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Bruno Glaab
INTRODUÇÃO
I - Epístolas Pastorais
A primeira e a segunda carta a Timóteo, bem como a carta a Tito têm algo em co-
mum. Paul Anton (1726) as chamou de “Pastorais”.
“A escolha deste termo foi muito feliz porque essas cartas foram dirigidas a responsáveis por
Igrejas e lhes lembram seus deveres enquanto ‘pastores’ das comunidades confiadas aos seus
cuidados”. 1
a) O Autor
b) Canonicidade
d) Destinatários
d) Estilo
São sete cartas dirigidas aos cristãos em geral: Tg, Jd, 1-2 Pd, 1-3Jo. Destas cartas,
somente 3Jo tem um destinatário concreto (Gaio). Mas, por ser ela do mesmo autor de 1 e
2Jo, passa a ser classificada como católica. Estas cartas, ao que parece, são posteriores a
Paulo. Seguramente pode-se colocar o ano 80 como a data mais aproximada destes escri-
tos. Talvez algumas cartas sejam do fim do 1º século.
III - Hebreus
2
CHARPENTIER, E. A mensagem da Epístola aos Hebreus, in: Cadernos Bíblicos. V
21. S. Paulo, Paulinas. p.5.
3
I – EPISTILAS PASTORAIS
No presente trabalho apenas será analisada 1Tm. Dado ao fato de Tt estar muito
próximo de 1Tm, esta carta será estudada na aula por comparação a 1Tm.
a) Introdução
A primeira carta a Timóteo faz parte das cartas pastorais por ser ela dirigida a um
responsável por uma igreja e lhe recorda os deveres enquanto pastor.
Timóteo, originário de Listra (At 16,1-3) é filho de mãe judia e pai pagão. Foi
companheiro de Paulo nas missões (At 17,14ss; 18,5; 19,22). Também encontram-se re-
ferências a este fato em 1Tm 1,2; 2,Tm 1,2; 1Cor 4,17, etc. Na presente carta Paulo re-
comenda que Timóteo permaneça em Éfeso para cuidar daquela igreja (1Tm 1,3). Era um
jovem de saúde frágil (1Tm 4,12; 5,23). Certamente tímido (1Cor 16,10).
Estrutura3
Endereço 1,1-2
I - Anúncio do evangelho 1,3-20
a) Luta contra falsos doutores 1,3-11
b) A graça de Deus 1,12-17
c) Combater o bom combate 1,18-20
Conclusão 6,2b-21
3
CARREZ e outros, p.248.
4
Condenavam o matrimônio e certos alimentos - cf. Carrez, p. 248.
4
O autor
A carta se apresenta como sendo de Paulo (1,1). Além disto, sabe-se que Timóteo
era companheiro de Paulo na missão. Persistem, porém, algumas dúvidas:
- 1Tm tem estilo bem diferente de Paulo. É lenta, difusa e monótona.
- Muitos termos não estão nas cartas sabidamente paulinas e vice-versa.
- Os conceitos teológicos também se diferenciam. Paulo quer evangelizar, 1Tm
quer cuidar do depósito da fé.
- Em Paulo percebe-se uma igreja carismática (1Cor 12-14). A estrutura está quase
ausente. Parece que Paulo se ocupou muito em semear, mas não em estruturar. Raras ve-
zes encontra-se resquícios de estrutura eclesial (Rm 16,1-2; Fl 1,1). Já em 1Tm encontra-
se uma estrutura muito viva: Bispos (3,1-7), Diáconos (3,8-13), Diaconisas 3,11), Viúvas
(5,9-15), Presbíteros (5,17-22). Além destes ainda se encontram os cargos de delegados
apostólicos (itinerantes) como Paulo (?) e Timóteo. Parece que estes eram enviados às
comunidades para permanências temporárias. Eles têm poderes para, expor a doutrina
(6,20), combater falsos doutores (1,3), exortar (2,1-10; 6,1-2), cuidar do culto (2,8-11),
responsáveis pela instituição de bispos e diáconos (3,2-7).
A tese mais em voga é que após a morte de Paulo, um discípulo seu, por volta de
70/80, valeu-se escritos do Apóstolo e lhes deu nova redação conforme as necessidades
de então, quando a igreja já está se institucionalizando. No segundo século, nos escritos
de S. Inácio de Antioquia (ano 110) já se encontra bem clara a estrutura: bispo, presbítero
e diácono.
b) Conteúdos
Dois conteúdos podem ser destacados em 1Tm: a referência aos cargos exercidos
na Igreja e o combate aos adversários.
A fase carismática da Igreja (1Cor 12-14) fora boa nas suas origens, porém, com o
passar do tempo e com o crescimento das comunidades, começam a surgir as confusões.
É preciso por ordem na casa. Os missionários ambulantes, como os Doze, Paulo, Timó-
teo, etc., já não podiam resolver tudo. Era necessário estabelecer lideranças que garantis-
sem unidade. O mesmo se reflete em At 20,17ss. 1Tm reflete este período nas comuni-
dades, provavelmente, paulinas. São citados alguns cargos:
2 - Os adversários
Conclusão
Uma nova fase se desenvolve na igreja, nos anos 70-80. É a fase da institucionali-
zação. Esta fase vem em decorrência das necessidades da época. Os apóstolos de 1º hora
estavam desaparecendo, novos missionários surgem. As idéias sobre Jesus estão criando
asas (Apócrifos). É necessário por ordem na casa. Os missionários itinerantes (aqui pro-
vavelmente um discípulo de Paulo) zelam pelas comunidades, instituindo lideranças que
levem a causa em diante. Para que os líderes locais, sedentários possam ser fiéis, faz al-
gumas recomendações que devem ser levadas em conta por Timóteo, antes de impor as
mãos. Combater os adversários é outra exigência.
Assim nasceu 1Tm nasceu em chão paulino, mas já depois da morte de Paulo,
quando a igreja está vivendo outra fase. 1Tm quer ser uma resposta para uma igreja ex-
cessivamente carismática e por isto mesmo, correndo o perigo de se desviar de Jesus his-
tórico, caindo numa religião idealista e moralista.
6
II – EPÍSTOLAS CATÓLICAS
Neste estudo, serão analisadas as cartas de Tg, 1Pd, 1Jo, Jd. As cartas de 2 e 3 Jo
são apenas bilhetes. A 2º carta de S. Pedro será deixada para o estudo do aluno. Havendo
tempo suficiente, será analisada em aula.
Introdução
Quem
Há certo consenso de que seria Tiago, o irmão de Jesus (Mc 6,3), o mesmo judai-
zante de At 12,17; 15,13-21; 21,18; Gl 2,12). Flávio Josefo atesta que este Tiago foi mar-
tirizado em 62. Talvez fosse um cristão desconhecido que atribuiu suas exortações a Tia-
go, bispo de Jerusalém, e tenha refletido assuntos próximos aos ensinamentos dele. Su-
postamente um judeu-cristão que não fez um processo de conversão como Paulo. Usou a
LXX, isto indicaria para um judeu da diáspora.
O Que
A carta vem escrita em estilo sapiencial do AT (cultura semita - versão dos LXX).
Há grande parentesco com o Sirácida (Eclo). Nenhuma semelhança com as teologias de
7
Paulo e pouca com os outros escritos do NT. O mistério da Paixão, Morte e Ressurreição
não é mencionado. Porém, percebe-se, em Tiago, uma certa semelhança com Mateus.
Obedece ao gênero das parêneses e se baseia nas palavras de Jesus (os 8`(4"Logia).
Principalmente nas Bem-aventuranças. Tiago teria usado uma tradição que também foi
usada por Mt. Seria então a tradição de Jerusalém, onde Tiago era bispo.
Comparar
Para quem
Quando
Não é possível fixar data. Mas se pode supor que seja do final do 1º século, 80. É
mais nova que os escritos paulinos. Parece que nesta época Tiago já estava morto. A carta
só entrou definitivamente no cânon geral, no século IV, porém, em muitas igrejas ela já é
aceita desde o princípio.
Por que
Como
Tg usa um grego elegante baseado na versão da LXX, porém marcado com semi-
tismos. Existe bastante proximidade com o Sirácida (Eclo). Enfim, segue a sabedoria ju-
daica. Menciona Jesus apenas duas vezes (1,1 e 2,1).
8
Estrutura
É difícil estabelecer uma estrutura de Tiago, pois parece uma coleção de exorta-
ções agrupadas. Amphoux5 propõem a seguinte estrutura:
2 - A fé
a) v.1-13 a importância decisiva da fé na vida da comunidade.
b) v.14-26 fé e obras
3 - Fé e obras (3,1-4,10)
a) 3,1-12 não abusar da palavra
b) 3,13-18 verdadeira sabedoria não ensina por palavras mas por conduta.
c) 4,1-10 as guerras são fruto da sabedoria do mundo.
De acordo com a leitura sociológica que se fará em seguida, tentar-se-á, aqui, uma
estrutura própria:
5
CARREZ, M. e outros. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo:
Paulinas, 1987. p.294-297.
9
LEITURA SOCIOLÓGICA
1 - O lado social
No cap. 2 surge claramente o problema dos ricos. Este problema se estende até o
cap. 5, onde novamente se volta falar aos pobres.
Os ricos querem privilégios até nas assembléias (2,1ss). Eles oprimem o pobre
(2,7), ele não têm piedade (2,13). Os ricos vivem uma religião sem compromisso
(2,14ss). Não dão comida ao pobre (2,16).
Os ricos se fazem passar por mestres (3,1ss), mas não controlam a língua, isto é, a
boca diz uma coisa e a prática é outra. Os ricos cobiçam, rivalizam, prejudicam a verdade
(3,14ss). Suas ambições são a causa das confusões e conflitos (4,1-4). Eles são arrogantes
(4,13-17). Exploram e roubam o pobre (5,1-6).
Em Tg 5,7 volta-se a falar aos pobres. Os pobres devem ter paciência, devem re-
sistir (5,7-11), devem recorrer à oração (5,13ss), devem recorrer à comunidade.
2 - As Classes
Os ricos recebem repreensão desde o cap. 2 até o cap. 5. Eles não devem separar fé
e vida, eles não devem ser arrogantes, eles não devem explorar.
3 - O lado político
Os ricos oprimem (2,6-7). Eles difamam o “Nome”. Eles não têm piedade (2,13).
Cobiçam (3,14), criam conflitos (4,1-4), Querem ser mestres (3,1). Exploram (5,1-6).
Tg propõe alternativa ao poder dos ricos que se baseia na cobiça e no roubo. A al-
ternativa é: a paciência (5,7ss), a comunidade (5,13-20).
10
4 - Lado ideológico
5 - O conflito
6 - Teologia
Diante deste quadro, não se deve ficar a ver rastros de cobras e laje de pedra. A
carta de Tiago não é um tratado de Teologia, mas uma carta com zelo pastoral, ou seja,
ela não quer ensinar teologia, mas apenas resolver problemas concretos que afligem a
comunidade. Daí que, o tema da fé sem obras (2,14ss) não pode ser contraposto ao mes-
mo tema de Paulo (Rm 4; Gl 3). Pois, enquanto Paulo se debate com judaizantes que ig-
noram a novidade de Jesus e por isto trazem um conflito teológico, Tiago se debate com
um problema social: ricos e pobres. O assunto não é teológico, mas pastoral.
Em síntese: Tg quer um comunidade de irmãos. Tudo o mais são meios para con-
seguir tal objetivo.
11
2.2 – A 1º CARTA DE PEDRO
Introdução
Quem
O autor se apresenta como “Pedro, apóstolo” (1,1) e como o “ancião” (5,1). Ainda
nos diz que escreveu por meio de Silvano (5,12), na companhia de Marcos. A Tradição
atribuiu esta carta a Pedro desde Clemente, Irineu, Tertuliano. Papias diz que há estreita
relação entre Pedro e Marcos (At 12,12).
Para quem
"Aos eleitos que vivem como estrangeiros na dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bití-
nia" (1Pd 1,1).
O termo "dispersão" significa judeus fora do seu país, mas pode, por analogia, sig-
nificar judeu-cristãos ou simplesmente os cristãos dispersos no mundo (2,11).
Quando
Alguns autores julgam ser a carta de 64, neste caso seria ainda do tempo do apósto-
lo Pedro. Outros, no entanto, julgam que há reflexos da perseguição de Domiciano (anos
90). Parece que esta última data é mais provável.
12
Aonde
O autor diz que está na Babilônia (5,13). Isto seria uma referência a Roma (cf. tam-
bém Ap 17-18).
O que
Estrutura
0 - Introdução 1,1-12
1 - Primeira exortação a cristãos de origem pagã 1,13-2,10.
2 - Segunda exortação: conduta entre os pagãos 2,11-3,12.
3 - Terceira exortação: apelo à confiança diante da oposição 3,13-4,11.
4 - Quarta exortação: determinação diante a perseguição 4, 12-19.
5 - Exortações particulares 5,1-11.
6 - Conclusão 5,12-14
Assim:
Uma leitura meramente exegética não percebe o alcance sociológico destes termos,
caindo num moralismo espiritualizante, como é o caso de 1,17.
Então:
O próprio Israel é muitas vezes visto como estrangeiro residente (Dt 23,8; 1Cr
29,15). O mesmo no Sl 38,12 e 11,19. Um texto bem ilustrativo da situação dos
se encontra em Eclo 29,21-28.
14
A origem destes podem ser encontradas:
- frutos das invasões e conquistas (seqüestros).
- frutos da redução a hóspedes em suas próprias terras (os nativos viram hós-
pedes).
- migrações (migrantes viram hóspedes).
"Em 1,17 e 2,11 verifica-se a condição político-jurídica dos destinatários e estimula-se à sua acei-
6
tação na fé e obediência à vontade de Deus"
"Os destinatários, que se distinguem, entre os vizinhos, como estrangeiros residentes e forasteiros
em trânsito, devem tirar vantagens dessa condição também para destacar sua identidade religiosa
7
distinta" .
Assim 1,17 e 2,11 mostram a real situação dos destinatários de 1Pd, isto é, são es-
trangeiro e estranhos nos territórios que ocupam. No Império Romano se reduzia o povo
conquistado a peregrino em sua própria terra. Nem todos recebiam a cidadania romana
(lembrar os privilégios de Paulo).
A tudo isto soma-se o termo (1Pd 1,1). Isto lembra os judeus fora de Is-
rael. Então 1,1 se refere a cristãos que, como outrora os judeus, vivem fora da Palestina.
Em 5,13 se fala da Babilônia. Babilônia pode representar o lugar do exílio.
Estes termos são muitas vezes mal traduzidos, perdendo assim a dimensão política e
social.
Assim, temos para 1Pd 1,1 as seguintes traduções que não são boas:
6
ELLIOT, John. Um lar para quem não tem casa - Interpretação sociológica da
primeira carta de Pedro. São Paulo: Ed. Paulinas. 1985. p.39.
7
ELLIOT, John. op.cit. p.40.
15
"aos eleitos estrangeiros peregrinos (breve estadia, forasteiros) na dispersão" (au-
tor).
Se olharmos as traduções comuns, conclui-se que o texto quer ser uma mensagem
teológica para peregrinos neste mundo que esperam sua verdadeira pátria no céu. Os fiéis
seriam estranhos no mundo porque seu destino é o céu. Assim desaparece a dimensão polí-
tica e social dos termos, tudo seria meramente espiritual. Porém, ao que parece, o texto
aponta para uma situação de conflito, própria a estranhos residentes e forasteiros que se
vêem limitados em seus direitos. O conflito não é céu e terra, mas social, ou seja:
8
"A comunidade cristã marginalizada e em tesão com seus vizinhos sociais" .
Mesmo que a carta fale do céu, ela transpira conflitos da terra. 1Pd 2,11-12 e 4,1-6
mostram a vida dos estranhos e forasteiros entre os não-crentes, logo, não se trata de pere-
grinação aqui na terra, mas de peregrinação em terra estranha.
4 - Recapitulação
8
ELLIOT, John. op. cit. p.48.
9
ELLIOT, John. op. cit. p.53.
16
Isto não significa apenas deslocação geográfica, mas também limitações políticas,
legais, sociais e religiosas. Podem ser agricultores ou citadinos. Possuíam estatutos jurídi-
cos inferiores à cidadania plena: agricultores, artesãos, operários, comerciantes, etc.
"O foco central de 1Pd volta-se para a interação dos cristãos e da sociedade, os contrastes e confli-
10
tos sociais que vieram a criar um estado de crise para o movimento cristão na Ásia Menor" .
"A primeira carta de Pedro está endereçada aos estranhos/estrangeiros residentes e aos forasteiros
em trânsito que, a partir de sua conversão ao cristianismo, ainda se sentem estranhos e sem lugar
11
no seu meio" .
1 - Localização geográfica
Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1,1) são regiões da Anatólia que caíram
no domínio romano em 133/31 a.C. A área tinha uma população de 8.500.000 habitantes.
É uma região de diversidade de terras, povos e culturas.
O processo de romanização deve ter usado de cautela, não impondo pura e sim-
plesmente sua religião (culto ao imperador). Parece que os problemas de 1Pd não são os
mesmo do Apocalipse (culto ao imperador). 1Pd 5,9 fala de um conflito social por todo o
mundo. Fruto das condições sociais, mas parece não ser confronto com Roma. Este confli-
to (1Pd 5,9 reflete situação rural, já que nas cidades a romanização apagava o conflito.
Pode-se, então supor que 1Pd se destina a cristãos da roça que estão num tribalismo
decadente. Os paroikoi poderiam ser fazendeiros tribais vivendo em vilas, cujas terras iam
se anexando a centros maiores (cidades). Neste caso eles viravam estranhos residentes em
suas próprias terras.
Certamente havia cristãos entre todos os grupos, mas parece que predominavam en-
tre os agricultores:
A região pressupõe uma vasta ação missionária. Paulo esteve na Galácia e na Ásia,
mas não no Ponto e na Capadócia. Estas duas cidades são nomeadas em At 2,9-11. Poderi-
am ter sido evangelizados por judeus peregrinos de Jerusalém (At 2,9-11). Se assim for, a
carta deveria ser no mínimo trinta anos após o Pentecostes.
Pedro se distancia das cartas e da ação Paulina. Paulo se move no mundo urbano.
Pedro vai além das fronteiras paulinas, para o mundo rural. Portanto, os problemas encon-
trados por 1Pd são outros que os de At, Ap e Paulo.
Os problemas de 1Pd são tensões sociais locais entre nativos e estranhos, desloca-
dos e marginalizados socialmente no seu meio. Os problemas decorrem da urbanização, da
desapropriação e não do culto imposto por Roma.
2 - Constituição étnica
É difícil saber com exatidão como era a vida destes cristãos. Tendo por base o texto,
os paroikoi eram diferentes do comum do povo. Estas diferenças traziam desvantagens po-
líticas, legais e econômicas. Constituíam classe intermediária entre nativos e estrangeiros
(. Sendo a maioria agricultores, constituíam a espinha dorsal da economia do impé-
rio. Produziam o que as cidades consumiam.
Não votavam nas assembléias, não possuíam terras, não podiam casar com mem-
bros de outras classes, eram forçados ao serviço militar, tinham liberdade religiosa, não
podiam ser sacerdotes das religiões oficiais, eram responsáveis por pesados tributos e ta-
xas.
"Somente os cidadãos gozavam de plenos direitos civis, ao passo que os estranhos residentes (...)
eram considerados como nascidos no estrangeiro, ainda que de fato nascidos na cidade e lá tives-
12
sem crescido" .
12
Op. cit. p.68.
18
- ter procedimento exemplar 2,12;
- respeitar as autoridades 2,13s;
- ser servos obedientes 2,18.
São mencionados:
- homens livres 2,16;
- mulheres de homens não-cristãos 3,1-6;
- maridos de mulheres não-cristãs 3,7;
- presbíteros 5,1-4;
- neoconvertidos 5,5.
A advertência às esposas sobre os adornos (3,3) pode indicar que havia algumas de
certa posição social. A exortação aos escravos (2,18-20) lembra que em geral eram de
classe pobre.
Características de seita:
a) emerge de um protesto;
b) rejeita a visão da realidade estabelecida;
c) é igualitária;
d) oferece aos adeptos aceitação e amor na comunidade;
e) organização voluntária;
f) prescreve comportamento rígido;
h) é adventista, espera fim iminente;
i) isola seus fiéis do resto da comunidade.
Este seria o chão de 1Pd. Numa sociedade onde estranhos/estrangeiros estão deslo-
cados, surge o cristianismo como perspectiva comum de salvação numa fraternidade de
amor. O cristianismo não é apenas um fenômeno religioso, mas também social. O cristia-
nismo representava lugar onde se sentiam em casa os muitos deslocados sem casa e sem
pátria. Tratava-se de sociedade alternativa e auto-suficiente onde os deslocados podiam
conservar seus valores diferentes da sociedade. As pessoas enxotadas na sociedade se sen-
tiam atraídos pelo cristianismo. Nele achavam força para superar tensões.
Assim, 1Pd não quer mudar as estruturas da sociedade, mas sim, o coração e a
consciência (2,19-20; 3,3-4.15-16.21). No entanto, esta nova comunidade representava um
protesto social. Este aspecto provocava reações na sociedade. O sectarismo provocava re-
púdio de ambas as partes.
"Os conflitos e sofrimentos dos destinatários de 1Pd podem, em outros termos, considerar-se como
13
fator concomitante de sua organização nos moldes de uma seita religiosa" .
O motivo de 1Pd foi a interação dos cristãos sectários com os demais grupos (não-
cristãos). O cristianismo havia se espalhado nas cidades e zonas rurais de algumas provín-
cias da Ásia Menor. A proposta de salvação tornou-se atraente, principalmente aos deslo-
cados (estranhos/estrangeiros) que necessitavam de segurança social e econômica. Expres-
savam-se de forma judaica. Como os judeus, tinham fronteiras bem traçadas entre os
membros e os de fora. Eram alheios aos acontecem-tos da vida civil e social. Desta, forma,
os de fora olhavam estranhamente para os cristãos e estes se auto-excluíam. Os cristãos se
faziam estranhos social e religiosamente.
Estranhos sempre são, ou parecem ser, perigo para a ordem pública. Isto terá des-
pertado suspeição diante de pessoas que desconhecem a realidade. Ainda mais, seu líder
foi crucificado como rebelde e em Roma os cristãos eram acusados de incendiar a cidade.
Tudo isto deixava os cristãos suspeitos. Isto lhes trazia inúmeros sofrimentos.
Principais reações:
13
Op. cit. p.79.
20
- Suspeita 2,12;4,14-16
- Hostilidade 3,13-14.16
Os de fora não conheciam a vida dos cristãos, tudo era mistério. Isto se tornava mo-
tivo de desprezo.
Havia suspeitas:
- falta de lealdade civil 2,13-17
- desleais aos senhores 2,18-20
- desleais aos esposos pagãos 3,1-6
- desleais às esposas pagãs 3,7
- líderes desleais ao povo 5,2
Os antigos amigos estranhavam o rompimento de laços dos cristãos (4,4) Assim de-
nunciavam os cristãos e seu Deus (4,14). Os cristãos, diante deste quadro sentiam medo e
tristeza. Por isto, 1Pd quer encorajar estes cristãos estranhos, sofredores.
Conclusão: 1Pd não reflete perseguição oficial, mas popular. É comum em todo o
NT se falar de tal perseguição (At 28,22). 1Pd quer confirmar e consolidar este grupo.
6 - Data de 1Pd
1Pd pode ser situada entre os anos 69-92 d.C., mais especificamente no período fla-
viano. Nesta época, devido à Guerra Judaica (66-70), os cristãos se espalham e se distin-
guem claramente dos judeus (Jâmnia - 90).
Muitos apóstolos já não vivem: Tiago Zebedeu morreu no ano 44 (At l2,1s); Tiago,
o irmão do Senhor, no ano 62 (cf. Flávio Josefo); Pedro e Paulo, supostamente no ano de
67.
1Pd, como Tiago e Hebreus encoraja os cristãos, mas não lembra a perseguição vio-
lenta do Apocalipse (anos 95). Portanto, a tribulação de 1Pd não é de Domiciano (1Pd
2,13-14.17), isto é, o documento é mais antigo que o Apocalipse.
"A carta consolava e encorajava os cristãos que sofriam nos confins do mundo político e social da
14
Ásia Menor" .
14
Op. cit. p.40/41.
21
O autor reagiu frente aos problemas da tensão social soabre a seita cristã. Confir-
mava seus membros, incentivava a sua identidade singular, bem como a disciplina e coe-
são interna. Assim, o conflito entre cristãos e gentios se tornava benéfico para a seita.
"O conflito iluminava fronteiras grupais e confirmava as diferenças, causava também coesão inter-
15
na cristã" .
Assim se tornavam missionários diante dos de fora. 1Pd parece não querer superar o
problema dos paroikoi, mas quer manter a distinção dos demais como pré-requisito para a
eficácia do testemunho missionários16. Todo fechamento, distinção, comportamento obedi-
ente serviria como zelo missionário.
Geralmente, nos estudos bíblicos, oikos só é visto como conceito teológico, esque-
cendo-se sua função social. Em 1Pd encontram-se diversos termos derivados:
Então, em 1Pd tem sentido de casa ou família, às vezes comunidade social,
política e religiosa. Ou ainda:
17
"Os fiéis como bons ecônomos da multiforme graça de Deus" .
15
Op. cit. p.l4l.
16
Não se pode esperar que 1Pd quisesse resolver os problemas sociais estrutu-
rais, pois os cristãos eram uma minoria, quase insignificante.
17
Op. cit. p.149.
22
1 - Destinatários de 1Pd como casa de Deus
b - Muitos termos que no NT são usados, em 1Pd adquirem novo sentido, ligado à
casa:
- maridos amar as esposas Cl 3,22; Ef 5,25
- maridos amar as esposas = conviver
a - Na história secular:
- unidade social primária e modelo da vida comunitária.
23
"Para os incontáveis estrangeiros e forasteiros deslocados e expatriados desse período, a pertença a
um , fosse uma comunidade de conterrâneos da pátria de origem ou de companheiros de
imigração, companheiros de comércio ou de religião, significava a possibilidade de ao menos um
18
nível mínimo de segurança social e sentimento de aceitação" .
b - No AT:
No AT, ou Bait são sinônimos de Povo de Deus: Casa de Israel.
c - No NT:
Muitas vezes é ponto focal do movimento cristão. O movimento cristão re-
sulta da conversão de famílias, por isto, no a Igreja nascente encontra sua base de
sustentação. Pelas conversões velhas famílias se desfaziam e novas se construíam.
Se tem papel tão importante na simbologia de 1Pd, isto significa que o termo
possuía seu papel e função no ambiente cultural da carta. A família foi uma forma de orga-
nização cristã nas origens de Roma e da Ásia Menor. Assim a organização doméstica in-
fluenciou a linguagem da comunidade.
Este sofrimento era dano irreparável ao espírito missionário. Para sobreviver era ne-
cessário: reafirmar a identidade comunitária, reforçar a coesão grupal, mostrar a compati-
bilidade entre a situação concreta e sua esperança e eleição divina.
Em síntese, esta é a perspectiva de 1Pd: Quer ser uma carta fraterna de encoraja-
mento e parênese, conforto e confirmação (5,12). Para afirmar a identidade, se chama a
comunidade de casa/família de Deus.
"Para os paroikoi cristãos - diminuídos, despossuídos e dispersos no seio de uma sociedade estra-
nha e alheia - a sua identificação com a casa eleita e santa de Deus constituía meio particularmente
eficaz de se afirmar sua identidade comunitária peculiar e distintiva e sua integridade sociorreligio-
19
sa" .
18
Op. cit. p.206.
19
Op. cit. p.211.
24
Assim, era ideologia que fazia levantar qualquer cabeça deprimida.
Existem, em 1Pd, outros termos coletivos para designar a comunidade cristã: gera-
ção eleita, casa do rei, corporação de sacerdotes, nação santa, povo de Deus (1Pd 2,9-10).
O fato de serem povo de Deus (2,9-10) é a força para romperem com as antigas formas de
vida pagã (1,14.18; 2,11; 4,3).
Enfim, em tudo o cristão deve-se comportar como Cristo. Isto é ser casa/família de
Deus. Pela casa/família estão unidos a Jesus. O centro desta associação está em
- Jesus, pedra viva 2,6-8.
- Comunidade messiânica: pedra viva, casa onde o espírito habita (2,9-10).
Já que os fiéis são a casa de Deus, devem viver como Por isto a
obediência a Deus vem em moldes domésticos: servos/escravos domésticos (2,18ss;
3,1ss.8; 4,9). Toados devem servir como administradores da graça de Deus (4,10). Assim,
casa/família são o tema de integração literária e teológica.
3 - Conclusão
A Igreja casa/família torna-se assim a proteção de estranhos mal aceitos numa soci-
edade hostil.
20
"Somente nesta família é que os outros rejeitados tornavam-se o povo eleito e os privilegiados de Deus" .
Aqui os paroikoi podem sonhar. Por isto, também, a carta assume um caráter de de-
veres domésticos (2,18ss). Tudo gira ao redor da casa e visa fomentar a solidariedade in-
terna da seita.
20
Op.cit. p.214.
25
"Em 1Pd, o código é nitidamente um código doméstico, usado para elaborar os papéis, relaciona-
21
mentos e responsabilidades do pessoal que integrava a casa de Deus" .
Sua ética não é mera conformação ao Estado (2,13ss), mas quer manter a casa, ou
seja, a coesão interna da seita contra os de fora. Todas as pessoas devem respeitar o rei. Os
cristãos o fazem por causa de Cristo (2,13).
"Respeitai a todas as pessoas, amai vossos irmãos, temei a Deus e tributai honra ao rei" (2,17).
Não se deve pensar que os cristãos são estranhos e peregrinos neste mundo e que
terão pátria definitiva no céu, mas sim, que são estranhos na Ásia Menor e que terão uma
casa aqui e agora no seio da comunidade.
21
Op. cit. p.215.
26
Introdução
O que
Judas é uma Carta-exortação contra falsos mestres que surgiram negando Jesus, o
Senhor e disfarçando a graça de Deus (v.4-5). A carta quer defender a fé tradicional (1,3-
4). Adverte para os castigos, apelando para a história de Israel, inclusive recorre a textos
apócrifos:
- v.5 no Êxodo Deus fez perecer os incrédulos (Nm 14,35).
- v.6 os anjos maus (Gn 6,1-2 e também Ap. de Enoc).
- v.7 Sodoma e Gomorra (Gn 19 e também o Testamento de Neftali).
- v.11 Caim (Gn 4), Balaão (Nm 22-24), Coré (Nm 16).
Contra os abusos dos falsos mestres, o autor lembra a autoridade ou a pregação dos
apóstolos de Jesus (v.17-19). Neles repousa a autoridade para refutar quem incorreu em
erros.
Para que
"São, por conseguinte, representantes de uma tendência gnóstica que sustenta e afirma uma exis-
22
tência verdadeiramente pneumática de maneira alguma é afetada pelo que a carne faz" .
Judas escreve sua carta para repreender e ameaçar estes falsos mestres (5-7.12-
13.15) e exorta os fiéis a permanecer na fé confiada aos santos (3) e usa argumentos dos
apóstolos para dar autoridade (17-19).
22
KÜMMEL, Werner. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas.
1982. p.560.
27
Para quem
"Aos que são chamados, que são amados por Deus Pai e guardados para Jesus Cris-
to" (1).
Quem
"Judas, servo de Jesus Cristo, irmão de Tiago" (1). Certamente trata-se de Tiago
Maior, o irmão do Senhor, pois o menor já estava morto (At 12,1-2). Encontram-se refe-
rências ao Tiago em Tg 1,1; Gl 1,19; 1Cor 15,7).
Judas é citado junto com Tiago, nos evangelhos, como o irmão do Senhor (Mc 6,3;
Mt 13,55). Mas não se sabe se é o mesmo que o apóstolo Judas (Lc 6,16; At 1,13) que é
chamado Judas, filho de Tiago.
É difícil provar que o autor seja este mesmo Judas, o apóstolo, ou o irmão de Jesus.
É mais fácil admitir que o autor seja um cristão-judeu que se baseia nos escritos apocalíp-
ticos do judaísmo: Ascensão de Moisés (9), Apocalipse de Enoc (14), Lendas Judaicas
(9.11). Tem-se a impressão que não seja o apóstolo, pois fala dos apóstolos como um gru-
po ao qual ele não pertence (17).
A maneira bela de escrever e as referências aos livros apocalípticos certamente não são
atributos de uma galileu como Judas, o apóstolo.
Quando
A carta pertence à era tardia do NT, isto é, fim do primeiro século ou início do se-
gundo. Judas usa Tiago e por sua vez é usado por 2Pd. Já no segundo século a epístola está
no cânon, mas é contestado por alguns autores (Orígenes, Eusébio e Jerônimo), pelo fato
de recorrer a textos apócrifos. Sua canonicidade definitiva e geral acontece a partir do sé-
culo IV.
Onde
O texto simplesmente não deixa nenhuma pista.
28
Plano da Epístola23
1-2 Endereço-saudação
3-4 Finalidade da carta: exortar os destinatários a combate-
rem pela fé, porque homens perigosos
para a comunidade começaram a causar
prejuízos.
5-23 Argumentação:
5-7 Desejo trazer-vos 3 exemplos de cas-
tigo tirados do antigo Testamento:
o povo durante o êxodo,
os anjos
Sodoma e Gomorra.
8-16 Essas pessoas agem do mesmo modo, lo
go, são passíveis dos mesmos casti-gos.
17-23 Exortação: "Vós, porém, amados...",
lembrai-vos das palavras de vossos apóstolos... Vivei
na fé, no amor e na esperança...
24-25 Doxologia final.
Pontos a ponderar
Sobre 2Pd 2,4, que trata do mesmo assunto, a nota v da TEB diz:
"No judaísmo posterior, em volta de Gn 6,1-4 tinham-se desenvolvido especulações sobre o pecado
dos anjos - os filhos de Deus - e sobre seu castigo (livro de Enoc, cc. 19 e 21).
"Trata-se de vícios contra a natureza, praticados pelos habitantes de Sodoma e Gomorra. Segundo
Gn 19,1-25 eles quiseram abusar de anjos que tomaram por seres humanos.
O v.9 "Miguel e satanás". Esta lenda é encontrada em Zc 3,2; Dn 10,13 e era rela-
tada nos apocalipses judaicos, principalmente na Assunção de Moisés.
23
CARREZ, Maurice et. al. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Pau-
lo: Ed. Paulinas, 1987. p.306.
29
O v.10 "O que sabem de maneira instintiva". Conhecer gnóstico. Falta o espírito
(cf. Jd 19).
O v.14 "Enoc, o sétimo depois de Adão". Cf Gn 5,3-18. Este relato é retomado pe-
lo Apocalipse de Enoc 60,8.
9 - Conclusão
A Epístola combate falsos mestres de tendência gnóstica e que são libertinos. Eles
criam divisão na comunidade devido à sua maneira arrogante e mundana de viver. Pres-
cindem da graça de Deus e de Jesus. Querem ser mais que os seres celeste.
"O autor apresenta um retrato dos falsos mestres, que se dizem cristãos, mas negam o valor salvífi-
co dos atos de Jesus. Por amor ao dinheiro, eles falseiam os grandes princípios do Evangelho, ma-
nipulando a fé dos ouvintes; para eles, a salvação está no conhecimento ou "gnose", que não tem
24
ligação nenhuma com a vida prática" .
24
BÍBLIA SAGRADA, Ed. Pastoral, nota a 2Pd 2.
30
2.4 – A PRIMEIRA EPÍSTOLA DE S. JOÃO
Introdução
Quem
O autor nunca se identifica. Percebe-se que é alguém com preocupação de corrigir
erros cristológicos nas comunidades. Ele combate grupos heréticos (2,18; 4,1-6). Um
grupo de dissidentes que saiu da comunidade (2,19) e continua a conflituar.
Seria ele o mesmo João que escreveu a 2ª e 3ª Carta de João, bem como o 4º
Evangelho e o apocalipse? 1Jo, 2Jo e 3Jo provavelmente são do mesmo autor, mas este
certamente não é o mesmo do Evangelho e do Apocalipse. No entanto, há consenso de
que todos os escritos joaninos venham do mesmo grupo, ou seja, as epístolas vêm da es-
cola joanina, pois há consideráveis semelhanças no estilo e na teologia. A tese mais acei-
ta é que um grupo de escribas joaninos escreveu as três cartas. Da escola joanina saiu o
Evangelho e também as epístolas.
Na 2ª e 3ª Carta, o autor se apresenta como o Presbítero (2Jo 1 e 3Jo 1). No fim do
1º século havia presbíteros na Igreja (At 14,23; 20,17-30). Mas parece que o presbítero
aqui tem autoridade especial quando ataca os separatistas e interfere em comunidades
alheias. Parece um bispo, mas nas comunidades joaninas não se tem resquício de estrutu-
ra episcopal. Papias e Irineu chamam de presbíteros a geração de instrutores que conhe-
ceu os apóstolos. Isto significaria que o autor fosse um discípulo da escola joanina.
Por que
Alguém interpretou erroneamente o 4º Evangelho, ou seja, a alta cristologia, a
pneumatologia, a ética e a escatologia. Este grupo divide Jesus, negando-lhe a carne (4,2-
3), não guarda os mandamentos (1,6-8; 2,4). 1Jo quer corrigir erros de interpretação, por
isto ressalta o outro lado da moeda. O 4º Evangelho trata dos de fora: os judeus; 1Jo trata
dos de dentro: hereges (2,19).
O que
1Jo é uma releitura do 4º Evangelho, com vistas de corrigir erros. Interpretando o
Evangelho de forma diferente, o grupo está dividindo a comunidade. São separatistas. 1Jo
exorta os fiéis contra os erros dos separatistas, por ser ele representante da longa tradição
joanina (1,1-2). Ele reinterpreta o 4º Evangelho diante dos abusos dos separatistas.
Quando?
Percebendo-se em 1Jo uma releitura do Evangelho e, supondo-se ser este dos anos
90, as epístolas podem ser aproximadamente do ano 100.
ÁREAS DE DEBATE
1 - Cristologia
Há uma clara insistência em dizer que Jesus é o Cristo (Messias, Filho de Deus).
Isto combate idéias contrárias (2,22-23).
Por que a epístola deve afirmar tal coisa, pois o Evangelho (20,31) já o fizera? Há
uma perspectiva diferente: O Evangelho descreve o Jesus histórico e o identifica com o
Filho de Deus preexistente. A Carta está num contexto onde não se conhece Jesus pesso-
almente, mas se conhece bem seus títulos messiânicos: Cristo, Filho de Deus, etc. Parte-
se então dos títulos e quer-se aplicá-los ao Jesus histórico.
Quem conheceu Jesus tem dificuldade de admiti-lo como Messias. Quem vive na
comunidade joanina e conhece bem os títulos messiânicos e tem dificuldade em admitir
que ele tenha vivido em Jesus (pobre e crucificado). 1Jo afirma: "Todo espírito que con-
fessa que Jesus Cristo vem na carne é de Deus" (4,2s). Isto nos mostra que os adversários
de 1Jo tanto enfatizam a divindade que esquecem a humanidade de Jesus.
"Dou a minha vida para retomá-la. Ninguém ma arrebata, mas eu a dou livremente. Tenho poder
de entregá-la e poder de retomá-la" (Jo 10,17-18).
Nos sinóticos e Hb Jesus é vítima (Mc 14,35; Hb 5,8). Em Jo 18,6 os soldados ca-
em por terra. Jesus é superior a Pilatos (Jo 19,8-11). Até na cruz ele supera o relato de
Mc. Declara tudo consumado (Jo 19,30). Em Mc 15,34 clama pelo Pai que o abandonou.
Os separatistas viam nestes relatos apenas referências à vida de Jesus, mas o que
importava era sua divindade.
Jesus salva pela água (batismo = quem é Jesus cf. Mc 1,11) e pelo sangue (morte =
quem é Jesus cf. Mc 15,39). A salvação envolve batismo e morte.
2 - Ética
"Se dissermos que estamos em comunhão com ele e andamos nas trevas, mentimos e não prati-
camos a verdade" (1,6).
"Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós"
(1,8).
"Se dissermos que não pecamos fazemo-lo mentiroso e sua palavra não está em nós" (1,10).
"Aquele que diz: ´Eu o conheço`, mas não guarda os seus mandamentos é mentiroso" (2,4).
"Aquele que diz que está na luz, mas odeia seu irmão, ainda está nas trevas até agora" (2,9).
"Se alguém disser: ´Amo a Deus`, mas odeia seu irmão, é um mentiroso" (4,20).
"Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele" (Jo 6,56).
"Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida" (Jo 8,12).
"Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto" (Jo 15,5).
"Eu lhes dei a conhecer o teu nome e lhes darei ainda mais a fim de que o amor com que me
amaste esteja neles e eu neles" (Jo 17,26).
Em 1Jo 1,8.10 o autor acusa aqueles que pretendem estar sem pecado (cf. exposto
acima). Tais afirmações concordam com o 4º Evangelho. Jesus chama de culpados de
pecado (Jo 15,22) e escravos do pecado (Jo 8,31ss) aos não crentes. Nesta concepção, o
crente é livre do pecado.
"E sabemos que o conhecemos se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz: ´Eu o co-
nheço`, mas não guarda os seus mandamentos é mentiroso" (1Jo 2,3-4).
"Porque guardamos seus mandamentos" (1Jo 3,22).
"Aquele que guarda seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele" (1Jo 3,24).
"Quando amamos a Deus e guardamos seus mandamentos. Pois este é o amor de Deus: observar
os seus mandamentos" (1Jo 5,2-3).
Diante disto, pode supor, serem os separatistas libertinos? 1Jo não fala de vícios, a
não ser em 2,15-17. Mas chama os adversários de falsos profetas (4,1). Não se pode afir-
mar que eles erram libertinos. Mais provável é que eles não ligavam para o comporta-
mento, ou seja, assim como não ligavam para a vida histórica de Jesus, também não atri-
buíam valor salvador à vida moral do cristão. Consideravam-se fora do mundo (Jo 15,19;
17,16).
"Se a vida eterna consiste em conhecer a Deus, e aquele que ele enviou (17,3), pode-se afirmar
25
que se tem intimidade com Deus, independentemente do que se faz no mundo" .
25
BROWN, Raymond Edward. A comunidade do discípulo amado. São Paulo: Ed. Pau-
linas, 1983, p.134.
35
Jo não menciona os grandes vícios como os sinóticos. O grande pecado é não crer.
Tal cristologia teria levado os separatistas a menosprezar os mandamentos. O autor ad-
verte que o cristão deve andar como Jesus andou (1Jo 2,6; 3,3.7).
O autor de 1Jo também reduz todos os mandamentos ao amor (3,22-24; 5,21; 5,3).
Quando ataca os separatistas, o faz em relação à falta de amor (2,9-11; 3,11-18; 4,20).
Então, será corre-to supor que os separatistas não amavam? É possível que não dessem
muita importância a este mandamento, mas cabe uma observação:
- certamente amavam, mas somente os de dentro. O próprio 1Jo também só consi-
dera irmãos os que estão em comunhão com ele.
- a falta de amor, de que são acusados, é o rompimento com a comunidade. A
mesma acusação poderia ser feita pelos separatistas ao autor e sua comunidade. A aspere-
za com que o autor trata seus adversários seria prova de ódio. Isto mostra como o Escrito
do NT que mais insiste no amor (4,20), é também a voz que mais condena os adversários,
chamando-os de demônios, anticristos, falsos profetas (2,18.22; 3,4-5; 4,1-6). O amor do
autor só se estende aos de dentro da comunidade e se nega aos de fora, isto é, aos apósta-
tas. Deve-se rezar pelos que pecam, mas somente se for pecado que não leva à morte
(5,15-17). O pecado da apostasia não merece amor.
Nisto há uma grande diferença com Mt 5,44 que pede oração pelos inimigos. Jo
13,34-35 e Jo 15,12-17 parece ser amor aos que são discípulos, não aos de fora. Até Jesus
se recusa a rezar pelo mundo (Jo 17,9).
3 - Escatologia
Com base nestas e em outras citações os separatistas tiravam suas conclusões: toda
a salvação já está consumada pelo Verbo. Por isto os cristãos não têm com que se preo-
cupar neste mundo. Jesus cuidou de tudo. O autor também concorda com tal escatologia
(1,7; 2,9-10. 13-14). Mas não quer que tal escatologia reforce a posição alienada dos se-
paratistas.
36
a - Requer compromisso:
"Mas se andamos na luz... então estamos em comunhão..." (1Jo 1,7).
"Mas o que guarda sua Palavra, nele o amor de Deus é verdadeiramente perfeito" (1Jo 2,5).
4 - Pneumatologia
Ao que parece, na Igreja Joanina não havia estrutura apostólica. Então poderia ha-
ver nela papéis de profetas e doutores com em 1Cor 12,28 e At 13,1. Porém, não há cer-
teza sobre isto. Pode-se supor que entre os separatistas alguns se arvoravam tais títulos e
que diziam falar pelo Espírito Santo. Pode-se deduzir isto das acusações do autor:
Ao que parece, na Igreja Joanina não havia estrutura apostólica. Então poderia ha-
ver nela papéis de profetas e doutores com em 1Cor 12,28 e At 13,1. Porém, não há cer-
teza sobre isto. Pode-se supor que entre os separatistas alguns se arvoravam tais títulos e
que diziam falar pelo Espírito Santo. Pode-se deduzir isto das acusações do autor:
Os separatistas encontram apoio no Evangelho de João para suas teses. João fala
muito no Paráclito:
"O Pai vos dará um outro Paráclito que permanecerá convosco para sempre" (Jo l4,l7).
"O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas" (Jo
14,26).
"Quando vier o Espírito de verdade, ele vos conduzirá à verdade plena" (Jo 16,13).
b - Não usa de autoridade apostólica para corrigir. Uma vez que o Paráclito era o
Mestre, o autor tem dificuldades em corrigir. Ele apela para a orientação íntima dos cris-
tãos:
37
"Quanto a vós, tendes uma unção que vem do Santo, e todos tendes conhecimento" (1Jo 2,20).
"Não tendes precisão de que alguém vos ensine" (1Jo 2,27).
O autor lembra que cada cristão tem unção (Espírito) e não precisa dos mestres se-
paratistas. Assim não se autodenomina "Mestre". Assim, os separatistas estão errados
porque romperam a comunhão com os crentes (1Jo 2,19). O autor continua a tradição,
pois anuncia o Evangelho que vem deste o princípio (1Jo 1,1).
Percebe-se que o autor corrige sem muita autoridade hierárquica, as apenas moral.
"Nós vos anunciamos" (1Jo 1,3). "Nós" que permanecemos no grupo.
"Não deis crédito a qualquer espírito...O Espírito de Deus confessa Jesus vindo na carne... o Espí-
rito que divide Jesus é o espírito do Anticristo" (1Jo 4,1-3).
"Nós somos de Deus. Quem conhece a Deus nos ouve, quem não é de Deus não nos ouve" (1Jo
4,6).
Mesmo assim, sua correção deve ter sido ineficaz, pois constata que eles crescem
(1Jo 4,5).
Conclusão
Hebreus não e um texto abstrato, como muitas vezes se pensou, mas visa a uma
comunidade concreta a quem exorta (13,22). Não se pode precisar quem a escreveu, nem
quais sejam as comunidades, mas pode-se supor que o autor esteja afastado (13,19) e que
havia problemas de perseguição (13,23).
O que
Hebreus sempre foi apresentada como carta, mas não é. É antes um discurso, tra-
tado ou sermão. Mistura doutrina com parêntese (2,1-4;3,7-4,11; 4,14-16; 5,11-6,12;
10,19-39; 12,1-13,17). Pode-se perceber a seguinte estrutura:
Quem
Nos primeiros séculos da igreja Hb é vista como uma carta paulina (Orígenes),
mas não do próprio Paulo, antes de um discípulo seu (Lc?). No ocidente ela não é consi-
derada paulina até o século IV. Tertuliano a atribuiu a Barnabé. Só no século IV ela entra
definitivamente no cânon e é encarada como a 14ª carta de Paulo.
Lutero e outros reformadores duvidavam ser ela de Paulo. Trento a decretou pauli-
na. Mais tarde, ainda no século XVI, os protestantes voltaram a classificá-la de paulina.
Só em 1828, o biblista Bleek (protestante) concluiu definitivamente que ela não era pau-
lina.
39
Em 1914 a Pontifícia Comissão Bíblica decidiu que Hb deve ser incluída nas pau-
linas, ainda que talvez não fosse de Paulo. A partir de então, os biblistas católicos con-
cluem sempre mais que ela não é paulina. Bem mais tarde a Comissão deu o caso por
vencido.
Não sobram elementos, no texto, que possam definir o autor. Sabe-se, no entanto
que não foi Paulo, nem sequer um discípulo seu, uma vez que a linguagem e os conceitos
divergem bastante.
Como
A estrutura de Hb é bem diferente das cartas de Paulo. Este sempre traz uma seção
principal contendo doutrina e depois vem a parênese. Hb mistura tudo.
Hb, além da proximidade com a literatura helenista, tem parentesco com a gnose
(8,1ss;9,11.23s).
Para quem
Pensava-se ser um escrito para judeu-cristãos, pois usa muito o AT, argumenta
conceitos teológicos judaicos (Moisés, Aliança, etc.). Esta teoria cai, pois Hb não reflete
o mundo conturbado de Jerusalém que se conhece do primeiro século cristão.
Não se pode dizer claramente quem é o destinatário, mas parece que se dirige a
cristãos vindos da gentilidade (Novo Israel (6,1; 11,6).
Alguns destaques
- A comunidade tem um passado que enobrece 10,32.33.34. Por isto, não devem
perder a segurança (10,35), nem se voltar para trás (10,39).
- Acima de tudo, os cristãos devem ter o modelo de Jesus (12,2ss; 2,14-18; 4,14-
16). Ele sofreu a cruz, por isto os cristãos devem suportar
"Não há consolo maior do que saber que a causa dos leitores cansados e amedrontados está bem
26
representada junto ao coração de Deus" .
Conclusão
Para que serve Hb? Pixeley supunha ser um evangelho espiritual para as massas ur-
banas, próximo à filosofia platônica. Hb fala do imaterial que é visto como o real (8,5), o
material, como esboço do celeste. O Reino de Deus visto como imaterial (12,18-21.28).
Porém, Hb acentua bastante a dimensão histórica do processo de salvação (1,1-3; 8.12).
Isto, segundo Ragaz seria sinal de Hb ser uma carta militante, antes de ser espiritual.
Resposta às religiões
A comunidade estava cercada de uma miscelânea de crenças. Por uma lado as reli-
giões exóticas, por outro, as formais (judeus e romanos). Nenhuma respondia ao povo.
Quanto mais o formalismo das religiões oficiais se acentuava, tanto mais a busca por mis-
térios aumentava. As religiões mistéricas se tornavam o chão fecundo para as fugas do po-
vo. Nestas religiões havia manifestações das divindades no auge do culto: transe. Isto en-
cantava, mas eram deuses distantes, pois só se manifestavam ao povo em momentos espe-
ciais, no culto, fora disto, desapareciam. As religiões mistéricas tornam-se escatológicas,
26
HOFFELMANN, V. Alento para os cansados e atemorizados. in: Estudos Bíbli-
cos, n.34. Vozes, 1992. p.14.
41
ou seja, manifestam ao fiel, um pouco do além. Por um isto encanta, mas por outro, aliena
o fiel, pois, para contemplar o mundo do além, o fiel foge deste mundo, se esquece do real.
Pontos a ponderar
Concluindo
Hb insiste na historicidade de Jesus, bem como na dos heróis do AT. Isto é uma luta
aberta contra a a-historicidade dos mistéricos (11,1ss). A a-história é o veneno da história.
Hb reconta a história para neutralizar a a-história. Então, a fé no Cristo histórico estava em
jogo entre os fiéis. Hb quer resgatá-la.
A história do Deus encarnado, bem como a dos heróis históricos (11,1ss) são sinais de re-
sistência diante do a-historicismo. Deus é fiel na história, por isto mesmo, o Deus apresen-
tado em Hb é solidário com os sofrimentos (Hb 2,17ss; 4,15; 5,17). Sua história entra na
história dos sofredores. Um rebelde uniu a terra ao céu. Contando a história, Hb não en-
tende a vida como fuga do mundo. A salvação não é apenas da alma, mas realização histó-
rica da esperança escatológica.
BIBLIOGRAFIA