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HISTÓRIA ANTIGA

Ana Cristina Zecchinelli Alves


A transição para
o medievo e o conceito
de Antiguidade Tardia
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Discutir os aspectos políticos da crise no Império Romano.


 Analisar a fragmentação do Império Romano e a presença do
cristianismo.
 Apontar as características do conceito de Antiguidade Tardia e as suas
implicações políticas.

Introdução
Neste capítulo, você vai conhecer os fatores de ordem econômica, so-
cial, religiosa, militar e política que provocaram as crises sucessivas que
levaram à divisão do Império Romano. Tal divisão deu origem ao Império
Romano do Ocidente, com sede em Roma, e ao Império Romano do
Oriente, com sede em Constantinopla. Posteriormente, ocorreu o fim
do Império Romano Ocidental.
Também tiveram grande impacto nesse processo de divisão os povos
germânicos e “bárbaros”, com suas contínuas pressões, migrações e inva-
sões ao território romano. Por sua vez, o cristianismo exerceu influência
por meio do seu poderio crescente, provocando ações e reações tanto
de pagãos quanto de governantes.
Ao longo do capítulo, você ainda vai ver um novo recorte cronológico
que vem sendo discutido por historiadores e pesquisadores de diver-
sas áreas afins: a Antiguidade Tardia. Embora não totalmente definido
quanto à sua abrangência temporal, tal período situa-se, em geral, entre
os séculos II–IV e VIII d.C.
2 A transição para o medievo e o conceito de Antiguidade Tardia

Crises no Império Romano


Para você compreender os aspectos políticos que levaram ao esfacelamento do
Império Romano, é necessário retornar à constituição do Império. O período
imperial tem início com a coroação de Augusto, em 27 a.C., e termina com a
deposição de Rômulo Augusto, imperador romano do Ocidente, em 476 d.C.
Após a morte de César, ocorre o segundo triunvirato, ao qual se segue a
guerra civil. Com a deposição e o exílio de Lépido e a vitória de Otávio sobre
Marco Antônio (31 a.C.), a República Romana tem seus dias contados. Otávio
se torna o primeiro entre seus pares (princips senatus) e passa a presidir
encontros senatoriais. Ele também ocupa a posição de pontífice máximo,
mantém o imperium consular, que lhe dá autoridade administrativa, e detém
o controle das legiões romanas e o poder tribuciano (tribunicia potestas),
que o torna inviolável e lhe dá o direito de veto sobre a proposta de qualquer
magistrado em assembleia realizada em Roma. O Senado lhe dá o título de
Augustus em 27 a.C. (LE ROUX, 2009; GIBBON, 2005).
Essa acumulação de poderes ainda não tinha ocorrido na Roma republicana.
Como imperador, inicialmente, Otávio Augusto procura manter a aparên-
cia de uma república, porém vai retirando aos poucos o poder do Senado e
concentrando-o em suas mãos. Ao fim de seu reinado, depois de reunir muitos
poderes, ele impõe ao Império o mos maiorum (código de conduta moral e
ética dos antepassados que conformava o ideal romano) (LE ROUX, 2009).
Nas províncias dos povos dominados, os privilégios da aristocracia e
da nobreza (salvo exceções) são mantidos, e é levado a cabo um projeto de
romanização desses povos. Posteriormente, é distribuída a cidadania romana
a boa parte deles, um processo de longa duração que ultrapassa o reinado de
Augusto. Além disso, divulga-se pelo Império ideias relacionadas à noção de
romanidade (OLIVEIRA, 2015). Nesse contexto, utiliza-se o exército como
garantidor de fronteira e debelador de rebeliões internas (LE ROUX, 2009).
Também se assentam veteranos das tropas romanas em terras fronteiriças
chamadas “limes”, atendendo dessa forma a duas necessidades: agradar e
compensar soldados (os soldados romanos serviam teoricamente por 25 anos)
e manter as terras dos limes protegidas (GIBBON, 2005; MOMMSEN, 1962).
Com Augusto, inicia-se o período de grande prosperidade conhecido como
pax romana (paz romana), que dura até aproximadamente 180 d.C., quando
o Império Romano encontra o seu limite e transforma o Mediterrâneo defi-
nitivamente em mare nostrum (nosso mar) (GIBBON, 2005). Por sua vez, o
povo é controlado por uma política denominada panem et circenses (pão e
circo) (COMBY, 2001): distribuía-se pão e, em algumas ocasiões, dinheiro
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ao povo de Roma, a quem também se oferecia diversão pública no Coliseu


ou nos circos (lutas de gladiadores, jogos e competições, representações e
outros espetáculos, além de, em alguns períodos, a morte e a martirização
dos cristãos).
O Império Romano durou quase 500 anos no Ocidente. Nesse período,
desenvolveram-se diversos processos paralelos em diferentes campos sociais.
Como você sabe, um império de tais dimensões e com tal duração sempre
apresenta variações em suas condições econômicas, sociais, culturais e políti-
cas. Assim, mesmo com a romanização iniciada por Augusto e continuada por
seus sucessores, as culturas dos diferentes povos que compunham o Império
permaneceram existindo, ainda que de forma subjacente.
Em dado momento, o crescimento do Império chega ao seu limite. Nesse
sentido, os próprios romanos reconhecem a abrangência do seu território e
a dificuldade de continuar a garantir a segurança das terras já incluídas no
Império. A administração e o controle de tão vasta e diversa população eram
complexos. Além disso, a capacidade real de gerenciamento da defesa contra
ataques externos e rebeliões internas era defasada. Portanto, parte do próprio
governo romano a decisão de não mais expandir o Império.
Com o cessar da expansão, ocorre a extensão da cidadania romana aos povos
conquistados, a consequente proibição de fazê-los escravos e a liberação dos
escravos já existentes que pertenciam a esses povos (agora cidadãos). Surgem
também escravos libertados devido às conversões de senhores cristãos. Isso
tudo gera um sério problema para o sistema produtor romano, cuja base era
principalmente escravista. Logo, no final do século II, em conjunto, esses
elementos começam a fazer ruir o sistema produtivo, trazendo consequências
sérias a longo prazo para o Império.
Após o fim da dinastia dos Severos, em 235 d.C., Roma enfrenta um
período denominado “anarquia militar”, que vai de 235 a 284 d.C. Nesse
período, os generais disputam o poder e Roma chega a ter, nos anos de 268
a 269 d.C., mais de 15 imperadores. Somente com Diocleciano o Império
volta a ter um equilíbrio e chances de se recuperar. Porém, 50 anos de anar-
quia militar deixaram Roma fragilizada internamente e exposta às invasões.
O corpo de exército fica desorientado e indisciplinado (LE ROUX, 2009).
Do final do século II ao século V d.C., não se pode falar de crise contínua,
pois as situações de crise se apresentam, mas elas vêm e vão, produzindo altos
e baixos nas instituições romanas até o final do Império.
Em conjunto, no período, vê-se, no âmbito social, o rompimento da antiga
rede de alianças sociopolíticas entre o poder central e o municipal. O colonato
ganha força na sociedade, transformando relações sociais entre colonos e
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patronos. Além disso, desenvolve-se o regionalismo e a mobilidade social


é reduzida. Há um processo de desromanização e barbarização dentro do
território do Império. A sociedade se torna bipolarizada; de um lado, estão os
honestiores, de outro, os humiliores: “A tradução literal de honestus (honor
— honra/respeito) corresponde àquele que é ‘honrado’, ‘virtuoso’, ‘nobre’ e
humilis, ‘o que está no chão’ (humus), ‘o de baixa condição’, ou ‘o comum’, ‘o
modesto’” (FEITOSA, 2003, p. 197 apud COMBY, 2001).
Na economia, ocorre o aumento da fiscalização. O declínio do comércio,
associado ao esgotamento das minas, resulta num desequilíbrio da balança
comercial. Há desvalorização monetária e inflação, bem como desemprego.
As terras dos limes são gradualmente abandonadas. Ocorre uma redução
demográfica (livres e escravos), o que gera dificuldades de obtenção de mão de
obra, em especial a escrava, levando ao aproveitamento de bárbaros e ao desen-
volvimento do colonato. Dá-se a formação de latifúndios e o desenvolvimento
da economia natural, com o abandono gradativo das cidades e a ruralização.
No que tange ao aspecto religioso, a cristianização do Império se pro-
cessou nos primeiros dois séculos da Era Cristã. Ela sofreu resistências e
perseguições maiores ou menores ao longo do período, fortalecendo-se, no
entanto. Os romanos eram politeístas e associavam ao seu panteão os deuses
de outros povos, a quem chegavam a prestar sacrifícios antes das guerras a
fim de que o resultado fosse benéfico para o seu próprio povo. Os romanos
criaram antipatia pelos judeus (Jerusalém foi arrasada novamente em 70 d.C.
e o seu segundo templo, destruído pelos romanos, ocorrendo então a diás-
pora judaica) e pelos judeus-cristãos (antes de o cristianismo se firmar como
religião independente, os cristãos eram considerados uma seita entre outras
seitas judaicas). Os primeiros eram considerados rebeldes, e os segundos,
vistos como continuação dos primeiros (JOSEFO, 2004). Os cristãos foram
encarados por um tempo como maus cidadãos e uma ameaça ao Império por
recusarem os sacrifícios aos deuses romanos e o reconhecimento do imperador
como um deus (COMBY, 2001).
Os cristãos sofreram várias perseguições, sendo a de Diocleciano a mais feroz.
Somente quando Constantino lançou o Édito de Milão, um édito de tolerância, em
313 d.C., é que os cristãos e os fiéis de outros credos puderam cultuar livremente.
Constantino, assim, ajudou muito os cristãos, mas a sua posição política impôs
limitações às suas ações. Em 380 d.C., Teodósio lança o Édito de Tessalônica,
transformando o cristianismo em religião oficial do Império (PAPA, 2016), o
que resulta em grandes conflitos entre cristãos e pagãos.
No campo político e administrativo, alguns elementos contribuíram
para as diversas crises que o Império sofreu. O “absolutismo” de que são
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acusados os imperadores é um dos fatores mais mencionados. A concen-


tração de poder— administrativo-burocrático, militar, legislativo — nas
mãos dos imperadores e a concomitante redução de poder do Senado levam
à desintegração do antigo sistema administrativo, baseado em curiales, que é
absorvido pela administração imperial. Paralelamente a isso, ampliam-se os
gastos públicos com controle interno e defesa externa, na tentativa de evitar
a perda de territórios dos quais Roma precisa para a sua grandeza e para o
fornecimento de alimentos, insumos, tributos e soldados. Também há um alto
custo para manter os exércitos nos limes e evitar invasões bárbaras.
Na área jurídica, a legislação adquire um caráter cada vez mais prescritivo
e não mais promocional como outrora. Há coerção jurídica, dirigismo estatal
na economia e fiscalismo, todos esses elementos submetidos a um rígido
controle hierárquico. Por outro lado, apresentam-se quadros de transgressão
às regras oficiais: evasão de impostos, fuga ao recrutamento e patronato, além
de deserção. A isso, somam-se intrigas palacianas e revoltas locais. Algumas
cidades se tornam importantes centros administrativos, políticos e econômicos
durante o período: Aquileia, Constantinopla, Milão, Sirmio e Trevis. Por fim,
em 395, com a morte de Teodósio I, o Império se divide em Império Romano
Ocidental e Império Romano Oriental.
Diversos fatores externos também tiveram sua parte no desenrolar da
situação imperial: ampliação do número de povos com tratados de foedus,
aumento demográfico entre os povos bárbaros, romanização dos bárbaros,
contratação de bárbaros como mão de obra para a agricultura ou recrutamento
para o exército. Nos últimos dois séculos do Império Romano, boa parte do
exército era composto por elementos bárbaros. Complementando o quadro,
não se pode esquecer da cristianização desses povos.

O termo foedus significa “federado”. Inicialmente, durante o período da República


Romana, tal termo era utilizado para designar uma tribo à qual não era dado o foro
de colônia nem a cidadania romana, mas que tinha a obrigação de fornecer, quando
solicitado, um contingente de soldados a Roma. Mais tarde, a Lei Júlia outorgou cida-
dania romana aos povos federados. No período da desintegração do Império Romano,
o termo “federado” passou a ser utilizado também para designar povos bárbaros que
os romanos subsidiavam, como os drancos, os alanos e os vândalos (FOEDUS, 2016).
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Pode-se afirmar comparativamente que durante o Baixo Império houve


descontinuidades e rupturas, mas no mesmo período ocorreram diversas
continuidades e inovações, que resultaram em transformações políticas, eco-
nômicas e sociais. Para Anderson (1991), a dissolução do modo de produção
escravista dominante no século II para o modo de produção feudal ocorreu
gradualmente. De acordo com o autor, a superação do escravismo antigo pro-
duziu uma alteração radical na infraestrutura econômica e, por consequência,
na superestrutura política.
Entre as contradições que deram origem ao problema, está a redução no
número de escravos necessários à manutenção do sistema produtivo imperial,
que privou o Império de recursos vitais dos quais necessitava para manter
a sua estabilidade. Paralelamente a isso, existia uma limitação relativa aos
avanços tecnológicos e à estagnação de forças produtivas. Resumindo: menos
escravos, menor produtividade. Para Anderson (1991), contudo, deve ser dada
ênfase à limitação tecnológica.
Você deve considerar que autores marxistas gostam de ler esse período
como resultante de uma luta de classes entre as forças dominantes e as classes
exploradas (livres e escravos), o que parece uma visão parcial do problema.
Voltaire, em seu Ensaio sobre costumes, de 1756, aponta para os conflitos
religiosos entre o paganismo e o cristianismo e para as disputas entre as próprias
facções cristãs. Tais atritos, agregados à debilidade imperial, à fraqueza moral
e à suplantação de agricultores e soldados por monges, são fatores importante
a serem levados em conta (VOLTAIRE, 1756). Para Gibbon (2005), o Império
Romano rui por problemas de ordem interna, como a perda de virtude repu-
blicana, o domínio do irracional sobre o racional e o cristianismo, que o autor
considera causador da degeneração e da queda do mundo clássico. Para ele,
triunfam a religião e a barbárie.
Finley (1991) menciona a escassez do potencial humano em conjugação
com as invasões bárbaras como um fator a ser levado em conta. Para o autor,
ocorria um círculo vicioso no qual não se poderiam aumentar os números
do exército, pois a terra a ser trabalhada não poderia ser privada de mão de
obra. Assim, ocorria o agravamento da situação da terra pelo aumento exces-
sivo dos impostos, que deveriam suprir necessidades de militares devidas ao
crescimento da pressão germânica, que, por sua vez, demandava o aumento
do contingente militar. Ferrill (1989) considera a importância dos generais e
suas legiões. Segundo o autor, eles estavam preocupados com acontecimentos
políticos e intrigas palacianas, permitindo a fragilidade disciplinar, com perda
de poder e moral do exército romano, que ficava sem condições de ser eficaz
no enfrentamento dos bárbaros.
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Círculo vicioso
A dificuldade de encontrar e repor escravos para dar conta da produção neces-
sária à manutenção do Império foi uma de muitas situações que levaram ao
declínio da Roma Imperial. Outros fatores devem ser considerados no longo
prazo que vai do século III ao V a.C. As questões elencadas a seguir são ele-
mentos processuais que se intensificam em determinados períodos, reduzindo
o grau de sua importância em outros. Porém, todas em conjunto fazem parte
do processo de declínio e queda do Império Romano Ocidental. São elas:

 a crise no sistema escravista, advinda da falta de reposição da mão de


obra escrava;
 a falta de mão de obra, que leva à redução da capacidade de produção;
 a redução da produção, que leva à carestia dos alimentos, à inflação, à
fome, a doenças e rebeliões;
 a redução do movimento comercial, com crise financeira e crise fiscal
(menor arrecadação e aumento do valor dos impostos);
 a instabilidade política e as crises no exército.

Você já sabe que a extensão do Império envolvia a necessidade de manter


as fronteiras em segurança. Isso custava dinheiro, que vinha da arrecadação
do fisco. Contudo, não tendo arrecadado o necessário, dados os problemas
de produção, comércio e economia como um todo, o Império não dispunha
de condições para a manutenção dos militares e dos equipamentos e insumos
necessários para garantir as fronteiras contra o elemento externo, formando
um círculo vicioso, do qual era difícil escapar.
Por outro lado, como você também já viu, Roma conheceu um período cha-
mado pelos historiadores de “anarquia militar”, no qual os generais buscavam
o poder político e deixavam as tropas mal cuidadas, mal treinadas e indiscipli-
nadas. Isso certamente contribuiu bastante para a queda do Império. A disputa
pelo poder em Roma também foi acirrada em razão da não obrigatoriedade
da hereditariedade para assumir o posto de imperador. Os imperadores eram
escolhidos, indicados ou aclamados, algumas vezes, usurpadores.
A corrupção vivenciada em Roma é apontada como outro dos elementos
de sua queda. Ela se dá em diversos níveis: financeiro, político e, para alguns,
religioso, na medida em que a impiedade era considerada um desvio, uma
ofensa aos deuses, passível de despertar a sua ira. Aos elementos citados se
somam a perda, o esquecimento ou o relaxamento de valores éticos e morais
do mos maiorum.
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Todos os fatores elencados — crise no sistema escravista, crise econômica,


crise na liderança do exército, instabilidade política e crise moral — deram
espaço para que ocorressem as invasões germânicas. Mais do que isso, deram
condições aos povos bárbaros e germânicos de enfrentar os romanos e ganhar
em algumas frentes.

Os povos germânicos
São chamados generalizadamente de “povos germânicos” um conjunto de
povos “bárbaros”, termo herdado dos gregos que fazia referência inicialmente
àqueles que não partilhavam a língua, os costumes e a civilização grega.
Apropriado pelos romanos, tal termo passou a designar povos (estabelecidos
ou nômades e seminômades) que viviam fora das fronteiras do Império, na
Ásia, na África ou no Norte Europeu. Numa situação de oposição nós-eles, os
“bárbaros” eram ou outros, estrangeiros, não assimilados, não “civilizados”,
considerando-se a óptica dos romanos (GUERRA, 1991).

Há diversas classificações e listas da composição dos povos germânicos, realizadas


por escritores da Antiguidade e ao longo da história. Contudo, ainda há escassez de
informações sobre esses povos. Nesse sentido, aguarda-se o desenvolvimento de mais
pesquisas nos campos da arqueologia, da epigrafia, da hagiografia, da linguística, da
literatura, da paleografia, da toponímia e da iconografia, entre outros, para a obtenção
de novos dados sobre esses povos e suas culturas.

Além dos germânicos, outros povos bárbaros interferiram no mundo euro-


peu — não apenas no período da decadência do Império Romano, mas durante
a Antiguidade Tardia e a Idade Média. Tratando-se diretamente dos povos
germânicos que mais afetaram o Império Romano, é possível citar: celtas/galos,
que vivam no norte e no Centro Europeu, e germanos (vândalos, borgúndios,
godos, teutões, nórdicos, francos, alamanos, lombardos, istaeones, suevos,
sálios, turíngios, hérulos, etc.). As migrações/invasões germânicas, em sua
maioria, ocorreram entre o final do século II e o século V d.C. e se deram de
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forma gradual, a partir das áreas dos antigos limes. Elas foram resultado de
uma série de fatores:

 variações climáticas, como o resfriamento do clima no norte, que reduziu


as terras passíveis de agricultura, forçando a migração;
 o crescimento populacional;
 a pressão de outros povos, como os hunos.

Esses povos que estavam entre Roma e outros povos provenientes da Ásia,
como a federação dos hunos, foram migrando para dentro das fronteiras do
Império ao longo dos séculos. Aos poucos, foi ocorrendo uma integração entre
os povos bárbaros e o mundo romano. Tais povos começaram a fazer parte do
exército e da administração. Contudo, eram povos com costumes diferenciados,
incluindo seus aspectos políticos, sendo o caráter militar um dos mais típicos
diferenciais dos germânicos. Eles tinham técnicas avançadas de fabricação de
armas e também eram bons estrategistas. Dividiam-se em tribos comandadas
por um chefe com seu séquito de jovens guerreiros juramentados. Veja o que
afirma Guerra (1991, p. 18–19):

O mando estava nas mãos dos chefes hereditários ou dos ricos que se achavam
à cabeça de um importante comitatus. Criava-se assim um setor de pessoas
dependentes e um grupo de homens livres para o serviço das armas na guerra
e nas expedições de butim. O enriquecimento dos chefes favoreceu sua trans-
formação em proprietários. Deste setor, surgiu o grupo dirigente da formação
política, seja em uma espécie de principado ou em forma de monarquia. Foi
dessa nobreza que saíram os chefes do exército da época tardia.

No aspecto econômico, os povos germânicos eram agricultores com técnicas


próprias, mas a economia variava conforme o grupo, agregando ou não pecuária,
caça e pesca. Para cultivar as terras, eles utilizavam a mão de obra resultante de
antigas guerras, composta por escravos e semilivres. O artesanato era modesto,
mas a ourivesaria, assim como o fabrico de armas, era apurada. As formas
religiosas ainda estão sendo estudadas, sabendo-se que entre os galos havia a
organização druídica. Acredita-se que antes do cristianismo eles se relacionavam
com os deuses diretamente na natureza, sem construções de templos. A sua
característica mais marcante, no entanto, é o espírito guerreiro, comentado por
autores da Antiguidade como Júlio César, Plínio e Amiano Marcelino. Contudo,
você deve lembrar-se de fazer a crítica histórica aos documentos.
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A fragmentação do Império Romano


e a força crescente do cristianismo
Depois de aproximadamente um século de crise política, em 285 d.C. Diocle-
ciano se torna imperador. Ele tenta reorganizar o Império, criando posterior-
mente a tetrarquia, dividindo Roma em quatro zonas ou distritos administrados
por coimperadores, Ilíria, Itália, Gália e Nicomeia, de onde governa o império
cada vez mais por meio de éditos. Com Diocleciano, inicia-se o período do
dominato (senhor), título que ele preferiu ao de princips. Diocleciano era um
imperador controlador, que sabia dos riscos de traição por seus coimperadores;
para garantir-se, levou para a sua corte em Nicomeia os filhos desses coimpe-
radores, que educava em literatura, filosofia e artes de guerra.
Os éditos de Diocleciano dirigiam-se principalmente a questões como mo-
ralização dos costumes e exigência de culto e sacrifícios aos deuses romanos,
a quem ele atribuía o poder e a glória de Roma, assim como a sua sorte. Por
outro lado, Diocleciano considerava os cristãos responsáveis pelos problemas
de Roma, visto que não prestavam culto aos deuses romanos. Tal atitude, a
recusa do sacrifício, os colocava em uma posição entre a falha religiosa e
a traição ao Império, afrontando não somente o poder constituído como o
dever de piedade para com os deuses que o mantém. Não se pode deixar de
questionar o envolvimento do “clero” pagão com o imperador nessa questão,
já que fiéis significam renda e poder para os templos.
As tensões por questões religiosas aumentaram no governo de Diocleciano,
pois a Igreja Cristã havia crescido em número de adeptos e enriquecido. O seu
ideal de fé já era considerado por camadas senhoriais, aristocráticas e militares.
Os cristãos pareciam a Diocleciano uma ameaça real ao poder imperial e a
Roma. Por isso, o imperador decretou um édito que permitia caçar e matar
os cristãos — considerados por Diocleciano como inimigos internos —,
destruir suas igrejas e textos sagrados e tomar os espaços por elas ocupados,
bem como dispor dos bens dos cristãos. Esse período ficou conhecido pelos
cristãos como a “grande perseguição”. Foi um período sangrento que somente
após a morte de Diocleciano e a reunificação do Império por Constantino pôde
ser sanado por meio do Édito de Milão (313 d.C.), que concedeu a tolerância
religiosa no Império Romano.
Os tetrarcas procederam de formas diferentes quanto à perseguição cristã.
As situações regionais também incidem sobre o resultado, intensificando-se,
por exemplo, no tetrarcado mais oriental. A fome em 311 d.C. leva à culpabi-
lização e à perseguição intensiva dos cristãos, vistos como os provocadores da
situação por desagradarem os deuses romanos, não sacrificando a eles. Porém,
A transição para o medievo e o conceito de Antiguidade Tardia 11

não há como saber em detalhes como esses comportamentos se davam em


todo o Império, visto que as aplicações do Édito são diferenciadas em graus
conforme a região.
De qualquer forma, apesar das perseguições ocorridas ao longo do tempo,
culminando na grande perseguição de Diocleciano, os cristãos não apenas
sobreviveram como fizeram de sua Igreja um império. Eles transformaram
o que seria adversidade em uma instituição poderosa que dominou o cenário
histórico ocidental e parte do Oriente, sendo até hoje um poder a ser conside-
rado, mesmo por não cristãos. Os cristãos transformaram as suas tragédias em
grandes histórias de martírio pela fé que serviram de inspiração para outros
homens. Jesus, que poderia ter sido apenas mais um judeu entre criminosos
crucificados, ou mais um messias entre outros tantos que a história dos ju-
deus conhece, foi transformado em símbolo de poder salvador, um messias
compassivo. Opostamente ao intento inicial de Diocleciano, a perseguição
serviu para reanimar a fé, fortificar o movimento cristão e glorificar mártires.
Depois da tomada de poder por Constantino, ocorre a sua vitória sobre
Maxêncio, considerada uma vitória do deus cristão (que inspirou Constantino
a colocar símbolos nos escudos de seus homens antes da batalha) contra os
deuses pagãos a quem Maxêncio cultuava. No entanto, mesmo com a vitória
que unifica o Império nas mãos de um só governante, Constantino sabe que
a questão religiosa é terreno perigoso. Mas a sua tendência é pela tolerância,
o que o faz publicar o Édito de Milão (313 a.C.) proclamando a neutralidade
do Império Romano em relação aos credos religiosos e dando fim às perse-
guições. Como aponta Papa (2006, documento on-line), “Na primeira década
do século IV, após vários períodos de interdição ao cristianismo no Império
Romano, os cristãos, assim como outros grupos, tiveram a sua crença colocada
na legalidade sob o ponto de vista da legislação do Império”.
Historiadores discutem se a posterior conversão de Constantino ao cris-
tianismo se deu por fé real ou por conveniência política. De qualquer modo,
esse imperador em muito auxiliou o desenvolvimento do cristianismo e da
Igreja, inclusive subsidiando/patrocinando o Concílio de Niceia, em 325 d.C.
O fato é que depois disso o cristianismo cresceu em poder e influência, até se
tornar — pelo Édito de Tessalônica, de 384 d.C., decretado por Teodósio — a
religião oficial do Império Romano. Para Guida Neto (2011), a solidificação
do cristianismo a partir do século IV e a sua nova condição de religião oficial
do Império Romano influenciaram toda a sociedade imperial.
No final do século IV, com o grande apoio que recebeu de imperadores e
de seus devotos abastados, o cristianismo já possuía mosteiros nas cercanias
de algumas cidades e também conventos. A Igreja detinha poder espiritual e
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temporal, além de muitos bens e riquezas; a sua influência se estendia muito


além de Roma. Guida Neto (2011, documento on-line) aponta para a adap-
tação do cristianismo ao pensamento filosófico clássico: “Esse trabalho foi
realizado com maestria pelos autores da Filosofia Patrística. Estes filósofos
foram leigos, sacerdotes ou bispos da antiguidade cristã e são conhecidos como
Padres da Igreja”. O autor também aponta para o fato de que no século IV
d.C., quando o cristianismo se consolidou, ele já tinha passado por uma série
de transformações em seus quase quatro séculos de existência; no percurso,
passou de “[...] instrumento de contestação da ordem vigente” a instrutor da
ordem. Com a sua filosofia já desenvolvida e tendo realizado a sistematização
de suas crenças, essa religião submeteu a elite intelectual aos seus dogmas e
dominou a elite política e militar (GUIDA NETO, 2011, documento on-line).
Como você viu, diversos fatores levaram à queda do Império Romano,
primeiro com a sua divisão, após a morte de Teodósio, depois com o esface-
lamento da parte ocidental do Império. As invasões e os saques, mais do que
as migrações, foram em muito responsáveis pela internalização dos romanos
no campo. Tal internalização implicou uma ruralização que, juntamente com
o cristianismo, as conversões dos povos bárbaros e a permanência dos bispos
cristãos nas cidades, formou o que se convencionou chamar “Alta Idade Mé-
dia”. O período de transição entre a Idade Antiga e a Idade Média, que vai
aproximadamente do século V ao século VIII, é chamado modernamente de
Antiguidade Tardia.
O certo é que a Igreja cresceu em poder, se tornou guardiã dos recursos
relativos à erudição, conservou nas bibliotecas de seus mosteiros as obras
antigas, desenvolveu conhecimento e moldou o homem medieval por meio de
seus dogmas. Os homens da Igreja, com o tempo, passaram a ser os maiores
detentores da arte de escrever, tornando-se assessores e escribas dos poderes
terrenos, ao mesmo tempo em que se faziam diretores e guardiões da mora-
lidade, da espiritualidade e, com isso, das consciências.

Antiguidade Tardia e suas implicações políticas


Até a última década do século passado, as divisões cronológicas da história
utilizadas pela historiografia eram quatro: Idade Antiga, Idade Média, Idade
Moderna e Idade Contemporânea, podendo receber subdivisões. Dessa forma,
datava-se o fim da Antiguidade pela queda do último imperador romano do
Ocidente, em 476 d.C. Como você pode notar, essa é uma divisão muito oci-
dentalizada e eurocentrista, já que desconsidera o resto do mundo, a história
A transição para o medievo e o conceito de Antiguidade Tardia 13

de outros povos, inclusive a continuidade do Império Romano do Oriente,


cuja capital era Constantinopla. Curiosamente, a divisão cronológica que
marcava a passagem da Idade Média à Idade Moderna era baseada na data
da tomada de Constantinopla pelos otomanos, ou seja, 1453. Assim, a Roma
dividida tornava-se marco divisório de dois períodos históricos separados
por quase mil anos.
Desde a escola de Annales vêm sendo levantadas questões relativas aos
recortes temporais e às periodicidades da história. Na última década do século
XX, começa a surgir uma nova divisão, que considera o período que vai do
século IV (ou V) ao VIII d.C. como Antiguidade Tardia. Assim, revisam-se
antigos conceitos e preconceitos quanto à Idade Média, que era chamada
de “Idades das Trevas” — em oposição à Antiguidade Clássica — pelos
neoclassicistas do Renascimento e pelos iluministas. Hoje, a Antiguidade
Tardia é encarada como um momento histórico de ajuste, e não como uma
ruptura. Assim, é necessário levar em conta “[...] as inovações, as mutações
e a criatividade do mundo romano durante a Antiguidade Tardia, as novas
estruturas mentais, sociais, religiosas” (SILVA, 2008, documento on-line).
Silva (2008) defende o uso do termo “adaptação” em detrimento de “barba-
rização” ou “decadência” no que tange ao uso do latim na Alta Idade Média.
Além disso, ele acredita que a expressão “Alta Idade Média” é mais adequada
do que “Antiguidade Tardia” à plasticidade das sociedades romano-bárbaras
que emergem a partir dos séculos V e VI. Nesse sentido, é possível observar
os séculos iniciais da Idade média “como um lócus de reinvenção da herança
clássica, um espaço da construção de fenômenos específicos e originais, por
exemplo, no domínio literário, o latim ‘altomedieval’, no domínio da história
política, a Realeza Cristã, e, no domínio da economia rural, o ‘Grande Domí-
nio’” (SILVA, 2008, documento on-line). Essa é a defesa de um ponto de vista
válido que abrange fatos referentes a dois dos séculos incluídos no período
da Antiguidade Tardia, mas que até o momento também não foi incorporado
à divisão historiográfica.
Referindo-se às perspectivas abertas na historiografia a partir do reconhe-
cimento do período da Antiguidade Tardia, Silva (2009, documento on-line,
grifo nosso) afirma:

Uma das novidades desta nova perspectiva e ponto fundamental para sua
consolidação como novo paradigma é a ascensão de um novo recorte crono-
lógico: a Antiguidade Tardia. Esta mudança na historiografia ainda não se
traduziu na nossa consciência histórica mais ampla, digamos, na memória
histórica do cidadão ocidental médio (quiçá na do brasileiro), mas teve, porém,
grande impacto nos especialistas.
14 A transição para o medievo e o conceito de Antiguidade Tardia

Essa é uma afirmativa bem realista. Levará tempo ainda para que a academia
e principalmente os livros didáticos se adequem às novas conformações crono-
lógicas, bem como para que os questionamentos e os conhecimentos produzidos
a partir desse novo paradigma sejam compartilhados amplamente. Como você
viu, Silva (2008) tem um ponto de vista diferente sobre o assunto, da mesma
forma que muitos outros pesquisadores. Assim, ainda levará tempo antes que
se chegue a um consenso aceito e internalizado pela maioria dos estudiosos.
O fato é que a mudança na cronologia não é uma mera modificação de
nomenclatura; ela implica um novo modo de pensar a história do período tardio
e de refletir sobre os acontecimentos dos períodos imediatamente anterior e
posterior a ele. O Império Romano não acabou em um dia como Hiroshima e
Nagasaki. Ele levou séculos nesse processo. Da mesma forma, a Idade Média
não começou no dia seguinte à deposição de Rômulo Augusto.
Nesse sentido, você deve levar em conta que todas essas divisões cronoló-
gicas são posteriores aos eventos, acordadas entre estudiosos e pesquisadores
de forma a permitir uma localização cronológica dos fatos e dos elementos
mais marcantes de cada período. O primeiro período, a Antiguidade Clássica,
permaneceu vivo no povo romano e, em parte, nos povos romanizados, bem
como na língua latina, em uma série de costumes e em elementos culturais que
estiveram presentes, pois estavam internalizados no ser e no fazer do povo do
Império Romano. A língua latina continuou a ser utilizada na administração
e no direito (por romanos, germânicos e padres). Nesse contexto, não se pode
deixar de lado a Igreja — uma instituição que tinha força e poder em Roma.
Afinal, as missas eram em latim, assim como os documentos episcopais e,
posteriormente, as bulas papais.

As estruturas mentais dos próprios historiadores e escritores senatoriais ou cristãos


estavam impregnadas de todo um código, uma forma de construção cognitiva e
linguística romana. Se você quiser um pequeno exemplo de como hábitos corporais
— aos quais também podem se associar estruturas mentais — presentes em cada
cultura, mal percebidos de tão naturalizados, são difíceis de esquecer ou trocar, pode
apreciar o texto de Marcel Mauss sobre as técnicas do corpo. Entre muitas observações,
Mauss (2003) chama a atenção para a questão do uso das pás durante a guerra. Ingleses
e franceses necessitavam de pás diferentes pois não conseguiam trabalhar com a pá
do outro (pense aqui no mundo antigo e em seus modos de fazer). Veja o que afirma
Mauss (2003, p. 403):
A transição para o medievo e o conceito de Antiguidade Tardia 15

essa especificidade é o caráter de todas as técnicas. Um exemplo:


durante a guerra pude fazer numerosas observações sobre essa espe-
cificidade das técnicas. Como a de cavar. As tropas inglesas com as
quais eu estava não sabiam servir-se de pás francesas, o que obrigava a
substituir 8 mil pás por divisão quando rendíamos uma divisão francesa,
e vice-versa. Eis aí, de forma evidente, como uma habilidade manual só
se aprende lentamente. Toda técnica propriamente dita tem sua forma.

Ora, se uma coisa simples como utilizar uma pá para cavar trincheiras se torna tão
difícil, imagine o tempo que foi necessário às diversas populações que viveram em
diferentes períodos históricos para mudarem os seus hábitos mais internalizados.

Os escritores cristãos e senatoriais do período de transição da Antiguidade


à Idade Média hoje passam por um exame crítico quanto às suas colocações
sobre a queda de Roma. Fica-se com o velho questionamento sobre o direcio-
namento e a intencionalidade do texto: para quem se fala, por que se fala, com
que intenção? Quem pagou pelo texto? Se Salústio eleva Jugurta a um grande
guerreiro e outros o fazem com relação a Aníbal, você deve se perguntar, sem
desmerecer o real valor que tais guerreiros e estrategistas possam ter tido, que
poder de propaganda teriam as suas existências para Roma e para os inimigos
de Roma se eles fossem guerreiros e inimigos comuns e medíocres.
Da mesma forma, a vitória do cristianismo sobre o paganismo, do deus
cristão sobre os deuses pagãos, será contada de forma épica, valorizando o
poder de um e desmerecendo o poder de outros. A Igreja fará novos reis, os
ungirá, terá poder sobre eles. Mais do que isso, ela dominará as consciências
e, por meio delas, as pessoas, em todos os níveis. A estrutura burocrática
romana estará presente na Igreja e por ela se fará presente nas sociedades na
Antiguidade Tardia e nas Idades Média e Moderna.
Ao longo da queda do Império Romano, o poder político se fracionou e
a economia passou por um processo de retração. Os germânicos, os povos
bárbaros e os territórios fracionados do Antigo Império formaram reinos,
principados e outras unidades político-administrativas. As culturas bárbaras
encontraram-se com a cultura romana e se comunicaram em maior ou menor
grau, conforme o caso, o que já vinha ocorrendo ao longo do tempo, já que
o processo levou séculos. Muitas das estruturas políticas na formação dos
reinos foram aproveitadas das estruturas romanas. Finalmente, mas não menos
importante, quando a Alta Idade Média estava no seu auge, os reis ungidos
pela Igreja se tornaram não deuses (status adquirido pelos imperadores), mas
16 A transição para o medievo e o conceito de Antiguidade Tardia

sacralizados instrumentos do deus cristão, colocados em suas posições régias


para governar o mundo em nome dele.
Como você viu, a inserção de uma nova divisão cronológica é um incentivo
a novas reflexões sobre o período que se denomina “Antiguidade Tardia”, que
ainda não está completamente determinado quanto à sua duração. Contudo,
apesar das variações, tal período representa a possibilidade de um novo olhar
sobre essa época de transição, com suas mudanças, continuidades e rupturas,
reestruturações e inovações.

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