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A NEGATIVA DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO DOENÇA

ACIDENTÁRIO AO TRABALHADOR APOSENTADO VÍTIMA DE ACIDENTE DE


TRABALHO: UMA ANÁLISE CONSTITUCIONAL
Cíntia Vieira de Jesus Gomes1

SUMÁRIO: Introdução. 1. O Princípio do primado do trabalho como garantia da ordem


social. 2. Breves reflexões do princípio da solidariedade x contrapartida. 3. Da possibilidade
do recebimento do auxílio doença acidentário ao trabalhador aposentado. Conclusão.
Referências.

RESUMO: O presente artigo científico teve por objetivo promover a reflexão e fazer algumas
provocações acerca da viabilidade do trabalhador aposentado, vítima de acidente de trabalho,
de receber o auxílio doença acidentário. Neste sentido, faz-se uma abordagem acerca da
importância do trabalho, não sendo sem justificativa que o constituinte inseriu o trabalho
como fundamento da república, da ordem econômica e da ordem social. Assim sendo, essa
classe não pode estar desprotegida a partir de argumentos fiscalista e de natureza,
eminentemente, confiscatória. Para isso faz-se uma análise entre o princípio da solidariedade
e a regra da contrapartida, visando entender qual é o limite da atuação do poder judiciário para
garantir a efetividade das duas regras sem ferir a moldura constitucional. Por fim, assevera a
inconstitucionalidade do artigo 124, I da lei 8.213/91que proibi o recebimento conjunto de
aposentadoria e auxilio doença.
ABSTRACT: The purpose of this scientific article was to further reflection and make some
provocations about the viability of the retired worker, work accident victim, to receive
accidental disease aid. In this sense, makes an approach on the importance of work, not being
without justified that the taxpayer insert labor as the basis of the republic, economic order and
social order. Therefore, this class cannot be unprotected based on tax and nature argumentes,
eminently confiscatory. Thereunto, an analysis is made between the principle of solidarity and
the rule of counterpart, aiming to undertand what is the limit of the judiciary´s action to
ensure the effectiveness of two rules without spoil the constitutional framework. Lastly, it
asserts the unconstitutionality of article 124, I of low 8,213/91 which prohibits the joint
receipt of retirement and sickness benefits.

1
Advogada. Pós-Graduada em Direito e Processo Previdenciário pela Instituição Damásio Educacional.
Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali. Representante do Instituto dos Advogados
Previdenciário. Presidente da Subcomissão de Direito Previdenciário da OAB/SC subseção de Navegantes. E-
mail: cintiagomes.adv@hotmail.com. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1133354986986914.
PALAVRAS-CHAVE: auxílio doença acidentário; aposentadoria; proteção social.
KEYWORDS: accidental disease aid; retirement; social protection.

INTRODUÇÃO
Um dos fatos sociais existentes em nossa sociedade é a necessidade de o aposentado
ter que retornar ao mercado de trabalho, seja pela diminuição de seus rendimentos ao longo
do tempo, em virtude do fator inflação, ou pelo prazer de utilizar seus esforços pessoais em
benefício da sociedade. A partir de sua permanência ou entrada novamente no mercado de
trabalho após sua aposentadoria, o Estado lhe impõe uma obrigação, nos termos do art. 12, §
4º, da Lei 8.212/19912, que é a obrigatoriedade da contribuição ao RGPS. No entanto, essa
obrigação não lhe garante benefícios, exceto salário-família e reabilitação profissional,
prestações previdenciárias obsoletas que por sua natureza, inviabiliza até mesmo o direito ao
recebimento desse benefício, a exemplo do salário-família que é destinado ao dependente do
aposentado de baixa renda que possui até 14 anos de idade ou invalido, sendo um valor ínfimo
de R$ 48,62 (quarenta e oito reais e sessenta e dois centavos). O valor do trabalho para um
país, seja no aspecto econômico ou social, dispensa maiores argumentações, todavia ao longo
dos anos o aposentado que exerce atividade remunerada, foi observando seu direito esvaziar-
se, sendo que em um primeiro momento suas contribuições eram devolvidas, ou ainda,
convertidas em benefícios, mas atualmente, a situação é outra, conforme se mostrará nesse
estudo. Será que com essa atitude o Estado não está desvalorizando o esforço produtivo do
aposentado? Sua contribuição para ordem social? Será que o Poder Judiciário pode reduzir ou
eliminar os direitos sociais garantidos pela Constituição Cidadã de 1988, com base em
discurso financeiro e atuarial? Por fim, é constitucional o art. 124, I da lei 8.213/91 3 que veda
o recebimento em conjunto de auxilio doença acidentário e a aposentadoria.?
Esse ensaio visa responder essas inquietações, bem como provocar uma reflexão sobre
a importância da proteção social ao trabalhador aposentado vítima de acidente de trabalho.
Não é crível que essa parcela da sociedade fique desprotegida por interesses arbitrários a
dogmática jurídica e a garantia dos direitos fundamentais. Assim, como legislador não pode
editar uma lei inconstitucional, o poder judiciário não tem atribuição de reescrever a
Constituição, através de jurisprudências, perseguindo o Estado mínimo, isto é, retirando o

2
Art. 12[...] § 4º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver exercendo ou que
voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando
sujeito às contribuições de que trata esta Lei, para fins de custeio da Seguridade Social.
3
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios
da Previdência Social: I - aposentadoria e auxílio-doença.
Estado de bem-estar social, alicerce da nossa Constituição, fruto de um dolorido processo
civilizatório.

1. O Princípio do primado do trabalho como garantia da ordem social


A Constituição Federal no art. 1934 revela o protagonismo do trabalhador na sociedade
ao preceituar que o primado do trabalhado é o sustentáculo da ordem social, e por
conseguinte, o trabalho tem por finalidade garantir o bem estar e a justiça social.
Com a Emenda Constitucional nº 103 de 20195, houve um significativo retrocesso das
garantias que visavam o bem estar social.
A referida emenda trouxe sérias preocupações no campo da garantia da ordem social, e
como a previdência social é um ramo da seguridade social seu estudo pormenorizado é
essencial, a fim de evitar que esse gigante direito adormeça.
Nos termos do artigo 194, caput, da Constituição Federal 6a seguridade social é
definida como um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da
sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social”.
Na acepção de Fábio Zambitte Ibrahim:
[...] seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo
Estado e por particulares, com contribuição de todos, incluindo parte dos
beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações para o sustento de pessoas
carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção
de um padrão mínimo de vida digna.7
Nota- se, que a seguridade social visa a garantia de direitos sociais mínimos, sendo
formada pelo tripé: saúde, previdência e assistência social. Como já revelado o objeto do
presente artigo é trazer reflexão e algumas provocações relevantes acerca da possibilidade da
acumulação de auxilio doença acidentário ao aposentado vítima de acidente de trabalho, neste
sentido, vou ater na única técnica protetiva entre as três ações da seguridade social que exige
contribuição, qual seja: a previdência social.
Fábio Zambitte Ibrahim:

4
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
5
BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e
estabelece regras de transição e disposições transitórias. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em 10 de fevereiro de
2020.
6
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo
único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes
objetivos: (….) V -equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento
7
ZAMBITTE IBRAHIM, Fábio. Curso de Direito Previdenciário. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2018. p. 05.
[...] revela que a previdência social é tradicionalmente definida como seguro sui
generis, pois é de filiação compulsória para os regimes básicos (RGPS e RPPS),
além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus
beneficiários contra os chamados riscos sociais.8
Observa-se, que a previdência social contribui diretamente para garantir a ordem
social sendo que é pelo trabalho que adquirimos o acesso a ela, logo, o valor do trabalho é
inquestionável para o desenvolvimento econômico, quanto para garantia dos direitos sociais,
como preceitua Pedreira e Pierdoná:
Entendemos que o trabalho seja elemento único e capaz de tornar efetivos os
objetivos fundamentais da república pelo desenvolvimento nacional, erradicando,
assim, a pobreza e a marginalização, bem como, reduzindo as desigualdades sociais
e regionais [...].9
Certamente, perquirir o desenvolvimento econômico sem considerar garantir direitos
sociais para diminuir as desigualdades sociais é uma visão ultrapassada e derrotista. Uma das
preocupações da previdência social é proporcionar a distribuição de renda, sendo que essa
responsabilidade advém do princípio chamado distributividade:
[...] O princípio da distributividade, inserido na ordem social, é de ser interpretado
em seu sentido de distribuição de renda e bem-estar social, ou seja, pela concessão
de benefícios e serviços visa-se ao bem-estar e à justiça social (art. 193 da Carta
Magna). Ao se conceder, por exemplo, o benefício assistencial da renda mensal
vitalícia ao idoso ou ao deficiente sem meios de subsistência, distribui-se renda; ao
se prestar os serviços básicos de saúde pública, distribui-se bem-estar social, etc
[...].10
A distribuição de renda é necessária para o crescimento sustentável de um país. Logo,
reduzir os direitos sociais é pôr em risco a ordem social aprofundando as desigualdades
sociais e diminuindo o Estado de bem estar social, é o que bem detectou Martins:
[...] eficiente meio de que se serve o Estado moderno na redistribuição da riqueza
nacional, visando ao bem-estar do indivíduo e da coletividade, prestado, por
intermédio das aposentadorias, como forma de reciclagem da mão-de-obra e oferta
de novos empregos. A previdência social consiste, portanto, em uma forma de
assegurar ao trabalhador, com base no princípio da solidariedade, benefícios ou
serviços quando seja atingido é baseado na solidariedade humana, em que a
população ativa deve sustentar a inativa, os aposentados.11
É pelo trabalho que garantismo a ordem social e é através dele que há a contribuição
obrigatória para a previdência social. A atividade remunerada do trabalhador o torna filiado
ao regime previdenciário garantindo sua proteção aos seguintes riscos sociais:
 Incapacidade;
 Desemprego involuntário;
 Idade avançada;
 Tempo de serviço;

8
ZAMBITTE IBRAHIM, Fábio. Curso de Direito Previdenciário. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2018. p. 26.
9
PEDREIRA e PIERDONÁ, Christina de Almeida, Zélia Luiza. A violação do primado do trabalho pela
legislação previdenciária. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias
09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Disponível em
ttp://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3548.pdf
10
PEREIRA DE CASTRO, Carlos Alberto; BATISTA LAZZARI, João, Manual de direito previdenciário. 20.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.p 87.
11
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 17ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002.p296 e 297.
 Encargos familiares;
 Prisão e;
 Morte.
Nota-se, que caso inexistisse a proteção social aos riscos supracitados acarretaria uma
desordem na sociedade, visto que, em sua grande maioria, aqueles riscos substitui a
remuneração do trabalhador, ante sua impossibilidade de exercer uma atividade laboral. Logo
a promoção da ordem social advinda do trabalhado possibilitou ao constituinte assegurar ao
trabalhador o bem estar e a justiça social.
O princípio do primado do trabalho é de extrema importância para garantia da justiça
social que Delgado afirma:
O primado do trabalho e do emprego na vida social constitui uma das maiores
conquistas da Democracia no mundo ocidental capitalista. Tal conquista sedimentou
se na gestão pública do chamado Estado de Bem-Estar Social, característico de boa
parte do século XX no Ocidente, incrustando-se, desde então, no Direito. Mesmo em
países que não tiveram real experiência de Welfare State, como no Brasil, esse
primado incorporou-se à cultura jurídica, alcançando grande relevância nos
princípios e regras da Constituição da República de 1988.12
O constituinte teve uma nítida preocupação em valorizar o trabalho, não somente, pela
ordem social que proporciona, mas também, por ter compromisso com a ordem econômica e a
livre iniciativa. Veja, a ordem econômica tem o dever de valorizar o trabalho e a livre
iniciativa, e ambas têm por finalidade assegurar a todos, existência digna, conforme os
ditames da justiça social (artigo 170 da CF)13.
Nesta linha, garantir desenvolvimento econômico não é incompatível com assegurar o
Estado de bem estar social. Uma vez que a atuação espontânea do mercado possui como alvo
assegurar a todos existências digna e justiça social, questiona-se: por que reduzir com
tamanha intensidade os direitos sociais protegidos pela previdência social?
Ora, a previdência social por intermédio da contribuição de seus segurados, como já
articulado, possibilita a redução da desigualdade social, movimenta o comercio, os serviços, a
indústria de várias cidades diminui o número de brasileiros vivendo abaixo da linha da
pobreza, isto porque a previdência social é um instrumento magnifico de distribuição de
renda.
Um estudo realizado pela Associação Nacional dos Auditores fiscais da Receita
Federal (ANFIP) no relatório intitulado “A previdência social e os Municípios” fez um
levantamento a partir de dados do ano de 2017 e concluiu que das 5.570 cidades pesquisadas,
4.100 tem sua economia movimentada com o dinheiro da previdência, visto que os impostos

12
DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os
caminhos da reconstrução. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.p 15.
13
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
que o governo federal e o estadual redistribui para os municípios é inferior aos valores que os
beneficiários da previdência deixam aos cofres municipais.14
É preciso compreender que crescimento econômico e a distribuição de renda são dois
objetivos que devem ser desejáveis e não conflitantes. Ademais, os benefícios da previdência
social jamais devem ser interpretados como assistencialismo ou prêmio, pois exigem a
denominada contribuição social para a seguridade social.
Neste diapasão, se verifica que o trabalho remunerado garante a ordem social, a ordem
econômica e a admissão no sistema previdenciário, portanto valorizar o trabalhador deve ser a
missão do legislador e também do poder judiciário que possui a responsabilidade de aplicar as
leis com observância aos princípios constitucionais.
A questão é: será que há valorização do trabalhado na norma que impede o trabalhador
aposentado (que é segurado obrigatório) vítima de acidente de trabalho de receber auxilio
doença acidentário?
A meu ver não.
O STF teve a oportunidade de julgar em 2016 o RE 661.256/SC15 que trata sobre a
possibilidade de concessão de uma nova aposentadoria mais vantajosa ao trabalhador
aposentado que retorna a atividade, visto que, se torna contribuinte obrigatório e, portando,
vertendo contribuições ao sistema. O caso em apreço, foi apelidado de “desaposentação” ,
porém foi julgado improcedente, sendo que um dos argumentos para referida posição foi a
observância ao princípio da solidariedade na qual preconiza que a seguridade social é

14
ANFIP. A previdência social e a economia dos municípios. Alváro Sólon de França et al. Brasilia: anfip -
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, 2019. Disponível em: file:///D:/Downloads/2019-
Economia-dos-munic%C3%ADpios_b%20(1).pdf. Acesso em: 10 de fevereiro de 2020.
15
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Recurso Extraordinário 661.256/SC Lei 8.213/91 §2º art.18.
Constitucional. Previdenciário. Parágrafo 2º do art. 18 da Lei 8.213/91. Desaposentação. Renúncia a anterior
benefício de aposentadoria Utilização do tempo de serviço/contribuição que fundamentou a prestação
previdenciária originária. Obtenção de benefício mais vantajoso. Julgamento em conjunto dos RE nºs 661.256/sc
(em que reconhecida a repercussão geral) e 827.833/sc.Recursos extraordinários providos. 1. Nos RE nºs
661.256 e 827.833, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, interpostos pelo INSS e pela União, pugna-se
pela reforma dos julgados dos Tribunais de origem, que reconheceram o direito de segurados à renúncia à
aposentadoria, para, aproveitando-se das contribuições vertidas após a concessão desse benefício pelo RGPS,
obter junto ao INSS regime de benefício posterior, mais vantajoso. 2. A Constituição de 1988 desenhou um
sistema previdenciário de teor solidário e distributivo. inexistindo inconstitucionalidade na aludida norma do art.
18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, a qual veda aos aposentados que permaneçam em atividade, ou a essa retornem, o
recebimento de qualquer prestação adicional em razão disso, exceto salário-família e reabilitação profissional. 3.
Fixada a seguinte tese de repercussão geral no RE nº 661.256/SC: “[n]o âmbito do Regime Geral de Previdência
Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão
legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8213/91”.
4. Providos ambos os recursos extraordinários (RE nºs 661.256/SC e 827.833/SC). Recorrente: Instituto Nacional
de Seguro Social. Recorrido:Valdemar Roncaglio. Relator: Min. Roberto Barroso, 26 de outubro de 2016.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/
ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4157562 Acesso em: 13 de abril 2020.
compartilhada por todos sendo que a contribuição não é exclusiva deste, mas para a
manutenção de toda rede protetiva.16
O que se estava discutindo na decisão mencionada é justamente a oportunidade do
aposentado que continua na atividade laboral ter uma contrapartida do sistema previdenciário,
visto que o mesmo continua contribuindo.
Se por um lado há o princípio da solidariedade por outro há o princípio da
contrapartida esculpida no artigo 195, § 5º, da CF 17, que revela que não se pode criar um
benefício ou serviço de seguridade social sem a correspondente fonte de custeio. Ocorre que a
reciproca também é verdadeira, isto é nenhum benefício pode ser retirado, reduzido ou
assenhorado sem a redução do custeio, sob pena de violação ao princípio da vedação à
utilização de qualquer tributo com efeito de confisco (art. 150, inciso IV, da Constituição
Federal).18

16
A solidariedade no financiamento da Seguridade Social e o caráter contributivo da Previdência Social não são
incompatíveis. Complementam-se: a primeira consiste no financiamento compartilhado da Seguridade por toda a
sociedade e pela Administração Pública (União,Estados, Distrito Federal e Municípios), enquanto o segundo
importa no recolhimento compulsório de contribuições previdenciárias por aqueles que exercem atividades
consideradas de filiação obrigatória ao Regime Geral, em conformidade com sua remuneração (e, de forma mais
ampla,sua condição econômica). Por essa razão, afirma-se que “no momento da contribuição, é a sociedade
quem contribui; no momento da percepção da prestação, é o indivíduo quem usufrui” (HORVATH JÚNIOR,
Miguel.Direito previdenciário. 7. ed., São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 77). De modo mais específico, “(...) é a
solidariedade que justifica a cobrança de contribuições pelo aposentado que volta a trabalhar. Este deverá
adimplir seus recolhimentos mensais, como qualquer trabalhador, mesmo sabendo que não poderá obter nova
aposentadoria. A razão é a solidariedade: a contribuição de um não é exclusiva deste, mas sua para a manutenção
de toda rede protetiva” (IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 17. ed., Niterói: Impetus,
2012, p. 65). Por isso se afirma que “a solidariedade do sistema previdenciário obriga contribuintes a verterem
parte de seu patrimônio para o sustento do regime protetivo,mesmo que nunca tenham a oportunidade de usufruir
dos benefícios e serviços oferecidos. É o que ocorre com o aposentado do RGPS que retorna ao trabalho,
contribuindo da mesma forma que qualquer segurado, sem ter, entretanto, direito aos mesmos benefícios”
(KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006, p. 24).
Com fundamento nessas características da Previdência Social, a doutrina especializada alude à existência de uma
espécie de “solidariedade forçada”, a significar que as contribuições feitas pelos segurados de hoje são utilizadas
para o pagamento dos benefícios hoje devidos. O sistema não utiliza as contribuições atuais para formação de
um fundo destinado a pagar prestações futuras. “Tecnicamente, a previdência social é resultado da solidariedade
forçada das pessoas ou gerações. Significa a participação de maioria contemporânea (contribuindo), a favor de
minoria hodierna (inativo) e futura (aposentados)” (MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito
previdenciário. 3. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 332). A existência de fundos individuais, como os criados para o
pagamento dos pecúlios, contraria, portanto, a ideia de fundo mútuo idealizada pela Constituição de 1988 para o
Regime Geral de Previdência Social brasileiro. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Recurso
Extraordinário 661.256/SC Lei 8.213/91 §2º art.18. Constitucional. Previdenciário. Parágrafo 2º do art. 18 da Lei
8.213/91. Desaposentação. Renúncia a anterior benefício de aposentadoria [...]. Recorrente: Instituto Nacional de
Seguro Social. Recorrido:Valdemar Roncaglio. Relator: Min. Roberto Barroso, 26 de outubro de 2016. Acesso
em: 13 de abril 2020.

17
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da
lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
e das seguintes contribuições sociais: § 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado,
majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total
18
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: IV - utilizar tributo com efeito de confisco
Ou seja, se por um lado a contribuição obrigatória do trabalhador aposentado é para
manter o sistema previdenciário, princípio da solidariedade, por outro o trabalhador
aposentado não tem redução de custeio, isto é, contribui com o mesmo percentual de um
trabalhador que não conquistou o direito do benefício previdenciário da aposentadoria.
Mas, afinal, qual é o peso dos dois princípios? Qual é o limite do interprete judicial a
fim de expandi-los, mas não sair dos limites constitucionais e jurídicos?
O Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, preceitua que dentro das possibilidades que
o aplicador do Direito tem de interpretar a Constituição o objetivo do legislador deve
prevalecer desde que alinhados ao bem comum e aos direitos fundamentais.
[...] dentre diferentes possibilidades razoáveis de interpretar a Constituição, as
escolhas do legislador devem prevalecer, por ser ele quem detém o batismo do voto
popular. (...). Nada obstante isso, ela constitui uma tarefa jurídica. Sujeita-se, assim,
aos cânones de racionalidade, objetividade e motivação das decisões judiciais,
devendo reverência à dogmática jurídica, aos princípios de interpretação e aos
precedentes. Uma corte constitucional não deve ser cega ou indiferente às
consequências políticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos
ou danosos ao bem comum ou aos direitos fundamentais. Mas somente pode agir
dentro das possibilidades e dos limites abertos pelo ordenamento jurídico. 19
Denota-se que deve prevalecer as escolhas do legislador, que por sua vez deve
coadunar com interesse comum, mas, infelizmente o legislador é indiferente aos anseios
popular, não equalizando ressalvas importantes que devem ser consideradas na sua tomada de
decisão. Vários assuntos de extrema complexidade são avaliados sob uma única perspectiva
sem oferecer um entendimento amplo e complexo que o tema necessita, o que enseja
consequências nefastas, qual seja: uma parcela da sociedade fica desamparada, isto é, sem
proteção. Ocorre que o judiciário tem o dever de proteger os direitos fundamentais atribuindo
valoração, sua interpretação não deve ser manipulada por determinado segmentos da
sociedade, inclusive pelo Estado, mas deve estar dentro dos limites do Estado democrático de
Direito.

2.Breves reflexões do princípio da solidariedade x contrapartida


Perceba que se a vontade do legislador estiver com mácula todas as instituições e a
sociedade são prejudicadas, de modo que a frase de Nicolau Maquiavel: “aos amigos, tudo;
aos inimigos a lei” pode ser considerada uma verdade absoluta para a parcela mais vulnerável
da sociedade, visto que necessita de maior proteção estatal.
E, é, aí que muitas vezes ocorre o descrédito das instituições do nosso país.

19
BARROSO, Luís Roberto “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade”. Disponível em:
https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf. Acesso em 15 de
mar. 2020
A mudança legislativa do sistema previdenciário finalizada com a publicação da
Emenda Constitucional nº 103/201920, trouxe em seu bojo um debate puramente econômico
de modo que os detentores do escrutínio popular analisaram somente sobre esse viés fiscalista
e solaparam direitos básicos das várias gerações FAGNANI (2019, p.69).21 O sistema
previdenciário é precursor no combate às desigualdades sociais, enaltece, por exemplo, o
princípio da dignidade da pessoa humana e é, aí que judiciário deve intervir equalizando os
interesses econômicos e sociais a partir dos direitos fundamentais.
Mas será que a negativa de auxilio doença acidentário ao trabalhador aposentado está
em consonância com o equilíbrio entre o princípio da solidariedade e da regra da
contrapartida? Importante destacar que esses princípios não são conflitantes, mas são
complementos.
A solidariedade social é inferida dos artigos 194, caput e parágrafo único, incisos V e
VI, e 195, caput e § 5º da Constituição Federal, ausente previsão explícita. 22 O artigo 195,
da ,CF, revela que a previdência social será financiada por toda a sociedade de forma direta
ou indireta, mediantes recursos do poder público do empregado e do empregador, logo se
existe benefícios concedidos sem contribuição à exemplo do segurado desempregado, durante
o período de graça, existe também o segurado da previdência que contribui sem direito a
contraprestação a exemplo dos segurados que não cumprem requisitos para fruição de
determinados benefícios.
Segundo Ibrahim o preceito do art.195§5º, da Constituição que é a regra da
contrapartida atua como limitador ao princípio da solidariedade:
[...] aumentos injustificados e desvinculados do plano de benefícios, são,
necessariamente, inconstitucionais. Pode-se dizer, sem muita dificuldade, que esse
preceito é um limitador ao princípio da solidariedade, pois, do contrário, a
contribuição social perderia sua natureza, convertendo-se em verdadeiro imposto, o
qual por definição, é desvinculado de qualquer contraprestação estatal.23
E ainda afirma:

20
BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e
estabelece regras de transição e disposições transitórias. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em 10 de fevereiro de
2020
21
FAGNANI, Eduardo. Previdência: O Debate Desonesto. São Paulo: Contracorrente, 2019. p.69.
22
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo
único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes
objetivos: (….) V -equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento;
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e
das seguintes contribuições sociais: § 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado,
majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total
23
ZAMBITTE IBRAHIM, Fábio. Curso de Direito Previdenciário. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2018. p. 76.
A criação de benefícios, ou mesmo a mera extensão de prestação já existente,
somente será feita com a previsão da receita necessária. Por outro lado, impõe que
os incrementos de contribuições, a priori, tenham correspondente ganho no plano de
benefícios. O benefício demanda custeio, assim como a contribuição exige algum
benefício.24
Observa-se que o princípio da contrapartida visa impedir o confisco nas contribuições
limitando o poder de império do Estado, bem como é um princípio de mão dupla, isto é, se a
criação de benefícios e sua extensão demanda receita necessária, a contribuição também exige
algum benefício ao segurado. Zélia Luiza Pierdoná (2003, p.61) também possui a mesma
intepretação “não poderá haver entradas sem que haja previsão das saídas, devendo as receitas
e despesas estarem previstas no Plano de Custeio”, porque a contrapartida financeira é uma
regra de mão dupla.”25
Verifica-se que o interprete da lei não deve atribuir significado a um princípio de
maneira isolada, desconsiderando aspectos de interpretação valorativa dos direitos
fundamentais, bem como sua interação com os demais. O aplicador do direito deve estar
consciente que sua função é compreender o arcabouço normativo e garantir o equilíbrio a fim
de não desnivelar a balança.
Isto é, não julgar uma demanda somente analisando um princípio, como no caso,
somente o princípio da solidariedade, mas também analisar o princípio da contrapartida e
entender que este último possui um caráter duplo, sob pena das contribuições apresentar
características de confisco.
Para Ibrahim:
“Há, na realidade, uma legítima expectativa, especialmente por parte dos segurados
da previdência social, ao direcionar suas contribuições ao sistema protetivo, em
receber uma prestação minimamente vinculada ao seu salário, como uma espécie de
salário diferido. Não sem razão, Cortes estrangeiras têm admitido, com base na
proteção geral ao direito de propriedade, que o Estado não possui a prerrogativa de
usurpar contribuições realizadas ou impor cotizações totalmente descompromissadas
com a realidade futura, sob pena de expropriação indevida. Na realidade atual, é
comum bradar-se a solidariedade como trunfo em favor de imposições descabidas e
desproporcionais, de modo a expor os eventuais reclamantes como detratores da
dignidade humana e do bem-estar social. O Brasil não escapa dessa infeliz tradição
somente mudando os fundamentos. Nosso passado nos traz à mente os atos tirânicos
da ditadura, com base na nebulosa segurança nacional, seguida pelo desconcertante
e indefinível interesse público e, na realidade do século XXI, pela solidariedade.
Esta, em momento algum, possui finalidade liberticida ou expropriatória, mas
somente expõe a realidade de qualquer sociedade, mesmo em modelos liberais, que
sempre demandam, pragmaticamente, algum auxílio mútuo, mesmo que de forma
forçada. A questão é preocupante, pois os Tribunais, sem maiores reflexões, têm
admitido a solidariedade, unicamente, como fundamento para imposições variadas
sem qualquer contraprestação, a exemplo da contribuição (...) de aposentados do
RGPS que retornam à atividade remunerada.26
24
ZAMBITTE IBRAHIM, Fábio. Curso de Direito Previdenciário. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2018. p. 76.
25
PIERDONÁ, Zélia Luiza. Contribuições para a Seguridade Social. São Paulo: Ltr, 2003.p. 61.
26
ZAMBITTE IBRAHIM, Fábio. Curso de Direito Previdenciário. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2018. p. 64
e 65.
Uma vez que o trabalhador aposentado é contribuinte obrigatório por força do art.11
§3º da Lei 8.213/9127, e a fim de evitar eventual inconstitucionalidade, pois conforme
elucidado o manto do princípio da solidariedade não deve servir de confisco assim como não
pode haver entradas sem que haja previsão de saídas, o legislador estabeleceu uma
contrapartida ao trabalhador aposentado, na verdade uma chacota para com a sociedade a fim
de maquiar sua verdadeira intenção. Assim preceitua o art. 18§2º da Lei 8.213/91:
“§ 2o O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que
permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fara jus a
prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa
atividade, exceto ao salário-família e a reabilitação profissional, quando
empregado.” (Redação dada pela Lei no 9.528, de 1997).28
Conclui-se que a verdadeira intenção do legislador não era fornecer contrapartida
alguma, e aqui, coaduno com o entendimento do ministro do STF, Luiz Roberto Barroso,
acerca da Constituição Federal “a Carta brasileira é analítica, ambiciosa, desconfiada do
legislador.”29
Frisa-se, desconfiada do legislador. Ainda bem!
Neste cenário o Poder Judiciário deve intervir, fazendo referência à Constituição
Federal, aos direitos fundamentais, a interpretação valorativa, dentro dos limites do Estado
Democrático de Direito, a fim de restabelecer o equilíbrio entre as normas.
Ora, o salário família possui valor ínfimo destina-se ao dependente do trabalhador de
baixa renda, sendo que é por filho ou equiparado, até 14 (quatorze) anos de idade, ou invalido
de qualquer idade.
A partir de 01/01/2020 a cota do salário-família é de R$ 48,62 (quarenta e oito reais e
sessenta e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$
1.425,56 (um mil, quatrocentos e vinte e cinco reais e cinquenta e seis centavos).
Aqui, destaco: difícil o aposentado que retorne a atividade ter um filho menor de 14
anos, a normativa tem um propósito claro: dificultar o acesso aos benefícios.
No que tange a reabilitação profissional, este instituto está normatizado no art. 89 da
lei 8.213/9130, dispõe que o trabalhador incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho

27

28
BRASIL. Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991.Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 03 de
maio de 2020.

29
BARROSO, Luís Roberto “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade”. Disponível em:
https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf. Acesso em 15 de
mar. 2020.
30
Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado
parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de
(re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.
será readaptado para o reingresso no mercado de trabalho, essa readaptação consiste na
realização de cursos, avaliação do potencial laborativo, pesquisa da fixação do mercado de
trabalho entre outros.
Verifica-se, claramente, que esses dois benefícios não possuem simetria à contribuição
que o trabalhador aposentado disponibiliza a previdência.
Neste sentido, é inconstitucional manter a contribuição social obrigatória do
trabalhador aposentado sem estender seu direito a um benefício. Veja, a extensão do auxilio
doença acidentário ao trabalhador aposentado não cria nenhum benefício, tarefa está atribuída
ao legislador, mas apenas inclui um novo ator social na rede de proteção.
A inclusão de novas relações sociais ou atores sociais é chamada de Teoria
Pentadiomensional do Direito criada pelo jurista Hélio Gustavo Alves que defende:
A Teoria Pentadiomensional do Direito busca o diálogo das fontes, a equidade da
norma anômala ou a inclusão de novas relações sociais ou atores sociais que pela
evolução natural da sociedade, não estavam positivadas, mas que, encaixam
perfeitamente em alguma norma positivada ou princípios do direito.31
Segundo o referido jurista há vários motivos da falha:
[...] a inclusão das novas relações socias ou atores sociais que não foram inseridos
na (as) norma (s) por inúmeros motivos, dos quais podemos citar os mais
corriqueiros: : negligência do legislador; ineficiência e má qualidade do serviço
público legislativo; força de bancadas ideológicas e/ou lobistas; o legislador não
alcançou a amplitude da nova relação social.32
Observe, o auxílio doença acidentário é um benefício devido aos segurados que
sofrem acidentes decorrentes do seu trabalho, está previsto no art. 59 da Lei 8.213/91
cominado com o art. 19 do mesmo dispositivo legal:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando
for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu
trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de
empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados
referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou
perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou
temporária, da capacidade para o trabalho.33
Frisa-se, o que se pretende não é a criação, mas é a extensão do benefício
previdenciário de auxílio doença acidentário ao trabalhador aposentado vítima de acidente de
trabalho, pois é através da valorização do trabalho que garantismo a ordem social e
econômica, cito como exemplo, este momento de pandemia em virtude da Covid-19, e a

31
ALVES, Hélio Gustavo. Teoria Pentadimensional do Direito: pura e prognosticada. São Paulo: Ltr, 2019. p.93
32
ALVES, Hélio Gustavo. Teoria Pentadimensional do Direito: pura e prognosticada. São Paulo: Ltr, 2019. p.93
33
BRASIL. Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991.Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 03 de
maio de 2020.
necessidade de isolamento social que, por sua vez, inviabiliza a atividade laborativa
demonstrando o caos social e econômico que estamos vivenciando.
Portanto, o princípio da solidariedade não deve servir de óbice para o recebimento do
auxilio doença acidentário ao trabalhador aposentado, esse segurado está sendo duramente
penalizado e não estão considerando sua importância para sociedade. Em outras palavras, o
Estado está se locupletando às expensas desse trabalhador, sem analisar sua função social.
O aplicador do Direito deve equilibrar a balança, por seu lado, o legislador deve
conceder uma contrapartida ao trabalhador aposentado com seriedade e não estar utilizando
sua contribuição para efeito de confisco, afinal a regra da contrapartida é de mão dupla se não
podem ser concedidas prestações, sem que tenha havido receitas suficientes, não poderá haver
entradas sem que haja previsão das saídas, devendo as receitas e despesas estarem previstas
no Plano de Custeio.
Ademais, se a norma oferece ao trabalhador aposentado o programa de reabilitação
profissional, a fim de auxilia-lo na reinserção profissional, deve auxilia-lo também, no
período que ficar incapaz para o trabalho.

3. Da possibilidade do recebimento do auxílio doença acidentário ao trabalhador


aposentado
A normativa atual que proibi a acumulação do trabalhador aposentado de receber um
benefício com seriedade percorreu um longo caminho, o retrocesso aconteceu aos poucos, e
aqui, vou utilizar a metáfora do sapo para relacionar a jornada decadente desse direito.
Segundo o adágio: dizem que se mergulhamos um sapo em uma panela de água fria e
fomos aquecendo-a vagarosamente, o sapo não perceberá a mudança e morrerá queimado, o
caso objeto desse artigo se assemelha.
Houve, paulatinamente, a redução da contrapartida de modo que a sincronia entre
contribuição e obtenção de benefícios não mais existe.
Em um primeiro momento ficou normatizado que o aposentado que retornasse ao
trabalho, no caso de afastamento definitivo da atividade ou por morte teria direito a um
pecúlio proporcional as contribuições pagas no período em que contribuiu aposentado.
O § 3º do art. 5º da Lei n. 3.807, de 26 de agosto de 1960, fica assim redigido: ‘§ 3º
O aposentado pela previdência social que voltar a trabalhar em atividade sujeita ao
regime desta Lei será novamente filiado ao sistema, sendo-lhe assegurado, em caso
de afastamento definitivo da atividade, ou, por morte, aos seus dependentes, um
pecúlio em correspondência com as atribuições vertidas nesse período, na forma em
que se dispuser em regulamento, não fazendo jus a quaisquer outras prestações, além
das que decorrerem da sua condição de aposentado.34
A lei 5.890/73 regulamentou a suspensão da aposentadoria, passando o aposentado a
fazer jus a um abono:
Art. 12. O segurado aposentado, por tempo de serviço, que retornar à atividade será
normalmente filiado e terá suspensa sua aposentadoria, passando a perceber um
abono, por todo o novo período de atividade, calculado na base de 50% (cinquenta
por cento) da aposentadoria em cujo gozo se encontrar.
§ 1º Ao se desligar, definitivamente, da atividade, o segurado fará jus ao
restabelecimento da sua aposentadoria suspensa. devidamente reajustada e majorada
de 5% (cinco por cento) do seu valor, por ano completo de nova atividade, até o
limite de 10 (dez) anos.35
A lei 6.210 de 04.06.1975, por sua vez vedou a suspensão da aposentadoria ao
aposentado que voltar a trabalhar, abolindo o abono, mas retornou a ser devidas todas as
contribuições, inclusive da empresa.
Art. 2º O aposentado pela previdência social que voltar a trabalhar em atividade
sujeita ao regime da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, será novamente filiado
ao INPS, sem suspensão de sua aposentadoria, abolindo o abono a que se refere o
artigo 12, da Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, e voltando a ser devidas com
relação à nova atividade todas as contribuições, inclusive da empresa, prevista em
lei.
§ 1º - (Vetado).
§ 2º - Em casos de acidente do trabalho:
I - o aposentado terá direito aos serviços e benefícios previstos na Lei número 5.316
de 14 de setembro de 1967, excluído o auxílio doença, e a optar, na hipótese de
invalidez, pela transformação de sua aposentadoria previdenciária em aposentadoria
acidentária.
II - a pensão por morte será a acidentária, se mais vantajosa.
§ 3º - O aposentado que, na forma da legislação anterior, estiver recebendo abono de
retorno à atividade, terá este cancelado e restabelecida sua aposentadoria com os
acréscimos a que já houver feito jus até a data da entrada em vigor desta lei.
§ 4º - Ao segurado que houver continuado a trabalhar após 35 (trinta e cinco) anos
de serviço serão garantidos, ao aposentar-se por tempo de serviço, os acréscimos a
que tenha feito jus até a entrada em vigor desta Lei.36
A Lei n. 6.243 de 24.09.1975: preceituava que o aposentado que retornar ao trabalho
teria direito, quando se afastar, a todas as suas contribuições pagas, corrigidos
monetariamente e com juros de 4% (quatro por cento), não fazendo, juiz a outras prestações.

34
BRASIL. Lei nº 3.807 de 26 de agosto de 1960.Dispoe sobre a Lei orgânica da previdência social. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l3807.htm#:~:text=L3807&text=LEI%20N%C2%BA
%203.807%2C%20DE%2026%20DE%20AGOSTO%20DE%201960.&text=Disp%C3%B5e%20s%C3%B4bre
%20a%20Lei%20Org%C3%A2nica%20da%20Previd%C3%AAncia%20Social.&text=I%20%2D%20na
%20qualidade%20de%20%22segurados,exce%C3%A7%C3%B5es%20expressamente%20consignadas
%20nesta%20Lei. Acesso em: 22 de maio de 2020.
35
BRASIL. Lei nº 5.890 de 08 de junho de 1973. Altera a legislação de previdência social e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5890.htm#:~:text=L5890&text=LEI
%20No%205.890%2C%20DE,social%20e%20d%C3%A1%20outras%20previd%C3%AAncias. Acesso em:
22maio de 2020.
36
BRASIL. Lei nº 6.210 de 04 de junho de 1975. Extingue as contribuições sobre benefício da previdência social
e a suspensão da aposentadoria por motivo de retorno à atividade, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6210.htm#:~:text=LEI%20No%206.210%2C%20DE%207%20DE
%20JUNHO%20DE%201975.&text=Extingue%20as%20contribui%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20benef
%C3%ADcio,atividade%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em: 22maio de
2020.
Art. 1º O aposentado pela Previdência Social que voltar a trabalhar em atividade
sujeita ao regime da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, terá direito, quando dela
se afastar, a um pecúlio constituído pela soma das importâncias correspondentes às
suas próprias contribuições, pagas ou descontadas durante o novo período de
trabalho, corrigido monetariamente e acrescido de juros de 4% (quatro por cento) ao
ano, não fazendo jus a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de
aposentado. (Vide Decreto-Lei nº 1,584, de 1977).37
A Lei n. 8.213 de 24/1991 regulamentou que o trabalhador aposentado teria direito ao
auxilio acidente mais a devolução dos valores pagos a título de contribuição reajustada de
acordo com a caderneta de poupança.
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações,
devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho,
expressas em benefícios e serviços.
(...)
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que
permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, não fará jus a
prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa
atividade, exceto ao salário-família, à reabilitação profissional e ao auxílio-acidente,
quando empregado.
(...)
Art. 81. Serão devidos pecúlios:
(...)
II - ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral de
Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando
dela se afastar;(Revogado pela Lei nº 8.870, de 1994)
(...)
Art. 82. No caso dos incisos I e II do art. 81, o pecúlio consistirá em pagamento
único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições do
segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos depósitos
de poupança com data de aniversário no dia primeiro.”38
A Lei n. 8.870 de 15.4.1994 normatizou a isenção da contribuição ao aposentado que
estiver exercendo ou que voltar a atividade e ao aposentado que estava contribuindo no
momento da vigência da referida Lei recebeu em uma única parcela as suas contribuições.
Art. 24. O aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral da
Previdência Social que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida
pelo mesmo, fica isento da contribuição a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.212, de
24 de julho de 1991.
Parágrafo único. O segurado de que trata o caput deste artigo que vinha contribuindo
até a data da vigência desta lei receberá, em pagamento único, o valor
correspondente à soma das importâncias relativas às suas contribuições,
remuneradas de acordo com o Índice de Remuneração Básica dos Depósitos de
Poupança com data de aniversário do primeiro dia, quando do afastamento da
atividade que atualmente exerce.39

37
BRASIL. Lei nº 6.243 de 24 de setembro de 1975. Regula a situação do aposentado pela Previdência Social
que volta ao trabalho e a do segurado que se vincula a seu regime após completar sessenta anos de idade, e dá
outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6243.htm#:~:text=L6243&text=LEI%20No%206.243%2C
%20DE,idade%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em: 22 de maio de 2020.
38
BRASIL. Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991.Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 22 de
maio de 2020.
39
BRASIL. Lei nº 8.870 de 15 de abril de 1994. Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213, de 24 de julho de
1991, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8870.htm. Acesso
em: 22 de maio de 2020.
A Lei n. 9.032/95 destacou que o trabalhador aposentado é contribuinte obrigatório,
mas não fara jus a prestação alguma da previdência, exceto ao salário-família, à reabilitação
profissional e ao auxílio-acidente, quando empregado:
Art. 2º A Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passa à vigorar com as seguintes
alterações:
‘Art.12. (...)
§ 4º O aposentado pelo Regime da Previdência Social – RGPS que estiver exercendo
ou que voltar a exercer atividade abrangida por este regime é segurado obrigatório
em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta Lei,
para fins de custeio da Seguridade Social’”
(…)
Art. 3º A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
‘Art. 18 (...)
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social o RGPS que
permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ela retornar, não fará jus a
prestação alguma de Previdência Social em decorrência do exercício dessa
atividade, exceto ao salário-família, à reabilitação profissional e ao auxílio-acidente,
quando empregado.40
E, por fim, a Lei 9.528/97 regulamentou que o aposentado não fará mais jus ao auxílio
acidente exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado .
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer
em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma
da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao
salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. 41
Talvez fazer esse percurso tenha ficando cansativo a você leitor, no entanto, se fez
necessário, a fim de fazer uma análise ampla e entender um pouco mais sobre a evolução
legislativa do aposentado que retorna a atividade sujeita ao Regime Geral de Previdência
Social.
Perceba que utilizar como argumento único o princípio da solidariedade é ignorar a
complexidade que o tema exige, visto que se considerar apenas por essa perspectiva se estaria
afirmando que o Estado pode a qualquer momento reduzir direitos, pois o Poder Judiciário vai
o “abençoar” com a farinha mágica do princípio da solidariedade e a questão orçamentária.
Ora, houve, gradualmente, ao longo dos anos notório retrocesso social ao aposentado
que retorna à atividade laborativa e o judiciário sempre complacente.
Perceba que o trabalhador aposentado recebia de volta suas contribuições, no entanto,
atualmente, não recebe nenhuma contrapartida, sendo que o Estado aos poucos retirou seu
direito e agora utiliza suas contribuições com efeito de confisco.

40
BRASIL. Lei nº 9.032 de 28 de abril de 1995.Dispõe sobre o valor do salário mínimo, altera dispositivos das
Leis nº 8.212 e nº 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9032.htm. Acesso em: 22 de maio de 2020.
41
BRASIL. Lei nº 9.528 de 10 de dezembro de 1997.Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213, ambas de 24
de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9528.htm. Acesso em: 22 de maio de 2020.
Para os defensores, do “déficit” previdenciário, importante mencionar que no contexto
orçamentário a previdência social até 2015 apresentou superavitária, mas o suposto déficit
vem de não contabilizarem como receita previdenciária as contribuições que são dever do
Estado. Segundo Fagnani (2019, p.79) o governo em suas contas não contabiliza as
contribuições arrecadadas através do Cofins, da CSLL e do Pis-pasep e chama de “déficit” a
parte cujo aporte é dever do Estado no esquema do financiamento instituído pela
Constituição, mas que o governo não aporta. Portanto o “déficit” é desprezo pela ordem
constitucional.” 42
Por sua vez, o judiciário utiliza para fundamentar suas decisões na seara previdenciária
os cálculos parciais do governo. Veja, não estou argumentando que nas decisões não devam
estar a preocupação orçamentária, mas sua fundamentação não deve estar atrelada a
parcialidade do governo.
Ainda na exposição de Fagnani (2019, p.79) “os sonegadores da Previdência podem
parcelar até 60 vezes a dívida previdenciária, a proposta do governo não caminha no sentido
de combater a sonegação e os maus pagadores.”43
Ainda há a questão das desonerações, feitas através de simples MPs sem debate algum
sobre qual será o impacto a seguridade social, cito como exemplo a MP 905/2019 apelidada
de “contrato verde amarelo” que perdeu validade dia 20/04/2020, permitia a desoneração da
folha estimada em R$ 11,3 bilhões, se fosse atingida a meta de empregos prevista no novo
regime de contratação. 44
O economista, Fagnani, ainda afirma:
[...] na ausência de argumentos sólidos, prevalecem as falácias, desinformação e a
superficialidade da ideologia em detrimento do rigor técnico e do debate qualificado.
Nesse cenário, também se utiliza o artificio de alarmar a sociedade pela difusão do
terrorismo, dos argumentos sem base cientifica, tentando impor as mudanças
fiscalistas exigidas pelo mercado.45
O que se pretende destacar é que argumentos falaciosos e ainda puramente
orçamentários não devem ser considerados na discussão dos direitos previdenciários, a
conquistas de direitos sociais pela Constituição de 1988 não devem ser reduzidos, o poder
judiciário não tem atribuição de fazer um novo “contrato social”, reduzindo o Estado de bem
estar- social, através de jurisprudências. A supressão das conquistas sociais emana do povo,
através de seus representantes, no entanto, a nossa Constituição atual conserva o direito e a

42
FAGNANI, Eduardo. Previdência: O Debate Desonesto. São Paulo: Contracorrente, 2019. p.79.

43
FAGNANI, Eduardo. Previdência: O Debate Desonesto. São Paulo: Contracorrente, 2019. p.141.
44
ANFIP. Anfip critica desoneração da folha na MP 905/19. Disponível em: https://www.anfip.org.br/assuntos-
tributarios-e-previdenciarios/anfip-critica-desoneracao-da-folha-na-mp-905-19/. Acesso em: 25 de maio de 2020.
45
FAGNANI, Eduardo. Previdência: O Debate Desonesto. São Paulo: Contracorrente, 2019. p.70.
garantias fundamentais do cidadão, devendo, portanto, serem apreciadas, valoradas pelo
julgador, nos termos debatido no presente artigo.
Para corroborar de forma incisiva a inconstitucionalidade do art. 124, I da Lei
8.213/9146, a Constituição Federal no art. 201 §11 disciplina que:
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao
salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em
benefícios, nos casos e na forma da lei.47
Logo se a Constituição Federal afirma que os ganhos habituais do trabalhador terão
repercussão em benefícios, é inconstitucional lei infraconstitucional vedar.
Perceba que a parte final da Lei assevera “ nos casos e na forma da Lei,” isto é, a
norma infraconstitucional irá mencionar quais o casos e requisitos que os ganhos habituais
irão converter em benefícios, então há a certeza: tem direito ao benefício, mas infelizmente,
como já analisado, na pratica o segurado aposentado vive apenas com seu parcos recursos,
sendo obrigado a retornar ao trabalho para complementar sua renda. É importante destacar
ainda, que com o passar dos anos o valor da aposentadoria é impactado pelo efeito corrosivo
da inflação que destrói o poder de compra e o Estado ainda destaca que esse trabalhador
aposentado não vai ter direito a benefício caso sofrer um acidente de trabalho. Observe o
limbo, no momento de maior vulnerabilidade, acidentado, incapaz para o trabalho, com o
valor irrisório de sua aposentadoria, o Estado nega proteção.
Esse é o “privilegiado” da reforma da previdência.
Conclui-se que, o julgador não pode apoiar o legislador em sua busca predatória em
eliminar direitos socias, visto que sua posição deve estar adstrita à Constituição, que por sua
vez garante o Estado de bem-estar social. A negativa de proteção social ao trabalhador
aposentado, especificamente, ao recebimento do auxilio doença acidentário é uma afronta a
ordem social, econômica e ao fundamento da república, institutos incentivadores da vida em
sociedade. Não se pode aceitar excluir o trabalhador aposentado que cumpriu todos os
requisitos para concessão do benefício de auxilio doença acidentário, esteja fora da rede
protetiva, pois está retirando sua dignidade, visto que no momento da concessão de sua
aposentadoria o Estado já reduz drasticamente o valor de seu benefício, e se o aposentado
buscar o mercado para complementar sua renda, não vai ter a proteção, caso vier a se
acidentar, olha a situação que o Estado proporciona ao trabalhador, verdadeiro estimulo a uma
nova escravidão.
46
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios
da Previdência Social: I - aposentadoria e auxílio-doença.
47
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 de maio de
2020.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tempo está se mostrando ser um fator decisivo na eliminação dos direitos sociais. As
mudanças legislativas ao longo dos anos se mostram contraditória aos fundamentos e
objetivos defendidos em nossa Constituição. A jornada legislativa percorrida para retirada de
direitos do aposentado que retorna a trabalhar, abre espaço para todo tipo de crueldade no
campo dos direitos socias. Afinal, essa eliminação dos direitos sociais sem contrapartida pode
ser feita em qualquer benefício previdenciário, basta edição legislativa realizada por
congressistas com interesse escusos e endossada por um judiciário caudatário, isto é que
restringe os direitos sociais a um cálculo matemático, sem levar em conta famílias que estão
sendo afetadas com aquela decisão.
O auxílio doença acidentário ao aposentado que retorna ao trabalho, não visa a criação
de um benefício, mas a inclusão de um ator social, que cumpriu todos os requisitos
previdenciários para concessão desse benefício, mas é penalizado por estar aposentado.
A Constituição Federal no art. 201 §11 preceitua, claramente, que os ganhos habituais
do empregado devem repercuti em benefícios, portanto, não deve ser fazer discriminação
entre empregado aposentado ou não.
Além disso, o princípio da solidariedade não deve servir de manobra para estimular o
enriquecimento ilícito do Estado às expensas do contribuinte previdenciário. Sendo que o
judiciário dentro do contexto normativo deve equalizar a solidariedade com a regra da
contrapartida e ao final aplicar com maestria os preceitos constitucionais.

REFERÊNCIAS DA FONTES CITADAS


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https://www.anfip.org.br/assuntos-tributarios-e-previdenciarios/anfip-critica-desoneracao-da-
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2016. Disponível em:
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