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CURSO DE MESTRADO
Campo Grande - MS
2021
Filipe Oliveira Breder
UMA PROPOSTA METODOLÓGICA DE CURSO DE INTERPRETAÇÃO
BÍBLICA NA PRIMEIRA BATISTA DE CAMPO GRANDE - MS
Campo Grande - MS
2021
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................4
1.1 JUSTIFICATIVA/INTERESSE..........................................................................4
2 REVISÃO DE LITERATURA................................................................................7
4 METODOLOGIA...................................................................................................8
5 CRONOGRAMA ..................................................................................................9
6 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................9
4
Introdução
Fee (2011, p.28) diz que a Bíblia é considerada palavra de Deus apresentada em
palavras humanas na história. Muito mais que um conjunto de normas prescritivas, a
Bíblia revela o drama de Deus no mundo que exige do leitor uma resposta, uma
encenação. Mas, para que o drama possa ser encenado corretamente, interpretar
corretamente a intenção do autor divino é essencial.
O interesse do presente projeto surgiu através da experiencia do pesquisador no
ministério de ensino da Primeira Batista de Campo Grande, onde notou que existia uma
grande dificuldade para que o público leigo (bíblico e teológico) conseguisse interpretar
a Bíblia como palavra de Deus para a atualidade. Como resultado, o hábito de ler a Bíblia
como palavra de Deus vêm diminuindo. Notou-se que grande parte dos membros não
possuem o hábito de ler a Bíblia diariamente e dizem que dispõem de materiais que os
ajudem a entender a Bíblia.
1.3 Hipótese
A hipótese levantada para o presente projeto é o desenvolvimento metodológico
de um curso voltado para o ensino de hermenêutica para o público em geral, com
linguagem acessível focado em como abordar os diferentes gêneros literários da bíblia.
Uma correta abordagem de como entender e interpretar a Bíblia fará toda a diferença
para que o leitor encontre na Bíblia a palavra de Deus para hoje. Consequentemente, a
leitura do texto bíblico se tornará mais acessível e constante.
Batista de Campo Grande - MS, visando o público leigo que possui pouco, ou nenhum
contato com o estudo dos gêneros literários.
2 Revisão de Literatura
1. INTRODUÇÃO
2. JUSTIFICATIVA E APRESENTAÇÃO DO CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA
3. CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA
a. AULA 1 – PRINCÍPIOS GERAIS DA INTERPRETAÇÃO
b. AULA 2 – COMO INTERPRETAR AS NARRATIVAS
c. AULA 3 – COMO INTERPRETAR AS LEIS
d. AULA 4 – COMO INTERPRETAR OS LIVROS POÉTICOS
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4 Metodologia
5 Cronograma
AÇÕE/MESES JAN FEV MAR ABRI MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Escolha do Tema X
Lev. Bibliográfico X X X X
Documentação X X X X
Elaboração do
X X X X X
Projeto
Leitura e Análise X X X X X X X X X X
Redação parte 1 a 3 X X X X X
Revisão Orientador X X X X X X X
CRONOGRAMA 2022
Qualificação (a partir) X
Redação parte 4 a 6 X X X X X
11
Revisão Orientador X X X X X X X
Redação Última parte X X X X X
Revisão Orientador X X X X X
Redação do Texto
X
Final
Revisão e Entrega X
Defesa (a partir de) X
4 Bibliografia
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2013.
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13
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2019.
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Brasil, 2021.
Curitiba
2022
FILIPE OLIVEIRA BREDER
18
Curitiba
2022
19
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus, que me resgatou e deu sua graça para pesquisar o
conteúdo deste trabalho.
20
AGRADECIMENTOS
21
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................8
1 INTRODUÇÃO
A Bíblia é palavra de Deus! Esta é uma afirmação aceita pelos cristãos que usam
as escrituras como regra de fé e prática. Contudo, como a Bíblia é a palavra de Deus em
um texto tão antigo, de uma cultura e língua completamente diferentes? Como o cristão
comum pode ouvir a voz de Deus em narrativas como a de Gênesis 34, onde os filhos de
Jacó cometem um genocídio em toda a comunidade de Siquém? Ou como ouvir a voz
de Deus nos salmos de lamento? Sim, a Bíblia é Palavra de Deus para os cristãos, mas
isso não significa que ela possa ser interpretada de qualquer forma. Há de admitir-se que
a Bíblia se trata de uma coleção de livros desafiadores de serem interpretados, mas não
impossíveis.
Esse desafio é observado na vida comum dos cristãos, que deixam de executar
uma leitura constante da Bíblia por sentirem dificuldade de entender o que Deus deseja
dizer para a vida prática. Observa-se a necessidade de ensinar aos membros da igreja
local, técnicas e métodos que ajudem na interpretação saudável do texto. O objetivo do
presente trabalho é mostrar como esse desafio foi constatado na Primeira Igreja Batista
de Campo Grande no Mato Grosso do Sul e propor um currículo para um curso de
interpretação bíblica voltado para os cristãos leigos da igreja local. A proposta é mostrar
que o estudo bíblico não deve apenas estar nos ciclos acadêmicos, mas na vida comum
da igreja.
Qual a importância do ensino bíblico e por que ele deve ser tão primordial na
igreja local? Essa é a primeira questão que precisa ser respondida. Nesta primeira parte
serão abordados os problemas e desafios da intepretação bíblica, e a justificativa para
um curso de interpretação que seja voltado para os membros leigos das escrituras
sagradas na igreja local. Além da justificativa, será apresentada a realidade da Primeira
Igreja Batista de Campo Grande, e como o curso será apresentado e aplicado.
A reforma trouxe uma grande conquista para os cristãos, de que agora todos
podem ter acesso à uma Bíblia e, através dela, ter um encontro pessoal com a Palavra
de Deus. Pode-se e deve-se concordar que o legado da Bíblia na mão de todos é
importantíssimo; todos possuem liberdade de ler e interpretar a Bíblia individualmente.
Apesar do princípio da liberdade que se refere ao ato de cada pessoa interpretar a Bíblia
por si mesma, Gusso (2002, p.1) afirma que essa liberdade em questão não pode ser
usada para analisar e abstrair dela a perspectiva que mais agrade. A Bíblia não pode ser
usada para apropriação de interesses pessoais, pois, como afirma Gordon Fee (2011,
p.29), a Bíblia é a palavra de Deus e tem relevância eterna; fala para toda humanidade
em todas as eras e em todas as culturas.
Portanto, essa liberdade possui limites. A Bíblia deve também ser lida em
comunidade e dentro de um modelo hermenêutico. Ensinar os membros da igreja local
um modelo consciente de interpretação bíblica é uma tarefa essencial.
como afirma Klein (2017, p.45), essa liberdade vem acompanhada de riscos
consideráveis quanto a ideias preconcebidas e distorções.
Como a igreja pode então colaborar para que seus membros, muitas vezes
cristãos comuns que não possuem o hábito de ler a Bíblia diariamente, possam
desenvolver-se bem nas tentativas de entender as escrituras corretamente? É preciso
que eles estejam preparados, com uma abordagem bem refletida e um bom estudo
hermenêutico.
Vanhoozer (2016, p.35) esclarece dizendo que, muito mais que um conjunto de
normas prescritivas, a Bíblia revela o drama de Deus no mundo que exige do leitor uma
resposta, uma encenação. E, quando se entra na questão de como encenar esse drama
na contemporaneidade, o leitor se depara com um grande desafio. Ao comentar sobre o
que é ser contemporâneo, o filósofo Giorgio Agamben (2009. p.62) argumenta que
“contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não
as luzes, mas o escuro.” Nesse caso, ser contemporâneo não se trata de apenas
perceber aquilo que está claro, mas ser capaz de conscientizar para si mesmo sobre tudo
que ainda está obscuro, que não se sabe. Para ele, produzir qualquer coisa
contemporânea é trabalhar no escuro. A pergunta então é: como o leitor bíblico pode
interpretar as escrituras a fim de “encenar” o drama de Deus na contemporaneidade?
Como produzir interpretes bíblicos que apliquem as escrituras na vida prática, sem
exatamente saber quais são dos desafios a que estão respondendo? Comentando sobre
o grande desafio de produzir teologia contemporânea, Pedro Dulci afirma que:
contextos de vida. Dulci (2021, p.23) segue dizendo que o “Autor, texto e leitor mantêm-
se em um arranjo não reducionista, que respeita o texto bíblico e coloca homens e
mulheres em trabalho teológico genuinamente contemporâneo”. A motivação do presente
trabalho é ajudar homens e mulheres a compreender o texto antigo das Escrituras e
aplicá-lo ao contexto em que estão de tal forma que se torne relevante.
Bíblia diariamente. Ao ser questionada, a grande maioria afirmou entender a Bíblia como
palavra de Deus. No entanto, 69% responderam que possuem dificuldades para entender
as escrituras sagradas.1 Outro dado interessante levantado foi o de que, 85% dos
pesquisados, disseram já ter buscado na internet ajuda para saber como ler a Bíblia
corretamente.
1
Pesquisa disponível em
https://drive.google.com/file/d/1yrAbl6rWniooqfVjRS42Lehb8mATs91e/view?usp=sharing acessado em
22/02/2022
31
Entender a Bíblia é uma tarefa árdua e complexa. Pode-se concordar com Klein
(2017, p.45) que existe dificuldade em concordar consentir sobre aquilo que a Bíblia quer
dizer. Por essa razão, o curso busca trazer à tona e esclarecer o que consiste em ser um
bom leitor da Bíblia e fornecer os melhores princípios para que as pessoas sejam
capacitadas a lê-la de forma adequada.
Existem diversos outros gêneros literários que podem ser encontrados nas
escrituras sagradas. Esses, portanto, oferecem uma boa apresentação da maior parte da
Bíblia e será suficiente para munir os leitores de ferramentas poderosas para a
interpretação.
Pedro argumenta que por meio do ensino remoto é possível vencer a ideia de
individualismo quando o uso da tecnologia é aplicado de forma saudável, a fim de
oferecer respostas aos anseios e desafios do coração humano. Sendo assim, o curso do
presente trabalho é apresentado como um curso online, sendo ministrado através de
vídeo aulas expositivas, atividades e tutoria de acompanhamento com os alunos por meio
de salas de conferência virtual.
O curso tem a duração de nove semanas, onde os alunos estudarão uma aula
por semana. O público-alvo são os membros em geral da Primeira Igreja Batista em
Campo Grande acima da adolescência (16 anos), considerados aprendizes no quesito
33
“Quando uso uma palavra” disse Humpty Dumpty em um tom bem desdenhoso,
“significa apenas o que escolho que ela signifique — nem mais, nem menos”.
“A questão é”, disse Alice, “se você pode fazer as palavras significarem tantas
coisas diferentes”.
“A questão é”, disse Humpty Dumpty, “quem deve ser o mestre, afinal”.
(CARROLL, 1957, p.213)
35
A Bíblia traz um compilado de textos muito antigos, escritos em línguas que já não
existem e não possuem correspondências com o português. Foi escrita para um povo em
épocas diferentes e culturas distintas. Isso traz para o leitor alguns desafios a serem
vencidos.
a enxergar o mundo, e tentar ajustar com as lentes do mundo antigo. Klein segue
ilustrando como existem grandes diferenças culturais:
Um outro perigo está no fato de que o leitor pode acabar impondo sua
cosmovisão de mundo moderno na leitura e suscitar uma interpretação que não está no
texto. Um exemplo seria o de impor uma abordagem individualista em um texto que
claramente foi escrito em um contexto comunitário.
A lacuna linguística que existe entre o mundo bíblico e o atual traz também um
grande desafio de interpretação. A Bíblia foi escrita em línguas que já não existem mais,
que apesar de terem seus descendentes modernos, os textos foram desenvolvidos
originalmente em hebraico, aramaico e grego helenístico. A maioria dos leitores bíblicos
não possuem conhecimento ou acesso à essas línguas.
De acordo com Fee (2011, p.31), o estudioso bíblico parte do princípio de que os
textos bíblicos primeiramente significam aquilo que significavam. Ou seja, ele crê que a
Palavra de Deus para hoje é primeiramente aquilo que a Palavra era para eles e que uma
leitura correta exige duas tarefas:
A primeira tarefa destacada por Fee (2011, p.31) chama-se exegese. A exegese
é o estudo cuidadoso e sistemático da escritura para descobrir o significado original do
texto, o significado pretendido pelo autor. Trata-se da tentativa de descobrir como os
leitores originais entenderam a mensagem do texto quando ele foi lido pela primeira vez
dentro de seu próprio contexto cultural.
Deve-se reconhecer que uma exegese bem feita requer um conhecimento que
muitos dos leitores bíblicos não possuem: as línguas bíblicas, as situações históricas, os
contextos das culturas hebraicas e judaicas. A boa notícia é que os leitores atuais podem
contar com uma vasta literatura de especialistas que ajudam na tarefa de tradução,
estudo históricos e contextuais. Além disso, o leitor pode começar uma boa exegese com
seus próprios recursos para depois consultar o trabalho de outras pessoas. A chave de
uma boa exegese é aprender a ler cuidadosamente o texto e fazer as perguntas certas
ao texto. E existem dois tipos básicos de perguntas que o leitor deve fazer: as que dizem
respeito ao contexto e aquelas que dizem respeito ao conteúdo.
histórico, o leitor poderá entender qual teria sido o propósito original do livro. Como Fee
segue dizendo:
A questão mais importante do contexto histórico tem a ver com a ocasião e com
o propósito de cada livro bíblico e/ou de suas várias partes. Aqui, desejamos ter
uma ideia daquilo que acontecia em Israel, ou na Igreja, que ocasionou o
surgimento de semelhante documento, ou qual era a situação do autor que o
levou a falar ou escrever. (FEE, 2011, p.35)
O contexto histórico irá variar de livro para livro, inclusive sendo mais fundamental
e importante em alguns do que outros. Por exemplo, saber o contexto histórico será mais
fundamental para entender 1 Coríntios do que Provérbios. Não que provérbios não exija
um entendimento histórico, mas o fato de que a carta aos coríntios foi escrita
especificamente para uma comunidade local com problemas locais.
Tome como exemplo o texto de Gênesis 1.1 (NVT): No princípio, Deus criou os
céus e a terra. No hebraico a palavra traduzida para Deus é ֹלהים
ִ֑ ( ֱאelohim), uma palavra
no plural que pode ser traduzida tanto para deuses quanto para Deus.2 Como determinar
o real significado dela no texto? Justamente o contexto literário. Ao ler com cuidado o
texto de Gênesis 1 fica claro que a intenção do autor era falar sobre o único Deus de
Israel, portanto, levando em conta o contexto literário, a palavra elohim deve ser traduzida
como Deus.
2
Tradução consultada em: Rick Brannan, org., Léxico Lexham da Bíblia Hebraica (Bellingham, WA: Lexham Press,
2020).
39
da hermenêutica como criar uma ponte que remova as barreiras linguísticas, históricas,
sociais e culturais que existem entre o mundo antigo e o moderno, para que as passagens
possam ser compreendidas. A hermenêutica, portanto, fornece uma estratégia para
entender o sentido ou a importância do que um autor queria dizer.
Sem uma boa exegese, o texto poderá ser forçado a significar qualquer coisa
para qualquer leitor determinado. Isso torna a interpretação pura subjetividade, onde
cada um busca impor o significado que mais agrada. Como Fee bem argumenta:
Queremos saber o que a Bíblia significa para nós – e isso é certo. No entanto,
não podemos fazê-la significar o que nos agrada, e depois dar os "créditos" ao
Espírito Santo. O Espírito Santo não pode contradizer a si mesmo; afinal, foi ele
que inspirou a intenção original. Assim, a ajuda do Espírito é nos conduzir à
descoberta da intenção original, e nos orientar nos momentos em que
procuramos fielmente aplicar o significado à nossa própria realidade. (FEE, 2011,
p.39)
Um texto não pode ter um significado que nunca houve. Para os cristãos, o
verdadeiro significado do texto bíblico é o que Deus originalmente pretendeu que o texto
significasse quando foi escrito ou falado pela primeira vez. Esse deverá ser o ponto de
partida para uma boa hermenêutica. Essa tarefa pode não ser tão simples, o texto possui
apenas um significado? Ou poderia existir diversos significados em níveis diferentes?
Nos demais capítulos serão apresentadas algumas diretrizes de como essa tarefa pode
ser realizada de forma saudável em alguns gêneros literários das escrituras. Contudo, é
importante antes falar sobre o tripé da interpretação bíblica: o relacionamento entre o
autor, o texto e o leitor.
próprios pressupostos e cultura. Sendo assim, como encontrar em equilíbrio entre o autor,
o texto e o leitor? Klein também afirma:
O apóstolo Paulo, por exemplo, não poderia ter previsto certos problemas
específicos das igrejas cristãs do século. Quer admitamos ou não, a “aplicação
das declarações caulinas” sobre esses problemas implicam uma decisão sobre o
significado do texto que certamente não fazia parte da intenção original do autor.
(SILVA, 1994, p.358)
É preciso admitir que, quanto mais distante do autor original, o texto tende a
ganhar certa autonomia. Silva (1994, p.345) diz que o texto passa a ter vida própria e
41
3
É um movimento inicial da teoria literária surgido nos anos 20 nos Estados Unidos. Ele propõe a separação do texto
e do autor a fim de que o texto seja objeto em si mesmo.
42
Por fim, o papel do leitor também deve ser levado em conta na busca do
significado intrínseco do texto. É inegável que, quando um texto é lido, o leitor leve sobre
ele seus próprios pressupostos e pré-entendimentos, ninguém faz alguma interpretação
em um vácuo. Todos os leitores trazem pressupostos e intenções próprias que irão afetar
o modo como entendem o texto. Isso pode ser perigoso na interpretação bíblica, pois o
leitor não deve impor sobre o autor bíblico as informações que possui na atualidade.
Conhecimentos históricos, científicos, astronômicos ou teológicos que o leitor acumulou
no mundo moderno não podem ser utilizados como um pressuposto de que o autor antigo
possuísse em sua mente os mesmos conhecimentos. Klein ilustra muito bem:
Quando Isaías fala da "cúpula da terra" (Isaías 40:22), ele pode muito bem
empregar um modelo plano da terra (isto é, do modo como ela é vista do trono
celestial de Deus, a terra parece um disco plano e redondo). Ouvi-lo de acordo
com os seus termos exige que resistamos à tentação de impor a nossa
cosmologia científica e esférica sobre o texto. (KLEIN, 2017, p.61)
Ou seja, o leitor não pode pressupor que palavra cúpula implique que o autor
acreditasse que a terra era redonda. Pelo fato de o leitor conhecer o final da história,
deve-se fazer um esforço especial para entender a cosmovisão dos autores, a maneira
como escritores entendiam as coisas e a forma como os destinatários compreenderam a
mensagem dentro de seus próprios pressupostos culturais.
espírito mau, pode ser entendida como um mau humor ou depressão, um hábito natural
43
Ou seja, ele mostra como que na atualidade os críticos dizem que o significado
do texto não está no autor, tampouco no texto, mas exclusivamente no leitor. Obviamente
essa não deve ser a postura do cristão, que crê na divina inspiração e no significado que
Deus pretendeu dar ao texto. Então como será possível estudar os textos bíblicos de
forma objetiva e precisa? Klein (2017, p.295) afirma que o cristão pode estar disposto a
criticar seus próprios pré-entendimentos, onde as crenças e os compromissos que vêm
de nossa cultura contradigam ou se oponham à verdade bíblica, o leitor deve identificá-
los e, de alguma forma, controlar os seus efeitos no processo interpretativo.
4
Tradução consultada em: Rick Brannan, org., Léxico Lexham da Bíblia Hebraica (Bellingham, WA: Lexham Press,
2020).
44
Ou seja, o leitor pode ter um pré-entendimento que sempre cresce orientado pela
Bíblia, que o ajuda a ter cada vez mais um entendimento válido sobre o sentido dos
textos. Alguns intérpretes como G. Osborne, deram a esse processo o nome de Espiral
Hermenêutica5, onde fazem uma analogia de que todo intérprete começa sua leitura com
um pré-entendimento. Depois de um estudo inicial das escrituras, com a iluminação do
Espírito Santo, o intérprete passa a ter seu entendimento mudado, ele não é mais o
mesmo de antes, foi “transformado pela renovação da mente” (Rm 12.2). Logo depois, o
interprete que já foi transformado pelo texto, segue estudando a Bíblia e percebe que a
mesma segue transformando o entendimento do leitor, surgindo um novo pré-
entendimento e assim por diante. O sentido do texto não muda, ao invés disso é o próprio
leitor foi mudado em sua habilidade de entender o texto bíblico. Klein concluem dizendo:
A espiral hermenêutica ilustra uma experiência bem positiva, à medida que Deus,
através do seu Espírito Santo, traz um entendimento novo e mais adequado de
sua verdade e da sua aplicação para a vida dos cristãos. Se a Bíblia é verdadeira
(um pressuposto nosso), então concordar com a sua verdade é o ponto de partida
mais adequado para interpretar o seu conteúdo. Mas apenas esse princípio seria
insuficiente para compreender a Bíblia. Entender a mensagem da Bíblia de forma
correta exige uma metodologia adequada e a disposição dos intérpretes para
permitir que ela altere ou ilumine os seus pré-entendimentos. (KLEIN, 2017,
p.300)
Dessa forma fica claro que um equilíbrio entre intenção autoral, independência
do texto e o leitor final não só é possível como necessário no esforço da interpretação
bíblica. Pode-se dizer que eles foram o tripé, ou o triangulo da interpretação. A tarefa do
intérprete bíblico é manter em interação dinâmica a relação triangular entre autor, texto e
leitor — buscando compreender o sentido da revelação bíblica.
5
Osborne publicou um livro com esse tema: A Espiral Hemeneutica, pela Vida Nova em 2009
45
Os profetas são o grande símbolo daqueles que falam em nome de Deus no Antigo
Testamento. E, ainda hoje, estão envoltos de mistérios e infelizmente são, muitas vezes,
mal interpretados. Quando se fala de profetas, logo surge no imaginário contemporâneo,
pessoas capazes de prever o futuro e revelar coisas que estão ocultas nas vidas das
pessoas. Mas afinal, quem são os profetas do AT e como eles devem ser lidos na
atualidade? Os profetas possuem respostas teológicas e espirituais para hoje? Qual deve
ser a postura do cristão contemporâneo diante das previsões do futuro?
Esta aula tem como objetivo apresentar conselhos para que leitores leigos da
Bíblia possam fazer uma interpretação mais adequada dos livros proféticos do Antigo
testamento para suas vidas pessoais. Para isso, é importante antes de tudo entender
quem são os profetas na Bíblia.
Os profetas surgem nas escrituras a partir de Moisés. Won (2020, posição 3578)
afirma que o movimento profético ganha cada vez mais espaço no processo de revelação
da vontade de Yahweh para o seu povo, e que à medida que o Antigo Testamento se
desenrola, uma forma de falar divino ganha proeminência: “Deus fala por meio de seus
profetas escolhidos com palavras que eles proferem em línguas humanas comuns”.
É importante mencionar que os profetas não estão restritos apenas aos 17 livros
proféticos do AT, divididos em profetas maiores e menores (nomes que fazem referência
apenas ao tamanho dos livros, e não o grau de importância do profeta). Ao decorrer do
Antigo Testamento muitos homens e mulheres foram levantados por Deus como
portadores de uma mensagem. Wright (2018, p.172) ressalta que “Deus deu profetas ao
povo de Israel ao longo do Antigo Testamento, e a maioria deles não têm livros que levam
seu nome.” Moisés foi profeta. Assim como sua irmã Miriã (Êx 15.20; Mq 6.4). Houve
também profetas como Samuel, Natã, Elias e Eliseu, bem como muitos outros que são
mencionados, mas não nomeados nos livros históricos. Wright (2018, p.172) também
chama atenção para o fato de que algumas das pessoas mais notáveis que exerceram o
ministério profético foram mulheres (Miriã, Débora, Hulda e Noadia).
46
significa “chamar”, aquele que é chamado por Deus para falar em seu nome. Profeta,
portanto, é aquele que possui uma mensagem da parte de Deus, como bem ilustra
Wright:
Alguns leitores leigos da Bíblia podem imaginar que a principal tarefa dos profetas
do Antigo Testamento era a de prever o futuro o tempo todo. Sem dúvida, os profetas às
vezes falavam sobre coisas que ainda estavam para acontecer. No entanto, como Wright
(2018, p.173) segue, essas predições devem ser vistas como um ato secundário ao
propósito principal do profeta, que era “transmitir diretamente a palavra de Deus ao povo
ao seu redor”. Wright continua afirmando que quando os profetas mencionavam
acontecimentos futuros:
desses profetas é que eles geralmente aparecem em tempos de grande crise no povo de
Deus. Eram mensageiros levantados por Deus para corrigir a rota de um povo que estava
se desviando. Por essa razão, a mensagem profética geralmente não era bem recebida.
Won (2020, posição 3682) afirma que os profetas posteriores denunciaram desde
o afastamento do povo em relação à aliança com o Deus de Israel até as consequências
sociais, políticas e econômicas dessa apostasia, como a injustiça social, a imoralidade
sexual, a prática da idolatria e a adoção de costumes pagãos. De acordo com McGinnis
(2017, p.62), “Eles abordaram as injustiças e as malfeitorias na comunidade, fornecendo
uma perspectiva divina sobre elas e alertando para a punição de Deus, caso o povo não
se convertesse dos seus maus caminhos”.
Os profetas podem ser vistos como mensageiros que Deus levantava para
conclamar o povo ao retorno da lei, eles anunciavam as bençãos ou maldições que Deus
já havia revelado nos mandamentos. Como diz Fee:
Portanto, os profetas são portadores de uma mensagem dada por Deus (os
profetas não falavam por si mesmos, que foram chamados em momentos que Israel
gravemente se desviou para a idolatria e suas consequências sociais. Ainda que suas
mensagens produzissem predições, seu objetivo principal era transmitir a vontade de
Deus para seu povo naquele momento. O objetivo do profeta não estava nos
acontecimentos futuros, mas no arrependimento e na postura que o povo precisava ter
no momento presente. Pensando assim, por mais que os profetas fossem criativos e
anunciassem de formas distintas, não havia nada de novo em sua mensagem.
Basicamente eles lembravam e reforçavam às pessoas aquilo que elas já deveriam saber
com base em tudo o que Deus já havia feito no passado. Uma das melhores maneiras
de entender as ideias centrais da mensagem dos profetas é entender a aliança feita no
Sinai e as leis do Antigo Testamento. Havia, portanto, certa simplicidade em sua
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mensagem. Wright (2018, p.186) mostra que em termos simples a mensagem dos
profetas era: lembrar Israel de sua História, da qual eles haviam se esquecido; lembrar
Israel de seu compromisso, que apesar da profecia feita no Sinai, o povo não estava
cumprindo os mandamentos; e por fim, lembrar Israel das ameaças e promessas de
Deus.
Claro que essas duas categorias não abrangem toda mensagem profética, mas,
para um leitor leigo, esse é um excelente ponto de partida. Também são muitas as formas
de um profeta anunciar sua mensagem. As formas mais comuns sugeridas por Wright
(2018, p.186) são o “Assim diz o Senhor”, “Réu culpado”, o “ai” e promessa.
O “Assim diz o Senhor” é, sem dúvidas, o método mais utilizado no AT. O profeta
simplesmente comunica uma mensagem entregue por Deus. Uma segunda forma é a
que Wright denominou de “Réu Culpado”, onde o profeta anuncia sua mensagem como
se estivessem em um tribunal. Deus é juiz, o povo o Réu. A acusação é apresentada e o
réu declarado culpado, sendo então anunciada a sentença. Veja Isaías 3:13,14, 17,18:
O Senhor toma seu lugar no tribunal e apresenta sua causa contra seu povo. O
Senhor se apresenta para pronunciar julgamento sobre as autoridades do povo
e seus governantes: “Vocês acabaram com Israel, minha videira; o que roubaram
dos pobres agora enche suas casas. (...) Por isso, o Senhor fará surgir crostas
em sua cabeça; o Senhor deixará calva a bela Sião”. Naquele dia, o Senhor
removerá tudo que a embeleza.
Uma terceira forma de mensagem são os famosos “ais”. Muitas vezes o profeta
exclama “Ai!” sobre o povo. Anunciam a maldição e o juízo de Deus com um toque de
lamento. Anunciam coisas terríveis que aconteceriam e todo o sofrimento que estava por
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vir. Os ais expressam luto e dor por parte dos próprios profetas, pois vale lembrar, que o
juízo não era o desejo do profeta. Encontramos um exemplo em Habacuque 2.6: “Ai
daquele que acumula o que não é seu (até quando?), e daquele que a si mesmo se
carrega de penhores!”. Por fim, os profetas também transmitam suas mensagens por
meio de promessas, mais encontradas nos profetas do exílio e pós-exílio.
Tendo esse breve panorama, agora pode-se perguntar: Como essa mensagem
profética deve ser lida e aplicada na vida dos cristãos atuais?
O Senhor Soberano jurou por sua santidade: “Chegará o dia em que serão
levadas com ganchos no nariz. Até a última de vocês será arrastada como peixe
no anzol! Serão levadas para fora pelas ruínas do muro e expulsas de suas
fortalezas”, diz o Senhor.
Por fim, para uma aplicação atual, o leitor deve buscar quais as razões dadas
pelos profetas para os julgamentos de Deus. Geralmente essa é a ponte que se pode
fazer com o cristianismo atual. Palavras como “porquê” e “já que” podem ajudar
gramaticalmente a encontrar essas razões. Elas podem preceder a mensagem, segui-las
ou estar contidas no meio delas. Considere a acusação de Deus contra Israel pelas
palavras de Oseias no capítulo 4, versos 1 e 2:
Aqui ficam evidentes as violações de pelo menos três dos Dez Mandamentos.
Está explícito o pecado de Israel e a razão pela qual Deus enviará juízo. As declarações
que explicam os motivos de Deus para o julgamento podem aparecer em uma parte
distinta do texto como em Amós 2.6-12, podem estar no meio de uma passagem como
em Oséias 4.6-8, ou então aparecer em uma outra abordagem direta.
p.591)
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Com a chegada do juízo proclamado por Deus através dos profetas, o medo do
povo era de que Deus os tinha abandonado. Para isso Deus faz questão de levantar
profetas que anunciam a esperança, mostrando que mesmo com a infidelidade, Deus
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sempre permaneceu fiel. O juízo foi o meio de Deus corrigir seu povo. Pode-se ver bem
em Jeremias 30.10-11ª:
Portanto, não tenha medo, meu servo Jacó; não desanime, ó Israel”, diz o
Senhor. “Pois o trarei de volta de terras distantes, e seus descendentes
retornarão do exílio. Israel voltará a ter uma vida de paz e sossego, e ninguém o
assustará. Porque estou com você e o resgatarei”, diz o Senhor.
Para entender as promessas dos profetas é importante antes que o leitor tenha
um bom conhecimento da história de Israel, de como e por que Israel foi destruído pela
Assíria, e logo depois Judá foi levada como cativa para a babilônia. É preciso entender
as causas, seus propósitos, os acontecimentos e resultados. Após isso, o leitor poderá
refletir sobre quais experiências modernas de “exílio” se comparam com ele.
Já foi mencionado que noventa e nove por cento das profecias do Antigo
Testamento, que se referem a acontecimentos futuros, tiveram seu cumprimento no
próprio Antigo Testamento ou no Novo Testamento com a vinda de Cristo. Ainda assim,
como interpretar o um por cento restante? Como interpretar mensagens como a de Isaías
25.6-8:
Pode-se ver no texto que o profeta anuncia um banquete futuro, não para Israel,
mas para todos os povos. Faz alusão a um tempo em que nem mesmo os cristãos
contemporâneos vivem. Como interpretar profecias que vão para além dos períodos do
Antigo Testamento e até mesmo do Novo Testamento?
Antes de tudo, é preciso considerar que grande parte das predições do futuro são
condicionais e não absolutas. Ou seja, estão condicionadas à postura que o povo tinha
diante da advertência do profeta. Sendo assim, pode-se considerar as visões do futuro
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Deus diz que uma nação condenada pode escapar do juízo já anunciado contra
ela se houver arrependimento sincero, da mesma forma que uma nação que já teve uma
benção anunciada pode ser destruída se cair em pecado. Um exemplo concreto na Bíblia
é o da profecia contra Nínive no livro de Jonas, que tendo já uma condenação de Deus
recebe misericórdia após demonstrar arrependimento. Ou seja, quando se trata de visões
do futuro, mais vale considerá-las como advertências, que não são necessariamente a
vontade de Deus para o povo, mas uma consequência caso ele continue em seus maus
caminhos.
Dito isso, quais princípios práticos devem ser levados em conta para a
interpretação das “predições”? Primeiramente, se uma predição não teve seu
cumprimento claro no Antigo Testamento, elas devem ser interpretadas à luz do Novo
Testamento. Quando os profetas anunciavam acontecimentos de um “tempo vindouro”,
eles não tinham noção da quantidade de tempo e nem como isso aconteceria, suas
visões do futuro eram como uma só imagem. Klein ilustra bem isso quando diz que os
profetas possuem uma “visão telescópica” do futuro, vale a menção de sua ilustração:
Pois um menino nos nasceu, um filho nos foi dado. O governo estará sobre seus
ombros, e ele será chamado de Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai
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Eterno e Príncipe da Paz. Seu governo e sua paz jamais terão fim. Reinará com
imparcialidade e justiça no trono de Davi, para todo o sempre. O zelo do Senhor
dos Exércitos fará que isso aconteça!
Isaías prevê o nascimento de um filho real que reinará no trono de Davi pra
sempre. A profecia realmente se cumpriu no próprio Antigo Testamento durante a vida
de Isaías, mas quando se lê “para sempre” no texto, os cristãos entendem que essa
profecia possui ainda um cumprimento ainda maior, que nem mesmo o profeta viu com
clareza. Fica claro que além do cumprimento imediato, à luz do Novo testamento, o texto
antecipa o nascimento de Jesus, aquele que reinaria para sempre. Utilizando a ilustração
de Klein, Isaías vê essa profecia de forma “telescópica”. Devido a esse fato, dos profetas
verem o tempo vindouro de forma telescópica como uma cena completa sem intervalos
óbvios entre os detalhes, a tarefa interpretativa é alinhar o conteúdo das profecias do
Antigo testamento com a perspectiva do Novo Testamento. Klein segue afirmando:
De acordo com o NT, a primeira vinda de Jesus deu início ao tempo vindouro já
no tempo atual. A obra de Cristo e da Igreja representa uma invasão daquele
tempo futuro de julgamento e de salvação no tempo presente. Por isso, temos
que interpretar as profecias do AT sobre o tempo vindouro em termos da virada
histórica que Jesus iniciou. (KLEIN, 2017, p.597)
Uma outra característica das predições é que elas podem ter múltiplos
cumprimentos, como já visto na profecia de Isaías. Isso pode parecer um pouco confuso
para os leitores, mas é importante entender que existem profecias que já foram cumpridas
no Antigo Testamento, e que no Novo Testamento elas são reaplicadas para um
acontecimento posterior. Um outro exemplo é a de que Deus promete que o filho de Davi
Salomão o sucederá como rei em 2Samuel 7. Essa profecia em questão se cumpre no
próprio livro de Samuel, porém, no Novo Testamento, o autor de Hebreus também aplica
a mesma profecia a Jesus, como o filho de Davi (Hb 1.5). Fica evidente a característica
de duplo cumprimento da profecia.
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Aqui estão, como sugestão, algumas perguntas a serem feitas ao texto que
ajudarão o leitor no processo de interpretação:
Quando Israel se desviou e deixou de trazer para a prática aquilo que criam, Deus
levanta seus mensageiros para corrigir a rota de seu povo. Assim os profetas devem ser
lidos: como portadores de uma mensagem que, na maior parte das vezes, se trata de um
julgamento por causa de uma vista pecaminosa. Por essa razão, os profetas são tão
necessários na atualidade. Eles são a voz necessária para o povo que insiste em se
rebelar contra Deus. Os profetas geralmente não são amados, mas essenciais para que
a igreja se volte ao Senhor e dobre seus joelhos.
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REFERÊNCIAS
CARVALHO, Antonio Vieira de, Teologia da educação cristã. São Paulo: Eclesia, 2000.
DULCI, Pedro. A vida do lado de fora. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2021.
FEE, Gordon. Entendes o que lês? São Paulo: Vida nova, 2013
RYKEN, Leland. How to read the bible as literature. Grand Rapids: Zondervan, 1984.
WON, Paulo. E Deus falou na língua dos homens. São Paulo: Thomas Nelson Brasil,
2020.
WRIGHT, Christopher. Como pregar e ensinar com base no Antigo Testamento. São
Paulo: Mundo Cristão, 2018.