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DTB 0436 – Seguridade Social – Relatório 02

Caio Xavier 10776252


Como noticia o texto trazido à debate, a Constituição da República instaurou um
regime de seguridade social unificado, que congrega saúde, assistência social e
previdência. No que tange à previdência, ela não positivou um modelo aos moldes do
relatório apresentado por William Beveridge ao Parlamento britânico no pós-Segunda
Guerra Mundial. Isso porque essa proposta visava amparar os cidadãos para todas as
intercorrências passíveis de ocorrerem ‘do berço ao túmulo’. Institui-se, assim,
universalidade nos aspectos subjetivo (âmbito de pessoas seguradas) e objetivo (âmbito
de infortúnios abrangidos pelo sistema), independentemente da lógica da equivalência
entre contribuinte do sistema e beneficiário da previdência.

O modelo brasileiro de seguridade social, por sua vez, ostenta um conjunto de


princípios que, ao lado da universalidade, a mitigam aos moldes da ponderação de
valores jurídicos. Um preceito notoriamente conflitante com a universalidade é
‘seletividade’ na prestação de benefícios e serviços (art. 194, § único, III) que
fundamenta a regra de que somente aqueles que ostentam a qualidade de segurado têm
direito aos benefícios previdenciários, que se depreende do art. 201 do mesmo texto
constitucional.

Essa mitigação da universalidade deve-se não a uma intenção perversa de uma


elite dominante ou coisa que o valha, que se regozija com a penúria do nível de vida
médio de muitos brasileiros – enquanto come caviar nos almoços de domingo, segundo
a impressão ingênua e quase cinematográfica de alguns. Na realidade, a restrição
subjetiva dos direitos previdenciários explica-se pela insuficiência de recursos estatais e
sociais para o financiamento de um sistema plenamente universal, como, aliás, está
revelando-se mesmo em países desenvolvidos e com PIB per capita muito superior ao
nacional. Diante desse quadro fático que pressiona por soluções jurídicas compatíveis,
cabe ao Direito corrigir distorções atuais para direcionar ações no plano do possível, ao
invés de impor normativamente prestações inalcançáveis.

Ora, nesse sentido, é estarrecedor que se sustente que um regime de


aposentadoria muito mais generoso que a previdência dos trabalhadores em geral seja
devido ao funcionário público, sem falar nas categorias especiais de militares e
membros de Poder. Mais iníquo ainda é tratar essa benesse como um ‘direito’, no
sentido moral da expressão, do servidor público, uma ‘retribuição pelos anos de
dedicação à coisa pública’ na visão da autora, que seria imprescindível para a atração
dos melhores profissionais a fim da prestação de serviços públicos de excelência. A
estabilidade, o elevado prestígio social, em especial no interior do país, e a remuneração
em níveis superiores à média do mercado já são suficientes para assegurar a qualidade
do funcionalismo. Não se justifica, portanto, que valiosos recursos estatais sejam
destinados a fornecer mais conforto para aqueles que já possuem um padrão de vida
correspondente ao dos 5% mais ricos da nação. Se o Estado deve combater
desigualdades econômicas e concentrar-se na tutela dos mais vulneráveis, é salutar que
sucessivas reformas da previdência tenham destituído servidores públicos de privilégios
substancialmente onerosos para o Erário, devendo-se ressaltar, contudo, que ainda há
segmentos da elite do funcionalismo que gozam de aposentadorias superiores às
compatíveis com a sociedade brasileira.

Em relação à instituição de contribuição de servidores públicos inativos par ao


custeio da previdência dos demais funcionários, há ponderação de valores jurídicos
relevantes. De um lado, há mudança na regra do jogo para pessoas que já se inseriam no
sistema antigo, suscitando violações da irretroatividade da norma jurídica, sobretudo do
direito adquirido, e, mais genericamente, da segurança jurídica. Todavia, é elementar na
análise da controvérsia que o regime de aposentadoria dos servidores públicos anterior
é injusto, porque alimenta desigualdades por meio de política pública estatal sem atingir
resultado valorativamente relevante.

Trata-se, dessa forma, de debate na seara da chamada justiça de transição, em


que se examina as condutas devidas na passagem de um sistema imoral para um mais
adequado. Interpretar essa medida como aplicação do princípio da solidariedade da
previdência, para então denunciar a incorreção da aplicação dessa noção normativa,
perde de vista a iniquidade do regramento pretérito. Assim, em sede de ponderação,
considerando que as contribuições não-estatais são imprescindíveis para a viabilidade de
um regime previdenciário e que os servidores públicos inativos, em regra, se
locupletaram com um regime de privilégios, julgo justo que devam contribuir para o
custeio do sistema atual, nos moldes gerais instituídos pela reforma previdenciária.

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