributário Nacional
nos conduz a apenas essa conclusão.
É importante frisar, nesse passo, que a aplicabilidade do art. 110, do Código Tri-
butário Nacional, não está limitada aos conceitos de institutos firmados apenas pela
9
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e for-
mas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições
dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências
tributárias.”
10
Regina Helena Costa. Imunidades Tributárias – Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 2. ed., São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 59.
102 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

lei, entendida como a Lei Complementar ou a Lei Ordinária, mas também aos con-
ceitos estabelecidos por outro diploma normativo, qual seja, a Carta Magna.
E, ainda, o preceito em comento também guarda estreita relação com as normas
delineadoras da competência tributária, como explica o Professor Luciano Amaro:11
“Esses preceitos, a despeito de estarem alocados no capítulo da interpretação e inte-
gração da legislação tributária, nada mais são do que regras a sublinhar os confins da
competência tributária”.
O autor conclui seu raciocínio aduzindo que:

Mais precisamente, é vedado à lei modificar não somente os conceitos de Direito


Privado, mas quaisquer conceitos que tenham sido empregados na definição da
competência tributária. Nenhum conceito quer de Direito Privado, quer de Direito
Público, conceito jurídico, ou conceito extraído do léxico, desde que utilizado na
definição de competência tributária, pode ser modificado pela lei tributária, sob
pena de ampliar-se o âmbito eficacial desta.

Verificamos, por conseguinte, que o conceito de livro inerente à norma constitu-


cional veiculada pelo art. 150, VI, d, da Constituição Federal de 1988, independen-
temente de ter sido esmiuçado pela Lei no 10.753, de 30/10/2003, não pode ser
ultrajado por qualquer lei cujo escopo seja ampliar o alcance da tributação.
Do exposto, infere-se a relevância da matéria objeto de nosso estudo, pois a nor-
ma de imunidade em questão revela sua primazia, não apenas levando-se em consi-
deração o fato de estar edificada na Carta da República, que é o diploma de maior
hierarquia em nosso sistema legal, lastreado no modelo kelseniano, como, também,
a consonância que guarda com o sistema legal como um todo, a exemplo da norma
contida no art. 110, do Código Tributário Nacional.

4.2 A exegese das normas de imunidade e a jurisprudência

A interpretação da norma constitucional deve levar em conta alguns aspectos


que lhe são peculiares, como a sua hierarquia suprema em nosso sistema legal.
Outrossim, deve ater-se ao fato de que são normas de estrutura delimitadoras da
competência tributária e imbuídas de valores que o constituinte salvaguardou de for-
ma especial, razão pela qual as imunidades são definidas em determinadas situações
e em relação a pessoas específicas, eleitas nessas normas imunizantes. Há, portanto,
um forte sentido finalístico por detrás das normas imunizantes, o qual não pode ser
desprestigiado no labor exegético.
11
Luciano Amaro. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 102.
Fernanda Drummond Parisi 103

Essas premissas levam à óbvia conclusão de que a interpretação das normas de


imunidade não pode ser uma interpretação literal.
As normas de imunidade devem ser interpretadas com maior amplitude, com
métodos diversos que levem a uma verdadeira exegese sistemática e capaz de avaliar
a norma inserta no sistema como um todo, e não isoladamente.
Em vista de não ser o escopo deste estudo os meandros e as formas de inter-
pretação de textos legais e, portanto, sob óptica mais objetiva, cumpre-nos obser-
var apenas que a diretriz firmada pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, não
presta à exegese da norma de imunidade.
O aludido preceito legal estabelece que, em se tratando de (i) suspensão ou ex-
clusão do crédito tributário, (ii) outorga de isenção e (iii) dispensa do cumprimento
de obrigações tributárias acessórias, a interpretação deve ser literal.
A leitura do dispositivo mostra que nenhuma das situações por ele contempladas
coaduna-se com o instituto da imunidade. Porém, a jurisprudência demonstra que,
muitas vezes, a exemplo da diretriz preconizada pelo art. 111, do Código Tributá-
rio Nacional, nossos Tribunais têm interpretado as normas de imunidade de forma
pobre, literal.
O nosso conceito de imunidade mostra que não se trata, de forma alguma, de
hipótese de exclusão do crédito tributário e, muito menos, de isenção ou dispensa
no cumprimento de obrigações tributárias, muito embora, por equívoco de lingua-
gem, alguns preceitos constitucionais utilizem o termo isenção, quando em verdade
referem-se à imunidade.
Nada obstante, a interpretação jurisprudencial se biparte, revelando-se por vezes
afeita à sistemática de nosso ordenamento legal e, noutras ocasiões, dele descompas-
sada, restando deveras literal.
Como exemplos da interpretação defendida, citamos alguns julgados do Egré-
gio Supremo Tribunal Federal, pelos quais os nobres Ministros entenderam que
“papelão para capas duras” e espécies de periódicos sem erudição, mas igualmente
propagadores da cultura e informação, são abrangidos pela imunidade, a saber:

Constitucional. Tributário. Imunidade Tributária. Papel: Filmes Destinados à Pro-


dução de Capas de Livros. CF/88, Art. 150, VI, d. I. Material assimilável a papel,
utilizado no processo de impressão de livros e que se integra no produto final – ca-
pas de livros sem capa-dura – está abrangido pela imunidade do art. 150, VI, d. In-
terpretação dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, nos
RREE 174.476/SP, 190.761/SP, Min. Francisco Rezek; 203.859/SP e 204.234/
RS, Min. Maurício Corrêa. II. – R.E. conhecido e improvido. (RE 392221/SP)
Constitucional. Tributário. Imunidade. Art. 150, VI, d, da CF/88. “Álbum de
Figurinhas”. Admissibilidade. 1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, pe-
riódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao
104 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunica-


ção, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação.
2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artís-
tico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de
uma publicação. 3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar
este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da
democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do va-
lor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil. 4. Recurso
extraordinário conhecido e provido. (RE 221239/SP).

Citamos também decisão monocrática da lavra do Ministro Cezar Peluso, que


subtrai o dicionário sob a forma eletrônica do manto da imunidade,12 in verbis:

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, na instância de origem,


indeferiu processamento de recurso extraordinário contra acórdão que reconheceu
a imunidade tributária de dicionário eletrônico, contido em software. Sustenta o
recorrente, com base no art. 102, III, a, violação ao art. 102, VI, d, da Constitui-
ção Federal.
2. Consistente o recurso. O acórdão recorrido está em desconformidade com
a orientação sumulada desta Corte, no sentido de que a imunidade prevista no
art. 150, VI, d, da Carta Magna não alcança todos os insumos usados nos livros,
jornais e periódicos, mas tão somente os filmes e papéis tidos por necessários à sua
publicação, tais como o papel fotográfico, inclusive o destinado a fotocomposição
por laser, os filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens
monocráticas, e o papel para telefoto (Súmula 657).
3. Isto posto, invocando o art. 544, § § 3o e 4o, do Código de Processo Civil, com
a redação dada pela Lei no 9.756/98 e pela Lei no 8.950/94, acolho o agravo, para,
desde logo, conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento, para indeferir
a segurança. Custas ex lege. (RE 200.485/MG).

A análise normativa e a jurisprudencial ora empreendidas corroboram o nosso


entendimento acerca da exegese das normas imunizantes, no sentido de que esta
deve ser a mais sistemática e ampla quanto possível, sob pena de se negar vigência a
preceito constitucional.
Ainda no que concerne à exegese das normas de imunidade, não poderíamos
deixar de lado a polêmica questão acerca da limitação da imunidade aos impostos
em contrapartida ao entendimento de que a imunidade também abrange as demais
espécies de tributos.
Em consonância com a linha que adotamos no sentido de que a norma de imu-
nidade deve ser interpretada de forma ampla e sistemática, não podemos chegar à
12
No mesmo sentido: RE no 416.579/RJ, RE no 282.387/RJ e AI no 530.958/GO, além do precitado RE no 330.817/RJ.
Fernanda Drummond Parisi 105

outra conclusão que não a de que a imunidade também abrange outras espécies tri-
butárias além dos impostos.
A própria essência da norma de imunidade, eivada de forte propósito finalístico,
não dá ensejo a qualquer outro entendimento, além do que o próprio texto consti-
tucional veicula preceitos imunizantes a outros tributos, do que se depreende que o
instituto não está circunscrito à espécie tributária imposta.
Mais uma vez, colacionamos as esclarecedoras lições do Professor Paulo de Bar-
ros Carvalho:

A proposição afirmativa de que a imunidade é instituto que só se refere aos impos-


tos carece de consistência veritativa. Traduz exacerbada extensão de uma particu-
laridade constitucional que pode ser facilmente enunciada mediante a ponderação
de outros fatores, também extraídos da disciplina do Texto Superior. Não sobeja
repetir que, mesmo em termos literais, a Constituição abriga regras de competência
da natureza daquelas que se conhecem pelo nome de imunidades tributárias, e que
trazem alusão explícita às taxas e à contribuição de melhoria, o que basta para exibir
a falsidade da proposição descritiva.

Feitas essas considerações, finalizamos este tópico acerca da exegese das nor-
mas de imunidades fortemente convencidos de que esta deve ser ampla, sistemática
e condizente com a essência do instituto, o qual abrange, inclusive, outras espécies
tributárias além dos impostos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo do direito tributário implica análise aprofundada da Constituição Fe-


deral, porquanto todos os seus institutos, a começar pelas normas que outorgam as
competências tributárias aos entes federativos, são emanadas daquela.
Em relação íntima e indissociável das normas que outorgam competências tribu-
tárias impositivas, aparecem as normas igualmente delimitadoras do âmbito das com-
petências tributárias, quais sejam, as normas de imunidade, que fixam incompetências.
O arcabouço das normas constitucionais de imunidade é bastante vasto e com-
preende não apenas a imunidade quanto aos impostos, como também em relação
a outras espécies tributárias. De tal fato, aliado ao aspecto teleológico e axiológico
das normas de imunidade, infere-se a necessidade de a interpretação das normas de
imunidade ser sistemática e ampla o suficiente para ser condizente com a relevância
desse instituto.
Frente a esse cenário e tomando-se como foco deste breve estudo apenas uma
norma de imunidade, isto é, a destinada aos livros, percebemos que os avanços
tecnológicos, estruturais e até mesmo pedagógicos que alteraram a sua roupagem
106 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

não são suficientes para subtrair o alcance da norma de imunidade dos chamados
“livros-brinquedo”.
Por meio da análise, logrou-se demonstrar que o conceito constitucional de li-
vros implicitamente contido no art. 150, inciso VI, d, da Carta Magna, e esmiuçado
no corpo da Lei no 10.753/2003 permanece intacto quando nele se insere os “li-
vros-brinquedo” sob exame.
E sendo assim, colocada à prova a amplitude e atualidade do texto constitucional
e, por que não, de sua magnitude, verificamos que a imunidade dos livros preconi-
zada no art. 150, inciso VI, d, deve ser prestigiada e respeitada nas novas espécies de
livros já surgidas, como ocorre com os “livros-brinquedo”, bem como em relação
àquelas que ainda estão por surgir.
Finalizamos, assim, nosso breve estudo, com a certeza de que o tema sob exame
comporta muito mais e mais profundos estudos e esclarecimentos. Contudo, encer-
ramos nossa breve análise com a satisfatória certeza de que trouxemos importante
questão à reflexão de todos aqueles que se interessarem pela leitura deste.

6 REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2002.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1993.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed., São Paulo: Noeses, 2007.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2008.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed., São Paulo:
Malheiros, 2008.
CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 3. ed., São Paulo: Max Limonad,
1998.
___________ . Curso de direito tributário. 21. ed., São Paulo: Saraiva, 2009.
___________ . Formalização da linguagem – proposições e fórmulas. Direito – revista do programa de
pós-graduação em direito – PUC/SP. São Paulo: Max Limonad, 1995.
___________ . Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 5. ed., São Paulo: Saraiva,
2007.
___________ . Direito tributário: linguagem e método. 2. ed., São Paulo: Noeses, 2008.

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e análise da jurisprudência do STF.


2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São
Paulo: Noeses, 2009.
Fernanda Drummond Parisi 107

JARDIM, Eduardo Maciel Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 9. ed., São Paulo:
Saraiva, 2008.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1994.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23. ed., São Paulo: Saraiva, 1996.
SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997.
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max
Limonad, 1997.
___________ . Causalidade e relação no direito. 4.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
Imunidade das instituições
de assistência social versus
aplicações financeiras
do superávit

FERNANDO BONFÁ DE JESUS


1. Introdução. 2. Da Imunidade das Entidades de assistência social.
3. Da alegação de que as aplicações financeiras não perseguem os ob-
jetivos principais das entidades de assistência social. 4. A aplicação fi-
nanceira do superávit não gera perda da imunidade. 5. Considerações
finais. 6. Referências.

1 INTRODUÇÃO
As entidades de assistência social, a fim de gozar de imunidade prevista constitu-
cionalmente, não visam finalidade lucrativa e, dentre as suas finalidades, está a manu-
tenção de serviços de natureza assistencial para a coletividade em geral.
Ocorre que, na consecução de suas atividades normais, as Entidades de Assistên-
cia Social costumam manter aplicações financeiras, buscando a manutenção de sua
atividade principal, qual seja, a própria assistência social.
Por ser entidade imune, nos termos do art. 150, VI, alínea c, da Constituição
Federal, tais entidades não estão sujeitas ao recolhimento de imposto de renda sobre
os rendimentos auferidos em tais aplicações financeiras.
110 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

No entanto, em 11/12/1997 foi publicada no DOU a Lei no 9.532/1997 que,


em seu art. 12, § 1o, dispõe:

Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso IV alínea “c” da Constituição
considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste serviços
para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral,
em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.
§ 1o Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital au-
feridos em aplicações financeiras de renda fixa e de renda variável.
(Grifos do autor)

Todavia, entendemos ser o dispositivo legal anteriormente transcrito manifesta-


mente inconstitucional, não devendo as entidades de assistência social sofrer reten-
ção do imposto sobre os rendimentos auferidos em suas aplicações financeiras.

2 DA IMUNIDADE DAS ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

O argumento tem por fundamento o art. 150, VI, c, da Magna Carta, o qual
dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistên-
cia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; ...” (Grifos do autor)

Isso quer dizer que nenhum imposto poderá ser cobrado sobre o patrimô-
nio, renda ou serviços das instituições de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei, nem mesmo sobre ganhos auferidos em aplica-
ções financeiras, conforme já decidiu em sede de liminar o Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) nos autos da ADIn no 1802-3, in verbis:

O Tribunal, por unanimidade, deferiu, em parte, o pedido de medida cautelar, para


suspender, até a decisão final da ação, a vigência do § 1o e a alínea f do § 2o, ambos
do art. 12, do art. 13, caput e do art. 14, todos da Lei no 9532, de 10/12/97,
e indeferindo-o com relação aos demais. Votou o Presidente. Ausentes, justifi-
cadamente, os Srs. Ministros Marco Aurélio, Sydney Sanches e Celso de Mello,
Fernando Bonfá de Jesus 111

Presidente. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Velloso, Vice-Presidente.


Plenário, 27.08.1998.1

Verifica-se que conforme decidido pelo STF referido dispositivo legal, que pre-
tendeu tributar pelo imposto os rendimentos e ganhos de capital auferidos em apli-
cações financeiras de renda fixa e de renda variável, foi afastado do ordenamento
jurídico, em face de sua manifesta inconstitucionalidade.
Por outro lado, independentemente da manifestação prévia da Corte Suprema,
ainda que em sede de liminar, necessário se faz demonstrar quais são os requisitos
legais para fruição da referida imunidade.
O primeiro deles é o correto enquadramento das entidades no conceito de ins-
tituição de assistência social. Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho nos en-
sina que:

(...) toda organização de pessoas objetivando, ao lado do Estado, assistir carentes,


e cujos objetivos sociais não possam ser alterados pela vontade dos participantes
adventícios; quer seja aberta a toda a comunidade de que faça parte; cujos even-
tuais resultados financeiros reverta totalmente aos fins instituídos e que observe
os demais requisitos condicionais do artigo 14, do CTN, de modo a realizar fim
público.2

Oportuno também é o entendimento esposado pelo Professor Paulo de Barros


Carvalho, a saber:

As instituições de educação e assistência social desenvolvem uma atividade básica


que, a princípio, cumpriria ao Estado desempenhar, antevendo as dificuldades de
o poder público vir a empreendê-la, na medida suficiente, o legislador constituinte
decidiu proteger tais iniciativas com a outorga da imunidade.3

Após tecidas as considerações retro, no sentido de enquadrar o caráter assisten-


cial das entidades, neste momento surge a seguinte indagação: a lei impõe limites
para a imunidade das entidades de assistência social?
A lei deve ser, necessariamente, complementar, conforme já decidiu o STF, nos
autos da ADIn no 2028-5, conforme se verifica a seguir:

Imunidade. Entidade Beneficente. Disciplina. Vício de Forma e de Fundo. Mitiga-


ção do Preceito Constitucional Regedor da Matéria.
(...)

1
STF. ADIn no 1802-3; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; j. 27/08/1998.
2
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Imunidade de Instituições de Assistência. RDT 35, p. 129.
3
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 102.
112 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Pois bem, diante desses parâmetros, da tomada de empréstimo do que contido no


Código Tributário Nacional, relativamente aos impostos, pelo legislador da Lei
no 8.212/91, partiu-se para a modificação e, aí, introduziu-se regência vinculando
a imunidade constitucional à necessária gratuidade dos serviços, impondo-a sob
a forma da exclusividade ou, então, no mínimo de que sessenta por cento destes
fossem direcionados ao atendimento do Sistema Único de Saúde. Eis como ficaram
os preceitos da Lei no 8.212/91, com o advento da Lei no 9.732/98:
(...)
A toda evidência, adentrou-se o campo da limitação ao poder de tributar e
procedeu-se – ao menos é a conclusão neste primeiro exame – sem observância
da norma cogente do inciso II do artigo 146 da Constituição Federal. Cabe
à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.
Ainda que se diga da aplicabilidade do Código Tributário Nacional apenas aos
impostos, tem-se que veio à balha, mediante veículo impróprio, a regência das
condições suficientes a ter-se o benefício, considerado o instituto da imunidade e
não o da isenção, tal como previsto no § 7o do artigo 195 da Constituição Federal.
Assim, tenho como configurada a relevância suficiente a caminhar-se para a con-
cessão da liminar, no que a inicial desta ação direta de inconstitucionalidade versa
sobre o vício de procedimento, o defeito de forma.
Defiro a liminar, submetendo-a desde logo ao Plenário, para suspender a eficá-
cia do art.  1o, na parte em que alterou a redação ao art. 55, inciso III, da Lei
no 8.212/91 e acrescentou-lhe os §§ 3o, 4o e 5o, bem como dos artigos 4o, 5o e 7o
da Lei no 9.732, de 11 de dezembro de 1998.4

A lei complementar que sempre estabeleceu os requisitos limitadores da com-


petência de tributar as instituições de assistência social, desde a égide dos Textos
Constitucionais anteriores, é o Código Tributário Nacional (Lei no 5.172/1966), lei
complementar plenamente recepcionada pela atual Carta Política.
Com efeito, o art. 14, do CTN, dispõe:

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9o é subordinado à observância dos


seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qual-
quer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objeti-
vos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formali-
dades capazes de assegurar sua exatidão;

O art. 9o, inciso IV, alínea c, do mesmo diploma legal, por sua vez, dispõe:
4
STF. ADIn no 2028-5; Rel. Min. Moreira Alves; DJ 02/08/1999. (Grifos do autor).
Fernando Bonfá de Jesus 113

Art. 9o É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


(...)
IV – cobrar imposto sobre:
c) o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos e de instituições de educação
ou de assistência social, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo;
(...)

O art. 9o reproduz a regra prevista no já citado art. 150, VI, c, da atual Magna
Carta que, por sua vez, já constava das Cartas Políticas anteriores.
Assim, conforme se verifica, quatro (e somente quatro) são os requisitos estabe-
lecidos pelo legislador complementar, para fruição do benefício fiscal, a saber:

a) escrituração regular;
b) não distribuição de seu patrimônio ou renda;
c) proibição de remessa dos lucros ao exterior, devendo ser aplicados na ma-
nutenção dos objetivos institucionais;
d) cumprimento de obrigações acessórias.

Logo, desde que os partidos e instituições de educação e assistência social cum-


pram os requisitos legais, terão direito subjetivo à imunidade, oponível ao poder tri-
butário que estiver em causa (União Federal, no caso, Imposto sobre a Renda).
Vale dizer, o imune, enquadrando-se na previsão constitucional e observados os
requisitos legais tem, desde logo, direito. Não recolherá, em hipótese alguma, qual-
quer imposto, sendo desnecessária autorização, licença, ou alvará do ente político,
cujo exercício da competência está constitucionalmente vedado.
Será impertinente, destarte, toda legislação ordinária ou regulamentar de quais-
quer das pessoas políticas que acrescente mais antepostos aos requisitos da lei comple-
mentar (Código Tributário Nacional), concernentes à imunidade ou que restrinja
esse benefício constitucionalmente assegurado, como o fez a Lei no 9.532/1997.
É permitido ao Fisco, apenas e tão somente, investigar e fiscalizar a pessoa imune,
suas atividades, no escopo de verificar se os pressupostos imunitórios estão sendo ri-
gorosamente observados. Nada mais!
Sobre o assunto, destacam-se os ensinamentos do Professor Geraldo Ataliba:

(...) a imunidade dos partidos políticos e instituições de educação e assistência é um


direito público subjetivo, outorgado pelo próprio Texto Constitucional, embora
condicionado o seu gozo aos requisitos que venham a ser estabelecidos na lei. To-
davia, é importante que fique bem claro que esta lei tem um alcance e um campo
muito restritos, muito limitados. A sua finalidade é, exclusivamente, assegurar que
114 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

a disposição constitucional não seja fraudada e dar instrumento para que a Admi-
nistração possa reconhecer as hipóteses de abuso e combatê-las.5

Em outras palavras, as pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Mu-


nicípios) não podem inventar requisitos; não podem inovar nessa matéria restringin-
do a imunidade das instituições, como o fez o art. 12, § 1o, da Lei no 9.532/1997,
visto que a Constituição Federal não impôs requisitos outros, além de tratar-se de
instituição que cuide de matéria de educação ou assistência social e que não tenha
fins lucrativos.
Por conseguinte, uma vez preenchidos tais requisitos, não restam dúvidas de
que há pleno direito à fruição da imunidade constitucionalmente assegurada, até
porque não há qualquer dispositivo legal que restrinja a imunidade das entidades de
assistência social nos casos de aplicações financeiras.

3 DA ALEGAÇÃO DE QUE AS APLICAÇÕES FINANCEIRAS NÃO


PERSEGUEM OS OBJETIVOS PRINCIPAIS DAS ENTIDADES DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL

E nem se alegue que os rendimentos auferidos em aplicações financeiras pe-


las entidades imunes não perseguem seus objetivos principais, ou seja, a assistência
social.
Isto porque as aplicações financeiras visam evitar a perda do poder aquisitivo da
moeda e fazer render ainda mais as disponibilidades financeiras das entidades de assis-
tência social, sempre com o objetivo de manter e incrementar suas obras assistenciais.
Com efeito, o capital aplicado financeiramente é fruto de seu objetivo principal
e reverte completamente às atividades de assistência social.
De fato, o capital aplicado pelas entidades de assistência social é o decorrente de
contribuições da população benemérita e aplicado até que seja utilizado, por exem-
plo, para pagamento da folha de salários ou na compra de equipamentos que rever-
tam para finalidade essencial da entidade: a assistência social.
Assim, embora a entidades de assistência social sejam imunes, a boa gestão de
seus negócios é responsabilidade de seus administradores. Nesse contexto, é sábia a
lição de Hugo de Brito Machado:

Instituição sem fins lucrativos é aquela que não se presta como instrumento de lu-
cro para seus instituidores ou dirigentes. A instituição pode, e deve, lucrar. Lucrar

5
Geraldo Ataliba. Imunidade de Instituições de Educação e Assistência. RDT 55, p. 138.
Fernando Bonfá de Jesus 115

para aumentar seu patrimônio e assim prestar serviços cada vez a maior número de
pessoas, e cada vez de melhor qualidade. O que não pode é distribuir lucros. Tem
de investir os que obtiver, na execução de seus objetivos.6

Desse modo, se todos os requisitos legais (Código Tributário Nacional) foram


observados, inexiste fundamento que justifique a restrição da imunidade das enti-
dades de assistência social, até mesmo porque nenhuma norma legal pode restringir
direito constitucionalmente assegurado.
Vale dizer, as entidades de assistência social são imunes, e como imunes aos im-
postos não estão obrigadas ao recolhimento do Imposto sobre a Renda na Fonte so-
bre os rendimentos auferidos em aplicações financeiras.
Tal entendimento tem sido respaldado pelos Tribunais Regionais Federais que
reconhecem a imunidade das entidades de assistência social suspendendo a retenção
na fonte, do Imposto sobre a Renda de suas aplicações financeiras (renda fixa e/ou
variável), face à manifesta inconstitucionalidade da citada retenção, a saber:

(...)
Contudo, o disposto no referido artigo 12, padece de vícios, pois pretendeu res-
tringir a imunidade Constitucional pela via oblíqua de lei ordinária.
(...)
Que as instituições de educação e de assistência social são entidades amparadas pela
imunidade, isto é, reconhecido pela melhor doutrina e por diversos julgados dos
Tribunais.
(...)
De fato, se as instituições de educação e de assistência social cumprirem funções
complementares à atividade que o estado deveria cumprir, elas não podem ser al-
cançadas pela tributação dos impostos gerais, pois o seu patrimônio deve ser pre-
servado, para que possam atingir os objetivos a que se propõem.
(...)
Destarte mostra-se plausível o direito pugnado pela agravante, motivo pelo qual
reconsidero a r. decisão “a quo”, para conceder a liminar, suspendendo a tri-
butação do imposto de Renda, na fonte, sobre os rendimentos e ganhos de
capital auferidos pela impetrante em aplicações financeiras de renda fixa ou
de renda variável, expedindo-se ofícios aos bancos onde a agravante mantém apli-
cações financeiras, para cumprimento dessa decisão, até ulterior decisão de mérito
pelo MM. Juízo Monocrático.7
(Grifos do autor)

6
Hugo de Brito Machado. Imunidade Tributária das Instituições de Educação e de Assistência Social e a Lei
no 9.532/97. In: Valdir de Oliveira Rocha. Imposto de Renda – Alterações Fundamentais. São Paulo: Dialética,
1998, 2. v., p. 69).
7
TRF-3a R.; processo no 98.03.019810-6; Rel. Juiz Pérsio Lima; j. 31/03/1998; publ. 20/04/1998.
116 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

4 A APLICAÇÃO FINANCEIRA DO SUPERÁVIT NÃO GERA PERDA DA


IMUNIDADE

As entidades de assistência social, como entidades imunes do recolhimento dos


impostos, especialmente, do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), não apu-
ram lucro, mas, sim, superávit representado pelo resultado positivo verificado duran-
te o período (ano-calendário civil).
Muitas entidades de assistência social, ao apresentarem superávits, os destinam,
em sua grande maioria, para aplicações financeiras de renda fixa.
A utilização dos superávits em aplicações financeiras assume relevo porque as en-
tidades de assistência social têm a obrigação legal de aplicar integralmente os superá-
vits apurados na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais.
Em decorrência, trazemos mais uma indagação: poderá a aplicação financeira
caracterizar descumprimento da obrigação de destinação dos superávits para a ma-
nutenção e o desenvolvimento de seus objetivos sociais e ensejar, por conseguinte, a
perda da imunidade?
A par de todos os requisitos garantidores da imunidade, vamos nos valer, mais
uma vez, do disposto na Lei no 9.532/1997, art. 12, § 3o, a saber:

Art. 12. (...)


(...)
§ 3o Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em
suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado,
integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos objetivos sociais.
(Grifos do autor)

Em outras palavras, as entidades de assistência social sem fins lucrativos estão


impedidas de apurar superávit ou, caso o apurem, devem destiná-lo integralmente à
manutenção e desenvolvimento de seus objetivos sociais.
Nessa mesma linha, mas tratando da questão dos resultados apurados pelas enti-
dades de assistência social sem fins lucrativos, sob a tônica da vedação à sua distribui-
ção, determinam as disposições gerais da Norma Brasileira de Contabilidade Técnica
(NBCT) no 10.19:

10.19.1.1 – Esta norma estabelece critérios e procedimentos específicos de avaliação, de


registros dos componentes e variações patrimoniais e de estruturação das demonstra-
ções contábeis, e as informações mínimas a serem divulgadas em nota explicativa das
entidades sem finalidades de lucros.
(...)
Fernando Bonfá de Jesus 117

10.19.1.3 – As entidades sem finalidade de lucro são aquelas em que o resultado


positivo não é destinado aos detentores do patrimônio líquido e o lucro ou prejuízo
são denominados, respectivamente, de superávit ou déficit.
(Grifos do autor)

De fato, a norma que concedeu a imunidade para as entidades sem fins lucrati-
vos pretendeu impedir que os resultados positivos apurados (superávits) fossem dis-
tribuídos a terceiros ou mesmo aos associados que formaram seu patrimônio
líquido, direta ou indiretamente, através da distribuição disfarçada de resulta-
dos, desvio dos objetivos sociais em benefício de determinado setor ou de determi-
nadas pessoas etc.
Tal orientação se coaduna como a própria razão de ser da imunidade em voga,
conforme manifestação da doutrina aplicável:

(...) concedida às entidades que, por sua natureza, não operam com fins econô-
micos, lucrativos, dedicando-se, em essência, a atividades que buscam o aperfei-
çoamento do homem no campo moral, intelectual, cultural, científico, artístico,
e outros que envolvem interesses na sua valorização, estimulando potencializadas
materiais e morais para o bem comum.8

Claro está, portanto, que a imunidade concedida jamais poderá ser aproveitada
para colocar em situação privilegiada determinadas empresas, travestidas de entida-
des de assistência social sem fins lucrativos, no exercício de atividades tipicamente
empresariais.
Da mesma forma, não se pode admitir que os associados das entidades de as-
sistência social sem fins lucrativos sejam beneficiados, via distribuição de resultados,
pelos superávits apurados por tal entidade.
Nas duas situações, estaríamos diante de típico caso de desvirtuamento dos ob-
jetivos sociais das entidades de assistência social, que, por si só, seria suficiente para
suspender a imunidade concedida, uma vez que restaria plenamente frustrado o fim
para qual foi concedida.
De tudo o que foi até aqui exposto, conclui-se que as entidades de assistência
social sem fins lucrativos devem observar as disposições descritas a seguir:

1) Não podem apresentar superávit.


2) Caso o apresentem, devem aplicá-lo integralmente na manutenção e de-
senvolvimento de seus objetivos sociais, não devendo destiná-lo a seus
associados.
8
Noé Winkler. Imposto de Renda: Doutrina, Comentários, Decisões e Atos Administrativos, Jurisprudência.
2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 246.
118 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Dentro desse contexto, entendemos que a aplicação financeira em renda fixa


realizada pelas entidades de assistência social tem como finalidade, exatamente, a ma-
nutenção e a preservação, a longo prazo, do patrimônio financeiro da entidade para
o exercício de suas atividades, o que implica, consequentemente, no cumprimento
de seus objetivos sociais.
Com efeito, a aplicação dos superávits tem por objetivo, basicamente, proteger
o numerário disponível (em espécie) das entidades de assistência social contra os ne-
fastos efeitos da inflação (que ainda existe no Brasil), isto é, visam garantir poder de
compra da moeda.
Prejuízo haveria se tais valores, ao contrário, fossem indevidamente empregados
ou mesmo se permanecessem no caixa da entidade, sujeitando-se às oscilações da
economia, pois, nesse caso, sim, estaríamos diante de manifesto desvio dos objetivos
sociais das entidades de assistência social.
O fato de haver uma “sobra” de receitas (superávit) aplicadas no mercado finan-
ceiro não implica dizer que os recursos captados pelas entidades de assistência social
não estejam sendo revertidos na busca de seus objetivos socialmente consagrados.
Além disso, as aplicações financeiras realizadas permitem que as entidades de as-
sistência social possam investir plenamente os seus recursos disponíveis na execução
de projetos e serviços afetos aos seus objetivos sociais, haja vista que, no mínimo,
garantirá seu poder real de compra.
Nesse mesmo sentido, fazemos referência aos ensinamentos do Professor Roque
Antonio Carrazza:

O superávit, nos termos da Constituição e da lei, é meio, e não fim. Melhor es-
clarecendo, é o meio que trará à pessoa administrativa as receitas necessárias ao
custeio das atividades públicas para as quais foi criada.
Nunca é demais lembrar que as empresas estatais delegatárias de serviços pú-
blicos são criadas para servir, vale dizer, para atingir, com a máxima eficácia
social possível, determinados objetivos que a ordem jurídica considera rele-
vantes – como, por exemplo, prestar o serviço de navegação aérea.
(...)
Ademais, a tendência do lucro é ser distribuído entre os capitalistas, ao passo que
o superávit sempre será reinvestido, para o melhor desempenho da função
pública (ou, quando pouco, da função de interesse público).9
(Grifos do autor)

Importa ressaltar ainda que as receitas de aplicações financeiras são contábil


e fiscalmente consideradas como resultados operacionais das entidades, como se
9
Roque Antonio Carrazza. Imposto sobre a Renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Ma-
lheiros, 2007, p. 391-392.
Fernando Bonfá de Jesus 119

depreende do disposto no Decreto no 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de


Renda), in verbis:

Art. 277. Será classificado como lucro operacional o resultado das atividades, prin-
cipais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica (Decreto-Lei no 1.598,
de 1977, art. 11).
PARÁGRAFO ÚNICO. A escrituração do contribuinte, cujas atividades com-
preendam a venda de bens ou serviços, deve discriminar o lucro bruto, as despesas
operacionais e os demais resultados operacionais (Decreto-Lei no 1.598, de 1977,
art. 11, § 1º).
(...)
Art. 373. Os juros, o desconto, o lucro na operação de “reporte” e os rendimentos
de aplicações financeiras de renda fixa, ganhos pelo contribuinte, serão incluídos no
lucro operacional e, quando derivados de operações ou títulos com vencimento pos-
terior ao encerramento do período de apuração, poderão ser rateados pelos períodos
a que competirem (Decreto-Lei no 1.598, de 1977, art. 17, e Lei no 8.981, de 1995,
art. 76, § 2o, e Lei no 9.249, de 1995, art. 11, § 3o).
(Grifos do autor)

Ora, se o próprio Regulamento do Imposto sobre a Renda é claro ao definir


o resultado operacional – no qual se incluem as receitas de aplicação financeira –
como aquele decorrente das atividades principais e acessórias da empresa, como
pretender dissociar tal investimento dos próprios objetivos sociais das entidades de
assistência social, uma vez que, é óbvio, estes (objetivos sociais) abarcam todas as ati-
vidades principais e acessórias da entidade.

Dessa forma, indiscutível o fato de que a aplicação dos superávits apurados pelas
Entidades de Assistência Social no mercado financeiro não implica em desvio dos
seus objetivos sociais. Ao contrário, trata-se de mais uma forma de alcançá-los.
Ademais, cumpre lembrar que a não aplicação dos recursos ou sua aplicação gratui-
ta é que poderiam dar margem à perda da imunidade das Entidades de Assistência
Social, mas nunca a sua destinação em aplicação financeira remunerada.
Isto já foi objeto de inúmeras decisões do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (CARF), o qual tem reiteradamente decidido que a aplicação não remu-
nerada de recursos dá ensejo à perda da imunidade, como se observa da ementa
do julgamento transcrita a seguir, onde se analisa a destinação através de mútuo
gratuito, in verbis:
Empréstimo Gratuito. A imunidade que ampara as instituições referidas no artigo
126 do RIR/80 e a isenção que contempla as entidades a que se refere o arti-
go 130 do mesmo Regulamento, não prevalecem se há empréstimos a título
gratuito a outra pessoa jurídica de fins econômicos do grupo, e, principal-
mente, se a escrituração é feita por lançamentos globais, sem livros auxiliares
120 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

(Ac. 1o CC 105-2.315/87 – DO 16/06/88 e Ac. 1o CC 103-8.465/88 e


8464/88 – DO 18/05/1989)
Assim, entendemos que a aplicação financeira dos superávits apurados pelas Entida-
des de Assistência Social, visto não constituir um fim em si mesmo, mas uma forma
de manutenção do potencial de investimento da entidade, não constitui desvio dos
seus objetivos sociais, não sendo suficiente para acarretar a perda de imunidade.
(Grifos do autor)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, conclui-se que:

I. As entidades de assistência social por não terem fins lucrativos não podem apurar
superávit, e, caso o apurem, devem destinar tal resultado à manutenção e ao desen-
volvimento de seus objetivos sociais.

II. A aplicação de parte dos seus superávits no mercado financeiro, para preservação
do valor real dos mesmos, é uma forma de investir na manutenção e no desenvolvi-
mento dos objetivos sociais das entidades.

III. A legislação contábil e fiscal tratam as receitas financeiras como integrantes dos re-
sultados operacionais, decorrentes das atividades principais e acessórias da entidade.

IV. A doutrina e jurisprudência aplicáveis não acusam precedentes no sentido de con-


testar a imunidade usufruída pelas entidades de assistência social, em razão da aplica-
ção dos superávits apurados no mercado financeiro.

V. A aplicação financeira dos superávits apurados pelas entidades de assistência social


visto não constituir uma atividade-fim, mas uma forma de manutenção do potencial
de investimento da entidade, não constitui desvio dos seus objetivos sociais, não sen-
do suficiente para acarretar a perda de imunidade.

6 REFERÊNCIAS

ATALIBA, Geraldo. Imunidade de instituições de educação e assistência. São Paulo: RDT 55.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed., São Paulo:
Malheiros, 2008.
___________ . Imposto sobre a Renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros,
2007.
Fernando Bonfá de Jesus 121

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência.


___________ . Curso de direito tributário. 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2005.
___________ . Imunidade de Instituições de Assistência, RDT 35.

COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 2. ed.,
São Paulo: Malheiros, 2006.
MACHADO, Hugo de Brito. Imunidade Tributária das Instituições de Educação e de Assistência
Social e a Lei no 9.532/97. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Imposto de Renda: Alterações Funda-
mentais. São Paulo: Dialética, 1998. 2. v.
NOÉ, Winkler. Imposto de Renda: Doutrina, Comentários, Decisões e Atos Administrativos,
Jurisprudência. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001.
A imunidade tributária
e os direitos e garantias
fundamentais dos
contribuintes

GILBERTO FRIGO JUNIOR


1. Introdução. 2. O princípio federativo. 3. A competência tributária.
4. A imunidade tributária. 5. Os direitos e as garantias fundamentais.
5.1. Conceito e breves considerações históricas. 5.2. Direitos e garan-
tias fundamentais na Constituição de 1988 e as imunidades tributárias.
5. Considerações finais. 6. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objetivo trazer alguns apontamentos sobre a impor-
tância das imunidades tributárias sob a óptica dos direitos e garantias fundamentais
dos contribuintes.
O exame tem seu ponto de partida no Princípio Federativo e passa, também,
pela análise da Competência Tributária.
A partir daí, far-se-á incursão nos principais aspectos considerados pela Consti-
tuição Federal de 1988 como relevantes para a concessão do benefício fiscal da Imu-
nidade Tributária.
Em breve síntese, então, serão destacados os seguintes tópicos: (i) O Princí-
pio Federativo; (ii) a Competência Tributária; (iii) a Imunidade Tributária; (iv) os
124 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Direitos e Garantias Fundamentais e sua evolução histórica; (v) os Direitos e Ga-


rantias Estatuídos na Constituição de 1988 e sua proteção frente à tributação; e (vi)
Conclusões.

2 O PRINCÍPIO FEDERATIVO

O Estado brasileiro foi organizado de forma a garantir a plena independência


entre os entes políticos (União, Estados, DF e Municípios), cada qual com sua com-
petência previamente estabelecida pela Constituição Federal.
O art. 1o, caput, da Constituição Federal de 1988, enuncia que “A República Fe-
derativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos...”.
Com efeito, o Federalismo é uma forma de Estado, sendo cláusula pétrea, es-
trutura de todo o sistema jurídico e que jamais poderá ser violado. Roque Carrazza,
citando o saudoso Mestre Geraldo Ataliba, expõe que: “Federação implica igualda-
de jurídica entre União, Estados, traduzida num documento (constitucional) rígido,
cuja função é discriminar competências de cada qual, de modo a não ensejar violação
da autonomia recíproca por qualquer das partes”.1
Visando à promoção da descentralização do poder político-administrativo, tem-
-se que “a federação é a forma de Estado pela qual se objetiva distribuir o poder pre-
servando a autonomia dos entes políticos que a compõe”.2
Os Municípios, embora materialmente não tenham sido considerados como
“parte do pacto federativo, possuem autonomia política. Partilham de faculdades
políticas de idêntica natureza (embora de medida diversa) das da União e dos Esta-
dos. Nesse sentido, são tão autônomos quanto a União e os Estados, já que a fonte
de onde haurem suas competências (bem como a forma de hauri-las) é a mesma. A
Constituição Federal”.3
A consequência, portanto, é clara: resguardar os interesses de cada ente político
na realização de suas finalidades institucionais, decorrendo daí a própria isonomia
das pessoas políticas.
Como se vê, o Princípio Federativo além de veicular um comando, isto é, uma
prescrição, dirigida aos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo dos entes políti-
cos, veicula também um valor, uma finalidade a ser alcançada.4
1
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 134.
2
Celso Ribeiro Bastos. Curso de direito constitucional. 17. ed. (revista, ampliada e atualizada). São Paulo: Sa-
raiva, 1996, p. 163.
3
Elizabeth Nazar Carrazza. Progressividade do IPTU. Curitiba: Juruá, 1992, p. 86.
4
Na lição de Miguel Reale: “Assim é que alguns autores preferem admitir que os valores não são produto de
um indivíduo empírico, mas algo que deve ser estudado como fato da sociedade e seu todo como expressão
Gilberto Frigo Junior 125

Todas as observações precedentes têm o objetivo de demonstrar que o Princí-


pio Federativo é base fundamental para a compreensão das competências e limites da
atuação das pessoas políticas de direito público.

3 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

O termo competência compreende vários conteúdos de significação, mas pre-


ferimos adotar aquele pelo qual se entende que competência é aptidão das pessoas
políticas legislarem, inovando o ordenamento jurídico.
Roque Antonio Carrazza conceitua competência tributária como “a aptidão para
criar, in abstrato, tributos”. Noutra ocasião o acatado autor detalha: “A competência
tributária é a habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição
confere a determinadas pessoas (as pessoas jurídicas de direito público interno), para
que, por meio de lei, tributem”.5
Como se vê, o Constituinte indicou, de modo exaustivo, as matérias que as pes-
soas políticas estão autorizadas a conduzir à tributação. Delimitou, portanto, um sis-
tema severo (rígido) de distribuição de competências tributárias.
Pois bem. A competência tributária foi distribuída entre as pessoas políticas se-
gundo a manifestação do poder constituinte originário fundador do Estado Federal.
Assim, na Constituição Federal pátria, tem-se a delimitação da competência tri-
butária da seguinte forma: nos arts. 153 e 154, I, estão as competências tributárias
atribuídas à União; no art. 155 encontram-se as competências dos Estados e do Dis-
trito Federal; e no art. 156, as outorgadas aos Municípios.
Como vemos, ao mesmo tempo em que distribuiu competências tributárias, a
Constituição indicou os padrões que o legislador ordinário de cada pessoa política
deverá obedecer, enquanto institui tributos.
Em suma, o âmbito de abrangência de cada figura exacional encontra-se no Di-
ploma Magno, de tal sorte que a pessoa política, ao instituí-la, não tem muitas alter-
nativas, o que dá ao contribuinte a previsibilidade do que o aguarda, em termos de
tributação, quando pratica determinados atos ou fatos.

de crenças ou desejos sociais (Gabriel Tarde) ou produtos da consciência coletiva (Émile Durkheim)”. Ainda:
“É possível haver uma ordenação do valioso, não de forma absoluta, mas nos ciclos culturais que represen-
tam a história humana, sendo certo, outrossim, que existe algo de constante no mundo das estimativas, algo
que condiciona o processo histórico como categoria axiológica fundamental, que é o homem mesmo visto
como valor ou fonte espiritual de toda a experiência axiológica.” (Filosofia do Direito, São Paulo: Saraiva,
2002, p. 191).
5
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário, 23. ed., São Paulo: Malheiros, 2007,
p. 433.
126 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Conforme antes exposto, em decorrência do Princípio Federativo, as competên-


cias legislativas foram rigorosamente distribuídas aos entes políticos (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios).
No campo tributário, a competência se verifica pela capacidade da pessoa políti-
ca de criar, em abstrato, tributos, observados, é claro, todo o ordenamento vigente,
assim como seus princípios norteadores.
Assim, uma determinada exação tributária só será válida perante o sistema se e
quando estiver de acordo com os traços desenhados pelo Texto Maior.
Enquanto a competência dispõe sobre a faculdade de se legislar sobre determi-
nada exação tributária, a imunidade, ao revés, determina, também e tão somente em
âmbito constitucional, a incompetência dos entes políticos em relação a determina-
das matérias/situações.
Em outras palavras, ao mesmo tempo em que a Carta Constitucional autoriza
a criação de tributos, ela também a restringe. É a não tributação veiculada por meio
da Constituição.
Não há, portanto, que se confundir com o ato de aplicação da lei ao caso con-
creto, pois a competência/incompetência se verifica previamente, antes, portanto, ao
ato de aplicação da lei e juridicização dos fatos (incidência da norma jurídica).
A grande importância de se identificar uma hipótese de imunidade é a de que
nenhuma lei ordinária – federal, estadual ou municipal – direta ou indiretamente,
sob qualquer pretexto, poderá querer alcançar as pessoas ou bens resguardados da
tributação pelo constituinte.
Assim, a imunidade configura, para o contribuinte, direito líquido e certo, im-
postergável e inafastável, encontrando-se eivada de inconstitucionalidade quaisquer
disposições legais inferiores que procurem burlar a dicção constitucional.
Para a melhor compreensão do alcance e dos desdobramentos do instituto, cabe
ilustrarmos com o lúcido magistério de Souto Maior Borges:

Sistematicamente, através da imunidade resguardam-se princípios, ideias, ou postu-


lados essenciais ao regime político.
Consequentemente, pode-se afirmar que as imunidades representam muito mais
um problema do direito constitucional do que um problema do direito tributário.
Analisada sob o prisma do fim, objetivo ou escopo, a imunidade visa assegurar cer-
tos princípios fundamentais ao regime, a incolumidade de valores éticos e culturais
consagrados pelo ordenamento constitucional positivo e que se pretende manter
livres das interferências ou perturbações da tributação.
Gilberto Frigo Junior 127

A imunidade, diversamente do que ocorre com a isenção, não se caracteriza como


regra excepcional frente ao princípio da generalidade do tributo.
Sob certo aspecto, a índole da imunidade é essencialmente política, o que – como
pondera Amílcar Falcão – impõe ao intérprete fazer os imprescindíveis confrontos e
as necessárias conotações de ordem teleológica, toda vez que, concretamente, tiver
de dedicar-se à sua exegese.6

Estes preciosos ensinamentos revelam a necessidade de examinar-se a questão


com a necessária largueza.
Vale dizer, as normas imunizantes devem ser interpretadas com generosidade,
posto expressarem a vontade do constituinte, explicitamente manifestada, de preser-
var da tributação valores e pessoas de relevante e significativo papel social.
Tal necessidade revela, de outra parte, que, sob a perspectiva das pessoas dotadas
do poder de instituir tributos, as normas imunizantes operam como verdadeiras “re-
gras de incompetência” (Roque Antonio Carrazza, Paulo de Barros Carvalho), no
sentido de delimitarem um campo impenetrável pelo legislador infraconstitucional:
o “campo da incompetência tributária”.
De todo procedentes, pois, as lúcidas considerações de José Wilson Ferreira
Sobrinho:

A norma imunizante não tem apenas a função de delinear a competência tributária,


senão que também outorga ao imune o direito público subjetivo de não sofrer a
ação tributária do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o duplo papel de
fixar a competência tributária e de conferir ao seu destinatário um direito público
subjetivo, razão que permite sua caracterização, no que diz com a outorga de um
direito subjetivo, como norma jurídica atributiva por conferir ao imune o direito
referido.7

Na Constituição Federal de 1988 chegamos às seguintes imunidades tributárias:

1. Imunidade recíproca de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços,


uns dos outros (art. 150, VI, a, da CF/88).
2. Imunidade dos templos de qualquer culto (art. 150, VI, b, da CF/88).
3. Imunidade dos impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços dos parti-
dos políticos, inclusive suas fundações (art. 150, VI, c, da CF/88).
4. Imunidade dos impostos sobre patrimônio, renda, ou serviços das entida-
des sindicais dos trabalhadores (art. 150, VI, c, da CF/88).
6
Souto Maior Borges. Isenções Tributárias. 2. ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, p. 184, 185. (Grifos
do autor).
7
José Wilson Ferreira Sobrinho. Imunidade Tributária. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1996, p. 102.
128 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

5. Imunidade dos impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das insti-


tuições de educação, sem fins lucrativos (art. 150, VI, c, da CF/88).
6. Imunidade dos impostos sobre patrimônio, renda ou serviços das institui-
ções de assistência, sem fins lucrativos (art. 150, VI, c, da CF/88).
7. Imunidade dos impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destina-
do à sua impressão (art. 150, VI, d, da CF/88).
8. Imunidade das autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder
Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados
a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes (art. 150, VI, § 2o, da
CF/88).
9. Imunidade do imposto sobre produtos industrializados destinados ao ex-
terior (art. 153, § 3o, III, da CF/88).
10. Imunidade de pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua fa-
mília, o proprietário que não possua outro imóvel (art. 153, § 4o, CF/88).
11. Imunidade de ouro definido em lei como ativo financeiro ou instrumento
cambial (art. 153, § 5o, e art. 155, X, c, da CF/88).
12. Imunidade do ICMS sobre produtos industrializados ao exterior, excluí-
dos os semielaborados definidos em lei complementar (art. 155, X, a, da
CF/88).
13. Imunidade do ICMS sobre operações que destinem a outros Estados, pe-
tróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele deriva-
dos, e energia elétrica (art. 155, X, b, da CF/88).
14. Imunidade do ICMS sobre o valor do IPI, quando a operação configure
fato gerador dos dois impostos (art. 155, XI, da CF/88).
15. Imunidades na exportação ao exterior de mercadorias e de serviços, por lei
complementar (arts. 155, XI, e 156, § 3o, da CF/88).
16 Imunidade dos impostos, além dos expressamente previstos, sobre opera-
ções relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de
petróleo, combustíveis e minerais do País (art. 155, § 3o, da CF/88).
17. Imunidade do ITBI em relação aos direitos de garantia (art. 156, II, da
CF/88).
18. Imunidade do ITBI na realização de capital de empresas, na transmissão
de bens e direitos na fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoas ju-
rídicas (art. 156, § 2o, I, da CF/88).
19. Imunidade dos impostos federais, estaduais e municipais nas operações
de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária
(art. 184, § 5o, da CF/88).
Gilberto Frigo Junior 129

20. Imunidade das contribuições sociais das entidades beneficentes de assistên-


cia social (art. 195, § 7o, da CF/88).

As considerações precedentes servem como importante e necessário pano de


fundo para que possamos nos deter, com mais cuidado, na apreciação específica dos
preceitos imunizatórios e sua importância na proteção dos direitos e garantias dos
contribuintes.

5 OS DIREITOS E AS GARANTIAS FUNDAMENTAIS

5.1 Conceito e breves considerações históricas

Os direitos fundamentais de um modo geral podem ser classificados/definidos


como aqueles de observância essencial e inerentes à própria natureza humana.
Preleciona Norberto Bobbio que

a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando


lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz
que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não
mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo.8

A tutela dos direitos fundamentais ganhou maior relevo, tanto na esfera inter-
nacional quanto no ordenamento jurídico interno de cada Estado, a partir do final
do século XVIII com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789),
sendo seguida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pela Con-
venção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1968) e contra
a mulher (1979), e pela Convenção sobre os direitos das crianças (1989).
Marcelo Cerqueira, ao comentar sobre a Revolução Francesa, deixa claro o iní-
cio do reconhecimento de alguns direitos, inclusive no tocante à tributação:

No programa de reformas, Luís XVI concorda em que os impostos e os emprésti-


mos sejam fixados pelos Estados Gerais, que poderão votar o orçamento. Concorda
com a igualdade perante o imposto, com as liberdades individuais e de imprensa, e
com a criação, em toda a França, de Estados Provinciais. Permite a reorganização
da justiça e das alfândegas, e a extinção total da servidão (Godechot).9

Alguns tratados, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto


de San José da Costa Rica, 1969), dispõem sobre os direitos básicos dos contribuintes.
8
Norberto Bobbio. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
9
Marcelo Cerqueira. A Constituição na História: Origem e Reforma. Rio de Janeiro: Revan, 1993, p. 127.
130 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Mais recentemente, podemos mencionar a Declaração de Direitos do Contri-


buinte II (Taxpayer Bill of Rights II), aprovada em 30/07/1996, que alterou o Có-
digo de Rendas Internas de 1986 (Internal Revenue Code) para fortalecer a proteção
aos contribuintes dos Estados Unidos.
Na Espanha publicou-se a Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes –
LDGC (no 1/1998, de 26 de fevereiro), que regula os direitos e garantias básicas dos
contribuintes em suas relações com as administrações tributárias e que, segundo sua
Exposição de Motivos, constituiu

um marco de inegável transcendência no processo de reforço do princípio da segu-


rança jurídica característico das sociedades democráticas mais avançadas, permitin-
do, ademais, aprofundar a ideia de equilíbrio das situações jurídicas da Administra-
ção tributária e dos contribuintes, com a finalidade de favorecer a estes o melhor
cumprimento voluntário das obrigações.

Estas são, portanto, em linhas gerais, as ideias sobre os direitos fundamentais.

5.2 Direitos e garantias fundamentais na Constituição de 1988 e as


imunidades tributárias

Na Constituição Federal de 1988 as gerações dos direitos fundamentais estão


previstos expressa (art. 5o e incisos) ou implicitamente (art. 5o, § 2o).
No § 4o, do art. 60, do Texto Maior restaram delimitadas as matérias insusce-
tíveis de reforma pelo legislador ordinário, entre elas estão os Direitos e Garantias
Individuais fundamentais.
As chamadas cláusulas pétreas são insuscetíveis de reforma, pois os direitos lá
previstos são de extrema importância para o desenvolvimento de uma sociedade
igualitária e justa.
Apesar de a Constituição falar em direitos e garantias individuais, tais direi-
tos englobam também aqueles relativos aos contribuintes e a tributação a cargo do
Estado.
Em outras palavras, a fúria arrecadatória do Estado encontra limites. Tais limi-
tes são, em grande parte, veiculados por normas imunizantes, que delimitam a com-
petência em razão da preservação de certos objetivos considerados como de maior
relevância.
Como se vê, os direitos fundamentais englobam também aqueles concernentes
à tributação (Ação estatal de instituição, arrecadação e fiscalização). A tributação,
portanto, deve respeitar os limites colocados pelo próprio sistema. Vale, a propósito,
trazer a colação os esclarecimentos da Professora Regina Helena Costa:
Gilberto Frigo Junior 131

Interessante observar que os direitos fundamentais dão suporte à atividade tribu-


tante do Estado, ao mesmo tempo em que configuram limites intransponíveis a essa
mesma atividade.
(...)
Em outras palavras, se o ordenamento constitucional ampara determinados direi-
tos, não pode, ao mesmo tempo, compactuar com a obstância ao seu exercício, me-
diante uma atividade tributante desvirtuada. A Atividade tributante do Estado deve
conviver harmonicamente com os direitos fundamentais, não podendo conduzir,
indiretamente, à indevida restrição ou inviabilização do seu exercício.

E continua:

Desse modo, as normas imunizantes vêm, exatamente, garantir que, nas situações
e em relação às pessoas que apontam a tributação não amesquinhe o exercício de
direitos constitucionalmente contemplados.
A par dessa missão, as normas imunizantes operam como instrumentos de proteção
de outros direitos fundamentais. Constituem, assim, ao mesmo tempo, direitos e
garantias de outros direitos.10

As imunidades possuem a finalidade precípua de desonerar certas situações/


operações a fim de não inviabilizá-las, tornando sem efeito garantias constitucionais
como a liberdade de expressão e de pensamento e a liberdade de culto, somente para
citar algumas. Caso o Estado tributasse templos de determinado culto, por exemplo,
estaria violando a garantia constitucional da liberdade de consciência e de crença.
No tocante à imunidade prevista no art. 150, VI, a, por exemplo, a Constituição
assegura que o governo não utilizará a tributação como forma de prejudicar direitos
fundamentais, qual seja a garantia da liberdade de expressão, a difusão da cultura e
do conhecimento.
A lição de Misabel Abreu Machado Derzi, a propósito das imunidades dos livros
e periódicos, como um valioso instrumento de realização dos direitos e liberdades
individuais:

A imunidade tributária, constitucionalmente assegurada aos livros, jornais, periódi-


cos e papel destinado à impressão, nada mais é que forma de viabilização de outros
direitos e garantias fundamentais expressos em seu art. 5o, como a livre manifesta-
ção do pensamento, a livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independentemente de censura ou licença (incisos IV e IX),
art. 206, II (a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,
a arte e o saber), art. 220, §§ 1o e 6o (a proibição de embaraço, por lei, à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e

10
Regina Helena Costa. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência. São Paulo: Malheiros, 2006.
132 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

inexistência de licença de autoridade para a publicação do veículo impresso de co-


municação), dentre outros. Mais do que isso, deve ser enfocada como instrumento
imprescindível à realização do Estado Democrático de Direito.11

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn 939-7-DF, reconheceu as


imunidades tributárias previstas no art. 150, c e d da Constituição Federal de 1988,
como direitos fundamentais.12 É parte do voto do Ministro Celso de Mello a respeito:

Essa norma constitucional, derivada do poder de reforma do Congresso Nacional,


acarreta a grave possibilidade de se comprometer, pela ação tributante do Poder
Público, o exercício desses direitos fundamentais, quaisquer que sejam as múltiplas
dimensões em que se proteja e se desenvolve o regime das liberdades públicas.
Devo observar que as disposições contidas na norma ora impugnada transgri-
dem, em desfavor do contribuinte, o complexo dos direitos e garantias de ordem
tributária.
Isto porque a supressão, ainda que temporária, da garantia de imunidade estabele-
cida pela ordem constitucional brasileira em favor dos organismos sindicais, repre-
sentativos das categorias profissionais, dos templos de qualquer culto, dos partidos
políticos, das instituições educacionais ou assistenciais e dos livros, dos jornais, dos
periódicos e do papel destinado à sua impressão (CF, art. 150, VI), compromete,
em última análise, o próprio exercício da liberdade de associação, valores em função
dos quais as prerrogativas de índole tributária foi conferida.

O alcance da expressão “direitos e garantias individuais” para o direito tributário


corporifica “qualquer direito e garantia constitucional outorgada ao contribuinte”,
ou seja, os que integram o capítulo “Das Limitações Constitucionais ao Poder de
Tributar”, além do art. 5o e outros dispositivos que asseguram direitos e garantias,
dispersos por todo o texto constitucional.13
As imunidades tributárias garantem ao contribuinte o direito subjetivo público
de não ser tributado, frente ao dever de abstenção do exercício do poder tributário
pelo Estado Fiscal, para preservar valores, princípios, fundamentos, direitos e garan-
tias fundamentais constitucionalizados, de modo que se tratam de autênticos direitos
fundamentais.
Assim, as imunidades, como direitos fundamentais, integram o núcleo rígido
da Constituição Federal de 1988, são cláusulas pétreas (art.  60, §  4o, IV), o que
11
Cf. Aliomar Baleeiro. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 343.
12
Que declarou a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional no 03 de 1997 e da Lei Complemen-
tar no 77/93, que instituíam a cobrança do imposto provisório sobre a movimentação ou transmissão de valores
e de créditos e direitos de natureza financeira – IPMF às pessoas, objetos e situações previstas no art. 150, VI,
da CF/88. (STF – ADIn 939-7; Rel. Min. Sydney Sanches; DJU 18/03/1994. Disponível em <www.stf.gov.br>.
Acesso em 05/07/2006).
13
Marilene Talarico Martins Rodrigues. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica In: Ives Gandra da
Silva Martins (coord.). Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. p. 220-221.
Gilberto Frigo Junior 133

equivale a dizer que não são passíveis de serem objeto de proposta de Emenda Cons-
titucional tendente a suprimi-las, que as sujeitem à efetiva possibilidade de destruição
ou, ainda, de qualquer alteração que lhes toquem o núcleo fundamental mitigando-
-lhes a sua eficácia, o que, convenhamos, seria o mesmo que extingui-las.
Sacha Calmon Navarro Coêlho entende serem as imunidades tributárias cláusu-
las pétreas:

Os princípios constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de


tributar traduzem as reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais
e do regime federal). São, portanto, cláusulas constitucionais perenes, pétreas, in-
suprimíveis (art. 60, § 4o, da CF).14

Do mesmo modo, José Eduardo Soares de Melo quando afirma que as imuni-
dades tributárias “caracterizam-se como exclusão de competência, constituindo di-
reito e garantia individual”, de tal sorte que estão inseridas “no núcleo irreformável
da Constituição, art. 60, § 4o, IV”, consoante diretriz do STF.15
As imunidades tributárias não podem ser objeto de disposição por parte do
Constituinte derivado; isso ocorre tendo em vista que estes valores supremos da so-
ciedade neles refletidos foram alcançados a um nível tal de proteção, que nem mes-
mo as maiorias eventuais representadas no Parlamento lhes podem alterar no sentido
de restringir-lhes o sentido.
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn no 939-7, que
declarou a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional no 03 de 1997 e
da Lei Complementar no 77/1993, que dispuseram sobre o imposto provisório so-
bre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza fi-
nanceira nos princípios da anterioridade e da imunidade do art. 150 da Constituição
Federal, considerando-o cláusulas pétreas.16
Entendeu o Excelso Pretório que o princípio da anterioridade ligado ao poder
de tributar (art. 150, III, b), embora fora do catálogo dos direitos fundamentais pro-
priamente ditos, ou seja, do rol do art. 5o da Constituição, consubstancia um direito
fundamental do contribuinte. A seguir julgou pela inconstitucionalidade tributária
recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a ins-
tituição sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é garantia da
Federação (art. 60, § 4o, inciso I e art. 150, VI, a, da CF).
14
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: Ives Gandra da Silva
Martins (coord.). Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, p. 219.
15
José Eduardo Soares de Melo. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: Ives Gandra da Silva
Martins (coord.). Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, op. cit., p. 187.
16
STF – ADIn 939-7; Rel. Min. Sydney Sanches; DJU 18/03/1994.
134 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

No que respeita às imunidades do art. 150, VI, b, c e d, da Constituição Federal,


o Supremo Tribunal Federal também se pronunciou no sentido de se enquadrarem
como “direitos e garantias fundamentais”.
Dentre os votos proferidos na ADIn no 939-7-DF, por sua pertinência com o
tema ora tratado, destaca-se o voto do Ministro Ilmar Galvão:

Acrescento, agora, o entendimento de que a emenda constitucional em foco afron-


tou, ainda, as cláusulas pétreas, asseguradoras do pacto federativo e dos direitos e
garantias individuais, ao afastar, em relação ao imposto por ela instituído, a aplica-
ção do art. 150, VI, instituidor de imunidade tributária em favor das pessoas elen-
cadas em suas alíneas, entre as quais os entes que compõem a federação.

Como se vê, todas as imunidades inseridas no texto constitucional se relacionam


com os direitos e garantias fundamentais ou com o princípio federativo ao ponto de
integrarem o núcleo rígido da Constituição Federal.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término destas breves considerações, podemos formular as seguintes conclusões:

I. Imunidade é regra negativa de competência tributária constitucionalmente


instituída.

II. Por não se caracterizarem como excepcionais frente ao princípio da generalidade


dos tributos, as normas que instituem imunidades devem ser interpretadas com ge-
nerosidade (Geraldo Ataliba).17

III. Os direitos fundamentais englobam também aqueles concernentes à tributação


(Ação estatal de instituição, arrecadação e fiscalização).

IV. As imunidades possuem a finalidade precípua de desonerar certas situações/ope-


rações a fim de não inviabilizá-las, tornando sem efeito garantias constitucionais.

V. As imunidades, como direitos fundamentais, integram o núcleo rígido da Cons-


tituição Federal de 1988, são cláusulas pétreas (art. 60, § 4o, IV), o que equivale a
dizer que não são passíveis de serem objeto de proposta de Emenda Constitucional
tendente a suprimi-las.
17
Geraldo Ataliba. Imunidade de Instituições de Educação e Assistência. Revista de Direito Tributário. v. 55,
p. 139.
Gilberto Frigo Junior 135

7 REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. Imunidade de Instituições de Educação e Assistência. Revista de Direito Tri-
butário, v. 55.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1975.
_______. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1970.
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constitucionais ao poder de tributar. São Paulo: Dialética, 1999.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 17. ed., revista, ampliada e atualizada.
São Paulo: Saraiva, 1996.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Carlos Nelson Coutinho (trad.). Rio de Janeiro: Campus,
1992.
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_______. Lições de Direito Público. São Paulo: Dialética, 2009.
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CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23. ed., São Paulo:
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CERQUEIRA, Marcelo. A Constituição na História: origem e reforma. Rio de Janeiro: Revan,
1993.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In:
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REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17. ed., São Paulo: Saraiva, 1996.
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SOBRINHO, José Wilson Ferreira. Imunidade Tributária. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
Editor, 1996.
Critérios gerais da imunidade
aplicada no conceito de
instituição de educação
e de assistência social

ISABELA BONFÁ DE JESUS


1. Introdução. 2. Da competência tributária. 3. Imunidade como norma
jurídica constitucional. 4. Da conceituação de instituição de educação
e de assistência social. 5. Requisitos legais para fruição da imunidade.
6. Do disposto na legislação complementar. 7. Do disposto na legislação
ordinária. 8. Considerações finais. 9. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A imunidade das entidades de assistência social é um tema que provoca muito


debate na doutrina, em que pese os Tribunais Superiores não alimentarem tão aca-
lorada discussão.
As entidades de assistência social garantiram o privilégio da imunidade em razão
da previsão normativa contida no art. 150, VI, c, da Constituição Federal de 1988.
De acordo com a melhor doutrina, as exigências presentes na legislação ordiná-
ria para que uma entidade de assistência social tenha direito às imunidades tributá-
rias previstas na Constituição Federal são inconstitucionais, pois cabe somente à Lei
Complementar a sua disciplina.
138 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

O estudo que propomos no presente trabalho visa demonstrar que as maiores


influências no contexto jurídico estão focadas sobre qual a espécie de lei que pode
inserir requisitos para se configurar a imunidade tributária de tais entidades.

2 DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A competência tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos, por meio


de lei. A norma jurídica geral traça, in abstrato, o tributo que só irá incorrer, in con-
creto, a partir da subsunção. Ou seja, o fato imponível ocorrido deve ser o espelho da
hipótese de incidência, devendo refletir exatamente o previsto na norma.

A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, por possuírem Legislativo,


receberam da Constituição Federal de 1988 competência legislativa tributária para
instituir tributos.

É importante frisar que a nossa Constituição não cria tributos, mas discrimina de
maneira detalhada a norma padrão de incidência.
Segundo o entendimento dos Professores Roque Antonio Carrazza e Paulo de
Barros Carvalho o tributo só se verifica se o ente político tributante exercer, efetiva-
mente, sua competência tributária atribuída pela Constituição Federal, com a edição
da lei ordinária.
Por sua vez o Professor Souto Maior Borges defende a ideia de que a criação do
tributo opera-se na própria Constituição, já que parte da premissa de que toda nor-
ma jurídica encontra seu fundamento último de validade nas normas constitucionais.
Relembrando a lição de Amílcar de Araújo Falcão, a atribuição de competência
tributária apresenta dois sentidos:

1. o positivo que importa em reconhecer a uma determinada unidade federa-


da a competência para esta criar um dado tributo; e
2. o efeito negativo ou inibitório, em privar a outras pessoas políticas, de se
valerem de competência conferida a determinado ente político tributante.

Nesse sentido, seguindo os ensinamentos de Roque Antonio Carrazza, em sua


obra A Imunidade Tributária das Fundações de Direito Privado, Sem Fins Lucrati-
vos, temos que a Constituição é para as pessoas políticas uma Carta de Competências
Tributárias, que indica o que elas podem, o que não podem e o que devem fazer,
enquanto tratam de tributos. Ademais, o tema da competência tributária, em nosso
Isabela Bonfá de Jesus 139

ordenamento, é exclusivamente constitucional, ao passo que foi esgotado de maneira


minuciosa pelo legislador constituinte.1
Ao prescrever com minudência a competência tributária das pessoas políticas
houve por bem o legislador constituinte estabelecer um sistema rígido quanto à ins-
tituição de tributos, de tal sorte que deixou uma restrita margem de liberdade para
a atuação do legislador ordinário, que deverá seguir as diretrizes previstas na Lei
Magna.
Continuando na esteira dos ensinamentos de Roque Antonio Carrazza,2 asseve-
ra o professor que:

De fato, a Carta Magna traçou a regra-matriz (a norma padrão de incidência, o ar-


quétipo) de cada exação, apontando, direta ou indiretamente, a hipótese de incidên-
cia possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível
e a alíquota possível das várias espécies e subespécies tributárias. Logo, o legislador,
ao exercitar a competência tributária de sua pessoa política, deverá ser fiel, em tudo
e por tudo, à regra-matriz constitucional do tributo com o qual está se ocupando.

3 IMUNIDADE COMO NORMA JURÍDICA CONSTITUCIONAL

A imunidade tributária é sempre veiculada por norma constitucional. Em termos


mais simples, as imunidades tributárias são normas constitucionais, com sentido ne-
gativo, que delimitam competência tributária das pessoas estatais.
Com efeito, a Constituição Federal, em observância a princípios e garantias
constitucionais, estabeleceu normas imunitórias, que dotadas de expressiva carga
axiológica, apresentam verdadeira vocação em limitar o poder de tributar.3
Vê-se, portanto, que as imunidades tributárias orbitam em torno de valores con-
sagrados pelo constituinte, e que, de certa forma, alicerçam o interesse público de
nossa sociedade.
A Professora Regina Helena Costa4 definiu imunidade tributária como:

a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa im-


peditiva da atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente,
de um ou mais princípios constitucionais, que confere direito público subjetivo a
certas pessoas, nos termos por ela delimitados, de não se sujeitarem à tributação.
(Grifos do autor)

1
Roque Antonio Carrazza. A Imunidade Tributária das Fundações de Direito Privado, sem Fins Lucrativos. Bra-
sília: Rosseto, 2006, p. 13.
2
Idem, ibidem, p. 13.
3
Eduardo Sabbag. Manual de Direito Tributário. 2.ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 277.
4
Regina Helena Costa. Imunidades Tributárias. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 52.
140 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Nesse sentido, vejamos o que dispõe o art. 150, VI, c, da Constituição Federal no
que se refere à imunidade das instituições de educação e assistência social, in verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir imposto sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
(Grifos do autor)

Mais adiante, no art. 195, § 7o, prevê o Texto Constitucional que:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
§ 7o São isentas5 de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
(Grifos do autor)

Como é possível constatar, os referidos dispositivos conferem imunidade às ins-


tituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, em relação aos im-
postos e contribuições que incidam sobre o patrimônio, a renda e os serviços, desde
que estas atendam os requisitos fixados em lei.
No caso específico das instituições de assistência social, o elemento teleológico
que sustenta sua imunidade encontra guarida na prestação de um serviço público,
que atende diversos direitos sociais e auxilia o Estado.
Em face disto, para saber se uma dada pessoa jurídica está ou não albergada por
tal imunidade, é necessário identificar se ela se enquadra ou não no conceito de ins-
tituição de educação ou de assistência social, que é a causa para que seja imune, bem
como se atende aos requisitos previstos em lei, que são as condições para a fruição
da imunidade.
5
Resta evidente que o disposto no art. 195, § 7o, do Texto Constitucional trata de imunidade e não de isenção.
A esse respeito, asseverou Leandro Paulsen: “Como norma constitucional que proíbe a tributação, para o cus-
teio da seguridade social, das entidades beneficentes, cuida-se de imunidade e não, propriamente, de isenção.
A imunidade condiciona o exercício da tributação, enquanto a simples isenção é benefício fiscal concedido pelo
legislador e que pode ser revogado. A imunidade ora em questão não está à disposição do legislador, que não
pode afastá-la.” (Leandro Paulsen. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da
Jurisprudência. 10. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 560.)
Isabela Bonfá de Jesus 141

Antes de qualquer coisa, é necessário esclarecer que o uso de expressões distin-


tas para identificar o beneficiário das normas imunitórias, a saber, “instituições de as-
sistência social sem fins lucrativos”, no art. 150, VI, c, e “entidades beneficentes de
assistência social”, no art. 195, § 7o, não se justifica.
Ambas as expressões de que se socorreu o legislador são equivalentes e abran-
gem a todas as pessoas jurídicas que exercem atividades no âmbito da assistência
social. Dar outra interpretação que não esta, seria atentatório ao princípio da igual-
dade, além de contrariar o interesse público.
Nesse sentido, Leandro Paulsen, compilando as lições6 de Sacha Calmon Navarro
Coêlho e de James Marins, assim concluiu:

É apenas aparente a suposta dicotomia entre instituição (art.  150) e entidade


(art. 195) que, a rigor, não encontra amparo sólido no nosso ordenamento jurí-
dico. Aliás, muito se tem debatido sobre a natureza jurídica da locução instituição
usada na Constituição Federal. No mais das vezes, têm-se mostrado infrutíferas as
tentativas da Fazenda Pública em restringir as espécies de pessoas jurídicas abrangi-
das pela alcunha de instituição... A esta tentativa opôs-se a autorizada crítica de Sa-
cha Calmon Navarro Coêlho: “A palavra instituição não tem nada a ver com tipos
específicos de entes jurídicos, à luz de considerações estritamente formais. É preciso
saber distinguir, quando a distinção é fundamental e não distinguir quando tal se
apresente desnecessário. Instituição é palavra desprovida de conceito jurídico-fiscal.
Inútil procurá-la aqui e alhures, no direito de outros povos. É um functor opera-
cional. O que a caracteriza é a função e os fins que exercem e buscam, secundária a
forma jurídica de sua organização, que tanto pode ser fundação, associação, etc. O
destaque deve ser a função e os fins”.7

Isto posto passemos à análise do conceito de instituição de educação e de assis-


tência social.

4 DA CONCEITUAÇÃO DE INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO E DE


ASSISTÊNCIA SOCIAL

Assim como considerável parcela da doutrina, acreditamos que o conceito de


instituição de educação e de assistência social tratado no dispositivo que confere tal
imunidade deve ser encontrado no próprio ordenamento jurídico.
6
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005,
p. 309; James Marins. Fundações Privadas e Imunidade Tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, São
Paulo, jan. 1998, p. 20, 30.
7
Leandro Paulsen. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência.
10. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 254.
142 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Destarte, no que tange às entidades de assistência social, cumpre-nos observar o


que dispõe a Constituição Federal em seu art. 203:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemen-
te da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manuten-
ção ou de tê-la provida por sua família.

Com efeito, tendo em vista tal dispositivo a Lei no 8.742/1993 (Lei Orgânica
da Assistência Social), após reproduzir em seu art. 2o as mesmas disposições, definiu
entidades de assistência social nos seguintes termos:

Art. 3o Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas que pres-


tam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangi-
dos por esta lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos.
(Grifos do autor)

Nessa esteira, nos valeremos da lição de Miguel Horvath Júnior, para quem a
assistência social é:

(...) direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não con-
tributiva que prevê os mínimos sociais. É realizada através de um conjunto inte-
grado de ações de iniciativa pública e da sociedade para garantir o atendimento às
necessidades básicas.
Os sujeitos protegidos são todos aqueles que não têm renda para fazer frente a sua
própria subsistência, nem família que os ampare, ou seja, “pobres”, na acepção
jurídica do termo.8

Diante do exposto é possível concluir que entidade de assistência social é a que


atua sem fins lucrativos atendendo à população em geral na busca dos objetivos cons-
tantes do citado art. 203 da Constituição Federal.
Importante frisar que a referida Lei não obriga ao atendimento da totalidade da
população (o que seria inclusive absurdo) e tampouco impede que sejam cobrados
8
Miguel Horvath Junior. Direito Previdenciário. 7. ed., São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 116 e 117.
Isabela Bonfá de Jesus 143

valores de associados ou não associados, desde que se destinem à manutenção de


seus objetivos sociais.
Exemplificativamente, pois, é possível enquadrar como entidades de assistência,
conquanto observadas as características acima, as seguintes instituições:

t "TJMPT
t $SFDIFT
t 0SGBOBUPT
t )PTQJUBJTFNBUFSOJEBEFTCFOFGJDFOUFT
t &OUJEBEFTEFBQPJPBPEFTFNQSFHBEP
t &OUJEBEFTCFOFGJDFOUFTFNHFSBMRVFCVTRVFNBUJOHJSBMHVNEPTPCKFUJWPT
destacados no art. 203 da Constituição Federal.

Os serviços prestados por tais instituições devem estar diretamente relacionados


com seus objetivos, apontados nos respectivos estatutos ou atos constitutivos, segun-
do o art. 150, § 4o, da Constituição Federal vigente e mantido esse entendimento
por nossos Tribunais, a saber:

Embargos à Execução. ISS. Associação Hospital Osvaldo Cruz. Estacionamento


em Área do Prédio da Embargante. Imunidade Tributária. Descabimento. Coisa
Julgada. Inocorrência. A imunidade tributária conferida à Fundação Hospital Os-
valdo Cruz compreende tão somente os serviços relacionados com as finalidades
essenciais da instituição, não alcançando atividades desenvolvidas com intuito de
lucro, como no caso da exploração de estacionamento de veículos, que se caracte-
riza como prestação de serviço, sujeita à incidência do ISS. “In casu”, não restou
configurada a coisa julgada, porquanto a sentença garantiu isenção e não imunida-
de, institutos jurídicos de características próprias. Recurso a que se nega provimen-
to, sem discrepância. STJ – REsp. 41.002-9/SP; Rel. Min. Demócrito Reinaldo;
Primeira Turma; j. 16/11/1995; DJU 13/11/1995, Seção I, p. 38641, ementa).

Já quanto ao conceito de entidades de educação acreditamos estar intrin-


secamente atrelado ao que dispõe a legislação específica, que dita regras sobre
a organização do sistema de ensino nacional.
Neste sentido temos o art. 7o da Lei no 9.394/1996, que trata da atividade de
ensino, nos seguintes termos:

Art. 7o O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:


I – cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de
ensino;
II – autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;
144 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

III – capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Consti-


tuição Federal.

Como se vê, nesta perspectiva, para ser enquadrada como entidade de educação,
além da obrigatoriedade de ser autorizada e avaliada pelo poder público, a instituição
deve cumprir as normas gerais de educação e ter capacidade de autofinanciamento.
Assim sendo, o Professor Roque Antonio Carrazza entende que as instituições
de educação privadas, que cobram mensalidades, são albergadas pela imunidade, já
que cumprem, satisfatoriamente, um importante direito subjetivo do cidadão, o de
ter acesso à educação.
E em obra de sua autoria, a Professora Elizabeth Nazar Carrazza assevera que a
intenção do legislador constituinte, utilizando a palavra “instituições” é a de imuni-
zar as entidades formadas com o objetivo de servir à coletividade, colaborando com
o Estado ao suprir suas deficiências, no setor educacional. Se, apenas para argumen-
tar, as entidades particulares não gozassem de imunidade, pela só circunstância de
não serem gratuitos os seus serviços, jamais este sentido da norma constitucional
poderia ser alcançado.
Dessa forma, a cobrança de mensalidades não inibe a ação da imunidade, pois se
fosse requisito ao gozo da mesma, o conteúdo do art. 150, VI, c restaria esvaziado
no que pertine às instituições educacionais.
As escolas públicas (gratuitas, por força do art. 206, IV, da Constituição Federal
de 1988), por prestarem serviço público, estariam alcançadas pela alínea a, que de-
clara imunes a impostos os serviços prestados por pessoas políticas.
Superada a análise das características para configuração como uma entidade de
educação ou de assistência social, vejamos os requisitos estabelecidos em lei para a
fruição da imunidade ora analisada.

5 REQUISITOS LEGAIS PARA FRUIÇÃO DA IMUNIDADE

Conforme observamos na Seção 1 – Introdução, a Constituição Federal, ao ins-


tituir a imunidade, confere à lei a faculdade de estabelecer requisitos para sua fruição.
Mas quais seriam estes requisitos e em que lei estão previstos?
Em nosso entendimento e conforme manifestações doutrinárias e jurispruden-
ciais, embora a Constituição não mencione expressamente, a lei a que ela se refere
não é qualquer lei, mas sim uma lei complementar.
Isto porque, nos termos do art. 146, II, da mesma Constituição, só uma lei desta
espécie caberia dispor a respeito das limitações ao poder de tributar: “Art. 146. Cabe
à lei complementar: ... II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.”
Isabela Bonfá de Jesus 145

Ademais, um estudo sistemático da Constituição Federal nos impõe a mesma


conclusão, estando ambos os dispositivos inseridos no Capítulo I “Do Sistema Tri-
butário Nacional”, do Título VI “Da Tributação e do Orçamento”. O art. 146, II
está inserido na Seção I, denominada “Dos Princípios Gerais; adiante, na Seção II,
“Das Limitações ao Poder de Tributar” está o art. 150, VI, c; portanto, tem-se que
a vedação para se instituir impostos é uma limitação ao poder de tributar, a qual em
artigos principiológicos anteriores já definiu que a sua regulamentação será por meio
de Lei Complementar, art. 146, II. Dessa forma, é, a nosso ver, notório que a única
lei que pode trazer requisitos, ou seja, regular a limitação do poder de tributar é a
Lei Complementar.
Alegar o contrário é exigir que a Constituição Federal seja um amontoado de
artigos que não respeitam um sistema técnico-jurídico.
Vejamos, pois, quais são os requisitos previstos em Lei Complementar.

6 DO DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR


A Lei no 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN), recepcionada com
o status de Lei Complementar pela Constituição é, a nosso ver, o diploma legal que
contempla, em seu art. 14, os referidos requisitos, in verbis:

Art. 14. (...)


I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de
lucro ou participação no seu resultado;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objeti-
vos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formali-
dades capazes de assegurar sua exatidão.

A princípio, pois, estes e somente estes são os requisitos que entendemos devem
ser observados.
Nesse sentido, o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho estipula que:

As pessoas políticas não podem instituir outros requisitos além dos previstos na lei
complementar da Constituição, que a todos obriga. Tampouco depende o gozo
de imunidade de requerimento ou petição. O imune, enquadrando-se na previsão
constitucional, observados os requisitos, tem, desde logo, direito. Não pagará im-
posto, desnecessária autorização, licença ou alvará do ente político cujo exercício
da competência está vedado.9

No entanto, as limitações não pararam por aí.


9
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 268.
146 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

7 DO DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA

Com efeito, a legislação ordinária fixou outros requisitos que restringem ainda
mais a fruição do benefício da imunidade. São aqueles previstos no art. 12 da Lei
no 9.532/1997, a saber:

t RVFPTTFSWJÎPTTFKBNDPMPDBEPTËEJTQPTJÎÍPEBQPQVMBÎÍPFNHFSBM
t BOÍPSFNVOFSBÎÍPEPTEJSJHFOUFT TBMWPOPDBTPEF04$*1 0SHBOJ[BÎÜFT
da Sociedade Civil de Interesse Público) e OS (Organizações Sociais);
t BDPOTFSWBÎÍPEPTEPDVNFOUPTRVFDPNQSPWFNPSJHFNEBTSFDFJUBTFEFT-
pesas e de quaisquer operações que venham a modificar a situação patri-
monial por cinco anos;
t BQSFTFOUBÎÍPEBEFDMBSBÎÍPEFSFOEJNFOUPTDPOGPSNFPEFUFSNJOBEPQFMB
Receita Federal do Brasil;
t PSFDPMIJNFOUPEPTUSJCVUPTSFUJEPTTPCSFPTSFOEJNFOUPTQBHPTPVDSF-
ditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados,
bem como cumprir as obrigações acessórias decorrentes;
t BTTFHVSBSBEFTUJOBÎÍPEFTFVQBUSJNÙOJPBPVUSBJOTUJUVJÎÍPRVFBUFOEBËT
condições para gozo da imunidade;
t PVUSPTSFRVJTJUPT FTUBCFMFDJEPTFNMFJFTQFDÓGJDB SFMBDJPOBEPTDPNPGVO-
cionamento da entidade;
t BEFTUJOBÎÍPEFFWFOUVBMTVQFSÈWJU à manutenção e desenvolvimento dos
objetivos sociais; e
t OÍPQBHBNFOUPFNGBWPSEFBDJPOJTUBT EJSJHFOUFT TØDJPTPVBTTPDJBEPTùEF
quaisquer despesas consideradas indedutíveis na determinação da base
de cálculo do IRPJ ou da CSLL.

No nosso entender as condições citadas (impostas pela Lei no  9.532/1997 e


que extrapolam o disposto no art. 14 do CTN) são inconstitucionais, por terem sido
estabelecidas em lei ordinária e não pelo veículo normativo correto, qual seja, a lei
complementar.
O Professor Celso Ribeiro Bastos, referindo-se ao art. 150, VI, c, da Constitui-
ção Federal, assevera:

No caso do art. 14 do Código Tributário Nacional, estamos diante de uma lei


complementar lato sensu, uma vez que é de incumbência precípua da lei comple-
mentar estabelecer os requisitos de qualificação das limitações ao poder de tributar
dispostas no art.  146, II, da Constituição Federal. Ainda que a Carta de 1988
não tenha dito isso de maneira expressa, cumpre frisar que é da própria essência
da lei complementar tributária a qualificação de requisitos à imunidade tributária.
Isabela Bonfá de Jesus 147

No mais, acrescenta-se que a compreensão sistemática do capítulo dedicado pela


Carta Maior ao sistema tributário acaba por exigir que a lei de que trata o refe-
rido art. 150, VI, c, seja lei complementar. É preciso verificar que a imunidade
tributária abarca uma grande espécie de tributos, cujas competências pertinem
a diferentes entes federativos; consequentemente, a necessidade de uma norma
nacional, uniforme e geral que se aplique à União, aos Estados e aos Municípios
torna-se imprescindível, o que, no âmbito tributário, também é de competência
de lei complementar.10

E não é somente a doutrina que questiona o disposto na Lei no 9.532/1997,


a legislação ordinária que versa sobre o tema das imunidades tributárias está sendo
contestada no judiciário, existindo, inclusive, Ações Diretas de Inconstitucionalidade
em que há liminares suspendendo a eficácia de alguns dispositivos ordinários.
Porém, não é possível afirmar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores está
sedimentada no sentido de se exigir, somente, Lei Complementar para estabelecer os
requisitos das imunidades tributárias.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado, por não ter condições de atender a toda a sociedade, se vale de pes-
soas jurídicas de direito privado, que o auxiliarão a realizar as suas atividades. Essas
pessoas são as instituições de assistência social sem fins lucrativos, as quais, por re-
alizarem atividades próprias do Estado e de relevante interesse social, foram eleitas
como beneficiárias da exoneração tributária.
O art. 150, VI, c, da Constituição Federal estabelece que são imunes à tributação
por meio de impostos o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições
de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
A lei a que faz referência este artigo é a lei complementar, em virtude de ter de
regular imunidades tributárias, que são limitações constitucionais ao poder de tribu-
tar. Esta lei só deve cuidar dos aspectos formais, de forma a assegurar a eficácia das
imunidades.
Tem se aplicado o art. 14 do Código Tributário Nacional, que faz as vezes de lei
complementar, e que apesar de ser uma lei ordinária de 1966, foi recepcionada pela
Carta Maior de 1988 com status de lei complementar, pois trata de normas gerais de
direito tributário.
10
Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 6. ed., São Paulo: Saraiva, 1998,
p. 249.
148 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Assim sendo, as instituições educacionais ou assistenciais só podem gozar de


imunidade a impostos se:

I. Não tiverem fins lucrativos. A remuneração dos funcionários e dirigentes deve


ser justa e em conformidade com os valores pagos em mercado, isto não inibe a
imunidade.

II. Aplicarem todos os seus recursos no País, vedando categoricamente a remessa de


lucros ao exterior.

III. Escriturarem suas receitas em livros próprios, pois este é um dever instrumental
tributário, sob pena de não poder desfrutar da imunidade.

Importante ressaltar que lei ordinária da pessoa política tributante não pode
criar outros requisitos, que não os da lei complementar, muito menos regulamento,
portaria, parecer normativo etc.
Assim sendo, é flagrantemente inconstitucional o art. 12 da Lei no 9.532/1997,
ao estabelecer outros requisitos aos quais as instituições de educação ou de assistên-
cia social devem se reportar para a manutenção da imunidade.

9 REFERÊNCIAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 6. ed., São Paulo:
Saraiva, 1998.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed., São Paulo: Noeses, 2007.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2008.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional tributário. 24. ed., São Paulo:
Malheiros, 2008.
___________ . A Imunidade Tributária das Fundações de Direito Privado, sem Fins Lucrativos.
Brasília: Rosseto, 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 3. ed., São Paulo: Max Limonad,
1998.
___________ . Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 5. ed., São Paulo: Saraiva,
2007.
___________ . Direito Tributário Linguagem e Método. 2. ed., São Paulo: Noeses, 2008.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2005.
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e análise da jurisprudência do STF.
2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
Isabela Bonfá de Jesus 149

JARDIM, Eduardo Maciel Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 9. ed., São Paulo:
Saraiva, 2008.
JUNIOR, Miguel Horvath, Direito Previdenciário. 7. ed., São Paulo: Quartier Latin, 2008.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
MARINS, James. Fundações Privadas e Imunidade Tributária. Revista Dialética de Direito Tribu-
tário, São Paulo, jan. 1998.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1994.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e
da Jurisprudência. 10. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
SABBAG. Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
A possível imunidade tributária
das instituições fechadas de
previdência complementar

1. Introdução. 2. Breve introdução sobre o conceito de imunidade tribu-


tária. 3. A imunidade tributária como instrumento de princípio consti-
tucional. 4. Dos critérios para fruição da imunidade tributária destinada
às entidades de assistência social. 4.1. Dos requisitos presentes na Cons-
tituição Federal. 4.1.1. Da extensão do termo finalidades essenciais no

LEONARDO VANNI
art. 150 da Constituição Federal. 4.1.2. Da ausência de finalidade lu-
crativa. 4.2. Do papel da norma complementar. 5. Da imunidade tribu-
tária das entidades de previdência privada. 5.1. Da equiparação legal
das entidades de previdência privada como instituições de assistência
social. 5.2. Da generalidade como requisito para a caracterização como
instituição de assistência social. 5.3. Do requisito da gratuidade. 6. Dos
argumentos conceituais – da diferença entre assistência social e previ-
dência. 7. Considerações finais. 8. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Diante da inépcia do Estado em promover finalidades básicas de previdência so-


cial, tais como proteção à velhice e possíveis incapacidades laborais, surgiu no Brasil,
assim como em diversos países do mundo, programas de previdência paralela, criadas
pela iniciativa privada, como forma de suprir as deficiências estatais, e promover a re-
muneração indireta de seus funcionários ou associados.
152 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

No Brasil, o registro da primeira entidade a oferecer planos previdenciários des-


tinados especificamente à determinada categoria funcional data de 1904, antes mes-
mo da criação da Previdência Oficial.1
Contudo, o crescimento efetivo do sistema só se deu há cerca de 30 anos, a par-
tir da criação de diversas entidades fechadas de previdência privada, estimuladas pela
edição da Lei Federal no 6.435 de 1977, antigo diploma regulador da previdência
complementar.
Algumas destas instituições figuram hoje entre os maiores investidores do país,
mantendo participações em diversas empresas, gerenciando patrimônios que exorbi-
tam os bilhões de reais.
Dado contexto econômico e social onde se inserem as instituições de previdên-
cia privada, mister investigar quanto à possível imunidade tributária destas entidades.
Ao passo que estamos tratando de uma instituição que desempenha papel social
ativo e necessário, muito em função das lacunas deixadas pela seguridade social, esta-
mos também diante de grandes potências econômicas, fortes investidores que com-
petem indiretamente em diversos mercados.
Em sendo assim, o presente trabalho tem a intenção de tornar claros os argu-
mentos trazidos na discussão acerca da imunidade tributária pertinente às entidades
fechadas de previdência complementar, sem, contudo, conseguir esgotá-los, dada a
multiplicidade de aspectos que são pertinentes à questão.

2 BREVE INTRODUÇÃO SOBRE O CONCEITO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

O presente trabalho busca discorrer a respeito da imunidade tributária prevista


na alínea c, inciso IV, do art. 150 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), desti-
nado às entidades de assistência social:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
(...)

1
Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil S.A. – Previ.
Leonardo Vanni 153

§ 4o As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o


patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das enti-
dades nelas mencionadas.
(Grifos do autor)

Especificamente, busca compreender a respeito da configuração das entidades


fechadas de previdência, como instituições de assistência social, detentoras do bene-
fício da imunidade tributária, conforme o art. 150 citado.
Dessa maneira, se faz conveniente repisarmos, de forma breve, alguns conceitos
úteis ao estudo da matéria das imunidades, para num segundo momento aplicá-los
ao caso das instituições privadas de previdência complementar.
Comecemos pela definição de José Souto Maior Borges,2 a respeito das imuni-
dades em geral:

(...) é a imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar. Mais preci-


samente ainda: a eficácia específica do preceito imunitório consiste em delimitar
a competência tributária aos entes públicos. Porquanto consiste numa limitação
constitucional, a imunidade é uma vedação, uma inibição para o exercício da com-
petência tributária. A imunidade é um princípio constitucional de exclusão da com-
petência.

O instituto da imunidade tributária insere-se em nível constitucional, mesmo


patamar onde se inserem as normas que atribuem competência tributária aos entes
da Federação.
O conceito de competência tributária, por sua vez, consiste na faculdade que
o ente político tem de criar tributos, nos estritos termos que define a Constituição.
Também em nível constitucional, e auxiliado a delimitar a abrangência da capa-
cidade do ente político de instituir tributos, surge a figura das imunidades tributárias.
Estas, por sua vez, são normas negativas, que estabelecem limites à norma positiva,
aquela que outorga competência tributária.
Assim, ao mesmo tempo, desempenhando a função de “desenhar” a competên-
cia tributária, convivem duas figuras normativas distintas, a primeira positiva, que
possibilita a criação do tributo, e a segunda, norma negativa, que impede que ocorra
a criação de tributo.
Em sendo assim, o instituto da imunidade tributária consiste no impedimento
constitucional à instituição de tributos sobre determinadas pessoas e/ou situações,
restringindo as dimensões do âmbito de competência tributária da União, dos Esta-
dos, do Distrito Federal e dos Municípios.
2
José Souto Maior Borges. Isenções Tributárias. 2. ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1980.
154 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Sobre este ponto, de forma muita clara trata o ilustre Professor Roque Antonio
Carrazza:3 “De qualquer modo, as normas constitucionais que veiculam imunidades
contribuem para traçar o perfil das competências tributárias. A imunidade opera,
pois, no plano da definição da competência tributária”. (Grifos do autor)
Assentado o papel constitucional das normas imunizantes, passemos a analisar
quanto ao aspecto teleológico destas normas.

3 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO DE PRINCÍPIO


CONSTITUCIONAL

Figuras constitucionais, as imunidades tributárias visam garantir a eficácia de


princípios prestigiados por nossa Carta Magna, tais como: a liberdade de expressão,
o direito de acesso à cultura, a liberdade de culto, a dignidade da pessoa humana etc.
Importante destacarmos a opinião de Regina Helena Costa4 a respeito do assunto:

São, sim, as imunidades, aplicações ou manifestações de um princípio, que pode-


mos batizar de princípio da não obstância do exercício de direitos fundamentais por
via da tributação.
Esse princípio, que se encontra implícito no texto constitucional, é extraído das
normas que afirmam que os diversos direitos e liberdades nele contemplados de-
vem conviver harmonicamente com a atividade tributante do Estado.
Em outras palavras, se a Lei Maior assegura o exercício de determinados direitos, que
qualifica como fundamentais, não pode tolerar que a tributação, também constitu-
cionalmente qualificada, seja desempenhada em desapreço a esses mesmos direitos.

Desta forma, a norma imunizante busca conferir eficácia a valores constitucio-


nais, de maneira que os casos concretos de sua incidência devem ser interpretados
levando-se em consideração o princípio constitucional que a fornece subsídio.
No que diz respeito ao objeto deste trabalho – a imunidade destinada às insti-
tuições de assistência social –, este consiste em concretização do direito fundamental
da dignidade da pessoa humana, nos termos do inciso III, art. 1o da CF/88,5 esti-
mulando a sociedade civil a desempenhar funções em benefício dos necessitados, em
relação aos quais o Estado tem o dever constitucional de assistência.
3
Roque A. Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2008.
4
Regina Helena Costa. Imunidades Tributárias. São Paulo: Malheiros, 2001.
5
“Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Dis-
trito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da
pessoa humana;”
Leonardo Vanni 155

Em assim sendo, quando a sociedade de forma organizada atua em posição que


é do Estado, perquirindo em prol da dignidade da pessoa humana, deve esta ser re-
compensada, não cabendo a imposição tributária por meio de impostos.

4 DOS CRITÉRIOS PARA FRUIÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA


DESTINADA ÀS ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Contudo, o texto constitucional traz também consigo indicações que sinalizam


limites aos destinatários da imunidade tributária, quais sejam, os requisitos que de-
vem ser preenchidos pelas instituições dedicadas à assistência social, para que sejam,
então, consideradas imunes.
Estes limites estão dispostos na própria Carta Magna, bem como no Código Tri-
butário Nacional em seu art. 14.
Desta maneira, passemos a analisar os requisitos sob comento, à luz da jurispru-
dência, a fim de compreendermos o alcance destes dispositivos, de forma a aplicá-los
ao caso das entidades fechadas dedicadas à previdência complementar.

4.1 Dos requisitos presentes na Constituição Federal

4.1.1 Da extensão do termo finalidades essenciais no art. 150 da


Constituição Federal

Conforme dispõe o § 4o do art. 150 da CF/88, a imunidade em tela se estende-


rá de forma que atenda às finalidades essenciais da instituição de assistência social.
Cumpre destacar que a redação sob comento traz limite ao instituto da imuni-
dade, limite este que carece de definição, uma vez que não há qualificação do que
sejam as “finalidades essenciais” das instituições imunes.
Exatamente neste ponto se coloca a mais polêmica das questões envolvendo a
matéria de imunidades tributárias, qual seja, a extensão do benefício, levando em
consideração as diversas fontes de custeio das entidades de assistência social.
Ao restringir o benefício da imunidade às finalidades essenciais da instituição
de assistência social, temos a impressão que o legislador constitucional buscou apenas
afastar a tributação daquilo absolutamente necessário às atividades destas entidades.
Dessa forma, seriam apenas desoneradas as atividades remuneradas da instituição
privada de assistência social, ou seja, a eventual contraprestação pelos serviços presta-
dos, permanecendo sob o regime normal de tributação as demais receitas, tais como
aluguéis, receitas financeiras etc.
156 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Contudo, embora coerente com a redação do dispositivo, este entendimento


não parece contemplar seu papel constitucional. Considerar que somente as ativi-
dades próprias de assistência social serão desoneradas da tributação é extremamente
restritivo, e acaba por não beneficiar a instituição exatamente naquilo que é mais im-
portante, a sua fonte de subsistência.
Conforme já referimos, é importante termos em mente, mais uma vez, os prin-
cípios constitucionais que a norma imunizante busca procedimentalizar.
Ora, uma vez que a imunidade busca incentivar a sociedade a organizar-se no
sentido de promover a assistência social, preservando o princípio da dignidade da
pessoa humana, o mero benefício em torno da contraprestação pelos serviços de
assistência social não se faz suficientemente eficaz, para de fato atingir a finalidade
constitucional presente.
A imunidade surge buscando equiparar em condições o particular e o Estado,
quando os primeiros desempenhem funções no lugar do segundo. Dessa forma, há
que se imaginar que estes particulares buscarão formas de financiamento, antes de
iniciada qualquer atividade dedicada à assistência social.
Cumpre destacar que o Estado ao desempenhar as mesmas atividades se vale de
receitas tributárias, bem como da imunidade recíproca. Desta forma, o ente privado
deverá ter imunizadas também suas fontes de receita, as quais não devem ficar restri-
tas à contraprestação pelos serviços prestados, já que este entendimento acabaria por
ceifar a possibilidade de desenvolvimento destas instituições.
Felizmente, este tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF)
em relação a esta matéria, conforme se depreende da Súmula no 724: “ainda quando
alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das
entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da constituição, desde que o valor dos aluguéis
seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”
Depreende-se da redação da Súmula no 724, que a interpretação dada pelo STF
ao termo “finalidades essenciais” vai ao encontro da intenção do legislador consti-
tucional, visto que, somente assim, teremos inserida no sistema uma norma capaz
de procedimentalizar ação que vise, de fato, resguardar o princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana.

4.1.2 Da ausência de finalidade lucrativa

Nos termos da própria alínea c, inciso VI, do art. 150 da CF/88, temos que é
pressuposto para a fruição da imunidade tributária que a instituição não tenha fina-
lidade lucrativa, que conforme já visto, não pode se confundir com ausência de re-
sultados positivos.
Leonardo Vanni 157

Neste ponto, resta claro que o inciso I, do art. 14, do Código Tributário Na-
cional (CTN) vem para complementar a norma constitucional, qualificando como
“distribuição de lucros” a “finalidade lucrativa” referida na Carta Superior. Assim,
entende-se que a ausência de finalidade lucrativa, pressuposto constitucional da
norma imunizante, somente existe quando não houver a distribuição de resultados.
Em relação à norma do CTN que vincula a impossibilidade de distribuição de
lucros por parte das instituições imunes, dispõe Clélio Chiesa:6

Essa é uma regra que não inova efetivamente a ordem jurídica, haja vista que ela está
implicitamente contida no próprio comando constitucional, à medida que estabelece
que somente estejam albergadas pela imunidade as entidades sem fins lucrativos e,
para que determinada entidade se caracterize como tal, não pode haver a distribuição
de lucros ou participação no seu resultado, caso contrário, deixará de ser sem fins
lucrativos, transmutando sua natureza para entidade com fins lucrativos.

Deve-se atentar ao fato de que as instituições de assistência social não têm ca-
pacidade contributiva, de forma que não podem estas ser compelidas a contribuir.
Importante fazer alusão a este aspecto neste momento, de forma a compreender a
questão da extensão desta imunidade.
Para gozarem da imunidade tributária aqui analisada as instituições de assistência
social podem ter capacidade econômica, e é imprescindível que a tenham para que
possam desenvolver suas atividades. Já a capacidade contributiva, esta decorre da ca-
pacidade econômica, mas não deve ser confundida.
Exatamente, a Constituição reconhece a capacidade econômica destas entidades,
e por isso mesmo traz a norma de imunidade, de forma a resguardar determinadas
pessoas, para que estas possam atingir suas finalidades, as quais se confundem com
as finalidades do Estado.
Importante destacar que a desconsideração da capacidade contributiva de deter-
minados sujeitos, conferindo-lhes o direito público subjetivo à não tributação, somente
é legítima enquanto faça valer valores também preservados pela Constituição Federal.

4.2 Do papel da norma complementar

Conforme indicado no texto constitucional, a instituição de assistência social


poderá gozar da imunidade tributária, desde que atendidos os requisitos da lei.
Cumprindo este papel, o art. 14 do Código Tributário Nacional traz em seu
conteúdo os requisitos que restringem a eficácia da norma imunizante:
6
Clélio Chiesa. Imunidade e Normas Gerais de Direito Tributário. In: Eurico Marcos Diniz de Santi (coord.).
Curso de Especialização em Direito Tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho.
Rio de Janeiro: Forense, 2006.
158 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9o é subordinado à observância dos


seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qual-
quer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objeti-
vos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formali-
dades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1o Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1o do art. 9o, a autori-
dade competente pode suspender a aplicação do benefício.
§ 2o Os serviços a que se refere à alínea c do inciso IV do art. 9o são exclusivamente,
os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata
este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

Analisando o art. 14 supra, este em seu inciso I apenas qualifica o dispositivo


constitucional que prevê a ausência de finalidade lucrativa, de forma que esta se veri-
fica pela não distribuição de lucros, como vimos no item anterior.
Da mesma forma, o § 2o dispõe que somente serão desonerados os serviços que
se relacionarem com os objetivos institucionais, disposição esta que também é en-
contrada em nível constitucional, por meio da locução “finalidades essenciais” inse-
rida no art. 150, o qual já foi ventilado no “item 4.1.1” do presente trabalho.
Em sendo assim, o art. 14 traz como novos requisitos (i) que a instituição imune
apenas aplique seus recurso dentro do território nacional, e (ii) que mantenha escri-
turação de suas receitas e despesas de forma que possibilite sua verificação.
No que diz respeito à manutenção dos recursos da entidade imune em território
nacional, temos que o sentido da norma vai ao encontro do espírito constitucional
das imunidades. No caso, o Estado renuncia de receitas públicas em prol do benefí-
cio que esta entidade deve proporcionar à sociedade, de forma que é esperado que
esta renúncia se reverta em favor da coletividade que o Estado representa.
Em relação à necessidade de escrituração adequada de suas receitas e despesas,
estamos diante de dever instrumental privilegiado pelo legislador infraconstitucio-
nal, visto que a partir deste instrumento será possível a verificação quanto aos demais
requisitos.
Por meio da escrituração contábil adequada, a administração tributária poderá
fiscalizar quanto à manutenção dos recursos no país, a ausência de distribuição de
lucros e o reinvestimento de eventual superávit na promoção das atividades da ins-
tituição, o que se faz de mister importância, visto que a norma imunizante importa
em renúncia de receitas públicas.
Leonardo Vanni 159

5 DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA


PRIVADA

Até aqui, nos debruçamos quanto aos requisitos genéricos para que uma en-
tidade de assistência social seja considerada imune, sendo que cabe neste segundo
momento passarmos à parte específica do presente estudo, qual seja, a imunidade
tributária das instituições de previdência privada.
Comecemos pelo que dispõe a atual Constituição Federal a respeito destas entidades:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de


forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo,
baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado
por lei complementar. (Nova redação dada pela EC no 20, de 1998).

Conforme se depreende da redação ao art. 202, a previdência privada será regu-


lada por lei complementar. Ainda sob a Carta Maior de 1969, na década de 1970,
houve a primeira regulamentação das instituições privadas de previdência, por meio
da Lei no 6.435 de 1977, que no ano de 2001 foi revogada pela Lei Complementar
no 109 de 2001 (LC no 109/2001).
De acordo com a LC no 109/2001, as instituições de previdência privada são
classificadas em duas espécies, quais sejam:

a) Entidades Fechadas de Previdência Complementar: de acordo com o


art. 317 da LC no 109/2001, são aquelas criadas sem finalidade lucrati-
va, no âmbito de empresas ou associações, e organizadas sob a forma de
sociedades civis ou fundações.
b) Entidades Abertas de Previdência Complementar: de acordo com o art. 368
da LC no 109/2001, são aquelas criadas como sociedades anônimas, de
fins lucrativos, cujos planos são destinados ao público em geral, com ca-
racterísticas individualistas.
7
“Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fis-
calizador, exclusivamente:
I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e
II – aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denomi-
nadas instituidores.
§ 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.”
8
“Art. 36. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e têm por
objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário, concedidos em forma de renda conti-
nuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas.
Parágrafo único. As sociedades seguradoras autorizadas a operar exclusivamente no ramo vida poderão ser
autorizadas a operar os planos de benefícios a que se refere o caput, a elas se aplicando as disposições desta
Lei Complementar.”
160 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Dessa forma, constata-se que se diferenciam as entidades abertas de previdência


das fechadas pela forma de organização societária, e principalmente, pela ausência de
finalidade lucrativa das entidades fechadas.
Pelos argumentos trazidos nos tópicos anteriores, o presente estudo busca inves-
tigar em relação à imunidade tributária das entidades fechadas de previdência com-
plementar, aquelas que não visam à finalidade lucrativa.
Em relação às entidades abertas de previdência complementar, não há que se fa-
lar em imunidade tributária, uma vez que estas têm finalidade lucrativa, o que é veda-
do às instituições imunes por disposição da alínea c, inciso IV, do art. 150 da CF/88,
anteriormente destacado.
Como já podemos destacar, à luz do que vimos no tópico anterior, constatamos
que as entidades fechadas de previdência complementar, por definição, contemplam
requisito de instituição assistencial imune, pois não visam à finalidade lucrativa.

5.1 Da equiparação legal das entidades de previdência privada como


instituições de assistência social

Conforme já referido, a primeira regulamentação sobre as atividades de previ-


dência privada se deu por meio da Lei no 6.435 de 1977, a qual no § 3o do art. 39
trazia de forma expressa a equiparação das entidades fechadas de previdência privada
à condição de instituição de assistência social, para fins de imunidade:

Art. 39. As entidades fechadas terão como finalidade básica a execução e operação
de planos de benefícios para os quais tenham autorização específica, segundo normas
gerais e técnicas aprovadas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e As-
sistência Social.
(...)
§ 3o As entidades fechadas são consideradas instituições de assistência social, para os
efeitos da letra c do item II do artigo 19 da Constituição. (Revogado pelo Decreto-Lei
no 2.065, de 1983).

Salientando o que dispõe o § 3o, notamos que o legislador teve o cuidado de


inserir dispositivo específico para contemplar as instituições fechadas de previdência
privada dentre aquelas detentoras do benefício da imunidade tributária, presente no
art. 19 da Constituição Federal de 1969.9
9
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...)
III – instituir imposto sobre: (...) c) o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de institui-
ções de educação ou de assistência social, observados os requisitos da lei.”
Leonardo Vanni 161

Posteriormente, no ano de 1983, o Decreto-Lei no 2.065 revogou o parágrafo


sob exame, sendo que a exposição de motivos que acompanhou o referido Decreto-
-Lei dispôs da seguinte forma:

28. O artigo 6o do Projeto estabelece que as entidades fechadas de previdência


privada e as demais entidades da mesma natureza, sem fins lucrativos, não estão
sujeitas ao imposto de renda, aplicável às pessoas jurídicas. Por outro lado, os §§ 1o
e 2o do mesmo artigo determinam que a isenção não se aplica ao imposto incidente
na fonte sobre dividendos, juros e outros rendimentos de capital percebidos pelas
referidas entidades e que este imposto será devido exclusivamente na fonte, não
podendo ser objeto de restituição. Em conformidade com o disposto nos §§ 1o e
2o do artigo 6o, o § 3o revoga a isenção concedida às entidades fechadas de previ-
dência privada.

Constata-se da exposição de motivos que é retirada a equiparação das institui-


ções de previdência privada, a qual as reconhecia como entidades imunes e, ao mes-
mo tempo, é estabelecida isenção do imposto de renda, de forma a compensar a
perda dessas instituições.
Em relação a esta mudança, não encontramos na exposição de motivos qualquer
fundamentação mais aprofundada, o que seria coerente dada a magnitude desta al-
teração legislativa.
Ainda sobre o dispositivo em tela, vale transcrever a ementa de acórdão profe-
rido pelo extinto Tribunal Federal de Recursos, na Arguição de Inconstitucionali-
dade da Apelação Cível no  101.394-PR, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão, em
30/06/1988:

Tributário. Entidades privadas de previdência social fechada. Instituicões com-


plementares do sistema oficial de Previdência e Assistência Social (Art. 35 da Lei
no 6.435/77). Inconstitucionalidade dos parágrafos 1 e 2 do artigo 6 do Decreto-
-Lei no 2.065/83 que consideram sujeitos aos Impostos de Renda os rendimentos
de capital auferidos pelos entes da espécie. A assistência social hodiernamente
não se resume à caridade pública, podendo também realizar-se por meio da
previdência, que corresponde à assistência preventiva, destinada aos impossi-
bilitados de continuarem trabalhando e à família dos que sucumbem. As enti-
dades em tela, por isso, são beneficiárias da imunidade prevista no artigo 19,
III, “c” da Constituição Federal, regulamentado pelo artigo 9, IV, “c”, c/c o
artigo 4 do CTN, que não condiciona o beneficiário à gratuidade dos serviços
prestados, nem exige que sejam acessíveis a todas as pessoas indistintamente
(RE no 70.834-RS, RE no 89.012-SP, RE no 108.796-SP e RE no 115.970-RS).
Arguição procedente.
(Grifos do autor)
162 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Neste sentido, filiamo-nos ao entendimento acima exposto, no qual o Ministro


Ilmar Galvão expressamente reconhece o caráter assistencial das entidades fechadas,
dedicadas à previdência privada, compreendendo que estas se dedicam à ação assis-
tencial preventiva, contrariando expressamente a revogação operada por meio do
Decreto-Lei no 2065/1983, que revogou a imunidade em relação às entidades de
previdência privada.
No entanto, embora as normas em tela tenham sido revogadas, compreendemos
que a própria interpretação constitucional permite que estas instituições sejam imu-
nes à imposição tributária, conforme veremos adiante.

5.2 Da generalidade como requisito para a caracterização como


instituição de assistência social

Questão que divide opiniões é a necessidade da generalidade das atividades de-


senvolvidas pelas instituições de assistência social, ou seja, que o serviço assistencial
promovido pela instituição seja de acesso irrestrito.
Como argumento daqueles que defendem esta posição está o fato de que o Es-
tado, que é quem tem o dever, e desempenha usualmente as atividades de assistência
social, quando se dedica a estas atividades, o faz de forma geral, buscando atender
todos os cidadãos.
Não poderia ser diferente, uma vez que a norma de imunidade aqui estudada
busca procedimentalizar direitos fundamentais do indivíduo, os quais não podem ser
restringidos a determinada parcela da população, nos termos do que define o caput
do art. 203 da CF/88: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela neces-
sitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos (...)”.
Em relação ao reconhecimento da generalidade como um requisito para a frui-
ção da imunidade tributária, o STF já alterou seu entendimento algumas vezes, sen-
do coerente lembrar-se do Recurso Extraordinário (RE) 52.461-GB, de 1968, no
qual prevaleceu o entendimento de que o Clube Naval do Estado da Guanabara não
se qualificava como entidade de assistência social. Isso porque, a entidade restringia
sua atuação aos seus associados.
Com entendimento diametralmente oposto, importante destacar o RE 70.834-
RS-GB, do qual ressaltamos alguns trechos do voto do Ministro Adalício Nogueira,
relator, onde resta clara a posição de que o caráter assistencial deve ser observado por
meio dos objetivos sociais da entidade:

A recorrente é uma Fundação, de caráter assistencial e visa ao amparo e ao benefício


dos que a compõem, consoante se verifica das normas estatutárias que a regem (...).
Leonardo Vanni 163

Os dispositivos apontados não podem abranger as instituições de assistência social, as


fundações de caráter da recorrente, visto que não as caracteriza como sucede àquelas,
a habitualidade das transações com o fito de lucro e especulações comerciais (...).

Este entendimento foi ratificado pelo STF em diversas outras oportunidades10


ao longo dos anos, de forma que a generalidade dos serviços prestados como requi-
sito para fruição da imunidade tributária era questão superada.
Assim, para que a entidade de assistência social seja imunizada não é necessário
que atenda a toda a coletividade, ou seja, estenda seus serviços à sociedade em geral,
sendo que estabelecido o âmbito de atuação da instituição, esta deverá atender a toda
esta parcela de coletividade, quais sejam, os filiados à entidade imune.
Este posicionamento fica claro através do RE 116.631-RS, o que se verifica da
ementa abaixo:

Instituição de assistência social. A finalidade pública da entidade e a generalidade de


sua atuação não se acham comprometidas pelo fato de se destinarem ao universo
de beneficiários constituídos por todos quantos são ou venham a ser empregados
de uma empresa ou da própria fundação.

No ano 2000, no julgamento do RE 202.700-DF, envolvendo exatamente a


imunidade tributária de entidade fechada de previdência complementar, entendeu-se
que a concessão de benefícios aos filiados mediante recolhimento das contribuições
prejudica a qualificação da entidade como instituição de assistência social, pois au-
sente a generalidade das prestações.
Assim dispõe a ementa do RE 202.700-DF:

Ementa: Recurso Extraordinário. Constitucional. Previdência Privada. Imunidade


Tributária. Inexistência. 1. Entidade fechada de previdência privada. Concessão de
benefícios aos filiados mediante recolhimento das contribuições pactuadas. Imu-
nidade tributária. Inexistência, dada a ausência das características de universa-
lidade e generalidade da prestação, próprias dos órgãos de assistência social.
2. As instituições de assistência social, que trazem ínsito em suas finalidades a ob-
servância ao princípio da universalidade, da generalidade e concede benefícios a
toda coletividade, independentemente de contraprestação, não se confundem e
não podem ser comparadas com as entidades fechadas de previdência privada que,
em decorrência da relação contratual firmada, apenas contemplam uma categoria
específica, ficando o gozo dos benefícios previstos em seu estatuto social depen-
dente do recolhimento das contribuições avençadas, conditio sine qua non para a
respectiva integração no sistema. Recurso extraordinário conhecido e provido.
(Grifos do autor).

10
RE 89.012-SP; RE 108.796-SP; RE 115.970-RS.
164 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Desta forma, a generalidade retorna como requisito para que uma entidade seja
considerada de assistência social, desta vez não em função da restrição operada pelo
fato de que a entidade somente atende aos seus associados, mas sim porque atua me-
diante cobrança de pagamentos.
Em relação ao RE 202.700-DF, do qual o Ministro Maurício Corrêa foi o rela-
tor, a generalidade não atua como um requisito para a fruição da imunidade tribu-
tária, mas sim coloca-se em momento anterior, uma vez que compreende que esta é
característica inerente do que se compreende como assistência social.
A respeito do art. 203 da CF/88, por ocasião do julgamento do acórdão em re-
ferência, dispôs o Ministro Maurício Corrêa (relator):

(...) inferindo-se desse conjunto normativo que a assistência social estará dirigida a
toda coletividade, não se restringindo aos que podem contribuir. (...)
Parece-me, nesta linha de raciocínio, que as instituições assistenciais não podem
ser confundidas ou comparadas com as entidades fechadas de previdência privada
de gênese contratual, uma vez que somente conferem benefícios aos seus filiados
desde que esses recolham as contribuições pactuadas.

Confirmando este entendimento, após ter sido julgado o RE 202-700-6 pelo


Pleno do Superior Tribunal Federal, foi editada a Súmula no  730, que define em
relação à imunidade tributária das entidades de previdência privada: “A imunidade
tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150,
VI, ‘c’, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social
privada se não houver contribuição dos beneficiários”.
Note-se que por ocasião da edição da Súmula, foi destacada a gratuidade dos
serviços como elemento caracterizador da assistencialidade, não havendo menção ao
termo “generalidade”, o que nos parece coerente, já que conforme vimos, esta não
tem o condão de macular o caráter assistencial.
Neste sentido, importante verificarmos como a gratuidade das instituições de
assistência social é vista pelo STF.

5.3 Do requisito da gratuidade

Conforme demonstrou a Súmula no 730 do STF, a gratuidade dos serviços pres-


tados é interpretada pelo Tribunal como requisito para a fruição de imunidade tribu-
tária, no caso das instituições fechadas de previdência complementar.
Contudo, este não é entendimento unívoco da Colenda Corte, quando obser-
vadas as demais decisões acerca da matéria.
Ainda em 1966, no julgamento do RE 58.691-SP, a Primeira Turma do STF de-
cidiu que a gratuidade não é requisito para a fruição da imunidade tributária, tendo
Leonardo Vanni 165

compreendido, naquela ocasião, que não seria necessário que a sociedade de objetivo
educacional ministrasse o ensino de forma gratuita.
Analisando o posicionamento do STF através dos anos, a respeito da imunidade
tributária das instituições fechadas de previdência, temos que a gratuidade foi majo-
ritariamente considerada como requisito para a fruição desta imunidade.
Já em 1978, no julgamento do RE 89.012-SP, prevaleceu entendimento que
afasta a generalidade como requisito para a fruição da imunidade, mas que reconhece
como necessária a gratuidade dos serviços:

Imunidade tributária. Art. 19, III, c, da Emenda Constitucional no 1/69. É ins-


tituição de assistência social entidade mantida por empresas para prestar, gratuita-
mente, serviços de assistência a diretores, empregados e dependentes destas, uma
vez que, além de preencherem os requisitos do art. 14 do CTN, auxiliam o Estado
na prestação de assistência social aos que necessitam dela, embora em área circuns-
crita. Recurso extraordinário não conhecido.

Desta forma, embora para as demais atividades imunes a gratuidade não seja um
requisito a ser preenchido, este entendimento diverge no que diz respeito às institui-
ções dedicadas à previdência privada. No caso das últimas, ao receberem contribui-
ção de seus associados, acabam por perder sua natureza assistencial.
Esta interpretação fica clara pela ementa do acórdão proferido no RE 108.120-
SP, relatado pelo Ministro Sydney Sanches:

Imunidade tributária (ISS). Instituição de assistência social. Art. 19, III, c, da CF.
C/C Arts. 9, IV, c, e 14, III, do Código Tributário Nacional. Não basta, para esse
efeito, que a entidade preencha os requisitos do art. 14 e seus incisos do CNT; é
preciso, além disso, e em primeiro lugar, que se trate, de instituição de assistência
social. Hipótese não caracterizada, pois a recorrente, conforme os estatutos,
só presta serviços de assistência onerosa a seus associados, mediante contra-
prestação mensal, como entidade de previdência privada ou de auxílio mútuo,
sem realizar atendimento de caráter estritamente social, como o de assistência
gratuita a pessoas carentes.
(Grifos do autor).

Este entendimento foi ratificado pelo STF em diversas oportunidades ao longo


dos anos,11 de acordo com diversas composições da Excelsa Corte, vindo a ser con-
firmado na já destacada Súmula no 730.
Ao receber contribuição de seus associados, estaria estabelecido o caráter contra-
tual da relação o que, no entendimento do Pretório Excelso, acabaria por macular o
caráter de assistência social destas instituições em específico.
11
RE 108.796-SP (1986); RE 108.120 (1988) e RE 136.332-RJ (1992).
166 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Data maxima venia aos entendimentos da Suprema Corte citados, temos que a
imposição do requisito da gratuidade não é atenta à realidade, uma vez que estamos
comparando em condições iguais, Estado e entidade privada dedicada à assistência
social, o que não parece ser razoável.
O Estado, na manutenção da seguridade social, lança mão das contribuições
sociais, nos termos do art. 195 da Constituição Federal, sendo que a gratuidade do
serviço somente é possível em função de orçamento tributário, devidamente previsto
na Constituição.
Neste cenário comparativo, a atividade promovida pela iniciativa privada carece,
pelo menos, de previsão orçamentária, devendo, assim, buscar por si fontes de recur-
sos para o patrocínio de suas atividades.
Deve-se lembrar que é exatamente a não gratuidade que viabiliza a existência das
entidades de assistência social como instituições autônomas. Caso assim não fosse,
estas instituições estariam à mercê de contribuições privadas e públicas, o que muito
provavelmente dificultaria seu desenvolvimento.
Como já tratamos, nem a CF/88, tampouco o CTN prestigiaram como requisi-
to que a instituição privada de assistência social desenvolva suas atividades de forma
gratuita, mas somente que seu propósito não fosse o lucro.
Importante neste ponto trazer à tona a norma contida no § 7o do art. 195 da
CF/88, o qual imuniza as entidades de assistência social, em relação às contribuições
sociais, conforme segue:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(…)
§ 7o São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

Pela leitura do dispositivo, temos que o legislador constitucional trouxe, no caso


da imunidade das entidades de assistência social, em relação às contribuições sociais,
mais um requisito, qual seja a beneficência.
A inserção do termo “beneficente” na redação do citado artigo traz à tona mais
um pressuposto para a fruição da imunidade, qual seja, a gratuidade, pelo menos em
parte, dos serviços prestados pela instituição de assistência social.
Neste mesmo sentido explana Regina Helena Costa:

A gratuidade dos serviços prestados é, portanto, elemento caracterizador da be-


neficência. E, se assim é, a gratuidade dos serviços não é exigência para a fruição
Leonardo Vanni 167

da imunidade do art. 150, VI, “c”, pelas instituições de assistência social sem fins
lucrativos.

Desta forma, contrariu sensu, uma vez que a questão da gratuidade vem expres-
samente disposta no caso da imunidade pertinente às contribuições sociais, no caso
da imunidade dos impostos, inexiste este requisito.
Caso fosse a intenção do legislador constitucional impor tal requisito no caso das
imunidades dos impostos, tê-lo-ia inserido de forma expressa, como faz o art. 195
da CF/88.
Contudo, no caso das instituições de previdência complementar a gratuidade é
requisito, nos termos da já referida Súmula no 730 do STF, traduzindo-se no fato de
que estas entidades não poderão contar com contribuições dos associados.
Todavia, para que o cidadão participe da Previdência Oficial, este deverá ter pre-
viamente contribuído por diversos anos, somente podendo beneficiar-se dos benefí-
cios da previdência, após cumprido tempo preestabelecido de contribuição.
Dado que a previdência oferecida pelo Estado depende da contribuição daqueles
que buscam dela necessitar na velhice ou em caso fortuito, incompreensível imaginar
que a iniciativa privada tenha que lançar mão de uma forma completamente diferente
de organização para poder se dedicar a esta atividade.
Conforme já visto, a norma imunizante tem o papel de equalizar em condições
as iniciativas públicas e privadas que tenham como objetivo o bem-estar social. Nes-
te sentir, resta claro que a decisão do STF, pela gratuidade como requisito da imu-
nidade tributária das instituições fechadas de previdência complementar, vai contra
a natureza constitucional deste instituto, não devendo permanecer como requisito.

6 DOS ARGUMENTOS CONCEITUAIS – DA DIFERENÇA ENTRE


ASSISTÊNCIA SOCIAL E PREVIDÊNCIA

Pelo que se viu até aqui, o argumento daqueles que compreendem como indevi-
da a imunidade tributária das instituições fechadas de previdência privada se dá pela
desqualificação destas como instituições de assistência social.
Neste sentido, sob a vigência da Constituição de Federal de 1988, outro argu-
mento foi trazido à discussão, que diz respeito à distinção que a Carta de 1988 faz
entre assistência e previdência social.
Este argumento encontra seu arcabouço ideológico na redação do art. 194 da
CF/88: “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relati-
vos à saúde, à previdência e à assistência social”.
168 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Desta forma, o legislador constitucional haveria definido a seguridade social de


acordo com um “tripé”, constituído pela: (i) previdência social; (ii) assistência social;
e, (iii) saúde.
Ou seja, a Constituição haveria definido que a previdência não é ramo da assis-
tência social, mas sim que ambas são “pernas” da seguridade social.
Sob este entendimento, uma vez que a norma imunizante sob comento apenas
contempla as instituições de assistência social, não haveria que se falar em imunidade
das entidades dedicadas à previdência, ramo distinto da seguridade social.
Neste sentido, ressalto o entendimento manifestado pelo Ministro Carlos
Velloso, no julgamento do já citado RE no 202.700-DF:

Na verdade, sob o pálio da CF/88, penso que não há mais que discutir, dado que,
conforme foi dito, o art. 150, IV, c, estabelece a imunidade para as instituições de
assistência social. E a mesma Constituição estabelece a distinção entre previdência
e assistência social (...)

Ainda em relação à primeira regulamentação das entidades de previdência pri-


vada, Lei no 6.435/1977, o art. 34 reconhecia as entidades fechadas de previdência
privada como complementares do sistema oficial de previdência e assistência social.12
Tendo em vista o que dispõe o art. 194 da CF/88, cumpre analisar se a distinção
feita pela atual Constituição, entre a saúde, assistência e previdência social, classifi-
cando-os como partes integrantes da Seguridade Social, foi feita com mero intuito
delimitatório ou revela uma tentativa de sistematizar e organizar de forma autônoma
essas três funções estatais.
Buscando-se na esfera infraconstitucional os conceitos de assistência social e pre-
vidência, ambos presentes na Lei no 8.212/1991, a impressão que temos não é a
mesma dada por aqueles que compreendem que o art. 194 teria trazido uma distin-
ção conceitual completa entre previdência e assistência social.
De acordo com o art. 4o da referida Lei, é considerada assistência social a “po-
lítica social que provê atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à
família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de
deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade Social”.
A previdência, por sua vez, teria por fim “assegurar aos seus beneficiários meios
indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de
serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de
quem dependiam economicamente”, conforme o art. 3o.
12
“Art. 34. As entidades fechadas consideram-se complementares do sistema oficial de previdência e assistên-
cia social, enquadrando-se suas atividades na área de competência do Ministério da Previdência e Assistência
Social.”
Leonardo Vanni 169

Destes conceitos legais, temos que a assistência seria um direito do cidadão,


garantido independentemente de contribuição, enquanto a previdência seria um
instrumento através do qual se cumpriria alguns dos objetivos assistenciais, neste se-
gundo caso, através de contribuição.
Em sendo assim, temos que os conceitos de assistência social e previdência são
próximos e se confundem, o que dificulta o trabalho do intérprete de visualizar a dis-
tinção proposta pelo art. 194, restando como critério diferenciador destes conceitos
a contributividade, característica própria da atividade de previdência.
Contudo, embora fique repisado que o elemento diferenciador é exatamente a
contributividade, esta distinção não prospera ao analisarmos o que dispunha a reda-
ção original do § 1o do art. 149 da CF/88: “§ 1o Os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em
benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social”. (parágrafo renumerado
pela Emenda Constitucional no 33, de 2001)
No caso da redação original do § 1o do art. 149, a assistência social ganha outro
contorno, sendo esta proporcionada mediante pagamento, perdendo, neste caso, seu
elemento diferenciador, qual seja, a gratuidade.
Dessa forma, temos que o legislador constitucional originário não teve a inten-
ção de demarcar com a força ora proposta o conceito de assistência social, de forma
que somente poderiam vir a ser consideradas instituições assistenciais aquelas que
não cobrassem qualquer prestação por seus serviços.
Cumpre estabelecer o que vem a ser uma instituição de assistência social nos ter-
mos da atual Carta Magna, o que se propõe ser feito a partir do conceito de assistên-
cia social, presente no art. 203:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemen-


te de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de defi-
ciência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Assim, são instituições de assistência social aquelas que desempenham suas fun-
ções de acordo com algum dos objetivos previstos no art. 203, restando claro que as
atividades dedicadas à previdência enquadram-se nos objetivos acima descritos, no
170 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

que diz respeito à proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e


à velhice.
Em função da clara hipossuficiência existente entre Estado e particular, enten-
demos que a gratuidade não deve ser reconhecida como requisito para a fruição da
imunidade, visto que o desenvolvimento gratuito de atividades de assistência social é
obrigação do Estado, o qual detém receitas tributárias que suportam esta gratuidade,
mas não do particular.
Neste diapasão, temos que a Constituição Federal não empregou o termo assis-
tência social em sentido único e fechado, de forma que é perfeitamente cabível inter-
pretar o art. 150, inciso VI, alínea c de acordo com os princípios constitucionais que
subsidiam o instituto da imunidade tributária, de forma a contemplar as entidades
dedicadas à previdência complementar.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme visto, a norma imunizante deve ser tratada como instrumento utiliza-
do pelo legislador constitucional para procedimentalizar valores presentes na Cons-
tituição, escolhidos pelo Estado para serem preservados.
Nos termos acima expostos, foram trazidos à tona os principais argumentos ati-
nentes à discussão acerca da imunidade tributária das entidades fechadas dedicadas à
previdência complementar, buscando compreender quanto à possível configuração
destas entidades na condição de instituições de assistência social.
Desta forma, analisados os requisitos para a fruição da imunidade, tanto em
nível constitucional quanto em nível infraconstitucional, não encontramos qual-
quer óbice à incidência da norma imunizante sobre as instituições de previdência
complementar.
Por sua vez, os objetivos das entidades privadas dedicadas à previdência se iden-
tificam com os parâmetros estabelecidos para a assistência social, nos termos do
art. 203 da CF/88, o que deflagra a natureza assistencial das referidas instituições
privadas.
Neste sentido, dado o papel social desempenhado por estas instituições, as quais
somente surgem e se desenvolvem a partir de uma clara deficiência do Estado, en-
tendemos que não é coerente negligenciar o caráter assistencial destas entidades,
negando-lhes o direito de serem preservadas da imposição tributária.
Mais importante do que se ater a argumentos dados à mera interpretação literal
da Constituição, devemos interpretar a norma de imunidade de acordo com seu fun-
damento, observando o aspecto teleológico deste instituto.
Leonardo Vanni 171

8 REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., São Paulo: Malheiros Editores.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 5. ed., São Paulo: Forense,
1977.
BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de direito tributário. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1991.
BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. 2. ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1980.
CALMON, Sacha. Direito tributário brasileiro. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 15. ed., São Paulo:
Melhoramentos, 2000.
CHIESA, Clélio. Imunidade e Normas Gerais de Direito Tributário. In: Eurico Marcos Diniz de
Santi (coord.). Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em Homenagem
a Paulo de Barros Carvalho.
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. São Paulo: Malheiros, 2001.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13. ed., São Paulo: Malheiros, 1998.
Interpretação sistemática
da imunidade tributária de
livro estendida aos leitores
digitais do tipo kindle

MARCIO CESAR COSTA


1. Introdução. 2. Objetivos e organização do estudo. 3. Imunidade tri-
butária (gênero). 4. Imunidade tributária de livros (espécie). 5. E-Rea-
ders – Kindle. 6. Posicionamento do Judiciário quanto à equiparação
do suporte físico para efeito de imunidade. 7. Considerações finais.
8. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O direito deve se coadunar com a evolução da sociedade e com a dinâmica dos


fatos que ocorrem no mundo fenomênico, sob pena de a justiça não florescer. A me-
lhor forma de aplicação do direito se configura como aquela que decorre da inter-
pretação sistemática das normas jurídicas e que leva em conta o contexto no qual os
fenômenos se desencadeiam.
O direito positivo é o conjunto de normas instituídas pelo poder competente a
fim de regular os comportamentos intersubjetivos em sociedade. Portanto, trata-se
de algo construído pelo homem, em certo tempo e em determinado espaço. Nessa
perspectiva, o homem é o protagonista da construção e da aplicação das normas ju-
rídicas em proveito da sociedade.
174 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

O sistema jurídico brasileiro tem como ápice a Constituição Federal. A inter-


pretação mais eficaz das normas e princípios nela contidos é a que procura garantir a
máxima efetividade deles em prol da sociedade.
O objeto de estudo deste artigo é a imunidade tributária de dispositivos ele-
trônicos (e-readers) utilizados para exibição e leitura de livros, revistas e periódicos
digitais. Dentre esses mecanismos de leitura, o mais conhecido é o produto deno-
minado Kindle, o qual se tem notabilizado no cotidiano dos tribunais por oferecer
uma controvérsia jurídica a respeito da imunidade de tributos incidentes sobre a sua
importação, circulação e comercialização.
O preceito constitucional da imunidade tributária, assim como os conceitos dela
decorrentes previstos em normas infraconstitucionais, tem suscitado polêmica em
sua aplicação cotidiana, sobretudo quando se trata do assunto em foco no presente
estudo. Trata-se, portanto, de assunto da atualidade, de grande interesse e importân-
cia social, econômica e cultural.

2 OBJETIVOS E ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

Consigna-se que as normas jurídicas deverão ser aplicadas nas relações intersub-
jetivas considerando o tempo e o espaço vivenciados em sociedade. Assim, as normas
jurídicas não devem ser aplicadas singela e literalmente nos exatos termos nelas pres-
critos, sem que acompanhem a evolução social.
Pretende-se, como objetivo principal deste estudo, analisar, em detalhes, os con-
ceitos inerentes à imunidade tributária prevista na Constituição Federal, traçando
considerações sobre a sua aplicabilidade a livros e outros mecanismos de difusão da
cultura, da informação e do conhecimento, tais como os mencionados e-readers.
Além disso, objetiva-se construir uma interpretação teleológica quanto à inten-
ção do legislador constitucional ao prescrever sobre a imunidade tributária do livro e
seus reflexos sobre outros instrumentos de similar utilidade.
Para tanto, além da revisão analítica da legislação específica a respeito do tema,
recorre-se à análise da doutrina e de recentes decisões proferidas pelo Judiciário so-
bre a matéria.
Depois de realizadas tais considerações e reflexões no que concerne à intenção
do legislador constitucional, questionam-se a possibilidade e o limite da extensão da
imunidade do livro-papel para os produtos virtuais que a cada dia surgem no merca-
do nacional e internacional, sob as mais variadas espécies e formas, e que são consu-
midos pela população, de forma acelerada.
Por fim, analisam-se alguns julgados decorrentes de ações perpetradas por con-
tribuintes que se viram obrigados, por parte do Estado-Fisco, ao pagamento de tri-
butos na aquisição de produtos virtuais cuja função é a de servir como leitor digital.
Marcio Cesar Costa 175

Além de outras indagações, questiona-se, ainda, sobre até que ponto os equi-
pamentos de leitura virtual, a exemplo do Kindle, poderão ser beneficiados pela
imunidade.

3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA (GÊNERO)


A imunidade tributária se reveste de uma vedação constitucional absoluta aos
Poderes Políticos – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – de
instituírem tributos em face de determinadas operações e pessoas.
Tal proibição constitui uma proteção que a Constituição Federal de 1988 con-
fere aos contribuintes. Significa afirmar que em nenhuma hipótese é permitido aos
Poderes Políticos que detêm competência constitucional de tributação, instituir tri-
butos sobre certos bens e serviços e determinadas pessoas.
Luciano Amaro1 define a imunidade como sendo “a técnica utilizada pelo cons-
tituinte no momento em que define o campo sobre o qual outorga competência”.
Regina Helena Costa2 ensina que

A imunidade apresenta dúplice natureza: de um lado, exsurge como norma con-


sititucional demarcatória da competência, por continente de hipótese de intribu-
tabilidade, e, de outro, constitui direito público subjetivo das pessoas direta ou
indiretamente por ela favorecida.

Assim, pode-se afirmar que a imunidade tributária constitui uma proteção ga-
rantida pela Constituição Federal ao contribuinte, ao tempo em que se configura
uma proibição aos Poderes Políticos em exigir o pagamento de tributos em face de
determinadas pessoas e objetos.

4 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE LIVROS (ESPÉCIE)


A imunidade de livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão
encontra-se prevista na Constituição Federal de 1988, mais exatamente no Título
VI, Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional), Seção II (Das Limitações do Poder
de Tributar), art. 150, inciso VI, alínea d.
Assim dispõe a Carta Magna:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

1
Luciano Amaro. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 307.
2
Regina Helena Costa. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Sa-
raiva, 2010, p. 79.
176 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

(...)
VI – instituir impostos sobre:
(...)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Mediante uma leitura detida no art. 2153 da Constituição Federal,4 pode-se


concluir que o escopo quanto à imunidade atribuída aos “livros” tem como objetivo
determinar ao Estado-Fisco a garantia, a todos os cidadãos, do pleno exercício do
direito à cultura, à informação e ao conhecimento, por intermédio do livre acesso às
suas fontes.
Portanto, interpreta-se de forma cristalina que a mens legis do dispositivo cons-
titucional que outorga a imunidade sobre o livro direciona-se ao incremento da cul-
tura e a sua disseminação na sociedade.
Sendo a finalidade da imunidade tributária instituída aos livros incentivar e faci-
litar o acesso à cultura, somente nesses casos é que haverá a proibição por parte dos
Poderes Políticos de instituírem impostos.
Portanto, para efeito de aplicação da norma tributária de imunidade a livros, de-
ve-se considerar que a essa imunidade se encontra prevista constitucionalmente, pos-
to que fora introduzida no Sistema Normativo em 1988, isto é, há mais de 22 anos.
Dessa forma, questiona-se: essa proibição instituída aos Poderes Políticos deve
incidir em face dos fatos ocorridos nos dias atuais nos estritos termos aplicados à épo-
ca de sua instituição?
Vejam-se, a seguir, as diferentes interpretações que podem ser construídas para
efeito de imunidade tributária de livro.
Bernardo Ribeiro de Moraes5 ensina que:

Livro é vocábulo gênero, que vem a ser toda edição comercial de obra literária,
científica, artística, musical, técnica ou pedagógica, gravada ou impressa em reu-
nião de folhas em cadernos, destinada à leitura. Em consequência, não se enquadra

3
“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura na-
cional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1o O Estado protegerá as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do pro-
cesso civilizatório nacional. § 2o A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os
diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3o A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração pluria-
nual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:
I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II – produção, promoção e difusão de bens culturais;
III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV – democratização
do acesso aos bens de cultura; V – valorização da diversidade étnica e regional.”
4
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
5
Bernardo Ribeiro de Moraes. A imunidade tributária e seus novos aspectos. In: Ives Gandra Martins (coord.)
Imunidades tributárias. São Paulo: RT/CEU, 1998, p. 137-138.
Marcio Cesar Costa 177

ao conceito de “livro”, para fins da imunidade tributária em exame, encaderna-


ção que contenha apenas folhas em branco ou apenas folhas pautadas ou riscadas
para escrituração ou anotação, pois não servem para leitura. Do mesmo modo, um
disco, por não ser lido mas apenas ouvido, não é livro. A impressão para leitura é
elemento fundamental para o conceito de livro, para efeito de imunidade tributá-
ria. Os suportes papel e escrita são fundamentais na previsão constitucional (papel
destinado a impressão do livro). Outros instrumentos que possam ter o mesmo
conteúdo e a mesma finalidade do livro, na divulgação de ideias, difusão da cultura
e de conhecimentos e informações v.g., filme cinematográfico, peça teatral, discos,
disquetes, CD-Rom etc., não são livros. Os suportes são diferentes.

Conforme dispõe o caput do art. 2o, da Lei no 10.753,6 de 30/10/2003, con-


sidera-se livro a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódicas,
grampeadas, coladas ou costuradas, em volume cartonado, encadernado ou brochu-
ra, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento. O parágrafo único do mes-
mo artigo descreve os elementos que se equiparam a livro: (i) inciso “I”: fascículos,
publicações de qualquer natureza que representem parte de livro; e (ii) inciso “III”:
livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com defi-
ciência visual.
Mediante interpretação sistemática do art. 2o, da Lei no  10.753/2003 e seus
respectivos incisos ora transcritos, verifica-se que o legislador ordinário considerou
como livro o suporte físico papel, havendo, porém, uma equiparação do livro-papel
à mensagem expressada por meio digital, magnético e óptico para uso de “pessoas
com deficiência visual”.
Percebe-se que o legislador ordinário, ao equiparar o conceito de livro-papel
à mensagem expressada por meio digital, magnético e óptico para uso exclusivo
de pessoas com deficiência visual, possibilitou a extensão da imunidade tributária
considerando a deficiência física e não exclusivamente a extensão do conceito em
decorrência da funcionalidade do equipamento emissor de mensagem. Ou seja, a
imunidade em questão, nos termos do dispositivo citado, abrange somente os equi-
pamentos de leitura digital a serem utilizados por portadores de deficiência visual.
6
“Art. 2o Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não pe-
riódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avul-
sas, em qualquer formato e acabamento. Parágrafo único. São equiparados a livro: I – fascículos, publicações
de qualquer natureza que representem parte de livro; II – materiais avulsos relacionados com o livro, impressos
em papel ou em material similar; III – roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didá-
ticas; IV – álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar; V – atlas geográficos, históricos, anatômicos, mapas e
cartogramas; VI – textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição
celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte; VII – livros em meio digital, magnético e ótico,
para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual; VIII – livros impressos no Sistema Braille.”
178 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

O legislador infraconstitucional restringe, dessa forma, para efeito de imunidade


nos termos do art. 2o, da Lei no 10.753/2003,7 o livro como suporte físico papel.
Roque Antonio Carrazza,8 cuja interpretação corrobora com o entendimento de
Bernardo Ribeiro de Morais anteriormente transcrito, considerando a evolução dos
meios de comunicação que na atualidade podem ser utilizados como suporte físico
para efeito de transmissão do pensamento, ensina que:

(...) devem ser equiparados ao livro, para fins de imunidade, os veículos de ideias,
que hoje lhe fazem às vezes (livros digitais) ou, até, o substituem. Tal é o caso –
desde que didáticos ou científicos – dos discos, dos disquetes de computador, dos
CD-Roms, dos slides, dos videocassetes, dos filmes etc.

Verifica-se, com isso, que, para o autor, a definição de livros, para efeito da imu-
nidade tributária nos termos do art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal,
não se resume tão somente ao livro-papel, ou seja, o autor considera livro o veículo
(suporte físico) de transmissão do pensamento.
A partir do enunciado prescritivo no caput do art. 7o e seus respectivos incisos e
parágrafos, da Lei no 9.610, de 19/02/1998 (Lei de Direitos Autorais),9 são consi-
deradas obras intelectuais aquelas que podem ser fixadas/exteriorizadas (dentro do
que é estabelecido pela Lei) em qualquer meio ou suporte físico, tangível ou intan-
gível, conhecido ou que se invente no futuro.
No inciso “I” do art. 2o consideram-se obras intelectuais protegidas os textos
de obras literárias, artísticas ou científicas. Considerando a finalidade do legislador
constituinte em conceder a imunidade tributária ao livro, a qual se resume no fato
7
Brasil. Lei no 10.753, de 30/10/2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/
L10.753.htm>.
8
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 774-745.
9
“Art. 7o São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em
qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I – os textos de
obras literárias, artísticas ou científicas; II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natu-
reza; III – as obras dramáticas e dramático-musicais; IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução
cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V – as composições musicais, tenham ou não letra; VI – as
obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII – as obras fotográficas e as produzidas
por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, lito-
grafia e arte cinética; IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X – os projetos,
esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, ceno-
grafia e ciência; XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como
criação intelectual nova; XII – os programas de computador; XIII – as coletâneas ou compilações, antologias,
enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de
seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. § 1o Os programas de computador são objeto de legislação
específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. § 2o A proteção concedida no inciso
XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais
que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. § 3o No domínio das ciências, a proteção
recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo
dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.”
Marcio Cesar Costa 179

de esse possuir um conteúdo intelectual, pode-se afirmar que tal benefício não está
ligado ao suporte físico e sim no conteúdo que nele é agregado.
Dessa forma, se o motivo da imunidade decorre unicamente do conteúdo do
suporte físico livro, propriedade intelectual, nos termos da norma ora em análise, a
propriedade literária também deverá ter o benefício da imunidade tributária nos ter-
mos do art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal.
Em síntese: analogicamente, a intenção do legislador ao definir o que sejam
obras intelectuais considerou o conteúdo que a obra literária apresenta e não o su-
porte físico no qual essa é apresentada.
Diante de tais considerações questiona-se: considera-se livro para efeito de imu-
nidade tributária apenas o suporte físico “papel” ou livro também é qualquer suporte
físico que tenha como finalidade a transmissão de pensamentos para a disseminação
de cultura?
No caso em questão, adota-se a interpretação no sentido de que o suporte físico
utilizado como veículo meramente transmissor de pensamento/cultura não deve ser
considerado relevante para efeito de imunidade tributária, isto porque a interpretação
que se deve construir da norma constitucional que institui tal imunidade deve conside-
rar o real objetivo do legislador constitucional a elaborar e colocá-la no Sistema.
Conclui-se, então, que a imunidade consagrada pelo art. 150, inciso VI, alínea d,
da Constituição Federal10 deverá abarcar todos os suportes físicos cuja função seja a de
utilizar o instrumento como objeto de leitura, independentemente da matéria, forma
e propriedade de que tenha sido fabricado. O conteúdo do suporte físico é que deverá
ser relevante para fins de beneficiar o instrumento com a imunidade de tributos.

5 E-READERS – KINDLE
O mecanismo de leitura denominado e-reader é um dispositivo eletrônico que
tem como função a exposição e a leitura de livros digitais (e-books).
Na maioria das vezes, equipamentos da espécie são providos da tecnologia co-
nhecida como e-ink, ou, se preferir, tinta digital. A sensação proporcionada pela
tecnologia dos equipamentos de leitura de e-books aproxima, com perfeição, os
e-readers dos livros convencionais. De tal similaridade, resulta a questão central de
que trata este artigo: os e-readers devem ter o mesmo tratamento tributário dos li-
vros convencionais?
Na atualidade, muitos são os e-readers criados e comercializados por diversas
empresas do mundo. Um deles, cuja marca comercial denomina-se Kindle, é tema
do presente estudo.
10
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
180 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Trata-se de uma espécie de e-reader muito conhecida e que é comercializado


pela empresa norte-americana Amazon.11 Tal equipamento funciona como leitor de
livros digitais, jornais e revistas. Lançado no Brasil em 2009, tem aqui o seu preço
mais do que duplicado em relação ao praticado nos Estados Unidos, tendo em vista
a alta tributação incidida ao ser importado.
Apresenta-se, a seguir, uma foto do equipamento Kindle.

FIGURA 1. REPRODUÇÃO FOTOGRÁFICA DE UM MODELO KINDLE.

Fonte: site Amazon (2011).

Diante da funcionalidade do Kindle e do seu sucesso como leitor de livros di-


gitais, muitos são os questionamentos e indignações por parte de contribuintes que
adquiriram tal produto ou daqueles que pretendem fazê-lo, por conta do alto pre-
ço que se pratica no Brasil como decorrência da sua expressiva tributação e, princi-
palmente, tendo em vista a interpretação de que se trata, na realidade, de um livro
e, por conseguinte, deveria merecer o benefício da imunidade tributária prevista no
art. 150, VI, d, da Constituição Federal.12
11
Conforme notícia divulgada pelo blog do Estadão (www.estadao.com.br) em 29/12/2010: “a Amazon, maior
varejista da internet, informou que a versão mais recente do Kindle, seu leitor de livros eletrônicos, é o produto
mais vendido na história da empresa, à frente do livro ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte’, último volume da
série criada pela escritora britânica J. K. Rowling”.
12
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
Marcio Cesar Costa 181

Uma questão primordial se apresenta: sendo o Kindle um leitor digital de gran-


de similitude com um livro, para efeito de imunidade de tributos, pode-se equipará-
-lo ao livro convencional?
Pois bem, considerando a finalidade de que o legislador constitucional se valeu
ao instituir a imunidade ao livro, qual seja, a de incentivar o acesso às fontes de cultu-
ra, não resta dúvida que o Kindle, cuja funcionalidade compreende a leitura de livros
virtuais, deverá ser beneficiado pela imunidade tributária. O legislador constitucio-
nal, ao criar a norma que institui essa imunidade, considerou o conteúdo do livro
(difusor de conhecimento) e não propriamente o suporte físico – papel.
Nessa medida, a imunidade instituída ao livro convencional também deverá ser
estendida ao Kindle, considerando que este tem como função a leitura virtual.
Outra questão vem à tona: equiparando-se o Kindle ao livro convencional para
efeito de imunidade tributária, pode este equipamento ter outra funcionalidade sem
que seja de leitor digital?
A imunidade atribuída ao livro é decorrente do incentivo e da garantia dispos-
ta na Constituição Federal ao acesso à cultura. Portanto, a extensão deve ser con-
siderada sobre aquilo que compreende como algo importante culturalmente para a
sociedade, não podendo, portanto, haver uma extensão que fuja dos objetivos do
legislador constitucional ao estabelecer a norma de imunidade.
Havendo outra funcionalidade no Kindle como, por exemplo, jogos, entrete-
nimento, gravador etc., a imunidade atinge a totalidade do valor do produto ou so-
mente parte do que pode ser equiparado ao livro convencional? Ou, ainda, perderá
a imunidade por ter havido outros aplicativos/funcionalidade?
Conforme já registrado, a imunidade, diante dos objetivos traçados pelo legis-
lador, é somente em face daquilo que esteja dentro do contexto como importante
culturalmente para a sociedade. Assim, havendo outros aplicativos, a garantia à imu-
nidade nos termos do art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal deverá ser
somente sobre a parte que equivale com o conteúdo tradicional do livro.
Nessa medida, a interpretação que se deve construir no sentido do que deve ou
não ser beneficiado pela imunidade é sempre no que concerne à mensagem propria-
mente dita. Sendo a mensagem do mecanismo provida de valor cultural, deverá ser
imune; do contrário, pode-se afirmar que não.
Assim, jogos que em nada agreguem culturalmente, como é o caso daqueles que
incentivam a violência sem sentido, ou meramente destinados ao entretenimento,
por questões óbvias não poderão ser beneficiados.
Por sua vez, caso o equipamento revista-se de funcionalidade que permita a difu-
são do conhecimento e da informação cultural, certamente poderá se beneficiar com
a imunidade. Pode-se citar, como exemplo, o iPad, de fabricação da Apple. No caso
182 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

de determinada(s) funcionalidade(s) do iPad se equiparar(em) à(s) do Kindle, tal(is)


funcionalidade(s) deve(m) ser beneficiada(s).
Neste caso, contudo, estender a regra de imunidade do Kindle ao iPad torna-
-se de difícil aplicação, pois seria difícil, senão impossível, determinar com precisão
quanto do valor do segundo aparelho corresponde exclusivamente à função de leitu-
ra de livros. Afinal, o iPad possui diferentes funções além da difusão da cultura abar-
cada pela regra da imunidade.
Uma solução para esse problema seria a de descontar da base de cálculo do
iPad o valor de um aparelho que somente tenha a função de leitura, como o
Kindle. Com esta subtração, retira-se da incidência tributária sobre livros a função
leitura do aparelho.
Conclui-se, então, que para efeito de imunidade consagrada pelo art. 150, inciso
VI, alínea d, da Constituição Federal, deverá haver a equiparação do Kindle com o
livro convencional, isto porque, a sua funcionalidade compreende a leitura de livro
digital, portanto, ambos têm o mesmo conteúdo.

6 POSICIONAMENTO DO JUDICIÁRIO QUANTO À EQUIPARAÇÃO


DO SUPORTE FÍSICO PARA EFEITO DE IMUNIDADE

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli, na deci-


são proferida no RE 330.817, DJE 040, publicada em 05/03/2010 – interpretou
que a imunidade tributária dos livros em papel não é extensiva aos livros em formato
eletrônico.
Isto é, o Ministro Dias Toffoli conheceu do recurso extraordinário e lhe deu
provimento para denegar a segurança, fundamentando-se nos argumentos de que

(...) a jurisprudência da Corte é no sentido de que a imunidade prevista no art. 150,


inciso VI, alínea d, da Constituição Federal, conferida a livros, jornais e periódicos,
não abrange outros insumos que não os compreendidos na acepção da expressão
“papel destinado a sua impressão”.

Verifica-se que a interpretação proferida pelo Ministro Dias Toffoli se resume


tão somente na literalidade da norma constitucional, isto é, ao proferir a decisão não
considerou a finalidade do legislador constituinte ao instituir a imunidade tributária
a livros.
Com todo respeito, o entendimento adotado no presente estudo vai absolu-
tamente contra o da decisão proferida pelo Ministro Dias Toffoli, isto porque a
interpretação do Direito num todo deverá ser construída valendo-se do contexto
normativo e da finalidade objetivada pelo legislador ao criar as normas.
Marcio Cesar Costa 183

Outra decisão que merece destaque, em que foram Relatores o Ministro Maurí-
cio Corrêa e o Ministro Marco Aurélio, nos autos do RE 174.476-SP, é:

Imunidade. Impostos. Livros. Jornais e periódicos. Artigo 150, Inciso VI, Alínea
“D”, da Constituição Federal. A razão de ser da imunidade prevista no tex-
to constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma
necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos,
ainda que normatizados, capazes de inibir a produção material e intelectual
de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o pa-
pel utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos
nela consumidos como são os filmes e papéis fotográficos. RE 174.476-SP. STF.
Pleno. Rel. Min. Maurício Corrêa. Rel. para o Acórdão Min. Marco Aurélio; j.
26/09/1996. (Grifos do autor)

De outro vértice, pode-se interpretar da decisão supra que os julgadores, em ou-


tras palavras, enfatizam a importância de valer-se da intenção do legislador diante da
situação vivida em sociedade à época da edição da norma constitucional.
Acredita-se, ainda, que ao se analisar essa matéria, é mais importante considerar-
-se a questão da liberdade e da propagação do conhecimento, ao invés de se restrigir
ao meio físico no qual a informação se insere.
Com base no entendimento adotado nessa linha de estudo, merecem destaques
algumas decisões cujo entendimento fora no sentido de ser possível a equiparação da
imunidade tributária aos chamados livros ou mídias em formato eletrônico, adiante
descritas.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJRJ proferiu, nos
autos do recurso de Apelação Cível, processo no 1996.001.01801, a decisão abaixo
transcrita:

Apelação Cível. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Inteli-


gência do art. 150, VI, d, da Constituição Federal. Comercialização do dicionário
Aurélio Eletrônico por processamento de dados, com pertinência exclusiva ao seu
conteúdo cultural – “software”. A lição de Aliomar Baleeiro: “Livros, jornais, e
periódicos transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações reais ou
fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou
por imagens e, ainda, por signos Braile destinados a cegos”. A limitação ao poder
de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio no tax on knowledges. Segu-
rança concedida.

O mesmo raciocínio e entendimento foram do Egrégio Tribunal Regional Fe-


deral da Quarta Região – TRF4 que, nos autos do Processo 1998.04.01.090888-5,
interpretando-se de forma sistemática e sobre a extensão da imunidade tributária aos
livros eletrônicos, assim decidiu:
184 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Constitucional. Tributário. Imunidade. Jornal. CD-Rom. 1. O fato de o jornal


não ser feito de papel, mas veiculado em CD-Rom, não é óbice ao reconheci-
mento da imunidade do art. 150, VI, d, da Constituição Federal, porquanto isto
não desnatura como um dos meios de informação protegidos contra a tributação.
2. Interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, segundo a qual
a imunidade visa a dar efetividade aos princípios da livre manifestação de pensa-
mento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
de acesso à informação aos meios necessários para tal, o que deságua, em última
análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo Estado visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho, havendo liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber (arts. 5o, IV, IX, XIV, 205, 206, II etc.).

Merecem destaque, ainda, decisões que trataram de imunidade tributária da in-


formação aposta em meios digitais. Vejam-se:

Mandado de segurança. Agravo retido. Tributário. Livro. CD-Rom. Imunidade


tributária. Art. 150, inciso vi, alínea d, da Constituição Federal. Agravo retido
não conhecido por falta de requerimento da sua apreciação por este Tribunal. O
conceito de livro deve ser entendido como meio de transmissão de informações,
tendo em vista que a evolução histórica mostra que o material utilizado para se
expressar ideias foi modificado ao longo do tempo, sendo sua impressão em papel
mera circunstância. Deve-se priorizar a interpretação teleológica, a qual possibilita
a efetividade da norma imunizante, tendo em vista que o objetivo de se excluir a
tributação ao livro é estimular a leitura e, consequentemente, o nível de instrução,
cultura e formação da população brasileira. Desta forma, a imunidade abrange tam-
bém o CD-Rom, que constitui apenas suporte físico para a disseminação do conhe-
cimento. Agravo não conhecido e apelação a que se dá provimento. (Apelação em
Mandado de Segurança 38592; Rel. Desembargador Federal Aluisio Goncalves de
Castro Mendes; TRF2; DJU 05/09/2003; p. 211).
Mandado de segurança. Tributário e constitucional. Imunidade tributária de CD-
-Roms educativos. Inteligência do art. 150, VI, d, da cf. 1. O art. 150, VI, d, da
CF deve ser interpretado teleologicamente, observando-se a intenção do legislador
de estimular a cultura e garantir a liberdade de expressão. 2. O CD-ROM possui a
mesma finalidade dos livros, jornais e periódicos de difundir ideias e conhecimen-
tos, motivo pelo qual está abrangido pela mesma imunidade tributária. 3. Remessa
necessária e apelação improvidas. (AMS – Apelação em Mandado de Segurança
44309; Rel. Desembargador Fed. Paulo Barata; TRF2; DJU 04/06/2003; p. 161).
Constitucional e tributário. IPI e II. Imunidade tributária. Art. 150, VI, d da
CF/88. Material didático destinado ao ensino da língua inglesa em formato CD-
-Rom, áudio, fitas de vídeo, fitas cassete. Possibilidade de extensão. A imunida-
de, como regra de estrutura contida no texto da Constituição Federal, estabelece,
de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional
Marcio Cesar Costa 185

interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações espe-
cíficas e determinadas. O disposto no art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição
Federal se revela aplicável, uma vez que novos mecanismos de divulgação e propa-
gação da cultura e informação de multimídia, como o CD-ROM, aos denominados
livros, jornais e periódicos eletrônicos, são alcançados pela imunidade. A norma
que prevê a imunidade visa facilitar a difusão das informações e cultura, garantindo
a liberdade de comunicação e pensamento, alcançando os vídeos, fitas cassetes,
CD-ROM, aos denominados livros, jornais e periódicos eletrônicos, pois o legisla-
dor apresentou esta intenção na regra no dispositivo constitucional. Apelação pro-
vida. (AMS – Apelação em Mandado de Segurança 307236; Rel. Juiz Nery Junior;
TRF3; DJF3; CJ1; 27/10/2009; p. 58)

É exime de qualquer dúvida que os julgados transcritos são plenamente aplicá-


veis à questão que envolve o dispositivo Kindle.
Também é digna de realce a decisão proferida pelo Juízo da 22a Vara Federal de
São Paulo, em dezembro de 2009, o qual julgou procedente pedido liminar para re-
conhecer a imunidade tributária do produto Kindle, nos termos do art. 150, inciso
VI, alínea d, da Constituição Federal, em relação ao recolhimento dos impostos in-
cidentes na importação.
Tal decisão, apesar de reconhecer a possibilidade de equiparação do livro para
outros suportes físicos que detêm a mesma finalidade, considerou a imunidade do
Kindle apenas no que concerne aos impostos incidentes na importação do produto,
ou seja, manteve a cobrança para outros tributos que também incidem em opera-
ções de importação, como as contribuições sociais ao Programa de Integração Social
(PIS) e ao Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
Conclui-se, portanto, que apesar do entendimento externado pelo Ministro
Toffoli, há posicionamento jurisprudencial no sentido de que, para efeito de imuni-
dade tributária, o que se deve considerar é o conteúdo cultural e não exatamente o
suporte físico; a finalidade do legislador constitucional ao elaborar a norma, e não a
literalidade da norma, é o que corrobora com o que está exposto até o presente mo-
mento neste trabalho.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do quanto se expôs, chega-se às conclusões mostradas a seguir.


Não se deve, em qualquer hipótese, interpretar uma norma constitucional sem
que se procure apreciar detidamente a intenção do legislador constitucional ao criá-
-la. A Constituição Federal, ao ocupar o topo máximo da pirâmide kelseniana, é a
fonte da qual emergirá todo o sistema jurídico aplicável às relações intersubjetivas da
sociedade.
186 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

O preceito da imunidade (nos termos do art. 150, inciso VI, alínea d, da Cons-
tituição Federal)13 é genérica e garante a não instituição de tributos a livros, jornais e
periódicos, sem qualquer objeção. Trata-se, pois, de imunidade objetiva, não impor-
tando o conteúdo de tais veículos de informação.
A norma que aborda a definição de livro (art. 2o, da Lei no  10.753, de
30/10/2003)14 expressamente dispõe que livros em meios digitais só são equipa-
rados a livros quando utilizados exclusivamente por pessoas com deficiência visual,
ocasionando uma interpretação restrita do instrumento
Não resta dúvida que o legislador, ao criar a norma de imunidade tributária a
livros, teve como objetivo principal proteger a difusão e a pluralização da cultura.
Os e-readers, por constituírem um bem cultural equiparável aos livros, deverão
ser beneficiados com a norma de imunidade. Os e-readers apresentam-se com uma
grande evolução dos mecanismos da difusão da cultura e expressão. Trata-se, pois,
de um benefício que a tecnologia propicia à sociedade, trazendo uma nova forma de
acesso à cultura, à informação e ao conhecimento.
As funcionalidades objetivas de difusão cultural proporcionadas pelo Kindle e
outros e-readers constituem formas de observância do império da liberdade de pen-
samento, de consciência de crença e de expressão. Devem, portanto, gozar da imu-
nidade tributária.
Conclui-se, ademais, que, ao evitar o papel, os e-readers propiciam mais um be-
nefício à sociedade como um mecanismo de proteção ao meio ambiente. Assim sen-
do, emerge deles mais um motivo importante para que haja o estímulo por parte do
governo em incentivar o consumo desses equipamentos de leitura.

8 REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: <http://www.pla-


nalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
___________ . Lei no 10.753, de 30 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/Leis/2003/L10.753.htm>.
___________. Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L9610.htm>.

13
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
14 ___________ .
Lei no 10.753, de 30 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/2003/L10.753.htm>.
Marcio Cesar Costa 187

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed., São Paulo:
Malheiros, 2008.
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional.
São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAES. Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos. In: Imunidades
tributárias. Ives Gandra Martins (coord.). São Paulo: RT/CEU, 1998.
Imunidade no ICMS
(imposto indireto)

OSVALDO SANTOS DE CARVALHO


1. Introdução. 2. O ICMS – Imposto sobre Operações de Circulação de
Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação. 2.1. Breve histórico do ICMS (Impos-
to sobre o Consumo). 2.2. O ICMS e o princípio da capacidade contri-
butiva. 2.3. A não cumulatividade do ICMS. 2.4. Os chamados tributos
indiretos (entre eles o ICMS). 3. Imunidade tributária. 3.1. Imunidade no
ICMS. 4. Considerações finais. 5. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A imunidade é um dos temas do direito tributário que tem sido objeto de


acalorados debates doutrinários e está também muito longe de uma consolidação
jurisprudencial.
Um dos pomos da discórdia tanto na doutrina quanto na jurisprudência é in-
terpretar qual a extensão pretendida pela Constituição Federal quanto ao alcance da
imunidade em relação aos chamados “impostos indiretos”, especialmente porque
190 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

se discute se a imunidade se dirige ao “contribuinte de direito” ou ao denominado


“contribuinte de fato”.
Tais conceitos, por outro lado, também enfrentam consistentes resistências
quanto à sua aceitação nos quadrantes do direito, porquanto expressiva parcela da
doutrina nacional não os admitem sob o fundamento de que se trata de classificação
de tributos pertencente ao campo da ciência das finanças e não ao direito tributário.
No âmbito do Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e So-
bre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Co-
municação (ICMS) a controvérsia se estabelece quando se busca resposta à seguinte
indagação: a pessoa política descrita no texto constitucional como beneficiária da
imunidade, quando se coloca na condição de consumidora final de mercadorias ou é
destinatária final de prestação de serviços alcançados por referido tributo, é desone-
rada ou não do ICMS?
Essa é a abordagem pretendida pelo presente trabalho cuja relevância é de me-
ridiana observação. E a atualidade também se manifesta, exatamente ante ao padeci-
mento de consolidações jurisprudenciais e doutrinárias sobre o tema, como se verá
ao longo do estudo.

2 O ICMS – IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE


MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE
COMUNICAÇÃO

O ICMS, imposto de competência estadual e distrital, teve sua instituição pre-


vista no art. 155, II, da Constituição Federal de 1988,1 ampliando o campo de in-
cidência do antigo ICM para tributar, além das operações relativas à circulação de
mercadorias – agora incluídos minerais, combustíveis e energia elétrica –, os serviços
de transporte intermunicipal e interestadual e, ainda, os serviços de comunicação:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e
as prestações se iniciem no exterior.

A Constituição Federal cuida de disciplinar rigidamente e quase à exaustão o


perfil da tributação, e, bem assim, de estipular a competência legislativa tributária
1
Antonio Luiz de Toledo Pinto; Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt; Livia Céspedes. Constituição da República
Federativa do Brasil. 4. ed., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 96.
Osvaldo Santos de Carvalho 191

sem margem para qualquer derivação do leito previamente por ela traçado, de sorte
que qualquer estudo jurídico-tributário que pretenda ser dotado de rigor metodoló-
gico deve seguir os comandos norteadores insculpidos na Constituição.
É a Constituição o vetor da tributação, em que deve ser haurido o fundamento
de todas as normas, de sorte que o legislador de cada pessoa política dentro do siste-
ma federativo, ao tributar, por um lado, deve partir do vértice constitucional, elabo-
rando normas gerais e abstratas, trilhando o caminho previamente demarcado pelo
Texto Maior, desde as próprias Emendas Constitucionais até as normas de menor en-
vergadura (portarias, decretos etc.), posto que nenhum ato infraconstitucional pode
subsistir se afrontar os ditames máximos inscritos na Constituição.
Por outro lado, ao intérprete do direito não é oferecido outro caminho, qual
seja, a exegese deve ser construída sob o prisma da Constituição. Vale dizer que qual-
quer norma sob estudo deverá ser cotejada com a moldura constitucional.
Se a interpretação couber na moldura constitucional, estar-se-á diante de uma
norma válida, e, ao contrário, se não se enquadrar na moldura será inconstitucional
e, portanto, não será considerada norma válida, seja ela uma mera portaria ou de-
creto, ou até mesmo lei complementar, ou uma emenda à Constituição, que poderá
padecer do mesmo vício, a inconstitucionalidade, desde que é claro, seja afastado do
sistema jurídico pelas regras previstas no próprio sistema.
Nesse passo, deve ser afirmado de pronto, que o “imposto sobre operações re-
lativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte in-
terestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS” é o mais minuciosamente
tratado no texto constitucional.
Notamos que o constituinte quanto a esse imposto foi extremamente detalhista.
Esse tratamento detalhado decorre da necessidade de lhe dar uma feição mais completa
e tratamento uniforme pelos Estados e Distrito Federal, dado o seu alcance nacional.
O desenho constitucional rígido, que demarca o perfeito contorno do ato de tri-
butar, vale dizer, de criar in abstrato o tributo e discipliná-lo juridicamente, tolhe, so-
bremodo, a liberdade do legislador complementar e ordinário, que deverá dar vazão
ao comando constitucional, reproduzindo-o, agora, num grau de concreção maior,
todavia, não ultrapassando as divisas perfeitamente delineadas pela Carta Maior.
Sabemos que o ICMS reclama a edição de Lei Complementar para discipliná-lo.
A Lei Complementar no 87/1996 é, hoje, o texto básico que regra o ICMS, com
seus méritos e deméritos, porém, de observância obrigatória pelos entes federados.

2.1 Breve histórico do ICMS (imposto sobre o consumo)

Não existem registros históricos do início de imposição tributária por parte dos
governantes para custear os gastos do povo. Na Antiguidade, antes da criação da
192 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

própria moeda, entretanto, os povos vencedores cobravam uma espécie de exação


dos povos vencidos ao final de uma guerra entre tribos ou entre povos, algo que hoje
poderíamos chamar como um tributo de guerra. Essa cobrança era paga com bens
materiais e com o trabalho, numa espécie de indenização ou compensação devida
pelo povo vencido, o que transformava seus integrantes em escravos.
Existem informações rudimentares de cobranças de tributos em muitas civiliza-
ções antigas. Naquelas mais conhecidas e que formam o alicerce da civilização atual,
como os hebreus, gregos e romanos, por exemplo, encontramos muitos registros
sobre imposições tributárias.
Somente para ilustrar um registro que guarda relação com o ICMS de hoje, cite-
-se que durante as guerras civis do século I a.C. Roma impunha uma cobrança (entre
outras, como a de um imposto sobre herança e doações de 5% sobre os bens transmi-
tidos) de 1% sobre as mercadorias vendidas dentro de suas fronteiras a fim de custear
as despesas momentâneas de guerra.
Pode-se dizer que é algo parecido com o ICMS de hoje, podendo ser conside-
rado um ancestral dos impostos sobre consumo.
Nada obstante a inexistência de dados consistentes, Francisco de Paula de Souza
Brasil2 cita que o Egito parece que também conheceu um imposto semelhante sobre
vendas.
Na Idade Média, o imposto sobre vendas ressurgiu sob diversas modalidades,
onerando determinadas operações com bens ou prestação de serviços, tais como so-
bre o sal, bebidas, tinturaria etc.3
A tributação sobre o consumo, como pode ser notada, é bastante antiga e tem a
ver com a formação do Estado e sua busca para custear suas necessidades e interesses.
Mas é a eclosão da primeira grande guerra mundial que marca o aparecimento
dos impostos sobre o consumo. Norte-americanos, alemães e franceses disputam a
primazia da criação de um imposto de valor agregado (IVA).
É na França onde iremos encontrar a consolidação de um imposto de valor
agregado (Taxe Sur La Valeur Ajoutée – TVA), que inspirou os modelos superve-
nientes, positivado pela Lei francesa no 54-404, de 10/04/1954, como nos informa
Paulo Celso Bergstrom Bonilha4 em sua obra, produto de dissertação de mestrado
defendida na USP nos idos dos anos 1970 sob a orientação de Alcides Jorge Costa.
Informa o autor5 que a TVA originalmente tinha as características essenciais de
imposto sobre a produção, destacando como inovação a generalização do direito à
2
Francisco de Paula de Souza Brasil. O ICM e os impostos sobre vendas no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1987,
p. 32.
3
Idem, ibidem, p. 33.
4
Paulo Celso Bergstrom Bonilha. IPI e ICM fundamentos da técnica não-cumulativa.São Paulo: Resenha Tribu-
tária, 1979, p. 53 e 54.
5
Idem, ibidem, p. 53.
Osvaldo Santos de Carvalho 193

dedução do imposto que oneram os bens de produção, em que “à dedução física do


imposto sobre a produção agrega a dedução financeira”, fazendo desaparecer des-
se modo a maior objeção aos impostos anteriores (o imposto gravar o investimento
produtivo).
Prossegue o Professor Bonilha6 informando que em 1955, foi suprimido na
França o imposto sobre transações, compensando-se a arrecadação com a elevação
das alíquotas do TVA e no período de 1955 a 1966, se promoveu a absorção de al-
guns impostos únicos pela TVA, que passou a incidir sobre fósforos, gás e eletricidade.
Em janeiro de 1966 foi editada nova lei, promovendo substanciais alterações
sobre referido imposto, objetivando generalizá-lo e objetivá-lo, com a finalidade de
compatibilizá-lo com as diretrizes estabelecidas pelo Mercado Comum Europeu.
Com referida alteração legislativa, extinguem-se treze impostos que coexistiam
com a TVA: onze únicos, o imposto sobre prestação de serviços (TPS) e o imposto
local (TVA).
Com a ampliação da TVA no âmbito da produção e da circulação de mercadorias
e serviços, restaram poucos setores fora de seu âmbito de incidência (exemplo: ope-
rações bancárias e de seguros, prestação de serviços por profissionais liberais, transa-
ções não comerciais realizadas por particulares e por agricultores).
Insta-nos ressaltar, por relevante, que a supressão do imposto local (TL) gerou
sérios problemas no que diz respeito aos recursos das comunas, motivo pelo qual fo-
ram adotadas outras medidas legislativas e financeiras destinadas a recompor o siste-
ma fiscal dos entes locais.
Detivemo-nos nesse breve histórico sobre o IVA, não apenas pelo fato dele ter
inspirado a criação do ICMS brasileiro (sucedâneo do antigo ICM), mas também
para destacar algumas características essenciais do modelo francês que talvez expli-
quem grandes dificuldades na nossa prática tributária brasileira, dado que o imposto
pátrio não “copiou” alguns fundamentos daquele (exemplos: imposição sobre base
ampla, imposto aplicado por ente unitário, dedução financeira ao invés da apenas fí-
sica etc.).
Incidentalmente queremos consignar mais uma diferença entre o ICMS brasi-
leiro e o IVA europeu, nada obstante os dois possuírem a mesma finalidade na ins-
tituição, tal seja, afastar os efeitos da cumulatividade do imposto sobre o consumo.
No caso do IVA, a base de cálculo é a dedução entre o valor de venda e o valor
de compra das mercadorias ou dos serviços prestados (modelo análogo ao utilizado
para apurar a participação dos municípios na arrecadação do ICMS, conforme pre-
visto no art. 158, parágrafo único, I, da CF/88). É o que comumente se denomina
apuração base sobre base. Tributa-se, portanto, a diferença entre a receita e o custo.
6
Idem, ibidem, p. 53 e 54.
194 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Já a base de cálculo do ICMS é o valor total das operações de circulação de mer-


cadorias ou da prestação de serviços (apuração imposto sobre imposto), cotejando
o valor do débito por ocasião das saídas e o crédito por ocasião das entradas.
No Brasil, historicamente, temos o registro inicialmente da adoção de um mo-
delo monofásico7 de tributação sobre as vendas no varejo com incidência cumulativa.
Primeiro com o Imposto sobre Vendas Mercantis – IVM (de 1922 a 1936) e, depois,
com o Imposto sobre Vendas e Consignações – IVC (de 1936 a 1965).
Na sequência, com a reforma do sistema tributário brasileiro em 1965, o IVC foi
substituído inicialmente pelo antigo ICM (Imposto sobre a Circulação de Mercado-
rias) e depois, em 1988, pelo atual ICMS não cumulativo.

2.2 O ICMS e o princípio da capacidade contributiva

A perspectiva axiológica, nada obstante objeções de cunho positivista, é absolu-


tamente indispensável na construção das normas jurídicas tributárias, como de resto
nas demais normas dos vários quadrantes do direito. Dito de outro modo, as normas
tributárias vão se formar de acordo com os princípios previstos na Constituição Fe-
deral, como sabemos, eivados de valores, na sua mais alta dimensão.
Não só de acordo com os princípios gerais do direito, como também com base
naqueles que informam exclusivamente o direito tributário em particular, como o
princípio da capacidade contributiva.
O princípio da capacidade contributiva deriva do princípio da igualdade ou iso-
nomia tributária e informa a tributação por meio dos impostos e é tido como um
dos princípios mais importantes na determinação da justiça fiscal conquanto opere
na definição da base de imposição dos impostos.
Alfredo Augusto Becker8 em sua clássica obra Teoria Geral do Direito Tributário
tece severas críticas a esse princípio e ressalta a ambiguidade da locução, que tomada
em si mesma significa, segundo ele, a “possibilidade de suportar o ônus tributário”,
fazendo com que os autores nos trabalhos singulares cheguem a resultados os mais
díspares.
Chega a tal ponto sua crítica que vê9 tantos efeitos nocivos na locução que
“quando utilizado com habilidade dialética pode justificar ou explicar tudo o que se
quiser”.
7
Tributo monofásico é aquele arrecadado em um único estágio e o plurifásico é o que incide sobre os múltiplos
estágios que compõem o ciclo produtivo do consumo, a saber: indústria-atacado-varejo até o consumidor final.
8
Alfredo Augusto Becker. Teoria geral do direito tributário. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1972, p. 435-450, esp.
p. 441 e 442.
9
Idem, ibidem, p. 440.
Osvaldo Santos de Carvalho 195

Com sua peculiar verve literária abriu um item específico no capítulo de sua ci-
tada obra10 para tratar da capacidade contributiva afirmando que ocorreu tanto aqui
como em constituições forâneas o que denominou de “constitucionalização do equí-
voco”, na medida em que referido princípio foi introduzido na constituição de di-
versos países (Brasil, em 1946; Espanha, 1945; Itália e Bulgária, 1947; Grécia, 1951
etc.).
Klaus Tipke e Joachim Lang11 em objeção à crítica de que o princípio da capa-
cidade contributiva é muito ambíguo, para se poder dele tirar soluções concretas,
aponta que:

Essa opinião desconhece o caráter e a hierarquia do princípio da capacidade con-


tributiva (...). Da categoria de um princípio jurídico da mais elevada hierarquia de
princípios segue-se sua necessidade de concretização: através dos subprincípios, atos
legislativos, judicatura e dogmática científica. É princípio da capacidade contri-
butiva realizado até a última consequência tributária ou ainda retirado. (Grifo no
original)

A Constituição Federal12 de 1988 manteve em seu texto o princípio da capaci-


dade contributiva, assim previsto no art. 145, § 1o: “Sempre que possível, os impostos
terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contri-
buinte (...)”. (Grifos do autor).
O ICMS, contudo, não está entre os impostos que são informados pelo princí-
pio da capacidade contributiva. Vejamos nesse sentido, o pronunciamento de Roque
Antonio Carrazza13 sobre a locução que inicia o dispositivo constitucional “sempre
que possível”:

Impostos há, porém, que, por sua natureza, não permitem que se atenda ao prin-
cípio da capacidade contributiva. É o caso do ICMS, que, positivamente, com ele
não se coaduna. De fato, a carga econômica deste imposto é repassada para o preço
da mercadoria. Quem a suporta não é o contribuinte (o comerciante, o industrial
ou o produtor que praticou a operação mercantil), mas o consumidor final da mer-
cadoria. Este, ao adquiri-la, visto repassado, no preço, a carga econômica do ICMS.
Tal carga é idêntica para todos os consumidores finais, sejam eles ricos ou pobres.
Exemplificando, se um milionário e um mendigo comprarem, cada um para si,
um maço de cigarros, da mesma marca, suportarão a mesma carga econômica do
imposto.

10
Idem, ibidem, p. 441.
11
Klaus Tipke; Joachim Lang. Direito tributário. Luiz Dória Furquim (trad. da 18. ed. alemã), Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2008, p. 201. V. I.
12
Antonio Luiz de Toledo Pinto; Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt; Livia Céspedes. Op. cit., p. 89.
13
Roque Antonio Carrazza. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 103.
196 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Vemos, portanto, que não é da índole do ICMS ser graduado de acordo com a
capacidade econômica dos contribuintes. Nem dos impostos que, como ele, são cha-
mados, pela Ciência Econômica, de indiretos (v.g., o IPI).
Há autores, porém, que se posicionam em sentido contrário, admitindo que o
ICMS seja regrado pelo princípio da capacidade contributiva. É o caso de Edvaldo
Brito14 que assim se manifesta: “(...) a ideia de não cumulatividade, é entre nós, um
princípio tributário uma vez que garante a observância da capacidade econômica do
contribuinte”. Regina Helena Costa15 também entende dessa forma, porém, sob o
fundamento de que ao ICMS se aplicam os princípios da não cumulatividade e da
seletividade: “Ambos os impostos (IPI e ICMS), como se vê, apresentam como ca-
racterísticas a não cumulatividade e a seletividade das alíquotas, que são, a nosso ver,
verdadeiras aplicações do princípio da capacidade contributiva”.
Não comungamos desse entendimento. Pensamos que o ICMS está fora do al-
cance do primado da capacidade contributiva e atina para o princípio da igualdade
quando a determinação de seu aspecto quantitativo obedece ao ditame da seletivi-
dade (CF, art. 155, § 2o, III), outro princípio que deriva do princípio da isonomia
tributária.
Ademais, a adoção de alíquotas diferenciadas para o ICMS de acordo com o
porte do contribuinte, baseado em seu faturamento, por exemplo, no afã de aten-
der ao princípio da capacidade contributiva dos contribuintes do ICMS, distorceria
sobremodo o fim desejado pelo constituinte porque comprometeria o princípio da
igualdade tributária, na medida em que os consumidores finais de igual porte econô-
mico seriam tratados diversamente se adquirissem mercadorias ou tivessem serviços
prestados por contribuintes de dimensão distintas.
Vale dizer, as empresas que fossem tributadas diferentemente por esse critério,
repassariam o ônus tributário para os preços e fariam com que o consumidor de um
grande estabelecimento pagasse mais pela mercadoria do que o mesmo ou outro
consumidor de um micro ou pequeno estabelecimento.
Da mesma sorte, não seria possível graduar as alíquotas do ICMS de acordo
com a capacidade contributiva do consumidor final já que este está fora da relação
jurídica tributária. Vejamos o que Cléber Giardino16 já dizia a respeito no início dos
anos 1980:

Para o Direito, só importam aqueles aspectos e ângulos que tenham sido incor-
porados à norma jurídica, que tenham sido trazidos à norma. (...). O consumidor

14
Edvaldo Brito. O ICMS: restrições à compensação do ICMS – bens do ativo e bens destinados a consumo do
estabelecimento. O ICMS e a LC 102. São Paulo: Dialética, 2000, p. 54.
15
Regina Helena Costa. Princípio da capacidade contributiva. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 94-95.
16
Cléber Giardino. O ICM e o princípio da não cumulatividade. Revista de Direito Tributário, no 25-26. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 189.
Osvaldo Santos de Carvalho 197

(que acaba arcando com o peso do ICM) é, p. ex., um dado irrelevante para o
ICM do ponto de vista do Direito, porque absolutamente nenhuma das normas
jurídicas que versam sobre o ICM dão relevância a essa pessoa, consideram essa
pessoa como importante, para efeito do ICM. O fato do valor desse tributo estar
ou não incluído no preço das mercadorias e, portanto, ser cobrado ou não pelo
vendedor ao comprador (e pago pelo comprador ao vendedor) é algo que também
escapa à consideração jurídica, porque nenhuma norma de Direito diz respeito a
esse fenômeno específico chamado pela economia de translação ou repercussão”.
(Grifos no original)

Encerrando este capítulo e antes de nos enveredarmos por um de seus mais im-
bricados temas que tanta celeuma produz no universo jurídico-tributário, qual seja
a não cumulatividade, relembramos que as normas informadoras do ICMS estão
densamente previstas na CF/88, formando o que Roque Antonio Carrazza deno-
mina de arquétipo do ICMS, deixando pouco espaço de manobra para a legislação
infraconstitucional.
É certo também que o instituto da não cumulatividade foi objeto de previsão do
constituinte (art. 155, § 2o, I, da CF/88), remetendo para lei complementar a disci-
plina do regime de compensação do ICMS (art. 155, XII, c).
Eduardo Domingos Bottallo17 em sua obra sobre os fundamentos do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) e inspirado em lição de Paulo Celso Bergstrom
Bonilha, falando sobre o direito à compensação do imposto, esclarece que:

Tais informações revelam, com suficiência, o método sobre o qual se apoia, opera-
cionalmente, o princípio da não cumulatividade: ele abrange o universo das opera-
ções praticadas pelos contribuintes, exprimindo, deste modo, os aspectos de conti-
nuidade e globalidade da incidência do imposto.

Sobre referido direito à compensação do ICMS é oportuno relembrar as lições


de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino18 sobre o tema, ainda que devamos substituir
o termo abatimento por compensação na leitura do texto adiante transcrito (é que
a Constituição anterior, que já agasalhava essa técnica para permitir a fruição da não
cumulatividade do antigo ICM, utilizava a locução abater e a CF de 1988 a substi-
tuiu por compensar para o novel ICMS):

“Abatimento” é, nitidamente, categoria jurídica de hierarquia constitucional: por-


que criado pela Constituição. Mais do que isso: é direito constitucional reservado
ao contribuinte do ICM; direito público subjetivo de nível constitucional, oponível
ao Estado pelo contribuinte do imposto estadual. O próprio Texto Constitucional

17
Eduardo Domingos Bottallo. Fundamentos do IPI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 45.
18
Geraldo Ataliba; Cléber Giardino. ICMS: Abatimento constitucional – princípio da não cumulatividade. Revis-
ta de Direito Tributário, no 29-30. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 116.
198 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

que outorgou ao Estado o poder de exigir o ICM, deu ao contribuinte o direito


de abatimento.

Resta evidente, portanto, que a Constituição não só previu a não cumulatividade


do ICMS para salvaguardar a neutralidade tributária da incidência do ICMS, como
também indicou expressamente a forma de operacionalização da mesma, de sorte
que a Constituição impõe a técnica da compensação para se alcançar a não cumula-
tividade do ICMS.

2.3 A não cumulatividade do ICMS

Dada a natureza do presente trabalho percorreremos adiante a cadeia de positi-


vação do instituto da não cumulatividade.
Antes, porém, lançaremos algumas palavras sobre a cumulatividade dos impos-
tos, que como já tivemos a oportunidade de ver, a Reforma Tributária de 1965 alme-
jou afastar do campo de atuação do ICMS (e também do IPI), e mais recentemente
das contribuições do PIS e COFINS.
A previsão da sistemática da não cumulatividade do PIS teve sua origem com a
MP no 66, de 29/08/2002, que foi posteriormente convertida na Lei no 10.637, de
30/12/2002, que hoje regula a matéria com as alterações posteriores.
E na sequência, com a edição da MP no  135, de 30/10/2003, a técnica da
não cumulatividade foi estendida para a COFINS, posteriormente convertida na Lei
no 10.833, de 29/12/2003.
Com essas edições legislativas, as alíquotas do PIS e da COFINS foram aumen-
tadas significativamente, respectivamente, de 0,65% para 1,65% e de 3% para 7,6%
e, em contrapartida, conferiu o direito aos contribuintes de deduzirem os créditos
relativos aos bens e serviços adquiridos.
Pois bem, o que são tributos cumulativos? Segundo o Dicionário Houaiss da lín-
gua portuguesa,19 cumulativo é um “adjetivo que designa aquilo que se cumula ou
que procede ou se constrói por acumulação”.
Em síntese, é exatamente aquilo que a Reforma Tributária de 1965 preten-
deu alterar. Afastando a cumulatividade do até então IVC, de sorte que os impos-
tos sobre o consumo, entre eles o ICMS, respeitassem a neutralidade tributária,
permitindo que as decisões dos agentes econômicos não sejam distorcidas por uma
tributação que onere todas as fases do ciclo econômico até o consumo, sem o apro-
veitamento dos tributos pagos em cada etapa.
19
Antônio Houaiss. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1a reimpressão com alterações, Rio de Janeiro:
Objetiva, 2004, p. 889.
Osvaldo Santos de Carvalho 199

Para que ocorra a cumulatividade é necessário adotar-se como premissa a exis-


tência de uma cadeia de operações, ou seja, que o imposto seja plurifásico, que inci-
da sobre os múltiplos estágios que compõem o ciclo produtivo até o consumo final.
Por outro giro, a cumulatividade de incidências tributárias ocorrerá apenas e tão
somente se houver a possibilidade de um gravame posterior, esta sim adjetivada de
cumulativa, em relação à possibilidade de uma incidência anterior, a qual, isolada-
mente, não poderá jamais ser dotada de cumulatividade.
Nada tem a ver com a denominada bitributação, vedada pelo direito positivo
tributário que veda a competência para impor a incidência de tributos diversos sobre
um mesmo fato jurídico por entes tributantes diferentes.
Da mesma forma, não se trata do denominado bis in idem, que pressupõe a in-
cidência sobre um mesmo fato jurídico, conquanto a cumulatividade tem por objeto
fatos jurídicos distintos.
Quando falamos em ICMS é de lembrar que sua hipótese de incidência tributá-
ria tem como fato imponível operações com mercadorias e não sobre a mercadoria
propriamente dita e, com isso, não há de se falar de acumulação do imposto sobre
um mesmo bem. Vejamos a reflexão de Cléber Giardino20 a respeito:

Como é, então, possível afirmar-se que o imposto sobre uma operação se cumule
com o imposto sobre outra operação?
Quando se diz – e, lamentavelmente, isto foi muito dito, a partir de 1967, no
Brasil – que o princípio da não cumulatividade visa elidir uma chamada “incidên-
cia em cascata”, pressupõe, quem assim afirma, que o imposto não incide sobre
operações, mas que incide sobre mercadorias. Porque é evidente, que só se pode
cumular imposto, nessa matéria, na medida em que se tenha incidência sobre uma
mesma mercadoria, numa determinada operação anterior, e numa operação subse-
quente. Apenas, na medida em que se tome o ICM, não como um imposto sobre
operações, porém como um imposto sobre mercadorias, é que nós poderemos
falar numa chamada não cumulatividade estabelecida como mecanismo elidente de
“incidência em cascata”.
Confesso aos senhores a minha perplexidade! Não sei como se possa conciliar a
afirmação de que o ICM incide sobre operações com a afirmação de que a não
cumulatividade é algo que se dispõe a evitar “incidências em cascata”. Isso pressu-
põe reincidência sobre a mesma mercadoria. E esse fato inexiste no ICM, mesmo
porque o tributo não incide sobre mercadorias, mas sobre operações, absolutamen-
te autônomas e independentes uma das outras.

20
Cléber Giardino. Manifestação em mesa de debate sobre a tese “Não-cumulatividade e não-cumulação do
ICM”. Tese de autoria de Ernesto José Pereira dos Reis. Revista de Direito Tributário, no 22-23. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1982, p. 189.
200 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

A não cumulatividade é fato jurídico tributário e, portanto, entidade própria


do direito, mais precisamente do seu subsistema direito tributário, porque assim foi
recolhida do universo dos fatos sociais e vertida em linguagem competente para o
sistema do direito positivo, por meio de relato técnico, compondo o antecedente de
uma norma geral e abstrata.
Vejamos, pois, que a Constituição de 1988,21 tomando o cuidado de delinear
rigidamente o tributo, reza em seu art. 155, § 2o, I, que o ICMS:

Art. 155. (...)


(...)
§ 2o O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa
à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas an-
teriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

A Lei Complementar no 87/1996, em seu art. 19, cuidou apenas de reproduzir


o texto constitucional.

2.4 Os chamados tributos indiretos (entre eles o ICMS)

Entre tantas classificações existentes (reais ou pessoais; progressivos ou re-


gressivos; seletivos ou não seletivos; cumulativos ou não cumulativos; plurifásicos
ou monofásicos etc.) encontramos aquela que classifica os tributos em diretos e
indiretos.
Foi a ciência das finanças que primeiro determinou tal classificação. Por tal clas-
sificação, segundo os financistas, em apertada síntese, o tributo direto é aquele pelo
qual a carga tributária não é economicamente transferida para o consumidor final de
mercadorias e serviços, arcando diretamente o contribuinte com o recolhimento do
tributo. Já o tributo indireto é aquele que é transferido para terceiro, integrando o
preço da mercadoria ou serviço.
Essa classificação determinou o surgimento da classificação dos contribuintes
de direito (de jure) e de fato. Segundo tal classificação, o contribuinte de direito é
aquele que figura no polo passivo da relação obrigacional tributária e que deve pro-
mover o recolhimento do tributo aos cofres públicos. O contribuinte de fato, por
outro lado, é aquele que ao adquirir mercadorias ou serviços do contribuinte de di-
reito, tem transferido para si o ônus financeiro da obrigação sem, todavia, compor o
polo passivo da obrigação tributária.
21
Antonio Luiz de Toledo Pinto; Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt; Livia Céspedes. Op. cit., p. 95.
Osvaldo Santos de Carvalho 201

Trata-se de classificação que recebe contundente crítica por grande parte da


doutrina jurídico-tributária. Geraldo Ataliba22 é enfático ao dizer que:

É classificação que nada tem de jurídica; seu critério é puramente econômico. Foi
elaborada pela ciência das finanças, a partir da observação do fenômeno econômico
da translação ou repercussão dos tributos. É critério de relevância em certos sis-
temas estrangeiros. (...) A literatura de direito comparado deve ser recebida com
cautela. (...) No Brasil, para os juristas, essa classificação é irrelevante, salvo para in-
terpretar certas normas de imunidade ou isenção, pela consideração substancial
sobre a carga tributária, em relação à pessoa que suportará.
(Grifos do autor)

Com efeito, trata-se de classificação que deve ser vista com cautela. Certamente é
uma classificação de fundo econômico, todavia com reconhecidos reflexos jurídicos.
A classificação também é matizada por algumas incertezas, posto que não raro
os chamados “indiretos” são suportados pelo próprio contribuinte, não sendo repas-
sados a terceiros.
De outra banda, sob qualquer enfoque, seja econômico ou mesmo contábil, é
difícil imaginar um tributo “direto” que não seja, por qualquer artifício, incorporado
ao preço de mercadorias e serviços e, com isso, “repassado” a terceiros.
Os tributos, se adotarmos as lições da ciência contábil, são considerados como
custo na composição dos preços de mercadorias e serviços e repercutem economica-
mente sobre esses, sejam diretos ou indiretos.
É de meridiana clareza, portanto, que a simples repercussão econômica é insufi-
ciente para distinguir, pelo menos juridicamente, os tributos em diretos e indiretos.
Com o advento do art. 16623 da Lei no 5.172, de 25/10/1966, o Código Tri-
butário Nacional (CTN), daquela classificação dantes de cunho eminentemente eco-
nômico ou financista, decorreu uma nova proposta classificatória, partindo-se do
dado econômico (repercussão do ônus), procurando transformá-lo em instituto jurí-
dico (com o surgimento da norma para possibilitar a translação).
É razoável dizer que a classificação de tributos em diretos e indiretos subsistiu ao
CTN. A interpretação jurisprudencial, notadamente no Superior Tribunal de Justiça
(STJ), tem reafirmado a importância de tal distinção, sendo que para a jurisprudên-
cia o chamado indireto é o tributo que “repercute”.
22
Geraldo Ataliba. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 143.
23
O art. 166 prevê a possibilidade de restituição de tributos que “comportem, por sua natureza, transferência
do respectivo encargo financeiro”, ainda que impondo condições que a doutrina condena. Antes da edição do
CTN inexistia na legislação tributária brasileira hipótese legal que autorizasse a devolução de tributos pagos
indevidamente. Por conta disso, o STF aplicava o art. 964, do Código Civil anterior.
202 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Nesse diapasão, acerca do tema, a doutrina jurídico-tributária brasileira pode


ser dividida em duas correntes distintas: a primeira (Becker,24 Ataliba,25 Bottallo e
Melo26 etc.) que entende que a classificação é injurídica, posto que pautada em cri-
térios exclusivamente econômicos, inaplicável ao ordenamento jurídico e, a segunda
(Denari,27 Morshbacher28 etc.) que ainda que reconheça o cunho econômico, enten-
de que ela é recepcionada pelo direito e, para essa corrente doutrinária, os tributos
indiretos são aqueles criados para repercutirem (ou permitirem a restituição) e os di-
retos, por seu turno, não são juridicamente repercutíveis.
Diante do aqui exposto, ainda que em breve síntese, somos levados a admitir a
validade da classificação em tributos diretos e indiretos, especialmente em razão do
entendimento de decênios dos Tribunais Superiores (que teremos a oportunidade de
abordar em capítulos sequentes) que adotam tal dicotomia, no sentido de distingui-
rem os tributos passíveis de repercussão financeira (restituição).
Adotamos como suporte a doutrina de Sacha Calmon29 ao apregoar que a juris-
prudência pátria viu o art. 166 do CTN como condutor do conceito de tributo indi-
reto em razão da repercussão jurídica, a única a ser adotada, já que para ele, todos os
tributos, regra geral, são passíveis de repercussão exclusivamente econômica.

3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

As imunidades tributárias são normas jurídicas que estabelecem limites à compe-


tência dos entes tributantes. Elas atuam em momento anterior ao próprio exercício
da competência.
São normas de índole constitucional que proíbem a instituição de tributos em
relação a determinadas pessoas, bens, coisas, enfim, situações, valoradas pelo consti-
tuinte como insuscetíveis de tributação. Assim como os princípios constitucionais tri-
butários, são verdadeiras garantias à disposição dos contribuintes para não se verem
expostos a exações que a Constituição da República repugna.
A Constituição é uma verdadeira Carta de Competências quando falamos em
matéria tributária. É nela que os entes tributantes buscam o fundamento de vali-
dade para instituírem os tributos na sua esfera de competência. Na Constituição
24
Alfredo Augusto Becker. Teoria geral do direito tributário. 4. ed., São Paulo: Noeses, 2007, p. 569-570.
25
Geraldo Ataliba. Op. cit., p. 143.
26
Eduardo Domingos Bottallo; José Eduardo Soares de Melo. Comentários às súmulas tributárias do STF e STJ-
São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 87.
27
Zelmo Denari. Curso de direito tributário. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 86.
28
José Morshbacher. Repetição do indébito tributário. 3. ed., São Paulo: Dialética, 1998, p. 49.
29
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007,
p. 816.
Osvaldo Santos de Carvalho 203

encontramos todos os parâmetros que a União, Estados e Municípios devem adotar


para o exercício da atividade legiferante no que diz respeito às exações tributárias. E
tais parâmetros são de tal rigidez que não deixam espaços para que tais entes possam
dispor da competência tributária sem seguir seus estreitos critérios.
Entendemos a imunidade como integrante da classe finita de normas de estru-
tura (porque são somente aquelas estabelecidas na Constituição Federal) que estabe-
lecem proibição aos entes tributantes de instituírem no seu âmbito de competência,
exações tributárias por ela vedadas.
Pode-se dizer nesse contexto que a Constituição estabelece a incompetência dos
entes para imposição tributária nas situações por ela estabelecidas conferindo, por via
reflexa, o direito público subjetivo de determinados beneficiários não serem alcança-
dos pela tributação por parte da União, Estados e Municípios.
É por esse motivo que uma das definições de competência encontrada na
doutrina é a de que a imunidade é uma regra de competência negativa prevista
constitucionalmente.
Diga-se, de passagem, que se trata de tema que enfrenta grande divergência
doutrinária.
Paulo de Barros Carvalho30 aponta algumas noções correntes de imunidade tri-
butária, tais sejam: (i) a imunidade é uma limitação constitucional às competências
tributárias; (ii) imunidade como exclusão ou supressão do poder tributário; (iii) imu-
nidade como providência constitucional que impede a incidência tributária; (iv) hi-
pótese de não incidência constitucionalmente qualificada; (v) a imunidade é aplicável
apenas aos tributos não vinculados (impostos); (vi) a imunidade é sempre ampla e
indivisível, não comportando fracionamentos.
Referido autor31 refuta todas essas definições conceituando imunidades tributá-
rias como sendo:

Uma classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas contidas no


texto da Constituição da República e que estabelecem, de modo expresso, a in-
competência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir
regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente
caracterizadas.

Para os fins específicos desse estudo é preciso ainda observar que a doutrina do
direito tributário brasileiro costuma estudar as imunidades tributárias em conjunto
com as isenções tributárias, traçando os pontos assemelhados e que se desasseme-
lham entre os dois institutos.
30
Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 310-324.
31
Paulo de Barros Carvalho. Op. cit., p. 341-343.
204 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Trata-se, todavia, de institutos jurídicos distintos que, afora o fato de que as nor-
mas que cuidam de imunidades e isenções integram a classe das normas de estrutura
e veiculam, em seu conteúdo, normas relativas à tributação, uma distância gigantesca
as separam.
Como já assinalamos, as imunidades são normas jurídicas que limitam a com-
petência tributária dos entes tributantes, atuando num momento que antecede ao
próprio exercício da competência. Já a isenção se estabelece no plano da legislação
infraconstitucional, para alcançar situações passíveis de incidência não fosse a regra
isencional.
Para encerrar este capítulo sobre as imunidades ainda rememoramos que as imu-
nidades compõem uma classe perfeitamente determinável de sua abrangência. É a
Constituição Federal que cuida de cerrar os limites de seu alcance. Dito de outro
modo, as imunidades estão previstas na Constituição Federal.
Além das imunidades previstas no art. 150, VI, do texto constitucional (imuni-
dade recíproca; dos templos de qualquer culto; dos partidos políticos e das institui-
ções educacionais ou assistenciais; e dos livros, do periódico e do papel destinado à
sua impressão), encontraremos, espraiadas pelo texto constitucional, diversas outras
hipóteses de imunidades tributárias.

4 IMUNIDADE NO ICMS

O ICMS, assim como o IPI, integra respectivamente a categoria dos impostos


incidentes sobre a circulação e a produção e, assim, por sua própria natureza, inci-
de sobre a circulação de mercadorias e produtos industrializados, matizando-os até
a etapa final de consumo ou de produção, amparados, entre outros, no princípio da
não cumulatividade.
As imunidades que protegem determinadas pessoas, bens, coisas e situações es-
pecíficas da incidência tributária previstas na Constituição Federal, por meio da alí-
nea a do art. 150, VI, se referem aos “impostos sobre patrimônio, renda ou serviços”
das pessoas políticas nelas mencionadas, tais sejam União, Estados e Municípios. E
as imunidades contidas na alínea c se relacionam aos partidos políticos, incluindo
suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e de
assistência social.
Nesse diapasão, não há que se falar, por exemplo, em imunidade recíproca entre
os entes (alínea a do art. 150, VI) para as taxas, contribuições de melhoria e contri-
buições especiais, na medida em que a imunidade prevista no texto constitucional se
cinge à categoria dos impostos, não alcançando, por consectário, os demais tributos.
A mesma posição doutrinária um tanto pacífica não se tem sobre quais são os
impostos alcançados pela imunidade tributária das pessoas políticas indicadas nas
Osvaldo Santos de Carvalho 205

alíneas a e c, porquanto o texto constitucional, como já aduzido, se dirige à vedação


quanto aos impostos que recaem sobre o “patrimônio, renda ou serviços” desses be-
neficiários da imunidade.
E a contenda maior se estabelece ao determinar qual é o raio de ação da imuni-
dade em relação aos chamados “impostos indiretos” a que nos referimos no capítulo
anterior, especialmente porque se discute nesse contexto se a imunidade se dirige ao
“contribuinte de direito” ou ao denominado “contribuinte de fato”.
Voltando-se para o ICMS, a controvérsia se estabelece ao responder à seguin-
te indagação: a pessoa política descrita no texto constitucional quando se coloca na
condição de consumidora final de mercadorias ou é destinatária final de prestação de
serviços alcançados por referido tributo são desoneradas ou não do ICMS?
Encontramos julgados no STF que conferem guarida a uma interpretação am-
pliativa do art. 150, c, da CF, com a finalidade de abranger os ditos impostos indi-
retos no âmbito das imunidades tributárias, fundamentados na tese de que não se
pode restringir a aplicação das imunidades a critérios de classificação dos impostos
adotados por normas infraconstitucionais, cumprindo perquirir, tão somente, é se o
bem adquirido integra ou não o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade.
Trazemos à colação duas ementas de dois julgados nesse sentido, ambos de re-
latoria da Ministra Ellen Gracie:32

Ementa: Constitucional. Tributário, ICMS. Imunidade Tributária. Instituição de


Educação sem fins lucrativos. CF., art. 150, VI, c, I. Não há invocar, para o fim de
ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos ado-
tados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir
entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que
cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo,
integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II. Precedentes do
STF. III. R.E. não conhecido.

Em outro julgado do STF a Ministra33 já faz uma distinção decidindo que a imu-
nidade se dirige ao “contribuinte de direito”, ou, em outras palavras, quando a enti-
dade imune comercializa mercadorias:

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 210.251 – Edv/SP fi-


xou entendimento segundo o qual as entidades de assistência social são imunes em
relação ao ICMS incidente sobre a comercialização de bens por elas produzidos,

32
Brasil. STF – RE-EDV 186175/SP; Rel. Min. Ellen Gracie; DJ 23/08/2006. Disponível em <http://www.stf.jus.
br. Acesso em 02/02/2011.
33
Brasil. STF – RE 193.969/SP; Rel. Min. Ellen Gracie; DJ 08/11/2006. Disponível em http://www.stf.jus.br. Aces-
so em 02/02/2011.
206 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

nos termos do art. 150, VI, c da Constituição. Embargos de divergência conheci-


dos, mas improvidos.

Os votos vencidos nos julgados citados, contudo, oferecem uma segura fun-
damentação no sentido de que a imunidade nos impostos indiretos não milita em
favor do patrimônio, renda ou serviços da entidade beneficiada, beneficiando, por
vias transversas o consumidor final, porquanto repercute financeiramente para ele,
que em última análise arcaria com o tributo e seria o real beneficiário da desoneração
tributária.
Ademais, é importante lembrar que a Constituição Federal estabelece que a frui-
ção da imunidade está atrelada às finalidades essenciais da atividade das pessoas polí-
ticas por ela protegidas (art. 150, § 4o) e elas devem, ainda, atentar para os requisitos
previstos no art. 14 do Código Tributário Nacional (não distribuírem resultado,
aplicação de seus recursos no País e manterem escrituração regular de seus efeitos
negociais).
Consignando o nosso respeito àqueles que assim entendem, não acompanhamos
referida tese de que a imunidade prevista no art. 150, VI, e suas alíneas, seja extensi-
va ao ICMS, quando adquirem mercadorias e serviços sujeitos à tributação pelo re-
ferido imposto, ocupando a posição de contribuintes “de fato”, na medida em que
suportam a carga do tributo, pelo fato de que o contribuinte “de direito”, faz o re-
colhimento do ICMS e repassa o custo no preço final da mercadoria. Mais adiante
teremos a oportunidade de apresentar jurisprudência que milita em desfavor dos dois
julgados anteriormente colados.
Posicionamo-nos no sentido de que, quanto aos impostos ditos indiretos (caso
do ICMS e do IPI), o denominado contribuinte “de fato”, não é o contribuinte elei-
to pela lei como aquele que tem o dever de recolher tributo. Ele é pessoa estranha à
relação jurídica tributária que se estabelece entre o contribuinte, dito “de direito” e
o sujeito ativo (no caso do ICMS os Estados da Federação e o Distrito Federal), que
tem a competência para instituir o ICMS por mandamento constitucional.
É a Constituição Federal que atribui competência aos Estados e ao Distrito Fe-
deral para instituir o ICMS.
A Constituição remete para Lei complementar (art. 146, inciso III) a compe-
tência para, além de dispor sobre conflitos de competência, limitações ao poder de
tributar, ditar normas gerais e matéria tributária, estabelecendo e definindo, entre
outros, a definição de contribuinte. Diz o art. 146, III, a da Carta Política:

Cabe à lei complementar:


(...)
II – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
Osvaldo Santos de Carvalho 207

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discrimina-
dos nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

Ao lado do CTN (Código Tributário Nacional) – nossa principal lei comple-


mentar em matéria tributária, que foi recepcionada pela atual Constituição Federal,
especificamente quanto ao ICMS, – temos também a LC 87/1996, dispondo so-
bre este imposto, estabelecendo e definindo, entre outros pontos, sobre incidência,
não incidência, contribuinte, responsável, fato gerador, alíquota e base de cálculo.
O art. 4o e parágrafo único da LC 87/1996 assim define o contribuinte do ICMS:

Art. 4o Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitu-
alidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de
mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem
habitualidade ou intuito comercial:
I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;
II – seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha inicia-
do no exterior;
III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;
IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e
energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização
ou à industrialização.

Como já tivemos a oportunidade de ver, as imunidades tributárias têm previsão


no art. 150, da CF/88. Entre elas citamos exemplificativamente aquela prevista na
alínea c do referido dispositivo:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência so-
cial, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

Em sede de legislação complementar, esta hipótese de imunidade tributária es-


tipulada constitucionalmente tem previsão no CTN, que estabelece, em seus art. 9o,
IV, c e 14, às vedações quanto à cobrança de impostos e traz os requisitos que devem
ser observados, prevendo que:
208 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Art. 9o É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


(...)
IV – cobrar imposto sobre:
(...)
c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo;

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9o é subordinado à observância dos


seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qual-
quer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objeti-
vos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formali-
dades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1o Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1o do art. 9o, a autori-
dade competente pode suspender a aplicação do benefício.
§ 2o Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9o são exclusivamente,
os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata
este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

Retomando ao cerne da questão em debate é necessário dizer, de antemão, quem


são os contribuintes na relação obrigacional submetida à tributação pelo ICMS. Dito
de outro modo, quais foram as pessoas, colocadas por lei, no polo passivo da obriga-
ção tributária para pagar aludido tributo quando da realização da operação jurídica
de compra e venda de mercadorias e prestação de serviços sujeitos ao tributo.
A Lei Complementar 87/1996 estabelece em seu art. 4o que contribuinte do
ICMS é:

(...) qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume
que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que
as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Esse comando legal indica que nas situações de compra e venda de mercadorias
e prestação de serviços alcançados pelo ICMS, as pessoas que realizam com habitua-
lidade essas operações e prestações são, inequivocamente, nesta ordem, as empresas
comerciais e industriais que transacionam com mercadorias e serviços.
Osvaldo Santos de Carvalho 209

Nesse contexto, são essas empresas as alçadas, pela lei, à condição de sujeitos
passivos da relação tributária obrigacional e é com estas pessoas que se instaura o
vínculo obrigacional tributário, a cada operação ou prestação realizada com merca-
dorias e serviços.
Resta indagar, nesse passo, qual o papel desempenhado pelas entidades benefi-
ciadas constitucionalmente pela imunidade, no âmbito do tributo estadual (ICMS),
quando se coloca na condição de adquirente de mercadorias e serviços alcançados
pelo aludido tributo. Adote-se como exemplo, quando é adquirente da energia elé-
trica fornecida por concessionária ou tomador do serviço de telefonia prestado.
Pelo aqui exposto vê-se que no tocante a essas operações e prestações, tais pes-
soas políticas exercem papel destituído de qualquer relevância ou conotação jurídica
no âmbito do direito obrigacional tributário, sendo completamente estranhas à rela-
ção obrigacional tributária deflagrada com referidos negócios jurídicos.
Sob o ângulo eminentemente financeiro não é possível desconhecer o meca-
nismo da repercussão do tributo ICMS no preço dos bens ou serviços, objeto de
negócios jurídicos, razão pela qual não é razoável refutar a conclusão de que o inte-
ressado, neste particular, reveste-se da condição de pessoa que, a final, suportou o
ônus financeiro do tributo, é o que se denomina contribuinte “de fato”, pela circuns-
tância de que o contribuinte propriamente dito, aquele eleito pela lei como sujeito
passivo e que tem a obrigação de cumprir a obrigação tributária perante o sujeito ati-
vo, acaba repassando o custo tributário no preço final da mercadoria ou serviço que
sofreu a incidência do ICMS.
No entanto, tal circunstância é estranha à relação jurídica tributária decorrente
desses negócios, a qual, como visto, instaura-se exclusivamente entre as pessoas do
Estado e dos fornecedores desses bens ou serviços (contribuintes “de direito”).
Pois bem, o dispositivo constitucional que reconhece a imunidade às situações
previstas no art. 150, inciso VI, alíneas a até d, só pode ser aplicado nas situações em
que os beneficiários, não fosse a norma imunizante, ver-se-iam, potencialmente, na
condição de contribuintes de determinado tributo.
Quando aqui nos referimos à condição de contribuinte, estamos nos referindo
à situação em que a pessoa é colocada, por força da lei, no polo passivo da relação
obrigacional tributária, em consonância com o disposto no inciso I do parágrafo
único do art. 121 do Código Tributário Nacional, o denominado “contribuinte de
direito”.
Como se sabe, o “contribuinte de fato”, na verdade, não é contribuinte na acep-
ção semântica do termo. O contribuinte de fato jamais integra o critério pessoal das
regras de incidência tributária.
Trata-se de entendimento preponderante nos tribunais superiores. Trazemos
à colação vários julgados, tanto no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
210 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

(TJ-SP), assim como no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal


Federal (STF) em que a imunidade é aplicada às pessoas elencadas nas alíneas do
inciso VI, do art. 150 da CF/88, relativamente a renda, patrimônio e serviços e,
particularmente quanto às entidades de assistência social, quando relacionadas às
suas finalidades essenciais, quando estas pessoas (entidades) ocupam o polo passivo
da relação jurídica tributária, ou seja, são os contribuintes (de direito), eleitos pela
norma tributária.
No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo elencamos algumas decisões:

Apelação c/ revisão no  658.960.5/2-00. Comarca: São Paulo. Ementa. ICMS.


Energia elétrica. Pretensão à suspensão da exigibilidade do tributo. Exegese do
art. 150, inciso VI, alínea a da CF. Inexistência de imunidade tributária. Senten-
ça mantida. Recurso improvido. I – O recurso não pode ser provido. Dispõe o
art. 150, VI, a e § 4o, da Constituição Federal de 1988:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
(...) VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistên-
cia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
(...)
§ 4o A vedação do inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio,
a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas
mencionadas.
Por sua vez, o Código Tributário Nacional, no art. 14, tratando dos requisitos da
imunidade, estabelece:
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9o é subordinado à observância
dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título
de participação no seu resultado.
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de for-
malidades capazes de assegurar sua exatidão.
Na espécie, a apelante sustenta a tese que ICMS incidente sobre a energia elétrica
está sendo cobrado sob sua propriedade e renda, mas a bem da verdade pretende
dar maior amplitude ao texto constitucional, o que é inadmissível por conta
das normas postas em destaque.
Osvaldo Santos de Carvalho 211

Deste modo, tem-se que o ICMS é o imposto sobre operações relativas à circulação
de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, inter-
municipal e de comunicação, da competência dos Estados e do Distrito Federal
previsto na Lei Complementar 87/96, podendo ser o contribuinte pessoa física ou
pessoa jurídica que realize, com intuito empresarial, operações comerciais que se
caracterizem fato gerador de ICMS.
Assim, o ICMS não incide sobre o patrimônio, a renda ou os serviços da
apelante, mas, incide sobre o fornecimento dos serviços de energia elétrica
por esta consumido, descaracterizando, por conseguinte, inexiste a suposta
imunidade disciplinada pelo art. 150, inciso VI, alínea a, da Constituição da
República. Isto posto nega-se provimento ao recurso.
(Grifos do autor)

Voto no 16130. Apelação no 343.002.5/0. São Paulo. Ação Ordinária. Entidade


assistencial sem fins lucrativos. Pretensão de eximir-se do pagamento de ICMS
cobrado nas contas de energia elétrica e telefonia. Art. 150, VI, c, da Constituição
Federal. Inadmissibilidade. Imunidade referente ao patrimônio, renda ou serviços.
Hipótese dos autos é de relação de consumo. Sentença improcedente. Recurso des-
provido. O recurso não merece prosperar. A Constituição Federal, em seu art. 150,
VI, c, dispôs ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, in-
clusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei:...
Ora, o consumo de energia elétrica e despesas com telecomunicações não se
incluem no patrimônio da autora, o que afasta, desde logo, a imunidade con-
ferida pela Constituição.
Na hipótese dos autos, o Estado não está tributando o patrimônio, a renda
ou os serviços prestados pela Entidade, mas os produtos por ela adquiridos.
Como bem salientado pela MM. Juíza sentenciante:
Ocorre que nem a energia elétrica, nem os serviços de telefonia consumidos pela
Autora podem ser considerados integrantes de seu patrimônio, de suas rendas ou
de seus serviços.
(...)
Tanto são mercadorias esses bens, que sua tributação é feita por meio do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
Por outro lado, não se pode deixar de ponderar que tanto a energia elétrica quanto
os serviços de telefonia utilizados pela Autora se destinam ao seu próprio provei-
to – como tal se entendendo o desempenho das atividades cotidianas necessárias à
manutenção dos estabelecimentos que a compõem.
Nisso não está prestando serviços, nem está gerando renda, nem está atin-
gindo seu patrimônio – para aumentá-lo ou diminuí-lo. Está, simplesmente,
212 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

desenvolvendo típica relação de consumo, estranha (no sentido de “exterior”)


àqueles conceitos. E a proteção constitucional não se estende à tributação in-
cidente sobre meras relações de consumo que não tenham repercussão direta
no patrimônio, na renda ou nos serviços das entidades contempladas pela
Constituição. (...)
Nesse sentido: Ap. Cível no 323.099.5/4; Rel. pelo Des. Urbano Ruiz e Ap. Cível
no 053.304.5/9, relatado pelo Des. Pinheiro Franco, dentre outros. Ante o expos-
to, nega-se provimento ao recurso. 26/09/2006.
(Grifos do autor)

Tutela Antecipada. Ausência dos requisitos do art. 273 do Código de Processo


Civil. Deferimento em primeira instância. Agravo de instrumento provido. Cuida-
-se de agravo de instrumento interposto pela Fazenda do Estado contra a r. deci-
são copiada às fls. 41 que, nos autos da ação ordinária que lhe move a Sociedade
Portuguesa de Beneficência, deferiu a tutela antecipada, para afastar a incidência
de ICMS nas contas de fornecimento de energia elétrica da autora até a decisão
final da lide. A agravante busca reforma, sustentando em suma que a decisão re-
corrida afronta o disposto no art. 1o da Lei no 9 494/97, além do que a imunidade
tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição Federal, não
tem a abrangência pretendida pela agravada. Atribuído efeito suspensivo ao recurso
(fls. 45), o juiz da causa prestou as informações de fls. 52 e a agravada respondeu
(...). 2. O inconformismo merece acolhida, não porque a tutela concedida esgote,
no todo ou em parte, o objeto da ação, o que não acontece, mas porque não está
presente na postulação da agravada o requisito da verossimilhança da alegação.
Com efeito, a corrente jurisprudencial amplamente majoritária a respeito do
tema em debate, inclusive nas Cortes Superiores, considera que ocorre a imu-
nidade somente nos casos em que o ente imune seja o contribuinte de direito,
isto é, quando ele próprio preste serviços ou circule mercadorias, situação
que não abrange o ICMS exigido da instituição de assistência social sem fins
lucrativos por concessionárias do serviço de energia elétrica. Em tais condições,
dá-se provimento ao recurso, para cassar a decisão copiada a fls. 41, ficando inde-
ferida a tutela antecipada. Ricardo Feitosa. Relator. Agravo de Instrumento no 668
734-5/0-00. Santos.
(Grifos do autor)

ICMS. Energia Elétrica. Hipótese em que o Município figura como consumi-


dor final. Inexistência de imunidade tributária. Recursos improvidos. (Apela-
ção Cível no 19.854-5/9, 9a Câmara de D. Público; Rel. Des. De Santi Ribeiro;
j. 15/04/1998).

Nesse último acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo consta como funda-
mento que
Osvaldo Santos de Carvalho 213

Aliás, outro não é o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Federal, que
reiteradamente vem se pronunciando no sentido de que a imunidade recíproca
não encontra aplicação nos casos em que o Poder Público é mero contribuinte de
fato do imposto, como na hipótese em discussão (RTJ 55/580; 57/244; 58/110;
59/774; 58/216).

Frise-se que embora os julgados trazidos à colação digam respeito à imunidade


tributária recíproca, que tem como beneficiários os entes estatais, o raciocínio utili-
zado e a essência jurídica que deles se extrai aplicam-se por inteiro também às demais
hipóteses congêneres de imunidade, eis que, em última análise, o assunto versado é
o mesmo.
Não é diferente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se vê dos
seguintes julgados:

Tributário. ICMS. Energia elétrica e Serviços de telefonia. 1. A imposição do prin-


cípio da imunidade recíproca entre pessoas jurídicas de direito público não alcança
o ICMS exigido do município por empresas concessionárias de serviços de telefo-
nia ou de fornecimento de energia elétrica. 2. O Estado do Paraná cobra o ICMS
das empresas concessionárias de telefonia ou de fornecimento de energia elétrica.
Não o faz dos municípios. 3. Essas entidades, empresas de direito privado, não es-
tão favorecidas pela imunidade tributária. Esta só ocorre entre pessoas jurídicas de
direito público. 4. Recurso improvido. (RMS 6827/PR; Rel. Min. José Delgado;
j. 05/09/1996).
Recurso ordinário. Mandado de segurança. Tributário. ICMS. Ilegitimidade das
partes. Imunidade tributária. Inexistência. Precedentes. 1. Não sendo contribuin-
te do ICMS, o Município não tem legitimidade passiva para, buscando eximir-se
desse tributo, acionar o Secretário da Fazenda Estadual que, a seu turno, é parte
ilegítima para figurar no polo passivo da ação. 2. O princípio da imunidade tri-
butária entre pessoas jurídicas de direito público não alcança o ICMS exigido
do Município por concessionárias dos serviços de telefonia e fornecimento de
energia elétrica.
Recurso ordinário improvido. (RMS 7.040/PR, Rel. Min. Peçanha Martins, j.
11/12/1997).
(Grifos do autor)

Ementa: Processual Civil. Mandado de segurança. Entidade filantrópica. Imuni-


dade tributária. Art. 150, VI, c, da CF. Ausência de direito líquido e certo. 1. É
incompatível com o rito do mandado de segurança dilação probatória para averi-
guação do direito invocado. 2. O art. 150, VI, c, da Constituição Federal ga-
rante imunidade tributária apenas em relação ao respectivo patrimônio, renda
e serviços prestados pelas entidades sem fins lucrativos, não alcançando, por
conseguinte, o método de formação de preços na prestação de serviços que
214 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

lhes sejam prestados por terceiros. 3. Inexistência de direito líquido e certo a ser
amparado na via do mandamus. 4. Recurso ordinário não provido. RMS 19.671
/RJ; Rel. Min. João Otávio de Noronha; Segunda Turma; DJ de 10/10/2005).
(Grifos do autor)

No mesmo sentido apresentamos diversos julgados do Supremo Tribunal


Federal:

Imposto de consumo. Mercadorias vendidas a comprador titular de imunidade


tributária. Desde que o imposto de consumo é devido pelo produtor, operando-
-se a sua incidência na saída da mercadoria do estabelecimento (art. 35, I, da Lei
no 4.502, de 30/11/1964), aquele não se libera ainda que o adquirente da mer-
cadoria goze de imunidade ou isenção. (RE – 68.802/SP; Rel. Min. Djaci Falcão;
j. 04/05/1971).

Imposto de consumo, atualmente imposto sobre produtos industrializados. Imu-


nidade recíproca das entidades públicas. Tal imunidade não afasta a incidência
desse imposto na aquisição de mercadorias por aquelas entidades, porque, no
caso, a relação jurídico-tributária é estranha à entidade pública, visto que a
relação é formada pelo Fisco e o responsável legal pelo imposto, ou vendedor
da mercadoria. (RE 67.814/SP; Rel. Min. Eloy da Rocha; j. 22/11/1971).
(Grifos do autor)

Imunidade fiscal recíproca. Não tem aplicação, na cobrança do imposto sobre pro-
dutos industrializados. O contribuinte “de iure” é o industrial ou produtor. Não
é possível opor a realidade econômica à forma jurídica, para excluir uma obrigação
fiscal precisamente definida em lei. O contribuinte de fato é estranho à relação tri-
butária e não pode alegar, a seu favor, a imunidade recíproca. (RE 68.924/SP, Rel.
Min. Bilac Pinto, j. 28/09/1970).

Ementa: Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso extraordinário. Fornecimen-


to de energia elétrica para iluminação pública. ICMS. Imunidade invocada pelo
município. Constituição federal, art. 150, inciso VI, letra a. As decisões anteriores
foram desfavoráveis ao requerente, o que transmuda o seu pedido em tutela ante-
cipada em recurso extraordinário, cujo deferimento está condicionado à verossimi-
lhança das alegações contidas no apelo extremo. Condição inexistente no caso,
visto que, de acordo com o acórdão recorrido, o fornecedor da iluminação
pública não é o Município, mas a Cia. Força e Luz Cataguases, que paga o
ICMS à Fazenda Estadual e o inclui no preço do serviço disponibilizado ao
usuário. A imunidade tributária, no entanto, pressupõe a instituição de im-
posto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio Município.
Ademais, de acordo com o art. 155, § 3o, da Magna Carta, o ICMS é o único
Osvaldo Santos de Carvalho 215

imposto que poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica. Medi-
da cautelar indeferida.
AC-MC 457/MG – Minas Gerais; Medida cautelar em ação cautelar; Rel. Min.
Carlos Britto; Primeira Turma; j. 26/10/2004; DJ 11/02/2005; p. 5 .
(Grifos do autor)

Tal posicionamento encontra eco na doutrina pátria. Vejamos o que diz Zelmo
Denari:34

No entanto, quando o ente público assume a posição de contribuinte de fato – por


exemplo, quando adquire mercadorias no mercado interno, como simples consu-
midor – a imunidade recíproca é inaplicável e não pode ser invocada pelo adqui-
rente do produto. Na verdade os preceitos imunitórios protegem somente os
contribuintes de direito, únicos sujeitos ao alcance incidental da regra jurídica
tributária. A locução contribuinte de fato é apenas eufemismo que designa pessoa
estranha à relação jurídica tributária, qual seja, o consumidor.
(Grifos do autor)

Hugo de Brito Machado,35 ao discorrer sobre a imunidade das entidades de di-


reito público, mas que pode ser perfeitamente aplicado ao caso aqui em debate, as-
sim se posiciona:

A imunidade das entidades de direito público não exclui o imposto sobre produtos
industrializados (IPI), ou sobre circulação de mercadorias (ICMS), relativo aos
bens adquiridos. É que o contribuinte destes é o industrial ou comerciante, ou
produtor que promove a saída respectiva. O Supremo Tribunal Federal já decidiu
de modo contrário, mas reformulou sua posição.

Sacha Calmon Navarro Coêlho,36 ao comentar a aplicação da imunidade recí-


proca aos chamados “impostos indiretos”, perfeitamente aplicável à imunidade das
entidades de assistência social, leciona que:

A jurisprudência da Suprema Corte brasileira atualmente prestigia o entendimento


que vimos de esposar, contra a teoria de Baleeiro, mormente no que tange a exten-
são da intergovernamental recíproca a impostos outros que não os incidentes sobre
os fatos: renda, patrimônio e serviços, conforme a sistemática do Código Tributá-
rio Nacional. Especialmente, afasta do âmbito protetor da imunidade os chamados
impostos indiretos (terminologia da ciência das finanças) admitindo a repercussão

34
Zelmo Denari. Curso de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 157.
35
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Curso de direito tributário. 11. ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 202.
36
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Comentários a Constituição de 1988. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991,
p. 348.
216 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

tributária sobre pessoa de direito público, sem que isso possa atrair a aplicação da
regra imunitória (em que pesem algumas esparsas decisões contrárias).

Paulo de Barros Carvalho,37 ao discorrer sobre a aplicabilidade da imunidade


nos impostos cujo encargo é transferido a terceiros (ICMS e IPI), e, especificamen-
te quando o contribuinte de fato é pessoa política de direito público (União, Esta-
dos, Distrito Federal ou Município), ou seja, a imunidade recíproca (art. 150, VI, a
da CF/88), que é também perfeitamente aplicável às demais pessoas políticas con-
templadas pela regra imunizante (imunidade de entidades de assistência social, por
exemplo), assim se posiciona:

Problema surge no instante em que se traz ao debate a aplicabilidade da regra que


imuniza a impostos cujo encargo econômico seja transferido a terceiros, como no
IPI e no ICMS.
Predomina a orientação no sentido de que tais fatos não seriam alcançados
pela imunidade, uma vez que os efeitos econômicos iriam beneficiar elementos
estranhos ao Poder Público, refugindo do espírito da providência constitu-
cional. A relação jurídica se instala entre sujeito pretensor e sujeito devedor, sem
que haja qualquer participação integrativa dos terceiros beneficiados. E a pessoa
jurídica de direito constitucional interno não pode ocupar esta posição, no setor
das exigências tributárias. A tese foi brilhantemente sustentada pelo saudoso Min.
Bilac Pinto, em memoráveis acórdãos no Supremo Tribunal Federal. E a formula-
ção teórica não pode ficar conspurcada pela contingência de a entidade tributante,
comparecendo como contribuinte de fato, ter de arcar com o peso da exação, pois
aquilo que desembolsa não é tributo, na lídima expressão de seu perfil jurídico.
(Grifos do autor)

Decisivamente, a imunidade tributária quanto aos impostos, prevista no art. 150,


VI, alínea c da CF/88, tem caráter personalíssimo. É aplicável tão somente aos im-
postos que gravem a renda, o patrimônio e os serviços das entidades de assistência
social, jamais poderá alcançar uma operação ou prestação com mercadorias ou servi-
ços tributados pelo ICMS, em que o contribuinte que integra a relação jurídico-tri-
butária e eleito pela lei como aquele que deve cumprir a obrigação é terceira pessoa.
É de se consignar mais uma vez que o ICMS, imposto de competência estadual,
tem como materialidade a circulação de mercadorias, não podendo ser classificado,
portanto, como imposto que grava o patrimônio, a renda ou os serviços, conforme
prescreve a norma constitucional.
Com entendimento de que a imunidade prevista na norma constitucional é apli-
cável tão somente aos impostos que gravam o patrimônio, a renda e os serviços, não
alcançando o ICMS, que é imposto que tem como materialidade a circulação de
37
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 17. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 189-190.
Osvaldo Santos de Carvalho 217

mercadorias, Grifos do autor as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Esta-


do de São Paulo no julgamento das apelações 678.521-5/6-00 e 709.285.5/7-00.
Reproduzimos alguns trechos dos citados julgados:

Apelação no 678.521.5/6-00; Comarca: São Paulo


APTE: Associação de Beneficência e Filantropia São Cristóvão
APDO: Fazenda do Estado de São Paulo
ICMS. Energia elétrica. Imunidade. Associação beneficente e de assistência social.
Benefício fiscal que apenas atinge o patrimônio, a renda ou os serviços prestados
pela entidade, sem torná-la imune a todo e qualquer tributo (CF, art. 150, VI, c) –
Ação improcedente. Recurso não provido. A r. sentença julgou improcedente ação
declaratória de imunidade tributária cumulada com repetição de indébito do ICMS
recolhido nos últimos dez anos, incidente sobre mercadorias e serviços, energia
elétrica e comunicações, promovida pela Associação de Beneficência e Filantropia
São Cristóvão em face da Fazenda do Estado de São Paulo. Sobreveio apelação
buscando a procedência da ação. Sustenta ter sido declarada entidade de Utilidade
Pública, nas esferas, Federal, Estadual e Municipal, por decretos e imune às con-
tribuições sociais incidentes sobre a cota patronal, por ato declaratório do INSS.
Fundamenta seu pedido no art. 150, VI, c, da CF e art. 165 do CTN, por se tratar
de associação sem fins lucrativos. Acrescenta, ainda, preencher os requisitos do art.
14 do CTN, tendo direito, portanto, à declaração de sua imunidade tributária.
Sem razão, entretanto. Sob alegação de tratar-se de entidade beneficente de assis-
tência social, sem fins lucrativos, pretende a apelante ver reconhecido seu direito
à imunidade tributária e, consequentemente, o direito à restituição dos valores
pagos a título de ICMS incidentes sobre energia elétrica, nos últimos dez anos.
Os documentos juntados, expedidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social
(fls. 273/274) esclarecem que a apelante é entidade beneficente de assistência so-
cial, sem fins lucrativos. Foi declarada de utilidade pública Municipal pelo Decreto
4.574/60. O gozo da imunidade depende, entretanto, do preenchimento, pela
entidade, de requisitos da lei, que são aqueles estabelecidos no art. 14 do CTN.
E, a imunidade apenas será reconhecida após requerimento à autoridade adminis-
trativa competente, que apreciará a situação objetiva, conferindo ou não um en-
quadramento às exigências da Lei 5.172/66, após o que reconhecerá a imunidade
da instituição (cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, 18. ed.,
Saraiva, pág. 202).
Contudo, a CF, no art. 150, VI, c, apenas torna imune à tributação o patrimô-
nio, renda de serviços das instituições de assistência social, sem fins lucrativos,
sem atingir o ICMS. Bem explicam, a propósito, Sacha Calmon Navarro Coêlho
(fls. 343) e Roque Antonio Carrazza (in Curso de Direito Constitucional Tributá-
rio, ed. Malheiros, 18a ed., pág. 442), que a imunidade das instituições de educação
e assistência social os protege da incidência do IR, IPTU e ISS, não de outros dos
quais se livrarão mediante isenção expressa. De fato, como assentado na Medida
218 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Cautelar na ação cautelar 457-MG, pelo Min. Carlos Britto (RTJ 193/811), a imu-
nidade veda a instituição de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços
das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendi-
dos os requisitos da lei. No caso, todavia, o Estado não está tributando o pa-
trimônio, a renda ou os serviços prestados pela Associação São Cristóvão, mas
os produtos e serviços por ela adquiridos. Naquele precedente do STF, pretendia
o município se ver livre do ICMS incidente sobre fornecimento de energia elétrica
para a iluminação pública, quando não havia tributação de serviço, patrimônio ou
renda do próprio município. (...). As imunidades ao ICMS estão enumeradas no art.
155, XI, da CF, letra a e d, sem incluir a referida pela apelante. Assim, impossível
o acolhimento da pretensão da apelante, motivo pelo qual, fica mantida a improce-
dência da ação, negando-se provimento ao recurso. Urbano Ruiz – Relator.
(Grifos do autor)

Apelação no 709.285.5/7-00; Comarca: Santos


APTE: Fazenda do Estado de São Paulo e outro.
APDO: Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados
ICMS. Imunidade. Mandado de Segurança impetrado por entidade assisten-
cial para se ver livre do ICMS incidente sobre bens adquiridos no exterior
– Importação de bens (tintas de impressão e peças de máquina de encaderna-
ção) – CF, art. 150, VI, c e § 4o. Contudo, apenas o patrimônio, a renda e os
serviços prestados pela instituição estão imunes ao IPTU, IR e ISS. Os casos
de imunidade ao ICMS estão enumerados no art. 155, X, da CF, sem permitir
ampliação. Necessidade, ainda, de requerimento a autoridade administrativa
que examinará o cumprimento ou não das exigências do art. 14 do CTN. En-
tidade que tem de aplicar seus recursos no país, sem que possa remetê-los ao
exterior a pretexto de importação. ICMS devido na importação (CF, art. 155,
§ 2o, IX, a). Ação improcedente. Recursos providos (oficial e da Fazenda).
Entidade assistencial importou da Alemanha e Holanda tintas para impressão e
peças para máquinas de encadernação. Impetrou a presente segurança para se ver
livre do recolhimento do ICMS quando da liberação daqueles bens. Fundou-se sua
pretensão no art. 150, VI, c e § 4o da CF, que veda a instituição de impostos sobre
o patrimônio de instituições de assistência social. A liminar foi deferida (fls. 412),
as informações foram prestadas, o representante do Ministério Público opinou fa-
voravelmente e a r. sentença concedeu segurança por entender a impetrante imune
ao recolhimento do ICMS. A Fazenda apelou sob alegação do ICMS não ter por
fato gerador o patrimônio, a renda ou os serviços prestados pela entidade. A im-
portação daqueles bens constitui fato gerador do ICMS, sem permitir a alegação de
imunidade (CF, art. 155, § 2o, IX, a). Tem razão a apelante. Assente-se de início, o
que o gozo da imunidade depende do preenchimento, pela entidade, de requisitos
da lei, que são aqueles estabelecidos no art. 14 do CTN. E, a imunidade apenas
será reconhecida após requerimento à autoridade administrativa competente, que
Osvaldo Santos de Carvalho 219

apreciará a situação objetiva, conferindo ou não seu enquadramento às exigências


da Lei no 5.172/66, após o que reconhecerá a imunidade da instituição (cf. Paulo
de Barros Carvalho, in Curso de Direito Tributário, 18. ed., São Paulo: Saraiva,
p. 202). Tem, com efeito, de fazer provas de não distribuir qualquer parcela de seu
patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título, aplicar integralmente, no País, os
seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais e, manter escritu-
ração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de
assegurar sua exatidão. No caso, estranha-se a importação de tintas de impressão e
de peças de máquinas de encadernação. É que não há evidências de que não haja
fabricação de tais bens em nosso país, sem que se justifique a remessa de divisas ao
exterior, a pretexto de adquiri-los. Importa, entretanto, que a CF, no art. 150,
VI, c, apenas torna imune à tributação o patrimônio, a renda e os serviços das
instituições de assistência social, sem fins lucrativos, sem desobrigá-las do re-
colhimento do ICMS. Bem explicam Sacha Calmon Navarro Coêlho e Roque
Antonio Carrazza (in Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros,
11. ed., p. 442), que a imunidade das instituições de educação e assistência
social as protege da incidência do IR, IPTU e ISS, não de outros, dos quais se
livrarão mediante isenção expressa. De fato, como assentado na Medida Cautelar
457-MG, pelo Min. Carlos Britto (RTJ 193, 811) a imunidade veda a instituição
de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das instituições de educação e
de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. No caso, to-
davia, o Estado não está tributando o patrimônio, a renda ou os serviços prestados
pela Associação Torre de Vigia de Bíblias de São Paulo, mas os produtos e serviços
por ela adquiridos. (...) As operações imunes ao recolhimento do ICMS são as
enumeradas no art. 155, X, letras a, b, c e d da CF, sem que possam ser ale-
atoriamente ampliadas, mesmo porque se interpreta literalmente a legislação
tributária que disponha sobre benefícios tributários (CTN, art. 111).
Isto posto é dado provimento aos recursos (oficial e da Fazenda), para denegar a
segurança, invertidos os ônus da sucumbência. O ICMS é devido. Urbano Ruiz –
Relator.
(Grifos do autor)

Na mesma senda temos a Súmula no 591 do STF, embora citando o IPI (Im-
posto sobre Produtos Industrializados), perfeitamente aplicável ao ICMS no nosso
entendimento, por se tratar, ambos os impostos, de tributos indiretos ao estabelecer
“A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, con-
tribuinte do imposto sobre produtos industrializados”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

I. O desenho constitucional rígido, que demarca o perfeito contorno do ato de tri-


butar, vale dizer, de criar in abstracto o tributo e discipliná-lo juridicamente, tolhe,
220 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

sobremodo, a liberdade do legislador complementar e ordinário, que deverá dar vazão


ao comando constitucional, reproduzindo-o, agora, num grau de concreção maior,
todavia, não ultrapassando as divisas perfeitamente delineadas pela Carta Maior.

II. Sabemos que o ICMS reclama a edição de Lei Complementar para discipliná-lo.
A Lei Complementar no 87/1996 é, hoje, o texto básico que regra o ICMS, com
seus méritos e deméritos, porém, de observância obrigatória pelos entes federados.

III. O ICMS está fora do alcance do primado da capacidade contributiva e atina para
o princípio da igualdade quando a determinação de seu aspecto quantitativo obede-
ce ao ditame da seletividade (CF, art. 155, § 2o, III), outro princípio que deriva do
princípio da isonomia tributária.

IV. Entre tantas classificações existentes (reais ou pessoais; progressivos ou regressi-


vos; seletivos ou não seletivos; cumulativos ou não cumulativos; plurifásicos ou mo-
nofásicos etc.) encontramos aquela que classifica os tributos em diretos e indiretos.

V. Por tal classificação, segundo os financistas, em apertada síntese, o tributo direto


é aquele pelo qual a carga tributária não é economicamente transferida para o con-
sumidor final de mercadorias e serviços, arcando diretamente o contribuinte com o
recolhimento do tributo. Já o tributo indireto é aquele que é transferido para ter-
ceiro, integrando o preço da mercadoria ou serviço.

VI. Essa classificação determinou o surgimento da classificação dos contribuintes de


direito e de fato. Segundo tal classificação, o contribuinte de direito é aquele que
figura no polo passivo da relação obrigacional tributária e que deve promover o re-
colhimento do tributo aos cofres públicos. O contribuinte de fato, por outro lado,
é aquele que ao adquirir mercadorias ou serviços do contribuinte de direito, tem
transferido para si o ônus financeiro da obrigação sem, todavia, compor o polo pas-
sivo da obrigação tributária.

VII. Com efeito, trata-se de classificação que deve ser vista com cautela. Certamente é
uma classificação de fundo econômico, todavia com reconhecidos reflexos jurídicos.

VIII. Com o advento do art. 166 do CTN, daquela classificação dantes de cunho
eminentemente econômico ou financista, decorreu uma nova proposta classificató-
ria, partindo-se do dado econômico (repercussão do ônus), procurando transformá-
-lo em instituto jurídico (com o surgimento da norma para possibilitar a translação).

IX. É razoável dizer que a classificação de tributos em diretos e indiretos subsistiu


ao CTN. A interpretação jurisprudencial, notadamente no STJ, tem reafirmado a
Osvaldo Santos de Carvalho 221

importância de tal distinção, sendo que para a jurisprudência o chamado indireto é


o tributo que “repercute”.

X. Nesse diapasão, acerca do tema, a doutrina jurídico-tributária brasileira pode ser


dividida em duas correntes distintas: a primeira (Becker, Ataliba, Bottallo e Melo
etc.) que entende que a classificação é injurídica, posto que pautada em critérios ex-
clusivamente econômicos, inaplicável ao ordenamento jurídico e, a segunda (Denari,
Morshbacher etc.) que ainda que reconheça o cunho econômico, entende que ela é
recepcionada pelo direito e, para essa corrente doutrinária, os tributos indiretos são
aqueles criados para repercutirem (ou permitirem a restituição) e os diretos, por seu
turno, não são juridicamente repercutíveis.

XI. As imunidades tributárias são normas jurídicas que estabelecem limites à compe-
tência dos entes tributantes. Elas atuam em momento anterior ao próprio exercício
da competência.

XII. Entendemos a imunidade como integrante da classe finita de normas de estru-


tura (porque são somente aquelas estabelecidas na Constituição Federal) que estabe-
lecem proibição aos entes tributantes de instituírem no seu âmbito de competência
exações tributárias por ela vedadas.

XIII. As imunidades compõem uma classe perfeitamente determinável de sua abran-


gência. É a Constituição Federal que cuida de cerrar os limites de seu alcance. Dito
de outro modo, as imunidades são aquelas tão somente previstas na Constituição
Federal.

XIV. O ICMS, assim como o IPI, integra respectivamente a categoria dos impostos
incidentes sobre a circulação e a produção e, assim, por sua própria natureza, inci-
de sobre a circulação de mercadorias e produtos industrializados, matizando-os até
a etapa final de consumo ou de produção, amparados, entre outros, no princípio da
não cumulatividade.

XV. As imunidades que protegem determinadas pessoas, bens, coisas e situações es-
pecíficas da incidência tributária previstas na Constituição Federal, por meio da alí-
nea a do art. 150, VI, se referem aos “impostos sobre patrimônio, renda ou serviços”
das pessoas políticas nelas mencionadas, tais sejam União, Estados e Municípios. E
as imunidades contidas na alínea c se relacionam aos partidos políticos, incluindo
suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e de
assistência social.

XVI. No caso do ICMS se estabelece a seguinte indagação: a pessoa política descri-


ta no texto constitucional quando se coloca na condição de consumidora final de
222 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

mercadorias ou é destinatária final de prestação de serviços alcançados por referido


tributo são desoneradas ou não do ICMS?

XVII. Existem julgados isolados no STF que conferem guarida a uma interpretação
ampliativa do art. 150, c, da CF com a finalidade de abranger os ditos impostos in-
diretos no âmbito das imunidades tributárias fundamentados na tese de que não se
pode restringir a aplicação das imunidades a critérios de classificação dos impostos
adotados por normas infraconstitucionais, cumprindo perquirir, tão somente, é se o
bem adquirido integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade.

XVIII. Em que pese o nosso respeito àqueles que assim entendem, não acompanha-
mos referida tese de que a imunidade prevista no art. 150, VI e suas alíneas, seja ex-
tensiva ao ICMS, quando adquirem mercadorias e serviços sujeitos à tributação pelo
referido imposto, ocupando a posição de contribuintes “de fato”, na medida em que
suportam a carga do tributo, pelo fato do contribuinte “de direito”, fazer o recolhi-
mento do ICMS e repassar o custo no preço final da mercadoria.

XIX. Posicionamo-nos no sentido de que, quanto aos impostos ditos indiretos (caso
do ICMS e do IPI), o denominado contribuinte “de fato”, não é o contribuinte
eleito pela lei como aquele que tem o dever de recolher tributo. É pessoa estranha à
relação jurídica tributária, que se estabelece entre o contribuinte, dito “de direito” e
o sujeito ativo (no caso do ICMS os Estados da Federação e o Distrito Federal), que
têm a competência para instituir o ICMS por mandamento constitucional.

XX. Sob o ângulo eminentemente financeiro não é possível desconhecer o meca-


nismo da repercussão do tributo ICMS no preço dos bens ou serviços, objeto de
negócios jurídicos, razão pela qual não é razoável refutar a conclusão de que o in-
teressado, neste particular, reveste-se da condição de pessoa que, afinal, suportou o
ônus financeiro do tributo, é o que se denomina contribuinte “de fato”, pela circuns-
tância de que o contribuinte propriamente dito, aquele eleito pela lei como sujeito
passivo e que tem a obrigação de cumprir a obrigação tributária perante o sujeito ati-
vo, acaba repassando o custo tributário no preço final da mercadoria ou serviço que
sofreu a incidência do ICMS.

XXI. No entanto, tal circunstância é estranha à relação jurídico-tributária decorrente


desses negócios, a qual, como visto, instaura-se exclusivamente entre as pessoas do
Estado e dos fornecedores desses bens ou serviços.

XXII. O dispositivo constitucional que reconhece a imunidade às situações previstas


no art. 150, inciso VI, alíneas a até d, só pode ser aplicado nas situações em que os
beneficiários, não fosse a norma imunizante, ver-se-iam, potencialmente, na condi-
ção de contribuintes de determinado tributo.
Osvaldo Santos de Carvalho 223

XXIII. Quando aqui nos referimos à condição de contribuinte, estamos nos remeten-
do à situação em que a pessoa é colocada, por força da lei, no polo passivo da rela-
ção obrigacional tributária, em consonância com o disposto no inciso I do parágrafo
único do art. 121 do Código Tributário Nacional, o denominado “contribuinte de
direito”.

XXIV. Como se sabe, o “contribuinte de fato”, na verdade, não é contribuinte na


acepção semântica do termo. O contribuinte de fato jamais integra o critério pessoal
das regras de incidência tributária.

5 REFERÊNCIAS
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224 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

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Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2008. v. I.
Imunidade da sociedade
de economia mista

RICARDO BONFÁ DE JESUS


1. Introdução. 1.1. Da imunidade recíproca. 2. Da imunidade recí-
proca para a sociedade de economia mista. 3. Considerações finais.
4. Referências.

1 INTRODUÇÃO

1.1 Da Imunidade recíproca

Ao dispor sobre as limitações ao poder de tributar dos entes políticos, a Consti-


tuição Federal de 1988 (doravante CF/88) estabelece:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
226 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;


(...)

Trata-se, pois, da chamada imunidade recíproca decorrente de dois princípios


constitucionais importantíssimos:

t Princípio federativo, em virtude do qual, convivem, harmonicamente, a


ordem jurídica global (o Estado brasileiro) e as ordens jurídicas parciais, a
central (a União) e as periféricas (os Estados-membros).1 Mas a Constitui-
ção Federal assegura a autonomia municipal nos arts. 29 e 30. Os muni-
cípios contêm faculdade legislativa, ou seja, estabelecem normas jurídicas
votadas por suas respectivas Câmaras como, também, têm livre governo e
administração sobre seu território e toda lei tributária municipal válida é
suprema sobre qualquer outra da União, dos Estados, Distrito Federal ou
de outro Município com a qual conflite.
t Princípio da isonomia das pessoas políticas, o qual assegura igualdade ju-
rídica entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Tais
entes estão no mesmo plano hierárquico, a diferenciação existente reside
nas competências distintas expressas na Constituição Federal.

A Constituição de 1891, cujo anteprojeto foi de autoria do iluminado Rui


Barbosa, achou por bem deixar expressa a imunidade recíproca entre as pessoas po-
líticas e as outras constituições vindouras mantiveram tal imunidade expressamente
disposta, logicamente com as devidas adaptações.
Rui Barbosa levou em consideração o seguinte precedente acontecido nos Es-
tados Unidos: em 1819, o Estado de Maryland pretendeu cobrar imposto sobre
a selagem com estampilhas de uma filial do banco oficial. O gerente do Bank of
U.S., chamado McCulloch, em Baltimore, levou o caso à Corte Suprema (julgado
McCulloch vs. Maryland, presidida a Corte pelo juiz John Marshall). Esta decisão é
verdadeiramente um leading case, firmando as seguintes ideias:

t BDPNQFUÐODJBQBSBUSJCVUBSQPSNFJPEFJNQPTUPTFOWPMWF FWFOUVBMNFOUF 
a competência para destruir;
t OÍPTFEFTFKBoFBQSØQSJB$POTUJUVJÎÍPOÍPBENJUFoOFNRVFB6OJÍP
destrua os Estados-membros, nem que estes se destruam mutuamente ou
à União;
t OFNB6OJÍPQPEFFYJHJSJNQPTUPTEPT&TUBEPTNFNCSPT OFNFTUFTEB
União, ou uns dos outros.
1
Não entraremos aqui na discussão se os Municípios integram ou não a Federação, bem como se a autonomia
municipal é ou não cláusula pétrea.
Ricardo Bonfá de Jesus 227

O Professor Roque Antonio Carrazza assevera que sob o aspecto técnico seria
desnecessária a inserção da imunidade recíproca entre as pessoas políticas.
O ilustre mestre também conclui que a imunidade tributária recíproca atinge
todos os impostos, indistintamente, e não apenas os impostos sobre “patrimônio,
renda ou serviços, uns dos outros”, porque:

t B$POTUJUVJÎÍPVTPV OFTUFUSFDIP DPNPFNUBOUPTPVUSPT VNBMJOHVBHFN


econômica. Para a Economia, todos os impostos ou são sobre a renda, ou
sobre o patrimônio ou sobre serviços. Em termos econômicos, o impos-
to sobre grandes fortunas, o ITR, o IPVA, o IPTU, são impostos sobre o
patrimônio. Para o Direito, são impostos completamente distintos, já que
integram a competência privativa da União (o imposto sobre grandes for-
tunas), a competência privativa dos Estados (o IPVA) e a competência pri-
vativa dos Municípios (o IPTU);
t BTQFTTPBTQPMÓUJDBTOÍPQPEFNFYJHJS VNBTEBTPVUSBT JNQPTUPT FNPCF-
diência ao princípio federativo e ao da isonomia.

2 DA IMUNIDADE RECÍPROCA PARA A SOCIEDADE DE ECONOMIA


MISTA

Importante se faz para analisarmos a imunidade recíproca no tocante a socieda-


de de economia mista, transcrever o disposto no § 3o do art. 150 da CF/88, a saber:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(...)
§ 2o A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e fundações instituídas e
mantidas pelo poder público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços,
vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes;
§ 3o As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimô-
nio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas
regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contra-
prestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente
comprador da obrigação de pagar o imposto relativamente ao bem imóvel; (...)
(Grifos do autor)
228 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

À primeira vista, seria possível dizer que, pela literalidade de tais disposições, é
vedada a instituição de imposto em relação a bens que compõem o patrimônio da
União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como dos bens de
propriedade de autarquias e fundações, vinculados às suas finalidades essenciais ou
delas decorrentes, desde que não relacionados à exploração de atividade econômica.
Por tal interpretação apenas os bens de propriedade dos entes políticos e suas
autarquias e fundações é que seriam imunes a este imposto.
Esse, inclusive, era o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal
(STF)2 até algum tempo atrás.
Ocorre, porém, que tal entendimento foi alterado pela Segunda Turma da Su-
prema Corte que admite a aplicação da imunidade recíproca também para as empre-
sas públicas e sociedades de economia mista que realizam serviços públicos.
Esse posicionamento, com o qual compactuamos, tem em conta que uma em-
presa pública ou uma sociedade de economia mista ao ser constituída para prestação
de um serviço público, é uma longa manus do ente político que a criou, devendo,
portanto, receber o mesmo tratamento que suas autarquias e fundações, inclusive no
que se refere às questões fiscais.
Veja, a Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre o tratamento jurídico tri-
butário dispensado às sociedades de economia mista e empresas públicas, prevê, em
seu art. 173, § 2o, que a elas não poderão ser concedidos privilégios fiscais não ex-
tensivos ao setor privado:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de ati-
vidade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
(...)
§ 2o As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de pri-
vilégios fiscais não extensivos ao setor privado.

Em uma análise precipitada, poder-se-ia dizer que os bens de propriedade de


uma sociedade de economia mista, estão sujeitos à incidência do IPTU, por exemplo,
pois tal sociedade atua no setor privado, não podendo ser beneficiada por qualquer
forma de privilégio fiscal diferente daqueles a que fazem jus os demais contribuintes.
No entanto, tal interpretação é inadequada, pois nem toda empresa pública ou
sociedade de economia mista exercem diretamente atividade econômica.
A doutrina constitucionalista e o STF têm se posicionado no sentido de que o
art. 173 aplica-se somente às sociedades de economia mista e às empresas públicas
que explorem atividade econômica, assim entendida a atuação como sociedade
2
Nesse sentido vide RE no 113.055, de 27/10/1987.
Ricardo Bonfá de Jesus 229

empresária, visando o lucro, no regime da livre iniciativa e em concorrência com as


demais empresas privadas que atuam no mesmo segmento de mercado.
José Afonso da Silva assim definiu atividade econômica: “Atividade econômica,
no regime capitalista, como é o nosso caso, desenvolve-se no regime da livre inicia-
tiva sob a orientação de administradores da empresa privada”.3
Exemplo disso é o Banco do Brasil S.A. que, embora seja uma sociedade de eco-
nomia mista, atua em regime de concorrência com os demais bancos privados.
Não nos restam dúvidas de que, de fato, as empresas públicas e as sociedades
de economia mista que atuam em concorrência com o setor privado não devem ser
beneficiadas por quaisquer incentivos fiscais não extensíveis a este último, sob pena
de que, além do art. 173, sejam feridos outros princípios constitucionais, como o da
isonomia e o da livre iniciativa.
O mesmo, contudo, não se pode afirmar com relação às empresas públicas e so-
ciedades de economia mista que prestam serviços públicos.
Segundo José Afonso da Silva “(...) O serviço público é, por natureza, estatal.
Tem como titular uma entidade pública. Por conseguinte, fica sempre sob o regime
jurídico de direito público”.4
Note-se, as empresas públicas e as sociedades de economia mista são verdadei-
ros instrumentos da atuação do Estado. Tal atuação, no entanto, não se restringe,
como pretendem alguns, à exploração de atividade econômica, mas também, à pres-
tação de serviços públicos, o que, em hipótese alguma, se equipara a uma atividade
econômica.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece:

43. Outrossim, erram uma vez mais os decretos-leis sub examine ao configurarem
as empresas públicas como constituídas para “exploração de atividade econômica”.
Não é exato. Por isto tal característica não pode ser proposta como um elemento
de sua definição. Deveras, algumas empresas públicas efetivamente são concebidas
como instrumento da atuação estatal no referido setor. Outras, entretanto, foram
criadas e existem para prestação de serviços públicos, serviços qualificados pela
Constituição em vigor, como privativos de entidade estatal ou da própria
União. Donde, a atividade em que se substanciam apresenta-se, do ponto de
vista jurídico (ainda que não o seja ou não o fosse sob perspectiva extrajurí-
dica), como a antítese da exploração da atividade econômica, já que esta, perante
a Lei Magna, é da alçada dos particulares, típica da iniciativa privada – e não do
poder público.(...)5
(Grifos do autor)

3
José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed., São Paulo: Malheiros, p. 777.
4
Idem, ibidem, p. 777 .
5
Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 25. ed., São Paulo: Malheiros, p. 175.
230 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Não é demasiado lembrar que a intervenção estatal na seara econômica é sempre


excepcional, sendo que o próprio art. 173, anteriormente citado, determina que tal
intervenção apenas pode ocorrer quando “necessária aos imperativos da segurança
nacional ou relevante interesse coletivo”.
Fora dessas hipóteses, o Estado deve atuar na busca da concretização do inte-
resse público, o que se desdobra em uma série de serviços essenciais, necessários ou
convenientes à manutenção da sociedade e do próprio Estado.
Eis aí a diferença entre a atuação estatal excepcional, no setor econômico, e a
atuação estatal típica, relativa à prestação de serviços públicos.
Mas o que são serviços públicos?
Fundamentados na melhor doutrina administrativa, podemos dizer que o servi-
ço público é todo aquele serviço prestado pela Administração ou por seus delegados,
sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias
da coletividade ou simples conveniências do Estado.6
Não se restringem, por evidência, aos serviços previstos no texto constitucional,
como de competência da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal,
que são serviços obrigatórios. Nada impede que o Estado, ao verificar a necessida-
de ou a conveniência de uma determinada utilidade, a ofereça à sociedade direta-
mente ou por meio de terceiros. É o caso, por exemplo, do serviço de transporte
metroviário.
Quando uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista é delega-
tária do serviço público, isto é, é responsável pela sua execução, ela assemelha-se a
uma autarquia.
Isso porque na situação do parágrafo acima, tais sociedades, em razão da natu-
reza da atividade que desempenham, não se submetem ao regime jurídico aplicável
ao setor privado, mas, sim, ao regime de direito público, aplicável aos entes políticos,
com os deveres e direitos a eles inerentes.
É por tudo isso, isto é, por restar evidente que, ao prestarem um serviço público,
as empresas públicas e as sociedades de economia mista, não exploram, sob nenhum
prisma, atividade econômica e, por consequência, não lhes é aplicável o art. 173 e
seus parágrafos.
Corrobora esse entendimento, José Afonso da Silva:

Cumpre observar que a exploração dos serviços públicos, conforme indicado aci-
ma, por empresa estatal não se subordina às limitações do art. 173, que nada tem
com eles. Efetivamente, não tem cabimento falar em excepcionalidade, ou subsidia-
riedade, em relação à prestação de serviços públicos por entidades estatais ou por

6
Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 311.
Ricardo Bonfá de Jesus 231

seus delegados (...). Significa dizer, pois, que a empresa estatal prestadora daqueles
e de outros serviços públicos pode assumir formas diversas, não necessariamente
sob o regime jurídico próprio das empresas privadas. (...).7

Muito bem.
Sendo evidente que a prestação de serviço público não equivale à exploração de
atividade econômica e que, portanto, não há que se falar em vedação a qualquer for-
ma de privilégio fiscal às empresas governamentais, reportemo-nos, novamente, ao
art. 150 da Constituição Federal de 1988.
Segundo esse dispositivo, a imunidade recíproca se aplica aos entes políticos,
suas autarquias e fundações, nada dispondo, no entanto, sobre as empresas públicas
e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos.
Ora, como já mencionado, na medida em que tais empresas governamentais são
constituídas para prestação de serviços públicos, elas nada mais são do que verdadei-
ras extensões das pessoas políticas responsáveis pelo serviço a ser executado.
Devem ser a elas garantidas, portanto, as mesmas prerrogativas do poder estatal,
dentre elas a imunidade constante no art. 150, VI, a, e § 2o da Constituição Federal.
Nesse sentido, convém transcrevermos as lições de Roque Antonio Carrazza:

Estamos, no entanto, convencidos de que as empresas públicas e as sociedades de


economia mista, quando delegatárias de serviços públicos ou de atos de polícia, são
tão imunes aos impostos quanto as próprias pessoas políticas, a elas se aplicando,
destarte, o princípio da imunidade recíproca.
Aprofundando o assunto, as empresas estatais, quando delegatárias de serviços pú-
blicos ou de atos de polícia – e que, portanto, não exploram atividades econômi-
cas –, não se sujeitam à tributação por meio de impostos, justamente porque são a
longa manus das pessoas políticas que, por meio da lei, as criam e lhes apontam os
objetivos públicos a alcançar.
A circunstância de serem revestidas da natureza de empresa pública ou de so-
ciedade de economia mista não lhes retira a condição de pessoas administrativas,
que agem em nome do Estado, para a consecução do bem comum. (...)
Neste sentido, enquanto atuam como se pessoas políticas fossem, as empresas pú-
blicas e as sociedades de economia mista não podem ter embaraçada ou anulada
sua ação pública por meio de impostos. Esta é a consequência de uma interpretação
sistemática do art. 150, VI, a, da CF.8
(Grifos do autor)

7
José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed., São Paulo: Malheiros, p. 778 e 779.
8
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Tributário. 25. ed., revista, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 629
a 633.
232 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Como mencionado anteriormente, é nessa linha que a Segunda Turma do STF,


ao analisar a questão da aplicabilidade da imunidade às empresas públicas delegatá-
rias de serviços públicos, tem, por diversas vezes, se manifestado:9

Ementa: Constitucional. Tributário. ECT – Empresa Brasileira de Correios e Te-


légrafos: imunidade tributária recíproca: CF, art. 150, VI, a. Empresa pública que
exerce atividade econômica e empresa pública prestadora de serviço público: dis-
tinção. Taxas: imunidade recíproca: Inexistência. I. As empresas públicas presta-
doras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica.
A ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço
público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está
abrangida pela imunidade tributária recíproca: CF, art. 22, X; CF, art. 150, VI,
a. Precedentes do STF: RE 424.227/SC, 407.099/RS, 354.897/RS, 356.122/
RS e 398.630/SP, Min. Carlos Velloso, Segunda Turma. II. A imunidade tributária
recíproca – CF, art. 150, VI, a – somente é aplicável a impostos, não alcançando as
taxas. III. R.E. conhecido e improvido.10
(Grifos do autor)

Nesse sentido, ensina Regina Helena Costa11 que a interpretação das imunidades
deve ser efetuada de molde a efetivar o princípio ou liberdade por ela densificado,
portanto, dar – eficácia à liberdade por ela protegida. Deve ser efetuada na exata me-
dida para fazer exsurgir dela o valor albergado.
No caso em tela o preceito imunizatório está a proteger o fomento das ativi-
dades de interesse público exercido pela Sociedade de Economia Mista, na verdade
está a Sociedade de Economia Mista substituindo um atuar que inicialmente cabia
ao próprio Estado, e como bem lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro,12 o Estado,
paulatinamente, vai atribuindo tal missão de desenvolver determinados serviços pú-
blicos na área social à iniciativa privada. A tributação de tais serviços significa que o
Estado está a tributar a si próprio!

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As imunidades tributárias, com a evolução social, política e cultural da humani-


dade passaram a ser um instrumento garantidor do interesse público.
9
Neste sentido: RE 398630/SP, de 17/09/2004; 424227/SC, de 24/08/2004; 354897/RS, de 17/08/2004;
407099/RS, de 22/06/2004.
10
RE 364.202/RS; Min. Carlos Velloso; Segunda Turma; DJ 28/10/2004.
11
Apud Roberto Wagner Lima Nogueira. In: Imunidades Tributárias. Coords. Marcelo Magalhães Peixoto e
Cristiano Carvalho. São Paulo: MP, 2005, p. 285-301.
12
Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 18. ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 432.
Ricardo Bonfá de Jesus 233

Nesse sentido, a Constituição Federal brasileira elegeu a imunidade como man-


damento demarcador da competência tributária, de modo a delimitar a atuação esta-
tal, condicionando-a a implementação de seus objetivos básicos.
O Texto Constitucional, por meio da competência tributária, conferiu aos entes
políticos a aptidão para criar tributos e, ao mesmo tempo, mas em sentido oposto,
prescreveu as normas imunizantes, a fim de resguardar elementos estatais essenciais,
que devem se ver livres da imposição de tributos.
Neste quadro, a concessão de imunidades deve ser considerada como mais um
instrumental para a concretização de valores fundamentais da Sociedade e não como
meio para a satisfação de interesses de uns poucos contribuintes.
Assim, quando se estabelece que as operações com livros não devem ser tribu-
tadas através de impostos, não se pretende agraciar o mundo editorial e os comer-
ciantes de tais produtos, para torná-los economicamente mais fortes. Imunizam-se
as operações com livros para garantir, isto sim, o exercício da liberdade de expressão
intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como para facilitar o acesso da
população à cultura, à informação e à educação.13
O mesmo se passa com a imunidade da sociedade de economia mista. A meu
ver, esta proibição de tributação não objetiva favorecer economicamente um setor
ou uma empresa, mas possibilitar que todos os membros da sociedade tenham acesso
aos serviços públicos.
Até porque, o Poder Público, se não tem condições de prestar tais serviços satis-
fatoriamente (como a prática, infelizmente, vem demonstrando), deve atrair aqueles
cidadãos que queiram colaborar com a sociedade, sem interesse lucrativo.
Diante deste cenário, as sociedades de economia mista, quando delegatárias de
serviços públicos, são tão imunes aos impostos quanto as pessoas políticas, a elas se
aplicando o princípio da imunidade recíproca.

4 REFERÊNCIAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2009.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed., São Paulo: Ma-
lheiros, 2009.
___________ . A Imunidade tributária das fundações de direito privado, sem fins lucrativos. Brasília:
Rosseto, 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed., São Paulo: Saraiva, 2005.

13
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário no 221239/SP; Rel. Min. Ellen Gracie; Segunda Tur-
ma; DJU 06/08/2004, p. 61.
234 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2005.
COSTA, Andréa Accorsi Lunardelli. Tributação do terceiro setor. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
___________ . Princípio da capacidade contributiva. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed., São Paulo: Atlas, 2005.
JESUS, Fernando Bonfá. ICMS: aspectos pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed., São Paulo: Malheiros, 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed., São Paulo: Malheiros, 2001
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed., São Paulo: Ma-
lheiros, 2008.
NOGUEIRA. Roberto Wagner Lima. In: Imunidades Tributárias. Marcelo Magalhães Peixoto e
Cristiano Carvalho (coords.). São Paulo: MP, 2005.
PAULSEN, Leandro. Direito tributário – constituição e código tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência. 10. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
PESTANA, Márcio. O Princípio da imunidade tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed., São Paulo: Malheiros,
Variações na competência
para tributar os serviços
de telecomunicação:
alguns efeitos concretos

TÁCIO LACERDA GAMA


1. Introdução. 2. Noções gerais sobre imunidades. 3. Imunidades ge-
néricas e imunidades específicas. 4. A imunidade do art. 155, § 3o, da
Constituição da República. 5. Requisitos para aplicação da imunidade
específica prevista no art. 155, § 3o, da Constituição da República. 5.1.
A hipótese de incidência do tributo, confirmada por sua base de cálcu-
lo, deve se referir de forma direta e específica a uma das materialidades
indicadas no art. 155, § 3o, da CF/88. 5.2. A norma instituidora do tri-
buto deve ter sido publicada antes da vigência da EC no 33/2001. 5.3.
Inexistência de conflitos com os princípios da solidariedade e da univer-
salidade. 6. Tributos criados em frontal violação deste dispositivo cons-
titucional. 7. Considerações finais. 8. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Até o dia 11/12/2001, os serviços de telecomunicação estavam imunes da inci-


dência de qualquer outro tributo que não o Imposto sobre Circulação de Mercado-
rias e Serviços – ICMS, o Imposto de Importação – II e o Imposto de Exportação
– IE, quando então foi inserido no Sistema Tributário Nacional a Emenda Consti-
tucional no 33/2001, substituindo um único vocábulo no § 3o do art. 155, fazendo
constar o signo “imposto”, no lugar de “tributo”.
Esta sutil alteração, juntamente com os precedentes construídos pelo Supremo
Tribunal Federal no sentido de que a contribuição ao PIS e a COFINS – contribuições
236 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

sociais – não eram excepcionadas da referida imunidade, fizeram com que a maior
parte da doutrina não se manifestasse sobre a validade de alguns tributos instituídos
sob a vigência da redação originária do art. 155, § 3o, da CF/88, para incidir so-
bre as materialidades ali previstas, como é o caso das contribuições ao FUST e ao
FUNTTEL.
Insurgindo-se contra este silêncio de quase uma década, o objetivo do presente
trabalho é (i) delimitar o sentido e alcance da regra de imunidade prevista no art. 155,
§ 3o, da CF/88; (ii) indicar os critérios para a sua aplicação ao caso concreto e, por fim,
(iii) os efeitos que projeta sobre a validade das Contribuições ao FUST e ao FUNTTEL.

2 NOÇÕES GERAIS SOBRE IMUNIDADES

As imunidades são enunciados constitucionais que integram a norma de compe-


tência tributária, delimitando a autorização para criar tributos.
Adotando a definição oferecida por Paulo de Barros Carvalho, conceituamos
“imunidades” como

classe finita e imediatamente determinável de normas, contidas no texto da Consti-


tuição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas
políticas de direito constitucional interno que alcancem situações específicas e sufi-
cientemente caracterizadas.1

Partindo-se desta definição, é possível concluir, dentre outras coisas, que ao se


referir a situações específicas e suficientemente caracterizadas, as imunidades surgem
como princípios que ditam limites objetivos à instituição de tributos.
De fato, a distinção entre princípios e imunidades é formulada pela Doutrina.
Não há, no texto constitucional, referência a “imunidades tributárias”. Há, isto sim,
um conjunto de enunciados prescritivos identificados como “princípios” ou “imuni-
dades”, segundo critérios que variam de um autor para outro. Esses enunciados têm
em comum o fato de integrarem a estrutura da norma de competência, disciplinando
a criação de tributos. Por este argumento, não há maiores inconvenientes em se con-
siderar as “imunidades” como espécie do gênero “princípios jurídico-tributários”.2
Com estas noções, e tendo em vista a estrutura da norma de competência, é pos-
sível afirmar que as imunidades são enunciados prescritivos, veiculadores de limites
1
Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 178.
2
Misabel Derzi oferece lição semelhante quando afirma que: “os princípios, ao ditarem o sentido e a inteligibi-
lidade do sistema, tanto podem inspirar uma imunidade, como, ao contrário, uma regra confirmatória do poder
tributário, assim como marcar as condições ou os requisitos para o bom exercício da competência tributária,
limitando ou expandindo o poder de tributar”. In: Aliomar Baleeiro. Limitações constitucionais ao poder de
tributar. 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 16-7.
Tácio Lacerda Gama 237

objetivos, que atuam no consequente da norma tributária, impedindo que sejam


criados tributos que onerem determinadas situações e pessoas.

3 IMUNIDADES GENÉRICAS E IMUNIDADES ESPECÍFICAS

Várias são as classificações que podem ser construídas a partir das regras de imu-
nidade. Interessa, entretanto, para o desenvolvimento do presente trabalho, aquela
que diferencia as imunidades em genéricas e específicas.3 Entende-se por imunidades
genéricas aquelas prescritas para todo e qualquer tributo, ao passo que as imunidades
específicas dizem respeito somente a uma determinada espécie tributária. O critério
de distinção está no próprio direito positivo: quando há referência a “tributos”, há
uma imunidade genérica; quando há referência a uma espécie tributária – impos-
tos –, por exemplo, tem-se uma imunidade específica.4
A Constituição Federal prescreve diversas imunidades específicas. O art. 150,
VI, por exemplo, veda a instituição de impostos sobre algumas materialidades que
enumera. Proíbe, por exemplo, a sua instituição sobre (a) patrimônio, renda e servi-
ços uns dos outros; (b) templos de qualquer culto; (c) livros, jornais, periódicos e o
papel destinado à sua impressão. Note-se que a referência constitucional é dirigida a
uma única espécie de tributo: os impostos. Por isso, configura imunidade específica.
Há, também, imunidades específicas relativas a outros tributos. O art. 195, § 7o,
da CF/88 prescreve que seriam “isentas de contribuição para a seguridade social as
entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em
lei”. Neste enunciado, embora o texto afirme “são isentas”, o que se tem é uma imu-
nidade. Trata-se de enunciado constitucional que veda a instituição de contribuições
sociais sobre as pessoas jurídicas que indica, conforme sejam atendidos os requisitos
da lei.
3
Importante destacar, nesta oportunidade, que a afirmação de que as imunidades tributárias se referem es-
pecificamente aos tributos não vinculados (impostos) é frágil e não resiste a análise do direito positivo. O texto
constitucional prescreve imunidades relativas a determinadas espécies e ao gênero tributo. Nesse ponto, pouco
importa tratar-se de um tributo vinculado ou não a uma atividade estatal, ou possuir ou não uma finalidade
específica. Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto também sustentam essa posição, afirmando: “em
várias passagens, a Constituição previu imunidade assim de taxas, como de contribuições”. Segundo explicam,
a afirmação de que imunidades só atingiam impostos tinha foros de verdade na vigência das Constituições de
1967 e de 1969. Porém, com a edição da Constituição de 1988, não é possível sustentar que elas se restringem
aos impostos, com apoio do texto constitucional. (Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto. Imunidades
tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar. 2. ed., São Paulo: Dialética, 2001, p. 97).
4
Esta classificação não se confunde com aquela oferecida por Sacha Calmon Navarro Coêlho, que distingue
“limitações genéricas e limitações específicas” ao poder de tributar. Diversamente da proposta deste trabalho,
o referido Autor utiliza como critério o fato de as “limitações” serem prescritas para todos os impostos ou so-
mente para tipo de imposto, tomando-o separadamente. Assim, limitações gerais alcançam todos os impostos
e limitações específicas que dizem respeito a um só imposto. (Sacha Calmon Navarro Coêlho. Comentários à
Constituição de 1988 – Sistema Tributário, p. 139).
238 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Esses exemplos demonstram que as imunidades podem integrar a norma de


competência para a edição de qualquer espécie tributária. As normas que regulam a
criação de contribuições interventivas não são exceção, sendo delimitadas também
por enunciados que veiculam imunidades.

4 A IMUNIDADE DO ART. 155, § 3o, DA CONSTITUIÇÃO DA


REPÚBLICA

Antes da edição da Emenda Constitucional no 33/2001, o art. 155, § 3o, da


CF/88, apresentava a seguinte redação:

Art. 155.
(...)
§ 3o À exceção dos impostos de que tratam o inciso II deste artigo e o art. 153, I e II,
nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, servi-
ços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.

Desdobrando analiticamente esta disposição constitucional, é possível concluir


que, exceção feita ao ICMS, ao II e ao IE, as pessoas políticas de direito constitu-
cional interno não tinham competência para gravar com qualquer outro tributo as
operações com: (i) energia elétrica; (ii) serviços de telecomunicações; (iii) derivados
de petróleo; (iv) combustíveis; e (v) minerais do país.
A norma em análise não comporta qualquer tipo de digressão. Seu texto é de
clareza singular. Estabelece verdadeiro limite ao exercício da competência tributá-
ria, impedindo a instituição de qualquer outro tributo sobre as materialidades ta-
xativamente indicadas além do ICMS, do II e do IE. A referência específica a estes
impostos exclui a possibilidade de se criar qualquer outra espécie tributária que one-
re as atividades que menciona. Não há espaço para dúvidas: trata-se de imunidade
genérica.
O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, reconheceu a
imunidade genérica estabelecida pela redação originária do art. 155, § 3o, da
CF/88, qualificando-a como garantia geral do contribuinte. No julgamento do RE
no 177.137-2/RS, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, ficou assentado:

Quando a Constituição desejou estabelecer limitação ou vedação a qualquer tribu-


to e não às suas espécies, ela foi expressa, como, v.g, art. 146, III, a (definição de
tributos e suas espécies), art. 150, I (princípio da legalidade tributária), II (regra
geral para os tributos), III (cobrança de tributos), art. 151, art. 152, art. 155,
§ 3o (à exceção dos impostos de que tratam o inciso II e o caput deste artigo e o
art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a
Tácio Lacerda Gama 239

energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis


e minerais do País).

Também o E. Ministro Marco Aurélio, ao analisar caso semelhante, manifestou-


-se especificamente pela impossibilidade de instituição de contribuição sobre as ope-
rações previstas no art. 155, § 3o, da Constituição, nos seguintes termos:

Recorde-se, mais uma vez, o preceito do § 3o do art. 155 evocado como infringido
pela União Federal: § 3o À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput
deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre opera-
ções relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petró-
leo, combustíveis e minerais do País. O inciso II mencionado na norma concerne
ao Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual,
Intermunicipal e de Comunicações. Já os incisos I e II do art. 153 dizem respeito
aos impostos pertinentes às importações e alusivos à renda e proventos. STF – AI
210410/PE; Rel. Min. Marco Aurélio; DJ 13/05/1998.

Não obstante a existência deste claro impedimento, com manifestação expres-


sa da Corte Suprema neste sentido, a União instituiu algumas contribuições de in-
tervenção no domínio econômico incidentes sobre as materialidades indicadas no
art.  155, § 3o, da CF/88, como as contribuições ao FUST e ao FUNTTEL. Ao
apropriar-se de fatos que estavam fora da sua faixa de competência, o legislador in-
correu em flagrante inconstitucionalidade.
A perfeita demonstração deste vício no caso concreto exige, contudo, a análise
dos requisitos construídos pela jurisprudência dos tribunais superiores, em especial
do Supremo Tribunal Federal para a aplicação da imunidade prescrita na redação
originária do art. 155, § 3o, da Constituição da República. O tema, como já se pode
intuir, não tem respostas prontas e genéricas. Apresenta particularidades que variam
de acordo com as específicas regras que integram o regime jurídico do tributo cuja
validade se está a analisar.
Foram justamente estas nuanças que geraram distorções na interpretação da re-
ferida imunidade, as quais acabaram por obscurecer a identificação da inconstitucio-
nalidade na instituição das contribuições ao FUST e ao FUNTTEL.

5 REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DA IMUNIDADE ESPECÍFICA


PREVISTA NO ART. 155, § 3o, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Em diferentes oportunidades, a E. Suprema Corte proferiu decisões indicando


os pressupostos para a incidência dos limites ao exercício da competência tributária
estabelecidos no art. 155, § 3o, da Constituição da República. São, em síntese, três
os requisitos de aplicação construídos a partir da reiterada jurisprudência do STF: (i)
240 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

incidir de forma específica sobre alguma das materialidades previstas pelo art. 155,
§ 3o, da CR; (ii) ter sido publicada antes da vigência da Emenda Constitucional
no 33/2001; e (iii) inexistência de conflitos com os princípios da solidariedade e
universalidade.
Vejamos cada um destes requisitos de forma analítica.

5.1 A hipótese de incidência do tributo, confirmada por sua base


de cálculo, deve se referir de forma direta e específica a uma das
materialidades indicadas no art. 155, § 3o, da CF/88

Este requisito pode ser inferido dos julgados que afastaram a aplicação da cita-
da imunidade do caso das contribuições ao PIS e da COFINS, cujas hipóteses de
incidência, confirmadas pela base de cálculo, consiste na receita bruta, que inclui
qualquer tipo de ingresso decorrente da prestação de serviços ou da venda de merca-
dorias. Não há nestes casos, portanto, criação de tributo incidente sobre materialida-
de expressamente vedada, mas sobre todo e qualquer ingresso, independentemente
da sua natureza, o que é permitido pelo sistema jurídico.
Plenamente coerente com o que dispõe o nosso ordenamento, as decisões pro-
feridas no plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE no 144.971-3/
DF e do AgRg no RE no 224.987-7/AL, no sentido de que a instituição de PIS/
COFINS sobre o faturamento das empresas não esbarra no limite da competência
tributária determinado pelo referido dispositivo constitucional.
Isso porque, para que se aplique a imunidade prevista no art. 155, § 3o, da
CF/88, exige-se que o tributo grave direta e exclusivamente as materialidades ali
previstas. Se a incidência for meramente indireta e/ou genérica, como no caso das
citadas exações, a tributação é possível.

5.2 A norma instituidora do tributo deve ter sido publicada antes da


vigência da EC no 33/2001

Após a publicação da EC no 33/2001, que ocorreu em 12/12/2001, a ampli-


tude da imunidade em exame foi sobremaneira reduzida. Apenas a competência para
instituir impostos permaneceu limitada pela imunidade prescrita pelo art. 155, § 3o,
da CF/88. Por conta desta alteração constitucional, converteu-se uma imunidade
genérica, que restringia a criação de todo e qualquer tributo, numa imunidade espe-
cífica, que limita apenas a instituição de uma espécie tributária, os impostos.
Até a edição dessa emenda, entretanto, o texto constitucional prescrevia expres-
samente, no art. 155, § 3o, o seguinte:
Tácio Lacerda Gama 241

À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I
e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica,
serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.

Segundo este dispositivo, só poderiam incidir sobre as operações indicadas o


ICMS, o II e o IE. A prescrição era genérica. Referia-se a todo e qualquer tributo,
incluídas as contribuições de intervenção no domínio econômico.
Esta regra constitucional continha cinco imunidades genéricas, ou seja, cinco
enunciados que restringiam a possibilidade de criar todos os demais tributos que não
o ICMS, II e IE sob as materialidades que enumera. Com efeito, todas as exações
que incidissem sobre energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de
petróleo, combustíveis e minerais seriam incompatíveis com o texto constitucional.
A edição de uma emenda constitucional não tem o condão de tornar válidos tri-
butos editados em desacordo com a Constituição da República. A validade de um
tributo deve ser aferida segundo a norma de competência vigente à época em que foi
publicada a norma que instituiu a exação.
Nesse sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal em diversas oportunidades.
Ao julgar a ADIn no 2, consignou na ementa que “o vício de inconstitucionalidade
é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua
elaboração”.5
Também o E. Ministro Marco Aurélio, em recente julgado, foi taxativo ao afas-
tar a esdrúxula figura da constitucionalização de leis inconstitucionais:

Ou bem a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal,


ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, con-
siderado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia.
A constitucionalidade de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com
a ordem jurídica em vigor, da jurisprudência, não cabendo reverter a ordem natural
das coisas. Daí a inconstitucionalidade do § 1o do art. 3o da Lei 9.718/98.
STF – RE no 390.840-5/MG; Rel. Min. Marco Aurélio; Tribunal Pleno; DJ
15/08/2006.

As contribuições interventivas editadas antes do início da vigência da EC


no  33/2001, cuja hipótese de incidência alcance qualquer daquelas situações, de-
vem ser declaradas inconstitucionais. Isto porque tributo editado em confronto com
a respectiva norma de competência é tributo editado sem fundamento de validade.
Por sua vez, tributo editado sem fundamento de validade deve ser expulso do sistema
jurídico, por manifesta inconstitucionalidade.
5
ADIn no 2; Rel. Min. Paulo Brossard; Tribunal Pleno; DJ 21/11/1997.
242 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Os efeitos das alterações introduzidas pela EC no 33/2001 só alcançam os fatos


ocorridos a partir da sua edição. Por conta disso, somente as contribuições interven-
tivas criadas após 12/12/2001 poderão incidir sobre qualquer das materialidades
enumeradas no art. 155, § 3o. Em relação àquelas editadas antes desta data perma-
nece a necessidade de ter declarada a sua invalidade.

5.3 Inexistência de conflitos com os princípios da solidariedade e da


universalidade

Os acórdãos existentes que tratam deste tema referem-se ao exame da constitu-


cionalidade de contribuições criadas com o específico propósito de ser instrumento
da União na ordem social, em especial, na ordem previdenciária, tais como a contri-
buição ao PIS e a COFINS. Estes tributos, por sua natureza, estão sujeitos à obser-
vância dos princípios da universalidade e da solidariedade, previstos nos arts. 194,
parágrafo único, I, e 195, da Constituição.
Nestes casos, a E. Suprema Corte decidiu que, em face da expressa previsão
constitucional determinando que todos devam contribuir para o financiamento da
seguridade social, ficaria afastada a aplicação da imunidade genérica do art. 155,
§ 3o, da CF/88. O entendimento adotado pelo Plenário do STF nos referidos casos
privilegiou os princípios da universalidade e da solidariedade, sob o argumento de
que toda a sociedade deve arcar com o ônus da ação social do Estado, sem restrição.
Trata-se, como é possível perceber, de solução de conflito de valores, tendo o aplica-
dor da lei optado por dar preferência ao interesse tutelado pelo direito positivo que
entendeu mais relevante no caso concreto.
Portanto, outro requisito para a aplicação da imunidade genérica prescrita no
art. 155, § 3o, da Constituição, é a inexistência de conflito de valores com o princí-
pio da solidariedade.

6 TRIBUTOS CRIADOS EM FRONTAL VIOLAÇÃO DESTE


DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL

Observando as características da imunidade em referência, podemos infe-


rir que as contribuições de intervenção no domínio econômico instituídas pelas
Leis nos 9.998/2000 – Contribuição ao FUST e 10.052/2000 – Contribuição ao
FUNTTEL – foram criadas em frontal violação do art. 155, § 3o, vigente à época.
Com efeito, a Contribuição ao FUST e a Contribuição ao FUNTTEL foram
instituídas nos seguintes termos:
Tácio Lacerda Gama 243

Lei no 9.998/2000

Art. 1o Fica instituído o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações


– Fust, tendo por finalidade proporcionar recursos destinados a cobrir a parcela de
custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações de universaliza-
ção dos serviços de telecomunicações, que não possa ser recuperada com a exploração
eficiente do serviço.
(…)
Art. 6o Constituem receitas do Fundo:
(...)
IV – contribuição de um por cento sobre a receita operacional bruta, decorrente de
prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, excluindo-se
o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação
de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações – ICMS,
o Programa de Integração Social – PIS e a Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social – COFINS;
(Grifos do autor)

Lei no 10.052/2000

Art. 1o É instituído o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunica-


ções Funttel, de natureza contábil, com o objetivo de estimular o processo de inovação
tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de
empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital,
de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira de telecomunica-
ções, nos termos do art. 77 da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997.
(...)
Art. 4o Constituem receitas do Fundo:
(...)
III – contribuição de meio por cento sobre a receita bruta das empresas prestadoras
de serviços de telecomunicações, nos regimes público e privado, excluindo-se, para de-
terminação da base de cálculo, as vendas canceladas, os descontos concedidos, o Imposto
sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), a contribui-
ção ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social (Cofins);
(Grifos do autor)

Analisando estes dispositivos legais, não resta dúvida de que se trata de tribu-
tos que incidem sobre a prestação de serviços de telecomunicação. Sua hipótese de
incidência é confirmada por sua base de cálculo que aponta exclusivamente para a
244 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

receita bruta obtida com a prestação deste específico serviço. O texto legal é claro no
sentido de que apenas os ingressos econômicos derivados da exploração direta destas
atividades serão passíveis de sofrer a incidência tributária.
Como se vê, o legislador da União apropriou-se de materialidade que, à época
da edição das Leis nos 9.998/2000 e 10.052/2000, gozavam da imunidade prescrita
no art. 153, § 3o, da CR/88. De fato, as contribuições ao FUST e ao FUNTTEL
foram criadas mais de um ano antes da publicação da EC no 33/2001.
A aplicação da imunidade prescrita no art. 155, § 3o, da CF/88, exige que o
tributo grave direta e especificamente uma das materialidades que menciona. Este
é exatamente o caso dessas contribuições que, por expressa disposição de lei, incide
exclusivamente sobre a prestação de serviços de telecomunicações.
É sempre bom lembrar que ao legislador é permitido optar pela indicação ex-
pressa da base de cálculo e da hipótese de incidência ou apenas pela previsão da
primeira. Neste último caso, a lei instituidora do tributo trará de forma implícita a
respectiva hipótese de incidência.
A Lei no 9.998/2000 determinou que a base de cálculo da contribuição por
ela instituída é a “receita bruta operacional, decorrente de prestação de serviços de te-
lecomunicações nos regimes público e privado”. A Lei no 10.052/2000, por sua vez,
prescreveu que a base de cálculo da contribuição ao FUNTTEL é “receita bruta das
empresas prestadoras de serviços de telecomunicações”. Por conta destas estipulações, o
legislador deixou implícito que a hipótese de incidência desses tributos é a prestação
dos serviços de telecomunicação. Hipótese esta que era expressamente vedada pela
redação originária do art. 155, § 3o, da CF/88.
Entretanto, importa destacar que a base de cálculo é apenas uma medida eco-
nômica do fato que está sendo gravado com o tributo, com ele não se confundindo.
Assim, jamais seria possível afirmar que a materialidade das contribuições ao FUST e
ao FUNTTEL é a “receita bruta operacional” ou “receita bruta”, respectivamente,
pois, repita-se, a base de cálculo é apenas uma dimensão econômica do fato previsto
na hipótese de incidência.
Vale insistir: compondo a base de cálculo das contribuições em apreço desta for-
ma, o legislador deixou claro que a hipótese de incidência dos tributos é exclusiva-
mente a prestação de serviços de telecomunicação. Este é o único fato jurídico que
está sendo mensurado economicamente pelo critério quantitativo do tributo, nos
termos estabelecidos pelas Leis nos 9.998/2000 e 10.052/2000.
Ao assim proceder, prescrevendo a prestação dos serviços de telecomunicação
como hipótese de incidência desses tributos, o legislador se apropriou de fato que
estava fora da sua competência, violando a imunidade prescrita no art. 155, § 3o, da
CF/88, vigente à época da publicação da lei instituidora do tributo.
Tácio Lacerda Gama 245

Por fim, no que se refere a inexistência de conflito de valores com o princípio da


solidariedade, outro requisito necessário para a aplicação da referida imunidade nos
termos da consolidada jurisprudência do STF, deve-se ressaltar que o princípio que
vigora para as contribuições de intervenção no domínio econômico preconiza justa-
mente o oposto da solidariedade.
Em se tratando de tributos desta subespécie, é a referibilidade que condiciona a
competência para sua instituição, determinando um necessário vínculo entre o crité-
rio material da hipótese de incidência, os sujeitos passivos e sua finalidade. Essa ca-
racterística faz com que apenas os integrantes do setor específico da economia que
será, direta ou indiretamente, beneficiado com a atuação estatal possam ser incluídos
na classe dos sujeitos passivos. Sem a referibilidade, não se pode falar em intervenção
na economia, mas atuação do Estado em favor de toda a coletividade, o que desna-
turaria a contribuição.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto, verifica-se que as contribuições ao FUST e ao FUNTTEL atendem


a todos os requisitos indicados pela reiterada jurisprudência do STF para a aplicação
da regra prevista no art. 155, § 3o, da CF/88, quais sejam:

I. Hipótese de incidência, confirmada por sua base de cálculo, refere-se de for-


ma direta e específica a uma das materialidades indicadas no art. 155, § 3o,
qual seja, realização de operações relativas a serviços de telecomunicações.
II. As Leis nos 9.998/2000 e 10.052/2000, que as instituíram, foram publi-
cadas antes da vigência da Emenda Constitucional no 33/2001.
III. Não estão sujeitas aos princípios da solidariedade e da universalidade, mas
sim ao princípio da referibilidade.

Assim, não resta dúvida de que as contribuições ao FUST e ao FUNTTEL são


inconstitucionais.

8 REFERÊNCIAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 2000.


AMARO, Luciano. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. DERZI, Misabel (atuali-
zação). 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997.
246 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

BARRETO, Aires F.; BARRETO, Paulo Aires. Imunidades tributárias: limitações constitucionais
ao poder de tributar. 2. ed., São Paulo: Dialética, 2001.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed., São Paulo:
Malheiros, 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito constitucional. 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2007.
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuições sociais. Natureza e regime jurídico. In: EMERENCIANO,
Adelmo da Silva et al. Curso de especialização em direito tributário: estudos em homenagem a Pau-
lo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
___________ . Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

SCHOUERI, Luis Eduardo. Algumas considerações sobre a contribuição de intervenção no


domínio econômico no sistema constitucional brasileiro. A contribuição ao programa universi-
dade-empresa. In: GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de intervenção no domínio eco-
nômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001.
TORRES, Ricardo Lobo. Sistemas constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
Imunidade das exportações:
créditos acumulados
das contribuições para
o PIS e COFINS

VITOR MARTINS FLORES


1. Introdução. 1.1. Proposição do tema. 1.2. Premissas teóricas da aná-
lise. 1.3. Objeto e método de estudo. 2. Contribuições sociais ao PIS/
COFINS. 2.1. Breve histórico das contribuições ao PIS/COFINS. 2.2. Acú-
mulo de créditos das contribuições ao PIS/COFINS. 3. Acúmulo de cré-
ditos, ainda assim. 4. Utilização de créditos acumulados de PIS/COFINS.
5. Considerações finais. 6. Referências.

1 INTRODUÇÃO

1.1 Proposição do tema

No presente estudo, analisamos a aplicação da regra constitucional que exone-


ra as receitas de exportações da competência do legislador para, sobre elas, instituir
contribuições destinadas ao custeio da seguridade social.1
Como referência teórica, partimos do pressuposto de que a norma jurídica é
criada para ser aplicada. O direito, objeto instrumental, deve ser, portanto, analisado

1
As receitas de exportação são, a princípio, passíveis de tributação pelas contribuições sociais, conforme com-
petência outorgada pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 (“CF” ou “Constituição
Federal”) por meio dos arts. 149 e 195.
248 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

não apenas em sua estrutura, mas também em sua função:2 a de proteger os valores
importantes para uma dada sociedade. As normas relativas às finalidades do Esta-
do, valores máximos3 positivados na Constituição Federal, orientam, portanto, quais
bens jurídicos o legislador deve tutelar.
Para o cumprimento destes misteres, o constituinte dota o Estado de poderes
para manejar os instrumentos que sejam hábeis a estas finalidades, e de recursos fi-
nanceiros para intervir de modo efetivo na ordem social. Aparelha o Estado com
órgãos e pessoas jurídicas incumbidas de realizar a função pública, e provê-lhe de
recursos financeiros,4 receitas originárias e de capital,5 com as quais abaste o erário.
Dentre as receitas originárias, destacam-se as receitas tributárias, nas quais se in-
cluem as contribuições sociais. Trata-se de obrigações pecuniárias compulsórias, exi-
gidas do cidadão, à vista de um fato econômico lícito por si praticado.6 Deveres desta
natureza são disciplinados pela CF/88 em seus arts. 145 e seguintes, os quais esta-
tuem o modo como a competência legislativa para instituí-los deve ser exercida. Não
são os únicos meios de o cidadão contribuir com o Estado,7 mas constituem a parte
substancial8 do exercício de sua solidariedade para com a sua comunidade.
A aptidão para criar tributos corresponde ao direito potestativo de criar, modi-
ficar e revogar obrigações tributárias, sendo referenciado pela norma constitucional9
como “poder tributário”. É por meio deste poder10 que o estado democrático brasi-
leiro angaria recursos materiais para provimento de seus misteres. E justamente por
ter um fim democrático, este poder utiliza-se, por suposto, de meios democráticos
para sua realização. Desta maneira, o tributo é criado por lei, com a devida antece-
dência e com o atendimento de algumas condições11 estipuladas pela CF/88.
2
Verba cum effectu, sunt accipienda: Não se presume, na lei, palavras inúteis. Literalmente: “devem-se com-
preender as palavras como tendo alguma eficácia.” (Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direi-
to. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 204). Por “eficácia”, podemos compreender, no contexto desta citação,
como a “eficácia social” do direito, isto é, sua obediência pelo cidadão ou, alternativamente, a aplicação da
consequência jurídica prescrita pela norma, como explicado por Paulo de Barros Carvalho, in: Curso de Direito
Tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 83.
3
Constituição Federal, especialmente arts. 1o a 4o; e art. 60, § 4o.
4
A CF/88 institui, pelos arts. 5o e 170, o direito à propriedade privada, o que equivale dizer que o Brasil é um
país capitalista. Esta disposição, conjugada com os arts. 21, VII, e 22, VI, e 192, indica que País adotará um
sistema financeiro para viabilizar a liquidação de direitos e obrigações. Por isto, o modo do País realizar suas
finalidades é pelo emprego da moeda.
5
Lei no 4.320/1964, art. 11.
6
Código Tributário Nacional (CTN), art. 3o.
7
Outras maneiras de o cidadão contribuir com a finalidade estatal, por exemplo, é a participação obrigatória
no serviço eleitoral ou de participar no Tribunal do Júri, deveres que, por não terem caráter pecuniário, não
pertencem à espécie tributária sob nossa análise.
8
A carga tributária brasileira, em 2005, foi de 37,37% do PIB. (Brasil. Secretaria da Receita Federal: Coordena-
ção-Geral de Política Tributária. Carga Tributária no Brasil 2005. Brasília, 2006, p. 1).
9
CF/88, art. 146, III.
10
A palavra “poder”, neste sentido, desvincula-se de seu contexto autoritário absolutista do Estado, para
assumir a designação da função legislativa estatal de instituir direitos e deveres, nos limites dos valores demo-
cráticos.
11
Como, por exemplo, a condição de serem criados por Lei Complementar em alguns casos.
Vitor Martins Flores 249

Com os tributos, o estado interfere na economia, arrecadando uma parcela da ri-


queza que o país produz, empregando-a nos fins que a democracia valoriza. Trata-se
de uma evidente realocação de riquezas. Mas alguns sujeitos ou alguns objetos que a
princípio seriam aptos a contribuir com os fundos para os valores do estado já estão
na linha de frente da implantação dos valores, antes mesmo deste intervir em tal jogo
de realocação. A força popular não está de olhos fechados para estas situações. Ao
contrário, favorecem-nas pelo reconhecimento (constitucional) de que merecem não
ser tributadas, posto já concorrerem diretamente para o desenvolvimento do país.
Portanto, o ímpeto do poder de tributar estas situações é contido. O legislador
não poderá criar obrigações tributárias para alguns sujeitos ou a respeito de alguns
objetos que, a princípio, poderiam ser compelidos a contribuir com os cofres públi-
cos. Ele tem sua competência tributária limitada. Este tipo de impedimento é deno-
minado pela ciência jurídica como “imunidade tributária”, da qual ocupamos nossa
exposição. Compõem este gênero, por exemplo, as normas que vedam, em relação
ao sujeito, a tributação de templos de qualquer culto; e, em relação ao objeto, a tri-
butação dos livros e das receitas de exportação.
Em nossa análise, especificamos nossa atenção às normas de imunidade que im-
pedem a tributação das receitas de exportação. Mais restritamente ainda, focamos
nas imunidades das receitas de exportação em respeito às contribuições sociais,12 uma
das cinco espécies tributárias.13 Estas receitas representam ingressos de divisas para
o país, fomentando o acúmulo de riquezas e o investimento no desenvolvimento
econômico e social interno, razão pela qual são desonerados de tributos.14 O País,
portanto, segue a diretriz segundo a qual deve-se exportar bens e serviços, mas
não tributos. A renda derivada do ingresso desses recursos e a propriedade adquiri-
da com eles, por outro lado, serão devidamente tributadas. Portanto, a limitação da
competência tributária tende a ser compensada no médio prazo. De maneira imedia-
ta, contudo, garantir o ingresso livre de recursos externos é mais importante que o
interesse de arrecadar tributos.
No ordenamento jurídico pátrio, as contribuições sociais incidentes sobre as
receitas como um todo são as contribuições ao Programa de Integração Social
(PIS) e ao Financiamento da Seguridade Social (COFINS), ou, simplesmente PIS/
COFINS. Por força no § 2o do art. 145 da Constituição Federal, o legislador fica im-
pedido, com elas, de tributar as receitas de exportações. Isto é, estabelece imunidade
tributária sobre esse ingresso de divisas.
12
As receitas são passíveis de tributação por contribuições sociais, conforme art. 195 da CF, mas deixam de
sê-lo por aplicação do inciso I do § 2o do art. 149 da CF/88.
13
A doutrina a que nos filiamos entende haver cinco espécies tributárias.
14
Assim, conforme arts. 149, § 2o, I; 153, § 3o, III; 155, § 2o, X, a; 156, § 3o, II, o Imposto sobre Produtos Indus-
trializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual
e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), e o Imposto sobre Serviços (ISS), bem como as contribuições sociais
e de intervenção no domínio econômico não incidem sobre as receitas de exportação.
250 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Estas contribuições são apuradas em conformidade com dois regimes jurídi-


cos distintos, o cumulativo e o não cumulativo. Em ambos os casos elas não devem
tributar as receitas de exportação. A diferença entre os regimes é que com base no
regime cumulativo,15 as contribuições são cobradas em cada etapa da circulação de
bens e serviços sobre o valor total das receitas,16 ao passo que a apuração com base
no regime não cumulativo,17 apesar de também tributar toda receita de cada etapa,
permite-se que o valor a pagar seja diminuído em função do desconto de créditos
tributários calculados sobre os valores pagos sobre alguns gastos do sujeito relativos
à etapa anterior. No segundo regime, portanto, permite-se o confronto de créditos
tributários sobre os valores pagos com débitos tributários calculados sobre os valores
de receitas incorridas.18
No cenário de exportação por sujeitos que apuram créditos pelo regime não
cumulativo, ao qual ora voltamos nossa atenção, deparamo-nos com a curiosa situa-
ção na qual a sociedade tem o direito de descontar créditos tributários com base das
suas aquisições, mas não tem valores de tributos a pagar a este título, posto que as
exportações lhes são desoneradas. Esta circunstância vem a implicar, para si, o acú-
mulo de créditos destas contribuições.
Temos o propósito de aqui avaliar esta situação, pois, como demonstraremos, o
acúmulo destes créditos corresponde a um aumento da carga tributária. Para resolver
este problema, o legislador, em atenção ao princípio constitucional que introduz a re-
gra da imunidade, isto é, o valor da desoneração das exportações, criou mecanismos
paliativos dos quais nos ocuparemos. No entanto, há casos em que estas soluções, le-
vadas a um “teste de estresse”, não se mostram definitivas para o problema a resolver,
qual seja, a desoneração das exportações mediante o aproveitamento dos créditos tri-
butários. Para estes casos, em atenção ao fato de que as regras são criadas para serem
cumpridas, os contribuintes, com apoio em recente jurisprudência administrativa,
vêm construído uma solução legítima para o problema, mediante o uso de regras de
direito, que estão postas para serem realmente usadas em atenção a sua função maior.
O objetivo desta exposição, portanto, é de evidenciar como a regra de imunida-
de das exportações, somada a outras regras inferiores interpretadas no interesse da-
quela primeira, têm sido aplicadas para resolver o problema de créditos acumulados
15
A disposição básica sobre o regime cumulativo de PIS/COFINS é a Lei n o 9.718/1998.
16
Salvo algumas isenções.
17
A disposição básica sobre o regime não cumulativo para o PIS é a Lei no 10.637/2002, e para a COFINS, a Lei
no 10.833/2003.
18
Por exemplo, se uma empresa está sujeita ao regime cumulativo, e – como tal – sujeita à alíquota de 3,65%
de PIS/COFINS, apurar uma receita de vendas $ 100, terá que recolher $ 3,65 ao Erário ($ 100 u 3,65% =
$ 3,65). Já uma empresa sujeita ao regime não cumulativo, e – como tal – sujeita à alíquota de 9,25% de PIS/
COFINS, que apurar uma receita de vendas de $ 100, terá de pagar – a princípio – $ 9,25 ($ 100 u 9,25% =
$ 9,25). No entanto, se essa mesma empresa tiver gastos dos quais se possa creditar no montante de $ 70, terá
direito ao crédito de $ 6,50 ($ 70 u 9,25% = $ 6,50). Assim, ao final das contas, essa empresa do regime não
cumulativo poderá subtrair dos $ 9,25 que deve o total de $ 6,50, o que resulta – enfim – em $ 2,75 a pagar.
Vitor Martins Flores 251

de PIS/COFINS nas exportações pelos contribuintes que apuram estas contribui-


ções pelo regime não cumulativo.
Para melhor amparar nossa linha argumentativa, expomos, a seguir, algumas
premissas de nosso referencial teórico.

1.2 Premissas teóricas da análise

Para análise do tema em discussão, propomos abordar o direito envolvido na


questão a partir da leitura dos enunciados linguísticos que lhe dá uma forma obser-
vável; de sua estrutura lógica, que lhe confere uma identidade única dentre os demais
objetos passíveis de análise; da consideração das normas aplicáveis ao caso em seu
conjunto, posto referirem-se, direta ou indiretamente, umas às outras; e, por fim,
em observância às finalidades que as normas pretendem instituir, posto que, como
objetos culturais, o direito é repleto de valores que orientam sua aplicação. Por fim,
reafirmamos o axioma fundamental de nosso pensamento: o direito é criado para ser
aplicado.
Como linguagem, o direito utiliza-se de sua função prescritiva19 para promover
modificações ou preservar situações da realidade social. Obriga, proíbe ou permite que
condutas sejam praticadas pelos destinatários da norma, a sociedade. A cultura brasilei-
ra assimilou do direito continental europeu a versão do direito em comandos escritos.
A reverência à forma solene, como método de imprimir memória ao povo, guia a rei-
teração deste costume, isto é, o costume de observar as normas escritas. As regras
jurídicas, para valerem, devem ser publicadas pelo modo escrito para geral conheci-
mento. Seu desconhecimento não escusa seu não cumprimento, o que implica o dever
de todos conhecerem o direito escrito.20 Por outro lado, é claro que, como linguagem,
o direito está sujeito a variado grau de interpretação e modos de aplicação. Até mesmo,
porque não tem vocação para detalhar com minudência todos os aspectos que podem
envolver-se uma dada conduta. Portanto, o costume é admitido21 como modo de cria-
ção do direito em forma não escrita, na medida em que tenha pertinência com a lei.22
19
“Linguagem prescritiva de condutas (normativas): é utilizada para a expedição de ordens e comandos (exem-
plo: é proibido fumar). Própria para a regulação de comportamentos intersubjetivos e intrasubjetivos, projetan-
do-se sobre a região material da conduta humana com a finalidade de modificá-la. Submetem-se aos valores de
validade e não validade, não podendo ser afirmada ou negada, mas sim observada ou não.” (Aurora Tomazini
de Carvalho. Teoria Geral do Direito: O Construtivismo Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009. p. 90).
20
O Decreto no 4.657/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil, ou “LICC”) é claro a respeito: “Art. 3o Ninguém
se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.
21
“Pelo que toca à produção de Direito consuetudinário, a Constituição apenas pode delegar no processo
que se caracteriza como costume. Aqui nem tampouco pode ser excluído pela Constituição um determinado
conteúdo das normas jurídicas consuetudinariamente criadas, pois que a própria Constituição – mesmo uma
Constituição escrita em sentido formal – pode ser alterada por normas jurídicas produzidas por via consuetudi-
nária.” (Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 258).
22
Do contrário não seriam “bons costumes”, aptos a gerar efeitos jurídicos, conforme a LICC, arts. 4 o e 17; Lei
9.307/1996, art. 2o, § 1o; Lei 10.406/2002 (Código Civil), arts. 13, 122, 187.
252 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Assim, tanto quanto as normas jurídicas escritas admitem a aplicação do costume


(normas jurídicas não escritas), quanto é costume observar as normas jurídicas
escritas. O sistema de normas escritas e costumeiras retroalimenta-se, com a prevalên-
cia das primeiras sobre as segundas, pelo reclamo de objetividade23 e memória que a
democracia organizada exige. Assim, a menos quando expressamente mencionado em
contrário, referimo-nos ao direito como sendo o conjunto de normas jurídicas escritas
válidas dentre um dado território.
Como expressão linguística, as normas reduzem os fatos por si descritos, aptos
a gerar consequências jurídicas, a conceitos mais amplos.24 A norma que prescreve
“É proibido fumar em local fechado”, não alude às marcas de cigarro existentes, nem
aos tipos de fumo.25 A norma pode prescindir das motivações da ocorrência de um
fato, ou de circunstâncias secundárias a ele associadas, restringindo-se a uma referên-
cia singela de um evento qualquer.
Nesta medida, a hipótese e o consequente normativos reduzem as complexida-
des dos fatos por si descritos a classes de eventos abstratamente delineados. A hipóte-
se normativa é acoplada a sua consequência pelo modal deôntico (neutro em valor)26
segundo o qual, à vista da hipótese deve ser a aplicação de uma consequência (esta
sim carregada de valoração), isto é, uma relação jurídica entre dois ou mais sujeitos.
Assim, sob a condição de ocorrer a hipótese, deve-se aplicar a consequência jurídica
prevista na norma.27
Essa criação humana, a norma jurídica, serve de instrumento28 de intervenção na
realidade social. É uma ferramenta criada pelo homem a seu serviço, sendo, portanto
23
CF/88, art. 5o, II: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
24
“Conceituar importa selecionar caracteres, escolher traços, separar aspectos, desprezando-se os demais. As
singularidades irrelevantes, o Legislador as deixa de lado, mesmo porque são em tal quantidade que o trabalho
ganharia proporções infinitas.” (Paulo de Barros Carvalho. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 253).
25
Por isto existe o adágio segundo o qual ubi lex distinguiti nec nos distinguere debemus, ou, “onde a lei não
distingue, não pode o intérprete distinguir”. “Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes,
é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista
explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é,
sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas”. (Carlos Maximiliano. Hermenêutica
e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 201).
26
Trata-se da aplicação de uma regra à semelhança de uma norma natural: dada a hipótese suposta segue-
-se fatalmente a consequência. Os criadores do direito mimetizam esta relação de causa e efeito natural, em
relações entre hipótese e consequência jurídicas, isto é, em normas jurídicas.
27
Sob esta vinculação condicional, Karl Engisch preleciona em sua Introdução ao Pensamento Jurídico: “Refiro-
-me à questão de saber qual a relação em que se encontram entre si a hipótese legal e a consequência jurídica.
Até aqui limitamo-nos a caracterizar esta relação como relação de condicionalidade: a hipótese legal, como
elemento constitutivo abstracto da regra jurídica, define conceitualmente os pressupostos sob os quais a esta-
tuição da consequência jurídica intervém, a consequência jurídica é desencadeada”. (Karl Engisch. Introdução
ao Pensamento Jurídico. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 58).
28
“Dewey estendeu os sentidos dessa palavra, designando com ela todos os meios capazes de obter um resul-
tado em qualquer campo da atividade humana, prático ou teórico. Dewey diz: ‘Como termo geral, instrumental
significa a relação meios resultados como categoria fundamental para a interpretação das formas lógicas,
enquanto operacional exprime as condições graças às quais a matéria: 1o se torna apta a servir como meio e
Vitor Martins Flores 253

um objeto cultural29 e, como tal, dotada de valor. As consequências jurídicas são to-
das elas dotadas de uma carga valorativa, posto que seja por meio delas que se ve-
rifica a sociedade ter se aproximado ou se distanciado dos fins por si colimados.30
As normas que declaram uma finalidade para as demais normas estatuem definições
fundamentais31 e prescrevem modos de exercício da competência32 a serem utilizadas
como pressuposto pelas demais normas de ação. Trata-se, portanto, de normas dire-
cionadas ao legislador, estruturando o sistema com definições, valores (conteúdo a
priori das normas de conduta), 33 e modos de se prescrever condutas.
Analisado o Direito sob o ponto de vista puramente lógico, o fato de alguém
“sofrer” (rectius: “estar sujeito a”) uma consequência normativa não é necessaria-
mente bom ou ruim. As consequências jurídicas podem favorecer ou prejudicar o
sujeito, conforme ampliem ou diminuam seu patrimônio jurídico (seu conjunto de
direitos), e conforme este sujeito esteja disposto a abrir mão de um direito em fa-
vor de uma consequência.34 Assim, as consequências jurídicas podem ser positivas

2o efetivamente funciona como meio para a transformação objetiva, que é o objetivo da indagação.” (Nicola
Abbagnano. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 655).
29
“Neste tema, há que se ter como premissa que, sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particu-
larmente as normas jurídicas, estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente
presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte
que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função de seu papel sintático no conjunto,
acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de
compreensão de múltiplos segmentos.” (Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. São
Paulo: Noeses, 2008, p. 256).
30
O valor positivo corresponde à aproximação da finalidade, e a negativa ao distanciamento.
31
As normas que estatuem definições fundamentais são consideradas normas de estrutura do sistema, pois
sobre elas apoiam-se as demais prescrições. Trata-se de preconceitos valorativos institucionalizados. Gregorio
Robles explica sobre estes tipos de normas em nossa tradução livre: Porém junto a estas regras que expressam
uma exigência de conduta e, portanto, vão dirigidas diretamente à ação, existem aquelas outras que pontuam
ou definem os elementos necessários à convenção, já estudados. Não se dirigem diretamente à ação, ainda
que indiretamente, posto que é impensável, do ponto de vista lógico, que se possa realizar a ação sem que se
tenha indicado os elementos espaço-temporais, os sujeitos e as competências. Estas regras se expressam, ou
são exprimíveis, mediante o verbo ser, e por isto podem ser chamadas de regras ônticas.” (Gregorio Robles. Las
Reglas del Derecho y las Reglas de los Juegos. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México,
1988, p. 100).
32
As normas de competência estatuem em que condições podem ser criadas as normas jurídicas de condu-
ta. São normas de conduta, portanto, direcionadas ao legislador, conforme depreendemos da lição de Tácio
Lacerda Gama: “Estudamos a competência tributária para: identificar normas jurídicas relativas à tributação;
perceber como essas normas surgem, se transformam e se extinguem; distinguir uma norma produzida de for-
ma regular de outras produzidas irregularmente; ter argumentos para demonstrar essa irregularidade; perceber
que reações o sistema de direito positivo prescreve para as normas irregulares. Esses propósitos, todos eles,
evidenciam o estrito vínculo entre competência e validade das normas jurídicas.” (Tácio Lacerda Gama. Compe-
tência Tributária: Fundamentos para uma Teoria da Nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 302).
33
Sobre o fato de as normas principiológicas definirem o virtual conteúdo de demais normas, Paulo de Barros
Carvalho explica: “Outro critério focaliza as regras jurídicas tributárias pelo ângulo do grupo institucional a que
pertencem, separando-as em três classes: a) normas que demarcam princípios, concebidos para dar os limites
da virtualidade legislativa no campo tributário.” (Paulo Barros de Carvalho: Curso de Direito Tributário. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 237).
34
Isto é, até que preço o sujeito está disposto a pagar para poder praticar uma conduta. O legislador, ao es-
tatuir uma consequência para a prática de um ato que entenda contrário ao valor positivado, deve fazê-lo na
medida de efetivamente desestimular a conduta. Como não podemos estabelecer a priori este limite (posto
254 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

ou negativas, com o que pretendemos evidenciar, pois, muito embora o consequen-


te normativo seja chamado frequentemente por “sanção” (consequência negativa),
a designação é imprópria, pois se trata de uma metonímia para designar a classe (as
consequências jurídicas, que podem ser positivas ou negativas) por uma de suas es-
pécies (a consequência jurídica negativa).
Portanto o nosso objeto, o direito contém uma estrutura lógico-formal pela
qual se vincula o antecedente da norma (ou “hipótese normativa”) ao consequente
normativo, devendo a valoração desta consequência em positiva ou negativa ser ob-
jeto de análise da axiologia imanente ao sistema de normas jurídicas. Não há como fi-
xar-se, a priori, uma valoração, positiva ou negativa, do consequente normativo. São
os valores a serem observados pela coletividade das normas que as imantam em um
vetor de coerência de sentido, pois há de se supor que todas elas são estatuídas para
os mesmos desideratos. Esta noção confere harmonia entre as normas, o que implica
direta coesão destes elementos. Neste cenário, constatamos estar contemplando um
sistema,35 com elementos (as normas) e ordem (os modos de interação entre aqueles,
definido pelos valores).
As normas jurídicas que definem condutas, portanto, ascendem à Constituição
Federal para buscar seus valores. O intérprete do direito deve observar a axiologia
(ou a “teleologia”, que corresponde à finalidade da norma, e, nesta medida, à reali-
zação de valores, tal como bem dispostos pela “axiologia”) na aplicação das normas
e, sem ignorar a realidade social, verificar a que valor elas se prestam, e a melhor for-
ma de serem aplicadas para alcance da finalidade pretendida.

1.3 Objeto e método de estudo

Nesta introdução expusemos o problema de que vamos tratar, o acúmulo de cré-


ditos de PIS/COFINS decorrentes da regra de imunidades de exportação, e indica-
mos que iremos estudar um modo como esta situação pode ser resolvida.
Expusemos concisamente que esta abordagem terá como referência as regras
de direito postas validamente no sistema de direito positivo. Observamos as normas

que até a morte é aceitável em favor de grandes causas), não podemos definir em linha de princípio se uma con-
sequência jurídica é boa ou ruim. O economista Steven Levitt, pela narração de Stephen Dubner, explica o curio-
so caso em que uma creche em Israel decidiu cobrar uma multa dos pais para a hipótese de eles se atrasarem
na busca de seus filhos ao final do dia. Antes, não havia uma multa para esta conduta. A partir da instituição
da “penalidade”, o número de atrasos subiu bastante. A conclusão do economista é de que os pais preferiram
pagar para poderem atrasar-se. Neste caso, constata-se que, se a multa funcionou, não foi uma punição, mas
uma legitimação da conduta suposta contrária à norma (Steven Levitt; Stephen Dubner. Freakonomics: A Rogue
Economist Explores the Hidden Side of Everything. Nova York: Harper Collins, 2005, p. 19).
35
“A teoria do ordenamento jurídico se baseia em três caracteres fundamentais a ela atribuídos: a unidade, a
coerência, a completitude; são estas três características que fazem com que o direito no seu conjunto seja um
ordenamento e, portanto, uma entidade nova, distinta das normas singulares que o constituem.” (Norberto
Bobbio. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1999, p. 198).
Vitor Martins Flores 255

com atenção ao contexto em que se inserem, pois, nada obstante tenhamos afirmado
que as normas sejam categorias lógicas e, como tal, neutras em valor quanto a sua
aplicação, elas têm carga valorativa quanto a sua finalidade, posto inserirem-se em
um contexto social e normativo maior. Cabe ao intérprete orientar-lhe a aplicação
para a finalidade à qual se destinam.
Sobre este diálogo entre objetividade interpretativa da norma (aproximação for-
malista do objeto, mais sintática), e inclinação axiológica na observação do siste-
ma jurídico (aproximação realista, mais semântica), estamos seguros de manter uma
coerência ao eleger a objetividade do primeiro critério, mas sem deixar confirmar
seu sentido com a contextualização das normas no cenário em que estão insertas.
Não perdemos o rigor científico nesta aproximação, pois como explica Ricardo A.
Guibourg36 em nossa tradução livre:

Em termos estritos, o valor descritivo de um esquema formalista é fugaz, porque


em cada momento sói introduzir-se na realidade modificações de fato que o for-
malismo (puro e, portanto, sólido, ainda que um tanto frágil) encontra difícil de
digerir. [...] Este esquema formal mantém durante certo tempo uma adequação
aproximada da realidade que permite utilizar-lhe no estudo e na argumentação.
Quanto chega o momento – por haver ocorrido uma revolução ou porque uma
multiplicidade de pequenas mudanças determinaram que a circunstância social já
não pode manejar-se com os critérios anteriores – convirá abandonar o esquema
em uso e construir um outro novo, capaz de dar conta da realidade presente du-
rante um determinado lapso. Para a eleição dos pressupostos sobre os quais haja
de assentar-se o novo esquema, a concepção realista pode aportar dados valiosos;
mas o sistema a se construir sobre essas bases não pode renunciar a estipular outra
vez uma estrutura hierárquica formal que ignore deliberadamente certos dados da
realidade.
E deste modo, com a interação de um realismo subjacente e de um formalismo
vagamente espasmódico, a ciência do direito, bifronte como Jano,37 pode aspirar a
cumprir seu compromisso com o método empírico e com a prática jurídica.

Portanto, adotamos um referencial de atenção ao estudo do direito a partir da


análise das normas postas, mas observando os valores que lhes guia a aplicação. Esta
metodologia é de necessidade premente para a Ciência Jurídica quando queremos
estudar valores constitucionais estipulados por uma norma de imunidade tributária,
a desoneração das exportações.
36
Ricardo A. Guibourg. Derecho, sistema y realidad. Buenos Aires: Astrea, 1986, p. 77.
37
Jano, em latim Janus, é o deus romano dotado de duas cabeças, uma mirando na direção diametralmente
oposta da outra: uma representa o passado e a outra o futuro. A figura de Jano marca o início de novos tempos
e o fim de outros idos. Portanto, este deus dá origem ao mês de janeiro, correspondendo à passagem do ano.
Aqui, entendemos que o mestre argentino não está aludindo ao início e fim de épocas, mas simplesmente ao
fato de que um mesmo ser conter duas cabeças, isto é, a possibilidade de um mesmo ser (no caso, o Direito),
poder conter duas interpretações simultâneas e complementares.
256 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Por fim, reafirmamos a ideia de que as normas são criadas para serem cumpri-
das, e que as soluções que analisamos para os problemas mais a seguir descritos cor-
respondem, nesta medida, a uma exaltação da Constituição Federal e dos valores da
democracia por meio das formas jurídicas existentes.
No tópico seguinte, tratamos dos contornos normativos que nos trazem o pro-
blema que pretendemos estudar à luz destas premissas hermenêuticas.

2 CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS AO PIS/COFINS

2.1 Breve histórico das contribuições ao PIS/COFINS

A contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) foi instituída pela Lei


Complementar no 7 de 1970 (LC 7/1970), sob a vigência da anterior Constituição
Federal de 1967/1969,38 tendo sido recepcionada pela atual Constituição Federal
de 1988 por disposição expressa de seu art. 239.39 Foi também recebida pela redação
do inciso I do art. 195, combinado com o art. 149 de nossa atual Carta Política, os
quais prescrevem a competência para a União instituir contribuições sociais inciden-
tes sobre o faturamento dos empregadores.40
A Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) foi
instituída pela Lei Complementar no 70 de 1991 (LC 70/1991), sob a vigência da
atual Constituição Federal de 1988, incidindo sobre o faturamento dos empregado-
res à semelhança do PIS. Tem fundamento de validade nos citados arts. 149 e 195 da

38
A CF/1967, com a redação da Emenda Constitucional no 1 de 1969, dispunha: “Art. 21, § 2o A União pode
instituir: I – contribuições, observada a faculdade prevista no item I deste artigo, tendo em vista intervenção
no domínio econômico ou o interesse de categorias profissionais e para atender diretamente a parte da
União no custeio dos encargos da previdência social”; “Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores
os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: V – inte-
gração na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na
gestão, segundo fôr estabelecido em lei”. (Grifos do autor).
A LC 7/1970, por sua vez, dispôs: “Art. 1o É instituído, na forma prevista nesta Lei, o Programa de Integração
Social, destinado a promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empre-
sas”. (Grifos do autor).
39
CF/88, art. 239. “A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado
pela Lei Complementar no 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Ser-
vidor Público, criado pela Lei Complementar no 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação
desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de
que trata o § 3o deste artigo”.
40
Nada obstante o art. 195 da Constituição Federal indique que as contribuições sobre o faturamento são
devidas pelos “empregadores”, a LC 7/1970 indica serem os contribuintes as “empresas”, assim entendidas as
pessoas jurídicas, “nos termos da legislação do Imposto de Renda”. Assim, conforme esta lei, as pessoas jurí-
dicas não empregadoras não seriam contribuintes do PIS, o que confronta o art. 195 em sua redação original.
Nada obstante, quer nos parecer que o art. 239 da Constituição Federal recepcionou a LC 7/1970 em sua inte-
gralidade, o que corresponde, então, a uma exceção ao art. 195. Esta questão foi superada com a modificação
do art. 195 com a Emenda Constitucional no 20 de 1988, que incluiu expressamente, entre os contribuintes do
PIS, a empresa e as entidades a ela equiparadas.
Vitor Martins Flores 257

CF/88. São, portanto, contribuições que incidem sobre a mesma base de cálculo e
têm os mesmos contribuintes, razão pela qual são referidas com frequência, de modo
conjunto, como contribuições ao PIS/COFINS.41
Em 1998, ambas as contribuições passaram a ser regidas por um único diplo-
ma normativo geral, a Lei no 9.718/1998, a qual alargou suas bases de cálculo para
abranger não apenas o faturamento dos empregadores, mas a totalidade das receitas
auferidas pelas pessoas jurídicas em geral.
Os contribuintes não ficaram satisfeitos, pois a competência constitucional ou-
torgada ao legislador não poderia ir além do faturamento. Para tentar remediar a
situação, a Emenda Constitucional no 20 de 1988 (EC 20/98), modificou o art. 195
para permitir a tributação sobre a “receita ou faturamento”, devida não apenas pelo
empregador, mas também pela empresa e pela entidade a ela equiparada. A solução
não foi acolhida pelo Poder Judiciário, tendo o Supremo Tribunal Federal declara-
do, em controle difuso,42 a inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo
das contribuições nos moldes da Lei no 9.718/1998. Em atenção a este sinal, esta lei
foi modificada pela Lei no 11.941/2009, para restringir a tributação ao faturamento,
assim entendida a receita bruta da empresa.
Desde sua criação, estas contribuições foram rotuladas de “tributos pouco efi-
cientes”, pois tributavam repetidas vezes a cadeia de circulação de bens e serviços,
por gravar o faturamento de cada uma das pessoas jurídicas envolvidas na produção.
Assim, as empresas que concentrassem mais atividades em uma só pessoa jurídica te-
riam uma maior eficiência tributária por congregar todas as etapas da circulação de-
baixo de um só faturamento.
Para tentar melhorar a situação, a Medida Provisória no 66/2002,43 instituiu
o regime não cumulativo de cobrança do PIS,44 de acordo com o qual alguns gas-
tos realizados nas etapas anteriores da atividade produtiva são elegíveis ao descon-
to de créditos desta contribuição.45 A mudança foi bem recebida e aquela Medida

41
O que diferencia ambas é o destino dos fundos arrecadados. Ambas têm vocação para financiar a seguridade
social, assim entendidos os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, nos termos do art. 194
da CF/88. Mas o PIS, além desta vocação, destina-se a financiar o seguro-desemprego e o abono pecuniário
anual no valor de um salário mínimo a que fazem jus os empregados que percebam até dois salários mínimos
por mês.
42
Declaração de inconstitucionalidade com efeitos entre as partes que provocaram o Tribunal mediante Recur-
so Extraordinário (RE). Os recursos a este respeito são: RE 346.084, 357.950, 358.273, e 390.840.
43
Conhecida à época por “Minirreforma Tributária”.
44
A instituição do regime não cumulativo advém da prescrição do § 12 do art. 195 da CF/88, segundo o qual:
“A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos
I, b; e IV do caput, serão não cumulativas”. O modo não cumulativo de cálculo de tributos é responsável por
diretamente realizar o valor da não bitributação (non bis in idem) de uma mesma cadeia de circulação, motivo
pelo qual podemos entender esta regra como um princípio, isto é, uma norma de alta carga axiológica.
45
É de se observar que no regime não cumulativo, as contribuições ao PIS/COFINS tinham uma alíquota com-
binada de 3,65% (três inteiros e sessenta e cinco décimos por cento) do faturamento. Com o regime não cumu-
lativo, esta alíquota subiu para 9,25% (nove inteiros e vinte e cinco décimos por cento). Portanto, economica-
mente, o regime não cumulativo somente fez sentido para os setores da economia que conseguiam descontar
258 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Provisória foi convertida na Lei no 10.637/2002. Cerca de um ano após, o mesmo


foi feito com a COFINS pela Medida Provisória no 135/2003, convertida na Lei
no 10.833/2003. Por ocasião da instituição deste regime de cobranças das contri-
buições, já estava em vigor a nova redação do art. 195 da Constituição Federal, dado
pela EC 20/1998, segundo a qual seria possível tributar com contribuições sociais
não apenas o faturamento mas a totalidade das receitas. Por este motivo, as contri-
buições ao PIS/COFINS do regime não cumulativo, diferentemente das do regime
cumulativo, passaram a tributar toda receita das pessoas jurídicas, salvo exceções.46
Deste histórico todo, um item houve de ser bem respeitado desde a promul-
gação da Constituição Federal de 1988: as contribuições sociais não incidem sobre
as receitas decorrentes de exportação, conforme inciso I, § 2o, do art. 149 daquele
diploma normativo. Afinal, conforme explica José Afonso da Silva: “São de eficá-
cia plena as normas constitucionais que: (...) b) confiram isenções, imunidades e
prerrogativas”.47 Portanto, a imunidade constitucional veio sendo bem observada.
Nada obstante, um problema um tanto imprevisto surgiu no seio do regime não
cumulativo de cobrança destas contribuições: o acúmulo de créditos.

2.2 Acúmulo de créditos das contribuições ao PIS/COFINS

Os contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo das contribuições ao PIS/


COFINS têm o direito de não tributar as receitas de exportação, por força da regra
de imunidade constitucional do inciso I do § 2o do art. 149 da CF/88. Esta cons-
tatação, feita da leitura do texto constitucional, é referendada pelo art. 17 da Lei
no 11.033 de 2004, segundo o qual “as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota
0 (zero) ou não incidência48 da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem
a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações” (Grifos do autor).

créditos no valor de pelo menos 5,6% (cinco inteiros e seis décimos por cento) de suas receitas (9,25% – 3,65%);
do contrário, a mudança do regime provocou um aumento da carga ao invés de um uso racional.
46
Devemos observar que também estão no regime não cumulativo as contribuições ao PIS/COFINS incidentes
sobre as importações (PIS/COFINS-Importação), instituídas pela competência tributária outorgada ao legislador
federal pelo art. 195, IV da CF/88. Nada obstante a nomenclatura comum e a possibilidade de utilização dos
créditos destas contribuições com aquelas devidas sobre as receitas, estas contribuições têm natureza jurídica
distinta, pois têm base de cálculo diferente das demais, conforme dispositivo didático do art. 4 o do CTN: “Art. 4o
A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrele-
vantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação
legal do produto da sua arrecadação”. Portanto, observamos mais uma vez que, neste estudo, restringimo-nos
ao PIS/COFINS sobre as receitas.
47
José Afonso Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 93.
(Grifos do autor).
48
As imunidades tributárias implicam não incidência de tributos sobre certos sujeitos ou objetos, posto
limitar a competência de sobre ele haver a criação de tributos, e, bem assim, a possibilidade de eles serem
alcançados no raio de virtual alcance da incidência tributária.
Vitor Martins Flores 259

Assim, os créditos que sobram de PIS/COFINS por conta das exportações po-
dem ser utilizados para o pagamento destas contribuições no mercado interno. No
entanto, há casos em que a pessoa jurídica, ainda assim, acumula créditos destas con-
tribuições. Para evitar o problema a legislação tributária adotou dois mecanismos.
O primeiro corresponde à desoneração da cadeia de circulação de mercadorias.
Para esta finalidade, (i) as vendas para comercial exportadora com a finalidade espe-
cífica de exportação deixam de ser tributadas.49 Também, (ii) as vendas de matérias-
-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem e bens de capital para
pessoas jurídicas preponderantemente exportadoras passam a ficar suspensas (rectius,
“isentas sob condição resolutiva”, a saber, a de integrarem produtos que efetivamen-
te são exportados).50 Mas estas regras não necessariamente alcançam o fim almejado,
pois, no caso (i), as comerciais exportadoras funcionam como mera “estrada” para a
exportação, sendo que as efetivas produtoras já foram todas tributadas na etapa an-
terior; e, no caso (ii), somente as reconhecidas como preponderantemente expor-
tadoras são abrangidas pela desoneração.
Como segundo mecanismo, a legislação tributária permitiu que o crédito de
PIS/COFINS apurado decorrente de exportação, tenha ele se acumulado ou não,
pode ser utilizado para pagamento de outros tributos próprios do contribuinte, que
sejam administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), como, por
exemplo, o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), a Contribuição So-
cial sobre o Lucro Líquido (CSLL), e o Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI).51 Caso, ainda assim, a pessoa jurídica não consiga utilizar de todo o crédito de
49
Lei n o 10.637/2002: “Art. 5o. A contribuição para o PIS/Pasep não incidirá sobre as receitas decorrentes
das operações de: III – vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação”. Lei
n o 10.833/2003: “Art. 6o. A COFINS não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de: (...) III – vendas
a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação”.
50
Lei no 10.865/2004: “Art. 40. A incidência da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS ficará suspensa
no caso de venda de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem destinados
a pessoa jurídica preponderantemente exportadora. § 1o Para fins do disposto no caput deste artigo,
considera-se pessoa jurídica preponderantemente exportadora aquela cuja receita bruta decorrente de exporta-
ção para o exterior, no ano-calendário imediatamente anterior ao da aquisição, houver sido igual ou superior
a 70% (setenta por cento) de sua receita bruta total de venda de bens e serviços no mesmo período, após
excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda”. (Grifos do autor).
Lei no 11.196/2005: “Art. 12. Fica instituído o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Em-
presas Exportadoras – Recap, nos termos desta Lei. (...) Art. 14. No caso de venda ou de importação de
máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, novos, fica suspensa a exigência: I – da Contri-
buição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita bruta da venda no mercado interno, quando
os referidos bens forem adquiridos por pessoa jurídica beneficiária do Recap para incorporação ao seu ativo
imobilizado”. (Grifos do autor).
51
Lei no 10.637/2002, art. 5o e Lei no 10.833/2003, art. 6o, ambos com a mesma redação: “§ 1o Na hipótese des-
te artigo, a pessoa jurídica vendedora [exportadora] poderá utilizar o crédito apurado na forma do art. 3o, para
fins de: (...) II – compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e con-
tribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, observada a legislação específica aplicável
à matéria. § 2o A pessoa jurídica que, até o final de cada trimestre do ano civil, não conseguir utilizar o crédito
por qualquer das formas previstas no § 1o, poderá solicitar o seu ressarcimento em dinheiro, observada a
legislação específica aplicável à matéria”. (Grifos do autor).
260 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

PIS/COFINS a que tem direito, poderá pedir, a partir do ano-calendário seguinte,


a restituição em dinheiro do valor deste crédito.
Observa-se, portanto, que a legislação leva ao máximo o valor da desoneração
das exportações. Institui até mesmo hipótese de ressarcimento em dinheiro dos cré-
ditos acumulados.
Há de ser assim mesmo, posto tratar-se de regra de imunidade constitucional
criada para instrumentalizar os meios de implantação de outros valores aspirados
pelo País.
Estas desonerações já eram conhecidas antes mesmo das contribuições ao PIS/
COFINS no regime não cumulativo, quando somente havia o regime cumulativo.
Neste segundo mencionado regime, como não há créditos a acumular (e, assim mes-
mo, a evidenciar o tamanho da carga que onera a cadeia), a circulação é desonerada
mediante a outorga de créditos de IPI,52 para compensar a tributação “em cascata”
(isto é, de maneira cumulativa). Portanto, observamos que as normas disponíveis no
País esforçam-se para evitar o acúmulo de créditos de PIS/COFINS nas operações
de exportação.

3 ACÚMULO DE CRÉDITOS, AINDA ASSIM

A despeito dos esforços legislativos para realização da imunidade tributária, ain-


da assim, observa-se, com pesar, que algumas empresas brasileiras continuam acu-
mulando crédito de PIS/COFINS. Não era para isto acontecer. Afinal, a cada ano,
a restituição em dinheiro lhes é facultada. No entanto, para obter esta restituição,
o contribuinte tem de enfrentar um procedimento moroso para liquidar os créditos
acumulados, o qual depende de uma aprovação da Secretaria da Receita Federal do
Brasil (RFB). Esta aprovação não tem prazo máximo para acontecer. Apesar de não
dispormos de uma estatística de quanto se tem ressarcido aos contribuintes, nem de
quanto tempo isto tem levado, o fato é que há empresas brasileiras com valores ex-
pressivos de créditos acumulados a compensar, ou a obter restituição, para as quais a
regra de imunidade nas exportações não está funcionando como esperado, como se
pode observar do balanço publicado por algumas sociedades de capital aberto.
Neste cenário, as empresas que têm estes valores a receber, especialmente quando
auditadas periodicamente por firma de auditoria independente,53 ou quando detêm
recursos de terceiros tendem a, prudentemente, constituir uma provisão para a perda
destes créditos. Se não, lança-os como “perdas de recebíveis”, para poderem refletir
52
Conforme Lei no 9.363/1996, e Lei no 10.276/2001.
53
O Pronunciamento Técnico no 01 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC 01), assim dispõe: “8. O
ativo está desvalorizado quando seu valor contábil excede seu valor recuperável”. Ou seja, se o fator tempo de
recuperação dos créditos é muito incerto, e pode-se julgar que o ativo esteja desvalorizado, o que enseja sua
baixa ao resultado contábil da entidade.
Vitor Martins Flores 261

com maior precisão a sua quantidade e qualidade de ativos,54 isto é, os bens dos quais
podem efetivamente fruir. Esta circunstância termina por evidenciar que a imunidade
tributária não alcançou perfeitamente sua finalidade, pois o resultado, nestes casos, foi
a criação de uma despesa de PIS/COFINS onde ela não deveria existir.
Ressalte-se que será difícil convencer as Autoridades Fiscais da dedutibilidade
desta despesa do lucro tributável pelo IRPJ e pela CSLL, pois, sob sua óptica, os cré-
ditos devem ser considerados recuperáveis enquanto não terminado o procedimento
de restituição. Assim, esta despesa é oferecida à tributação por estes tributos à alí-
quota nominal de 34% (trinta e quatro por cento), correspondentes a 25% de IRPJ
e 9% de CSLL.
Ademais, deve-se anotar aqui, para maior precisão da análise, que estes créditos
correspondem efetivamente à indesejada despesa com exportação de tributos. Afinal,
somente descontam-se créditos em relação a aquisições efetivamente tributadas.55
Como estes créditos são perdidos pela falta da sua oportunidade de uso, o preço co-
brado pelos bens ou serviços exportados há de compensar o prejuízo decorrente da
baixa desses créditos acumulados, e, nesta medida, a imunidade tributária é malfe-
rida56 pelo incremento no preço das exportações, com a consectária “exportação de
tributos”.
Portanto, se retomarmos nossa premissa de que os valores constitucionais exis-
tem para serem implementados, e que as regras jurídicas existem para serem aplica-
das, o contribuinte poderá recorrer a outros dispositivos do ordenamento para fazer
valer a imunidade das suas exportações. É o que veremos a seguir.

4 UTILIZAÇÃO DE CRÉDITOS ACUMULADOS DE PIS/COFINS

Como explicamos anteriormente, os créditos acumulados podem ser restituí-


dos, ou compensados, com débitos da própria sociedade que os apurou. Para o que
54
Neste sentido o Comitê de Pronunciamentos Contáveis emitiu o Pronunciamento Técnico no 01, correspon-
dente à Norma Internacional de Contabilidade IAS 36, segundo a qual, “caso existam evidências claras de que
ativos estão avaliados por valor não recuperável no futuro, a entidade deverá imediatamente reconhecer a
desvalorização por meio da constituição de provisão para perdas”. Portanto, se não houver um prazo razoável
para recepção do crédito, deve-se proceder à baixa contábil (baixa por impairment) do ativo.
55
Lei no 10.637/02 art. 3o, § 2o: “Não dará direito a crédito o valor: II – da aquisição de bens ou serviços
não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos
ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela
contribuição”. Esta redação para o PIS é idêntica à da Lei no 10.833/2003, art. 3o, § 2o para COFINS.
56
Conforme comentamos anteriormente o regime não cumulativo somente traz vantagem em relação ao
regime cumulativo, se o valor dos créditos corresponder a pelo menos 5,6% (cinco inteiros e seis décimos por
cento) da base de cálculo das contribuições. Do contrário, a carga fiscal será maior que o segundo regime men-
cionado. Esta equação é verdadeira até o ponto em que o valor dos débitos corresponda exatamente ao dos
créditos. Até então, paga-se mais tributo. Rompendo esta margem ante a circunstância da empresa ter uma
carga tributária inferior na saída do que na entrada, o incremento na despesa tributária refere-se não por conta
do incremento dos débitos, mas na perda da possibilidade de utilizar-se dos créditos.
262 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

vamos expor neste tópico, torna-se oportuna a citação do regramento infralegal a


respeito deste assunto, a Instrução Normativa no 900/2008 da Secretaria da Receita
Federal do Brasil (IN no 900/2008):

Art. 27. Os créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins apurados na forma


do art. 3o da Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e do art. 3o da Lei no 10.833,
de 29 de dezembro de 2003, que não puderem ser utilizados no desconto de débitos das
respectivas contribuições, poderão ser objeto de ressarcimento, somente após o encerra-
mento do trimestre-calendário, se decorrentes de custos, despesas e encargos vinculados:
I – às receitas resultantes das operações de exportação de mercadorias para o exterior,
prestação de serviços a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior,
cujo pagamento represente ingresso de divisas, e vendas a empresa comercial exporta-
dora, com o fim específico de exportação; (....)
(Grifos do autor)

Art. 42. Os créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins apurados na forma


do art. 3o da Lei no 10.637, de 2002, e do art. 3o da Lei no 10.833, de 2003, que não
puderem ser utilizados no desconto de débitos das respectivas contribuições, poderão sê-
-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos de
que trata esta Instrução Normativa, se decorrentes de:
I – custos, despesas e encargos vinculados às receitas resultantes das operações de expor-
tação de mercadorias para o exterior, prestação de serviços a pessoa física ou jurídica
residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas, e
vendas a empresa comercial exportadora, com o fim específico de exportação.
(Grifos do autor)

De acordo com este dispositivo, observamos que a legislação permite expressa-


mente a restituição dos créditos de PIS/COFINS acumulados em decorrência de
exportações, ou compensação deles com outros tributos. No caso da compensação
em particular, nota-se que os créditos acumulados de PIS/COFINS têm sua natu-
reza jurídica específica transmutada para “moeda de pagamento” de outros tributos
administrados pela RFB.
A compensação deve ser feita em relação a tributos do próprio contribuin-
te. Estes créditos, portanto, não são, a princípio, passíveis de cessão para ter-
ceiros. Esta circunstância se impõe porque, se por um lado os créditos pertencem
ao patrimônio privado do contribuinte, por outro eles são oponíveis ao patrimônio
público da União. Os direitos patrimoniais públicos não são objetos de livre disposi-
ção. Se a União, ela mesma, quiser dispor destas obrigações, deve querer pelo modo
específico, a saber, pela vontade declarada em lei. Afinal, na “Administração Pública
não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lítico
fazer tudo quanto a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o
Vitor Martins Flores 263

que a lei autoriza”.57 Portanto, quando o Código Civil, Lei no 10.406/2002, dispõe,
em seu art. 286, que o “credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a nature-
za da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor”, deve-se entender que, quando
o devedor for pessoa jurídica de direito público, ela, a princípio, não quer autorizar
a cessão de sua dívida, salvo disposição de lei em sentido contrário.
Assim, os contribuintes que tenham créditos acumulados de PIS/COFINS não
podem ceder seus créditos a terceiros como maneira que eles possam, então, com-
pensá-los com seus débitos tributários. Mas a cessão de créditos não é a única ma-
neira possível para que a transferência do direito seja levada a efeito. Se a sociedade
detentora dos valores for cindida parcialmente e, em seguida, incorporada por outra
sociedade, os créditos poderão ser perfeitamente transferidos, conforme dispõe o
art. 30 da Lei no 10.865/2004 a seguir transcrito:

Art. 30. Considera-se aquisição, para fins do desconto do crédito previsto nos arts. 3o
das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003,
a versão de bens e direitos neles referidos, em decorrência de fusão, incorporação e
cisão de pessoa jurídica domiciliada no País.
§ 1o O disposto neste artigo aplica-se somente nas hipóteses em que fosse admiti-
do o desconto do crédito pela pessoa jurídica fusionada, incorporada ou cindida.
(Grifos do autor)

Portanto, caso exista uma motivação econômica que determine que a cisão par-
cial do patrimônio do contribuinte é a versão da parcela correspondente aos seus
créditos ao seu sucessor, o devedor das obrigações não pode se opor à transforma-
ção. Com efeito, apenas os credores da sociedade cindida podem opor-se à ope-
ração, alegando diminuição nas garantias de seus créditos, conforme dispõem o
art. 1.122 do Código Civil e o art. 232 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei das
S.A. – no 6.404/1976).58 Estas operações societárias de fusão, incorporação e cisão,
diferentemente da mera cessão, não têm como condição de validade a anuência dos
devedores, nem mesmo se o devedor for ente público. Desta forma, por força da lei,
o Poder Público tem a vontade de aceitar a transmissão das dívidas por estas moda-
lidades de sucessão de créditos, pois a legislação de regência não diferenciou, nem
precisava ter diferenciado, os devedores públicos e privados.59
57
Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 88.
58
Código Civil, art. 1.122: “Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o
credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.”
Lei das S.A., art. 232: “Até 60 (sessenta) dias depois de publicados os atos relativos à incorporação ou à fu-
são, o credor anterior por ela prejudicado poderá pleitear judicialmente a anulação da operação; findo o prazo,
decairá do direito o credor que não o tiver exercido.”
59
A desnecessidade de diferenciação decorre da circunstância, pressuposta, de que o devedor não deve liberar-
-se da dívida pelo mero evento societário. Assim, se a sociedade deixa de existir para ser incorporada inteira-
mente em outra pessoa jurídica, esta lhe sucede em todos os direitos e obrigações. Os créditos contra o Estado
264 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Consequentemente, a sociedade que tenha créditos de PIS/COFINS acumula-


dos pode transferir estes seus ativos para outras pessoas jurídicas, para que elas, en-
tão, compensem seus débitos tributários. Com isto, esta “moeda de pagamento” de
tributos administrados pela RFB pode ser transferida a terceiros. Neste sentido, a So-
lução de Consulta no 26/10 da 9a Região Fiscal decidiu que os créditos acumulados
de PIS/COFINS podem ser transferidos por sucessão empresarial.60 Além disso, esta
Solução de Consulta explica que os créditos podem ser compensados pela sucedida
com seus próprios tributos, mesmo que ela esteja sujeita ao regime cumulativo das
contribuições, conforme se observa de sua ementa a seguir transcrita:

Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins


Na sucessão empresarial por cisão, incorporação e fusão, caso a empresa sucessora
estiver excluída da sistemática não cumulativa, os créditos da COFINS, relativos
ao art. 3o das Leis nos 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, de origem na empresa
sucedida, vinculados a receitas de exportação [...], são transmitidos à empresa
sucessora, podendo ser por ela objeto de compensação ou de ressarcimento.
Na sucessão empresarial por cisão, incorporação e fusão, caso a empresa sucessora
estiver sujeita à sistemática não cumulativa, os créditos da COFINS, de origem
na empresa sucedida, relativos ao art. 3o das Leis nos 10.637, de 2002, e 10.833,
de 2003, vinculados a receitas de exportação ou a vendas com suspensão, isenção,
alíquota zero ou não incidência, são transmitidos à empresa sucessora, podendo ser
descontados da contribuição devida pela sucessora nos meses subsequentes, bem
como ressarcidos ou compensados com outros tributos.61

Iguais disposições são feitas pela Solução de Consulta a respeito do PIS. Portan-
to, os créditos de PIS/COFINS acumulados em virtude de exportação, podem
ser transferidos por sucessão empresarial a terceiros, mesmo que eles estejam
na sistemática cumulativa de apuração destas contribuições. Isto quer dizer que
eles podem ser utilizados efetivamente como moeda de pagamento dos tributos ad-
ministrados pela RFB, pois sua origem no regime não cumulativo perde relevância
ante ao direito de o contribuinte poder compensá-lo com qualquer dos tributos
mencionados.
Esta possibilidade não traz nenhum prejuízo ao Erário, pois a compensação é
algo por ele esperada. Sob o ponto de vista do interesse de fiscalizar a origem e os
montantes destes créditos, a União também nada tem a perder com esta operação,

são transferidos automaticamente com esta operação; do contrário, estaria violado o patrimônio do credor em
receber estes seus direitos.
60
No mesmo sentido, a 9a Região Fiscal também já se manifestou sobre o assunto por meio das Soluções de
Consulta nos 244/2009 e 378/2009. Não identificamos precedentes a respeito do assunto nas demais Regiões
Fiscais.
61
Omitimos, da Solução de Consulta, disposições relativas a créditos de outra origem que não a de exportação,
como, por exemplo, aos créditos presumidos da atividade agrícola de que trata a Lei no 10.925/2004.
Vitor Martins Flores 265

pois poderá fiscalizar os documentos da empresa cindida que geraram os crédi-


tos acumulados, tal como faz em eventos societários dessa natureza (cisão, fusão,
incorporação).
Assim, chegamos ao ponto de questionarmos se a cessão dos créditos não pode-
ria ter sido feita por uma mera cessão de direitos. Afinal, ela tem o mesmo efeito de
uma operação de cisão, fusão ou incorporação.
Em nossa opinião conservadora, a resposta seria negativa: os créditos PIS/CO-
FINS, acumulados em decorrência das exportações, não são passíveis de cessão de
direitos por intermédio de uma operação societária de fusão, incorporação ou cisão,
com o fim único de transferir esses créditos. As operações societárias acima declina-
das devem ter um propósito econômico adicional ao da própria economia tributária.
Essa resposta corresponde a nossa postura de quem olha para o texto positivo e
preza pela aplicação da ordem jurídica tal como ela está: seu status quo.
Mas, assim como Jano, de quem falamos no início desta exposição, sem perder
a atenção a esse enfoque conservador (presente/passado), não podemos deixar de
contemplar também o futuro.
Nesse tempo, o valor idealizado, a imunidade das receitas de exportação às
contribuições sociais, encontrar-se-á implantado em atenção à verdadeira ordem
constitucional. O texto de direito positivo, de lege ferenda, irá, um dia, permitir
expressamente a simples cessão desses créditos mediante seu endosso ou, alternati-
vamente, permitir que as operações de cisão, fusão e incorporação possam ser con-
duzidas com esse exclusivo propósito.
No entanto, para desde logo nos desvencilharmos do formalismo presente (que
amarra a realização da imunidade constitucional), e avançarmos ao futuro, em fa-
vor do valor positivado de impedir a tributação das receitas de exportação, podemos
reinterpretar as disposições legislativas atuais. Redirecionamo-lhes o enfoque herme-
nêutico à ordem constitucional, sem que, para isso, precisemos lançar mão de um
reclamo de redução de texto ao Supremo Tribunal Federal.
Neste passo, voltamos atrás com a ideia do impedimento da cessão dos créditos
acumulados de PIS/COFINS. Seria um apego demasiado à forma e em nada em
atenção ao valor. Assim, melhor nos expressamos, dizendo que a empresa pode ceder
seus créditos por meio de operação societária de cisão, fusão ou incorporação mesmo
que não tenha propósito outro além de evitar uma perda tributária.
Dessa maneira, em favor do valor constitucional, somos da opinião de que a
Solução de Consulta no 26/2010 da 9a Região Fiscal agiu bem em permitir a trans-
missão dos créditos, mesmo que a sucessora esteja excluída da sistemática não cumu-
lativa de apuração das contribuições ao PIS/COFINS.
Afinal, não se trata de criar uma economia tributária onde ela não exista; mas,
sim, de evitar uma perda tributária que, em primeiro lugar, não deveria existir.
266 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste ensaio, estabelecemos uma premissa teórica com forte ênfase na aplicação
da norma. Tomamos em alta consideração a ideia de que o valor normativo deve ser
materializado pela aplicação das regras que o sistema jurídico positivo comporta. No
caso em particular, estudamos a situação em que uma norma de imunidade tributá-
ria das receitas de exportação está sendo desrespeitada por falta de melhores regras
infraconstitucionais que implantem o valor disposto em nosso texto magno. Assim,
reconhecendo o sistema de Direito Positivo no seu estágio atual, propomos uma
flexão de suas normas para dar-lhe a melhor interpretação em favor da realização da
regra constitucional de imunidade tributária.
Com isto, chegamos à conclusão de que os créditos acumulados de PIS/CO-
FINS podem ser transferidos a terceiros mediante as operações societárias de cisão,
fusão e incorporação, e que estes créditos podem ser aproveitados por seu sucessor,
a despeito desta empresa não estar no regime não cumulativo destas contribuições.

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Vitor Martins Flores 267

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