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Programa de Pós-Graduação em Teologia

CURSO DE MESTRADO

Filipe Oliveira Breder

PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DE CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA


PARA A PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CAMPO GRANDE - MS

Campo Grande - MS
2021
Filipe Oliveira Breder
UMA PROPOSTA METODOLÓGICA DE CURSO DE INTERPRETAÇÃO
BÍBLICA NA PRIMEIRA BATISTA DE CAMPO GRANDE - MS

Projeto de pesquisa de mestrado, na


linha de pesquisa Releitura de Textos e
Contextos Bíblicos, apresentado ao
Programa de Pós-Graduação em
Teologia, das Faculdades Batista do
Paraná

Campo Grande - MS
2021
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................4

1.1 JUSTIFICATIVA/INTERESSE..........................................................................4

1.2 PERGUNTA CENTRAL....................................................................................5

1.3 OBJETO DE PESQUISA..................................................................................5

1.4 OBJETIVO GERAL ..........................................................................................6

1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS.............................................................................6

1.6 DESCRIÇÃO E DELIMITAÇÃO .......................................................................6

2 REVISÃO DE LITERATURA................................................................................7

3 ESBOÇO PROVISÓRIO DO PROJETO A SER REALIZADO.............................8

4 METODOLOGIA...................................................................................................8

5 CRONOGRAMA ..................................................................................................9

6 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................9
4

Introdução

O ensino da Bíblia na igreja local deve sempre exercer um papel central. É


responsabilidade da igreja ensinar os seus membros, não só uma transmissão de
conhecimentos propositivos, mas um ensino bíblico que forme pessoas para a vida.
Porém, um ensino bíblico eficaz parte de uma interpretação séria e correta das Escrituras.
Todos possuem liberdade de ler e interpretar a Bíblia individualmente, porém, essa
liberdade possui limites, a Bíblia deve também ser lida em comunidade e dentro de um
modelo hermenêutico. Ensinar os membros da igreja local um modelo consciente de
interpretação bíblica é um grande desafio.
O presente projeto apresentará uma proposta de um curso de interpretação
bíblica para os membros da Primeira Igreja Batista de Campo Grande. Pretende-se,
através do curso, apresentar uma abordagem hermenêutica saudável para os leigos que
possuem pouco ou nenhum contato com a Bíblia. O foco do projeto estará em um curso
que visa entender e interpretar os diferentes gêneros literários do Antigo e Novo
testamento.

1.1 Justificativa / Interesse


Barth (1956, p.194) afirma que O ensino da Bíblia deve estar na essência da
igreja local, toda igreja deve ser uma “Igreja Docente”. Porém, ensinar a Bíblia não é
simples. Antes de tudo, entender corretamente a Bíblia é uma tarefa árdua e, por vezes
complexa. Qual a correta interpretação da Bíblia? O que ela realmente quer dizer? Qual
o significado do texto bíblico?
Os cristãos modernos divergem profundamente sobre como a Bíblia deve
influenciar a vida da igreja, ou se a Bíblia possui alguma autoridade. Há consenso de que
a interpretação adequada da Bíblia exige liberdade pessoal de cada intérprete, mas como
afirma Klein (2017, p.45), essa liberdade vem acompanhada de riscos consideráveis
quanto a ideias preconcebidas e distorções.
Como é possível então se sair bem nas tentativas de entender as escrituras
corretamente? É preciso uma abordagem bem refletida e um bom estudo hermenêutico.
5

Fee (2011, p.28) diz que a Bíblia é considerada palavra de Deus apresentada em
palavras humanas na história. Muito mais que um conjunto de normas prescritivas, a
Bíblia revela o drama de Deus no mundo que exige do leitor uma resposta, uma
encenação. Mas, para que o drama possa ser encenado corretamente, interpretar
corretamente a intenção do autor divino é essencial.
O interesse do presente projeto surgiu através da experiencia do pesquisador no
ministério de ensino da Primeira Batista de Campo Grande, onde notou que existia uma
grande dificuldade para que o público leigo (bíblico e teológico) conseguisse interpretar
a Bíblia como palavra de Deus para a atualidade. Como resultado, o hábito de ler a Bíblia
como palavra de Deus vêm diminuindo. Notou-se que grande parte dos membros não
possuem o hábito de ler a Bíblia diariamente e dizem que dispõem de materiais que os
ajudem a entender a Bíblia.

1.2 Pergunta Central


No contexto do público geral da Primeira Batista em Campo Grande – MS, onde
os membros da igreja possuem dificuldade de ler e interpretar a bíblia a pergunta ser
respondida é: O que desenvolver num curso específico de interpretação bíblica para
membros da Primeira Igreja Batista de Campo Grande?

1.3 Hipótese
A hipótese levantada para o presente projeto é o desenvolvimento metodológico
de um curso voltado para o ensino de hermenêutica para o público em geral, com
linguagem acessível focado em como abordar os diferentes gêneros literários da bíblia.
Uma correta abordagem de como entender e interpretar a Bíblia fará toda a diferença
para que o leitor encontre na Bíblia a palavra de Deus para hoje. Consequentemente, a
leitura do texto bíblico se tornará mais acessível e constante.

1.4 Perguntas Corolárias e respostas hipotéticas


6

1. Qual a importância do estudo dos diversos gêneros literários da bíblia?


a. Como a Bíblia se trata de um livro com uma grande distância temporal,
estudar as características dos gêneros é fundamental para o correto
entendimento, afinal, não se lê poesia como história e não se lê uma história
como um poema.
2. Qual a correta abordagem para com as narrativas da Bíblia?
a. Entende-se que as narrativas contam a história de como Deus se revelou e
conduziu a história. Não são necessariamente “ordens” de Deus para o
agora, tampouco uma garantia de que o mesmo acontecerá com o leitor.
Possui uma grande riqueza para descobrir quem Deus é e como ele se
revelou na história.
3. Qual o valor da poesia veterotestamentária para o leitor contemporâneo?
a. Através da poesia hebraica o leitor é levado a entender como o povo se
relacionava com Deus através dos cânticos e orações. Servem de modelo
pra uma vida de piedade.
4. Como abordar corretamente as epístolas do Novo Testamento?
a. Será fundamental levar em conta que, apesar de inspiradas e serem
palavra de Deus, foram escritas para um público determinado dentro de um
contexto cultural distante que precisa ser levado em conta.

1.4 Objeto de pesquisa

O objeto da pesquisa será a interpretação dos gêneros literários da Bíblia para,


a partir deles, apresentar uma proposta metodológica para um curso de interpretação
bíblica na Primeira Igreja Batista de Campo Grande - MS.

1.5 Objetivo Geral

Apresentar uma proposta de curso de interpretação bíblica através do


entendimento dos gêneros literários do antigo e novo testamento na Primeira Igreja
7

Batista de Campo Grande - MS, visando o público leigo que possui pouco, ou nenhum
contato com o estudo dos gêneros literários.

1.6 Objetivos Específicos

1) Apresentar uma matriz curricular de curso de interpretação bíblica;


2) Analisar os desafios da interpretação bíblica na atualidade e apresentar um
modelo coerente de interpretação;
3) Construir uma estrutura de aula de como interpretar as narrativas da Bíblia;
4) Expor um modelo de aula para a interpretação dos livros poéticos e de sabedoria
do Antigo Testamento;
5) Apresentar modelo de aula para uma correta leitura dos profetas do Antigo
Testamento;
6) Explorar o gênero bíblico para como interpretar os Evangelhos;
7) Mostrar modelo de aula para uma correta leitura do livro de Atos;
8) Apresentar modelo de aula para a interpretação atual das epístolas do Novo
Testamento;
9) Apresentar uma metodologia prática para a aplicação e avaliação do curso na
Primeira Igreja Batista de Campo Grande – MS;

1.7 Descrição e delimitação

O presente projeto será aplicado na Primeira Batista de Campo Grande – MS. A


proposta é a de um curso de interpretação da Bíblia aplicado tanto na modalidade
presencial, quanto na modalidade online. Terá a duração de sete semanas com uma aula
por semana. O público alvo são os membros em geral da igreja acima da adolescência
(16 anos), considerados leigos no quesito de interpretação bíblica e teologia. Pretende-
se que o curso possua uma linguagem acessível (não acadêmica) voltado para a prática
de uma leitura bíblica diária.
8

2 Revisão de Literatura

Muito já se falou sobre a importância do ensino bíblico na igreja local. Para


Barth (1956, p.797) a igreja deve examinar seu testemunho para assegurar-se de que ele
é fiel. Dessa forma, a igreja escuta a palavra de Deus, e, porque escuta, está obrigada a
ser uma igreja que ensina. Carvalho (2000, p.24) concorda com o conceito de “Igreja
Docente” de Barth onde a tarefa de ensinar está implícita na própria essência da igreja.
Porém, o ensino bíblico exige uma correta interpretação dos textos. Klein
(2017, p.49) esclarece dizendo que se o objetivo é entender corretamente a Bíblia, é
preciso que se faça uso de uma abordagem e de métodos adequados para essa tarefa.
Para ele, a hermenêutica fornece os meios de entender as Escrituras e aplicar esse
sentido de forma responsável.
Apesar do princípio da liberdade de que cada pessoa interprete a Bíblia por si
mesma, Gusso (2002, p.1) afirma que essa liberdade não pode ser usada para interpretá-
la da maneira que mais agrade. A Bíblia não pode ser usada para a apropriação de
interesses pessoais, pois, como afirma Fee (2013, p.28), a Bíblia é a Palavra de Deus e
tem relevância eterna; fala para toda humanidade em todas as eras e em todas as
culturas.
Vanhoozer (2005, p.418) diz que para se entender um texto, é preciso
compreender qual a Ilocução do texto (intenção do autor ao usar certas palavras) e nessa
tarefa compreender a Bíblia como literatura e seus gêneros literários é essencial. O
primeiro passo na direção do entendimento bíblico é determinar o gênero de um texto,
isto é, o tipo de ação comunicativa que está sendo considerado.
William Klein afirma que um dos grandes desafios para a interpretação bíblica
é a distância temporal do texto entre o mundo antigo e o mundo moderno. Isso significa
que a tarefa de ler a bíblia deve levar em conta os contextos histórias, pois, com a
distância temporal também surge uma grande distância cultural. Uma interpretação que
não leve em conta os valores culturais antigos podem obter uma informação que não está
no texto. A bíblia é um livro muito antigo, Blomberg e Hubbard (2017, p.518) afirmam que
o estudante da Bíblia que conhece a formação, a função e o cenário de cada gênero
Literário está na melhor posição de interpretar corretamente e evitar sérios equívocos.
9

Klein (2017, p.75) conclui dizendo que o uso adequado da hermenêutica é


essencial para uma interpretação válida da bíblia. Para ele, ter certeza de que se está
ouvindo a voz de Deus na Bíblia ao invés dos próprios preconceitos, é necessária uma
cuidadosa e sistemática interpretação das Escrituras. É necessária uma correta aplicação
de métodos de interpretação.
Um passo fundamental para a hermenêutica é o entendimento dos gêneros
literários contidos na bíblia. Ryken (1984, p.11) afirma que “uma vez que a Bíblia emprega
um método literário, ela pede para ser tratada como literatura, e não como algo diferente”.
Blomberg (2017, p.519) concorda dizendo que para a Bíblia ser interpretada
adequadamente, é necessário o uso de ferramentas literárias que capacite o
entendimento da bíblia de forma holística. Como afirma Jaspes, citado por Klein:
Ao se concentrar nas qualidades literárias dos textos bíblicos, o leitor tem
um encontro direto com seu poder e com seu mistério. Como todos os
ótimos textos de literatura, eles são vistos como históricos e
contemporâneos, como história viva. (KLEIN, 2017, p.519)

Sendo assim, ferramentas para uma correta leitura levando em consideração


cada gênero literário da Bíblia é fundamental e será o foco do presente projeto de
pesquisa.

3 Esboço Provisório do Projeto a ser realizado

Título do Trabalho: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA DE CURSO DE


INTERPRETAÇÃO BÍBLICA NA PRIMEIRA BATISTA DE CAMPO GRANDE - MS

1. INTRODUÇÃO
2. JUSTIFICATIVA E APRESENTAÇÃO DO CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA
3. CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA
a. AULA 1 – PRINCÍPIOS GERAIS DA INTERPRETAÇÃO
b. AULA 2 – COMO INTERPRETAR AS NARRATIVAS
c. AULA 3 – COMO INTERPRETAR AS LEIS
d. AULA 4 – COMO INTERPRETAR OS LIVROS POÉTICOS
10

e. AULA 5 – COMO INTERPRETAR OS PROFETAS


f. AULA 6 – COMO INTERPRETAR OS EVANGELHOS
g. AULA 7 – COMO INTERPRETAR AS EPÍSTOLAS
h. AULA 8 – COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

4 Metodologia

A principal abordagem do presente projeto será a dedutiva. Partindo do princípio


de que o estudo hermenêutico é fundamental para um correto entendimento da Bíblia,
deduz-se que, à aplicação de um curso de interpretação bíblica é fundamental para os
membros da Primeira Batista de Campo Grande.
O método dialético também será utilizado para a pesquisa e construção das aulas
do curso. A pesquisa se dará por consulta de literaturas sobre o estudo de hermenêutica
para que um curso prático, com duração de oito aulas possa ser formulado.
Para a construção das aulas será utilizado o método de procedimento
estruturalista, onde através da pesquisa da estrutura ideal de como ler e interpretar casa
gênero literário da Bíblia cada aula do curso será construída. Para a construção da aula
também será usado eventualmente o método exegético.

5 Cronograma

AÇÕE/MESES JAN FEV MAR ABRI MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Escolha do Tema X
Lev. Bibliográfico X X X X
Documentação X X X X
Elaboração do
X X X X X
Projeto
Leitura e Análise X X X X X X X X X X
Redação parte 1 a 3 X X X X X
Revisão Orientador X X X X X X X
CRONOGRAMA 2022
Qualificação (a partir) X
Redação parte 4 a 6 X X X X X
11

Revisão Orientador X X X X X X X
Redação Última parte X X X X X
Revisão Orientador X X X X X
Redação do Texto
X
Final
Revisão e Entrega X
Defesa (a partir de) X

4 Bibliografia

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17

FACULDADES BATISTA DO PARANÁ


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
MESTRADO PROFISSIONAL EM TEOLOGIA

FILIPE OLIVEIRA BREDER

UMA PROPOSTA METODOLÓGICA DE CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA NA


PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CAMPO GRANDE - MS

Curitiba
2022
FILIPE OLIVEIRA BREDER
18

UMA PROPOSTA METODOLÓGICA DE CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA NA


PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CAMPO GRANDE - MS

Trabalho Final de Curso apresentado ao


Mestrado Profissional em Teologia das
Faculdades Batista do Paraná.
Orientador: Antônio Renato Gusso

Curitiba
2022
19

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Deus, que me resgatou e deu sua graça para pesquisar o
conteúdo deste trabalho.
20

AGRADECIMENTOS
21

RESUMO

Palavras-chave: Bíblia. Hermenêutica. Interpretação. Gêneros.


22

ABSTRACT

Keywords: Bible. Hermeneutics. Interpretation. Genres.


23

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................8

2 JUSTIFICATIVA E APRESENTAÇÃO DO CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA.


.........................................................................................................................................10
2.1 A IMPORTÂNCIA DO ENSINO BÍBLICO NA IGREJA LOCAL...................................10
2.2 A REALIDADE DA PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CAMPO GRANDE.................13
2.3 APRESENTAÇÃO DO CURSO.................................................................................14
2.4 METODOLOGIA E APLICAÇÃO...............................................................................15
3 CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA...................................................................17
3.1 AULA 01 – PRINCÍPIOS GERAIS DA INTERPRETAÇÃO.........................................17
3.1.1 O desafio da distância temporal.............................................................................18
3.1.2 O desafio da distância cultural................................................................................18
3.1.3 O desafio da distância idiomática...........................................................................19
3.1.4 A importância da exegese e da hermenêutica........................................................19
3.1.5 O Autor, o texto e o leitor.........................................................................................22
3.2 AULA 05 – COMO INTERPRETAR OS PROFETAS..................................................28
3.2.1 Quem são os profetas?...........................................................................................28
3.2.2 Interpretando a mensagem profética......................................................................32
3.2.3 Interpretando as predições do futuro......................................................................35
3.2.4 Perguntas para interpretação.................................................................................38
3.2.5 Para concluir...........................................................................................................39
3.3 AULA 02 – COMO INTERPRETAR AS NARRATIVAS..............................................40
3.4 AULA 03 – COMO INTERPRETAR AS LEIS.............................................................50
3.5 AULA 04 – COMO INTERPRETAR OS LIVROS POÉTICOS....................................60
3.6 AULA 06 – COMO INTEPRERAR OS EVANGELHOS..............................................70
3.7 AULA 07 – COMO INTERPRETAR AS EPÍSTOLAS.................................................80
3.8 AULA 08 – COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE................................................90
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................100
5 REFERÊNCIAS..........................................................................................................105
24

1 INTRODUÇÃO

A Bíblia é palavra de Deus! Esta é uma afirmação aceita pelos cristãos que usam
as escrituras como regra de fé e prática. Contudo, como a Bíblia é a palavra de Deus em
um texto tão antigo, de uma cultura e língua completamente diferentes? Como o cristão
comum pode ouvir a voz de Deus em narrativas como a de Gênesis 34, onde os filhos de
Jacó cometem um genocídio em toda a comunidade de Siquém? Ou como ouvir a voz
de Deus nos salmos de lamento? Sim, a Bíblia é Palavra de Deus para os cristãos, mas
isso não significa que ela possa ser interpretada de qualquer forma. Há de admitir-se que
a Bíblia se trata de uma coleção de livros desafiadores de serem interpretados, mas não
impossíveis.

Esse desafio é observado na vida comum dos cristãos, que deixam de executar
uma leitura constante da Bíblia por sentirem dificuldade de entender o que Deus deseja
dizer para a vida prática. Observa-se a necessidade de ensinar aos membros da igreja
local, técnicas e métodos que ajudem na interpretação saudável do texto. O objetivo do
presente trabalho é mostrar como esse desafio foi constatado na Primeira Igreja Batista
de Campo Grande no Mato Grosso do Sul e propor um currículo para um curso de
interpretação bíblica voltado para os cristãos leigos da igreja local. A proposta é mostrar
que o estudo bíblico não deve apenas estar nos ciclos acadêmicos, mas na vida comum
da igreja.

Primeiramente, será feita uma reflexão da importância do ensino bíblico nas


igrejas locais, uma tarefa essencial e primordial de toda a comunidade. Serão abordados
os problemas que surgem quando a Bíblia está nas mãos de todos, mas, os métodos de
interpretação não são ensinados. A Bíblia deve sim ser acessível. Entretanto, não deve
ser interpretada solitariamente. Será argumentado que a Bíblia não se trata apenas de
um compêndio de regras e deveres, mas uma narrativa que revela o grande drama de
Deus na história, e, entender como essa revelação de Deus em cada contexto literário é
essencial. Serão abordados os desafios particulares encontrados na Primeira Igreja
Batista de Campo Grande, e como o presente trabalho pretende solucioná-los por meio
de um curso de interpretação bíblica.
25

Por fim, o trabalho apresentará um currículo de curso de interpretação bíblica em


oito aulas práticas. Foi realizada uma pesquisa nos principais materiais de interpretação
bíblica disponíveis, compilados em uma linguagem acessível para todos. O foco será
apresentar métodos que guiarão como o leitor deve abordar os principais gêneros
literários encontrados na Bíblia Sagrada. As aulas estão, portanto, dividias com o prefixo
de “Como interpretar”, seguidas de acordo com cada gênero literário das aulas,
respectivamente. São abordadas as narrativas, leis, profecias, poesia e sabedoria,
evangelhos, epístolas e sabedoria. Ao final, o presente projeto poderá ser utilizado como
um currículo prático para aplicação do curso. Espera-se que, assim, os cristãos estejam
mais motivados a desenvolver uma vida de leitura diária das escrituras como palavra de
Deus.
26

2 JUSTIFICATIVA E APRESENTAÇÃO DO CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

Qual a importância do ensino bíblico e por que ele deve ser tão primordial na
igreja local? Essa é a primeira questão que precisa ser respondida. Nesta primeira parte
serão abordados os problemas e desafios da intepretação bíblica, e a justificativa para
um curso de interpretação que seja voltado para os membros leigos das escrituras
sagradas na igreja local. Além da justificativa, será apresentada a realidade da Primeira
Igreja Batista de Campo Grande, e como o curso será apresentado e aplicado.

Em primeiro lugar é importante responder à pergunta: qual a importância de se


ensinar métodos de interpretação bíblica na igreja local? Por que os membros leigos
também precisam saber ler a Bíblia? Em seguida, será apresentada a atual realidade da
Primeira Igreja Batista em Campo Grande e como um curso de interpretação bíblica visa
responder às atuais necessidades para, enfim, ser apresentada a proposta de um curso
de interpretação bíblica.

2.1 A IMPORTÂNCIA DO ENSINO BÍBLICO NA IGREJA LOCAL

Definitivamente a Bíblia Sagrada é o livro mais lido e vendido de todos os tempos.


Os cristãos creem que a Bíblia não se trata de um livro qualquer, mas possui uma
natureza distinta: a Bíblia é ao mesmo tempo humana e divina. Como afirma Fee (2011,
p.28) a Bíblia é a Palavra de Deus apresentada em palavras humanas na história. Sendo
assim, a Bíblia possui relevância eterna, fala para todas as pessoas, de todas as culturas,
em todos os tempos. Só que ao contrário do que muitos podem pensar, a Bíblia não se
trata de uma coletânea de proposições a serem cridas, mas a história de um Deus que
se revelou ao longo das eras. Deus escolheu revelar suas vontades eternas dentro das
circunstâncias do fluxo do tempo, dentro de culturas e línguas diversas e diferentes das
atuais.

Por essa razão, o correto entendimento e ensino da Bíblia torna-se tão


fundamental. É responsabilidade essencial das igrejas locais ensinar como seus
membros devem ler a Bíblia. O ensino das escrituras na igreja local deve sempre exercer
um papel central. Outra responsabilidade da igreja está em ensinar seus membros, não
27

somente uma transmissão de conhecimentos propositivos, mas um ensino bíblico


completo que forme pessoas para a vida prática, e que seja capaz de direcionar o
estabelecimento de uma visão de mundo (cosmovisão) distinta em seus leitores.

A reforma trouxe uma grande conquista para os cristãos, de que agora todos
podem ter acesso à uma Bíblia e, através dela, ter um encontro pessoal com a Palavra
de Deus. Pode-se e deve-se concordar que o legado da Bíblia na mão de todos é
importantíssimo; todos possuem liberdade de ler e interpretar a Bíblia individualmente.
Apesar do princípio da liberdade que se refere ao ato de cada pessoa interpretar a Bíblia
por si mesma, Gusso (2002, p.1) afirma que essa liberdade em questão não pode ser
usada para analisar e abstrair dela a perspectiva que mais agrade. A Bíblia não pode ser
usada para apropriação de interesses pessoais, pois, como afirma Gordon Fee (2011,
p.29), a Bíblia é a palavra de Deus e tem relevância eterna; fala para toda humanidade
em todas as eras e em todas as culturas.

Portanto, essa liberdade possui limites. A Bíblia deve também ser lida em
comunidade e dentro de um modelo hermenêutico. Ensinar os membros da igreja local
um modelo consciente de interpretação bíblica é uma tarefa essencial.

Muito já se discorreu sobre a importância do ensino bíblico na igreja local. Para


Barth (1956, p. 797) a igreja deve examinar seu testemunho para assegurar-se de que
ele é fiel. Dessa forma, a igreja escuta a palavra de Deus, e, porque escuta, está obrigada
a ser uma igreja que ensina. Carvalho (2000, p. 24) concorda com o conceito de “Igreja
Docente” de Barth onde a tarefa de instruir está implícita na própria essência da igreja.
Apesar disso, ensinar a Bíblia não é simples. Antes de tudo, entender corretamente a
Bíblia é uma tarefa árdua e, por vezes, complexa. Mesmo sob o dogma de ser a Palavra
de Deus, a Bíblia segue sendo um livro muito antigo, escrito em línguas extretamente
diferentes e em contextos culturais que nenhum ser humano contemporâneo entenderia.
Como a Bíblia deve ser lida? Como deve ser interpretada? O que ela realmente quer
dizer? Qual o significado do texto bíblico?

Os cristãos modernos divergem profundamente sobre como a Bíblia deve


influenciar a vida da igreja, ou se a Bíblia possui alguma autoridade. Há um consenso de
que a interpretação adequada da Bíblia exige liberdade pessoal de cada intérprete, mas
28

como afirma Klein (2017, p.45), essa liberdade vem acompanhada de riscos
consideráveis quanto a ideias preconcebidas e distorções.

Como a igreja pode então colaborar para que seus membros, muitas vezes
cristãos comuns que não possuem o hábito de ler a Bíblia diariamente, possam
desenvolver-se bem nas tentativas de entender as escrituras corretamente? É preciso
que eles estejam preparados, com uma abordagem bem refletida e um bom estudo
hermenêutico.

Vanhoozer (2016, p.35) esclarece dizendo que, muito mais que um conjunto de
normas prescritivas, a Bíblia revela o drama de Deus no mundo que exige do leitor uma
resposta, uma encenação. E, quando se entra na questão de como encenar esse drama
na contemporaneidade, o leitor se depara com um grande desafio. Ao comentar sobre o
que é ser contemporâneo, o filósofo Giorgio Agamben (2009. p.62) argumenta que
“contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não
as luzes, mas o escuro.” Nesse caso, ser contemporâneo não se trata de apenas
perceber aquilo que está claro, mas ser capaz de conscientizar para si mesmo sobre tudo
que ainda está obscuro, que não se sabe. Para ele, produzir qualquer coisa
contemporânea é trabalhar no escuro. A pergunta então é: como o leitor bíblico pode
interpretar as escrituras a fim de “encenar” o drama de Deus na contemporaneidade?
Como produzir interpretes bíblicos que apliquem as escrituras na vida prática, sem
exatamente saber quais são dos desafios a que estão respondendo? Comentando sobre
o grande desafio de produzir teologia contemporânea, Pedro Dulci afirma que:

Boa teologia consiste na cuidadosa interpretação do texto bíblico, isto é, em sua


compreensão, mas não entendida como um fim em si mesmo. O correto
entendimento da revelação normativa da Escritura se faz acompanhar de uma
devida aplicação à situação e à existência das pessoas. Isso explica a
multiplicação de trabalhos teológicos sobre os mesmos temas ao longo da
história do dogma. A teologia se preocupa com o que toda a Bíblia ensina para
hoje. É por isso que boa teologia é sempre teologia contemporânea. É essa
compreensão que nos livra da sedução de todo aprendiz de teologia de querer
desenvolver novas verdades em cada época sujeitando o texto bíblico ao espírito
do seu tempo. (DULCI, 2021, p.23)

O que se deve esperar de interpretes bíblicos é a habilidade de compreender a


qualidade da revelação divina, por meio da intenção dos autores bíblicos, em ajuste fino
às estruturas literais, que, então, serão recebidas e aplicadas pelos leitores em seus
29

contextos de vida. Dulci (2021, p.23) segue dizendo que o “Autor, texto e leitor mantêm-
se em um arranjo não reducionista, que respeita o texto bíblico e coloca homens e
mulheres em trabalho teológico genuinamente contemporâneo”. A motivação do presente
trabalho é ajudar homens e mulheres a compreender o texto antigo das Escrituras e
aplicá-lo ao contexto em que estão de tal forma que se torne relevante.

Um dos grandes desafios para a interpretação bíblica é a distância temporal do


texto entre o mundo antigo e o mundo moderno. Isso significa que a tarefa de ler a Bíblia
deve levar em conta os contextos das histórias, pois, com a distância temporal, também
surge uma grande distância cultural. Uma interpretação que não leve em conta os valores
culturais antigos, pode obter uma informação que não está no texto. A Bíblia é um livro
muito antigo e Blomberg e Hubbard (2017, p.75) afirmam que o estudante da Bíblia que
conhece a formação, a função e o cenário de cada gênero literário, está na melhor
posição de interpretá-la corretamente e evitar sérios equívocos.

Klein (2017, p.75) segue dizendo que o uso adequado da hermenêutica é


essencial para uma interpretação válida da Bíblia. Para ele, ter certeza de que se está
ouvindo a voz de Deus na Bíblia ao invés dos próprios preconceitos, é necessária
primordialmente uma cuidadosa e sistemática interpretação das Escrituras. É necessária
uma correta aplicação de métodos de interpretação. Logo, pode-se dizer que uma igreja
local deve estar comprometida em ensinar a Bíblia, não apenas em seus púlpitos, mas
também em oferecer ferramentas para que seus membros tenham condições de ler e
interpretar corretamente as escrituras.

2.2 A REALIDADE DA PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CAMPO GRANDE

O foco do presente projeto está em oferecer ferramentas aos membros da


Primeira Igreja Batista em Campo Grande, para que sejam munidos de instruções que
auxiliem no desenvolvimento de uma correta leitura e interpretação bíblicas, afim de que
cada um possa em suas experiências ouvir a palavra de Deus de forma correta.

Uma pesquisa realizada pelo ministério de ensino local aos membros da


comunidade, revelou que cerca de 71% dos pesquisados não possuem o hábito de ler a
30

Bíblia diariamente. Ao ser questionada, a grande maioria afirmou entender a Bíblia como
palavra de Deus. No entanto, 69% responderam que possuem dificuldades para entender
as escrituras sagradas.1 Outro dado interessante levantado foi o de que, 85% dos
pesquisados, disseram já ter buscado na internet ajuda para saber como ler a Bíblia
corretamente.

Visto isso, o interesse do presente projeto é apresentar uma proposta de curso


de interpretação bíblica, que poderá ser aplicado aos membros da Primeira Igreja Batista
de Campo Grande, visando suprir a carência demonstrada em pesquisa. O foco está na
apresentação de um conteúdo simples, voltado aos membros leigos que talvez nunca
possuíram o hábito de ler a Bíblia.

2.3 APRESENTAÇÃO DO CURSO

Sem dúvidas existem dezenas de livros de interpretação bíblica escritos. Fee


(2011, p.19) ressalta que muitos desses livros não são escritos por estudiosos bíblicos e,
aqueles que são, geralmente se tratam de grandes manuais, com sessões de regras
gerais de como ler a Bíblia. O objetivo do presente curso é apresentar um material
simples que possa ser compreendido pelo público leigo, sem deixar de lado o rigor
acadêmico de uma boa interpretação bíblica. A grande finalidade desse curso é a
interpretação bíblica, ou hermenêutica, especialmente para ajudar os crentes a ler e
aplicar a Bíblia na vida prática, e com isso oferecer respostas ao mundo contemporâneo.

Um dos grandes desafios é suprir a carência de entendimento dos textos bíblicos


na realidade local da Primeira Igreja Batista de Campo Grande - MS. O desafio está em
transpor o grande abismo entre o significado do texto bíblico na época em que foi escrito
e sua aplicação prática para a vida do leitor contemporâneo. Um outro obstáculo a ser
vencido é o abismo que pode existir entre o estudioso bíblico e o cristão leigo. O curso é
apresentado para ajudar o cristão inexperiente das escrituras, a ouvir a Deus através das

1
Pesquisa disponível em
https://drive.google.com/file/d/1yrAbl6rWniooqfVjRS42Lehb8mATs91e/view?usp=sharing acessado em
22/02/2022
31

escrituras sagradas se utilizando de métodos que a academia tem apresentado como


saudáveis para interpretação bíblica.

Entender a Bíblia é uma tarefa árdua e complexa. Pode-se concordar com Klein
(2017, p.45) que existe dificuldade em concordar consentir sobre aquilo que a Bíblia quer
dizer. Por essa razão, o curso busca trazer à tona e esclarecer o que consiste em ser um
bom leitor da Bíblia e fornecer os melhores princípios para que as pessoas sejam
capacitadas a lê-la de forma adequada.

Logo de início, o curso estabelece e demonstra princípios fundamentais e


métodos para os leitores que desejam aplicar a Escritura de forma correta. Logo, na
primeira aula, são tratadas as regras gerais da interpretação bíblica, delimitando a
importância do contexto literário, contexto histórico-cultural e o significado das palavras.
Tendo em vista que o alvo do curso é se manter simples para o entendimento leigo, o
restante de sua estruturação mantém o foco em esclarecer quais são os principais
gêneros literários da Bíblia e suas peculiaridades, capacitando os leitores a identificar e
abordar corretamente cada gênero literário com suas especificidades.

Um passo fundamental para a hermenêutica é o entendimento dos gêneros


literários contidos na Bíblia. Ryken (1984, p.11) afirma que “uma vez que a Bíblia
emprega um método literário, ela pede para ser tratada como literatura, e não como algo
diferente”. Klein (2017, p.519) concorda dizendo que para a Bíblia ser interpretada
adequadamente, faz-se necessário o uso de ferramentas literárias que capacite o
entendimento da Bíblia de forma holística. Como afirma Jaspes:

Ao se concentrar nas qualidades literárias dos textos bíblicos, o leitor tem um


encontro direto com seu poder e com seu mistério. Como todos os ótimos textos
de literatura, eles são vistos como históricos e contemporâneos, como história
viva. (JASPES, 1998, citado por KLEIN, 2017, p. 519)

Sendo assim, o curso oferece princípios para a interpretação de cada gênero


literário. Sabe-se que, ao abordar apenas as características literárias de cada livro da
Bíblia, não esgota a tarefa hermenêutica, mas é uma ótima ferramenta para trazer clareza
aos leitores que possuem dificuldades de ler e interpretar as escrituras sagradas.
32

Com relação ao conteúdo das seguintes aulas, está organizado da seguinte


maneira: como interpretar as narrativas bíblicas, como interpretar as leis, como interpretar
os livros poéticos, como interpretar as mensagens proféticas, como interpretar os
evangelhos, como interpretar as epistolas e, por fim, como interpretar a literatura
apocalíptica.

Existem diversos outros gêneros literários que podem ser encontrados nas
escrituras sagradas. Esses, portanto, oferecem uma boa apresentação da maior parte da
Bíblia e será suficiente para munir os leitores de ferramentas poderosas para a
interpretação.

2.4 METODOLOGIA E APLICAÇÃO

Referindo-se ao estudo teológico EAD (Ensino à Distância) por meio de aulas


remotas conectadas à internet, o filósofo Dulci afirma que:

Apesar do privilégio de podermos desfrutar de espaços físicos bem pensados


para receber estudantes em formação, ignorar o quanto de genuíno crescimento
espiritual existe na educação remota é uma ilusão muito perigosa. Na verdade,
deveríamos incentivar nossos estudantes na direção contrária, para que
entendam que, quando estão sentados em frente a um computador, mexendo em
seus celulares ou interagindo nos encontros online e aulas remotas, não estão
individualisticamente particularizados. (DULCI, 2021, p.44)

Pedro argumenta que por meio do ensino remoto é possível vencer a ideia de
individualismo quando o uso da tecnologia é aplicado de forma saudável, a fim de
oferecer respostas aos anseios e desafios do coração humano. Sendo assim, o curso do
presente trabalho é apresentado como um curso online, sendo ministrado através de
vídeo aulas expositivas, atividades e tutoria de acompanhamento com os alunos por meio
de salas de conferência virtual.
O curso tem a duração de nove semanas, onde os alunos estudarão uma aula
por semana. O público-alvo são os membros em geral da Primeira Igreja Batista em
Campo Grande acima da adolescência (16 anos), considerados aprendizes no quesito
33

de interpretação bíblica e teologia. Pretende-se que o curso possua uma linguagem


acessível (não acadêmica) voltado para a prática de uma leitura bíblica diária.
34

3 CURSO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

Aqui serão apresentados o conteúdo teológico e pedagógico das nove aulas do


curso de intepretação bíblica que está sendo discutido no presente trabalho. A proposta
de currículo para a primeira aula é abordar os princípios gerais da interpretação bíblica,
mostrando sua importância e seus desafios para o cristão. Em seguida, cada uma das
aulas abordará métodos e conselhos sobre como os principais gêneros literários devem
ser lidos. Na segunda aula, será discorrido sobre como ler e interpretar os profetas
literários do Antigo Testamento. Já a terceira aula falará sobre a forma como as narrativas
bíblicas devem ser lidas. Na quarta aula a poesia e sabedoria hebraica serão estudadas.
Na sexta aula os evangelhos serão abordados e os alunos poderão entender como esse
gênero se distingue como único. A sétima e penúltima aula serão abordadas as
peculiaridades e desafios de interpretar as epístolas do Novo Testamento. Por fim, a
oitava e última aula apresentará sobre o que é o gênero apocalíptico e como o cristão
dele abordá-lo.

3.1 AULA 01 – PRINCÍPIOS GERAIS DA INTERPRETAÇÃO

Qual a importância da interpretação bíblica? Por que se faz necessário um curso


sobre como ler as escrituras corretamente? Afinal, como bem questionou Silva (1994,
p.18) Por que tal disciplina deveria ser necessária? Nunca houve aulas sobre como
interpretar o jornal. Por que então se faz necessário uma ciência como a hermenêutica
para entender a Bíblia?

Um exemplo bem utilizado para entender a necessidade de estudar métodos de


interpretação está em um famoso diálogo entre Alice e o gato Humpty Dumpty, na história
de Alice através do Espelho:

“Quando uso uma palavra” disse Humpty Dumpty em um tom bem desdenhoso,
“significa apenas o que escolho que ela signifique — nem mais, nem menos”.

“A questão é”, disse Alice, “se você pode fazer as palavras significarem tantas
coisas diferentes”.

“A questão é”, disse Humpty Dumpty, “quem deve ser o mestre, afinal”.
(CARROLL, 1957, p.213)
35

O diálogo ilustra bem o desafio de interpretar os significados das palavras, visto


que, o autor (o mestre) tem o poder de dar a elas o significado que quiser. Sendo assim,
estudar métodos de intepretação bíblica ajudará o leitor a não torcer o sentido do texto e
encontrar a definição estipulada pelo próprio mestre. Além disso, é preciso lembrar que
para os cristãos que a Bíblia é um livro divino, e por isso deve exigir um treinamento
especial para entendê-la. Silva segue afirmando que:

O que ocorre, na realidade, é que precisamos da hermenêutica não somente pelo


fato de a Bíblia ser um livro divino, mas porque além de ser divino é um livro
humano. (...) A linguagem humana, por sua própria natureza, é grandemente
equívoca, isto é, capaz de ser compreendida em mais de uma maneira… o
potencial para uma má interpretação está sempre presente. (SILVA, 1994, p.20)

A Bíblia traz um compilado de textos muito antigos, escritos em línguas que já não
existem e não possuem correspondências com o português. Foi escrita para um povo em
épocas diferentes e culturas distintas. Isso traz para o leitor alguns desafios a serem
vencidos.

3.1.1 O desafio da distância temporal

Um dos maiores desafios que o interprete bíblico encontrará é a distância


temporal entre a Bíblia e o mundo moderno. Como Klein (2017, p.64) afirma, os escritos
e os acontecimentos registrados na Bíblia abrangem muitos séculos, mais que 1900 anos
se passaram desde que suas últimas palavras foram escritas. O mundo mudou de forma
radical. Vive-se em uma cultura completamente diferente e ainda com um problema: a
maiorias das pessoas não possuem informações de como era a vida e as características
da cultura na época em que os textos bíblicos surgiram. Isso significa que para a
interpretação do texto, a situação da época dos leitores originais terá de ser levada em
conta.

3.1.2 O desafio da distância cultural

Outro desafio importante é o do grande distanciamento cultural que existe entre


o mundo moderno e o mundo bíblico. Palavras como planeta, ciência, tecnologia, digital,
faculdade não fazem sentido nenhum quando olhamos para o mundo antigo. Faz-se
necessário o esforço de retirar as lentes do XXI, do qual os leitores estão acostumados
36

a enxergar o mundo, e tentar ajustar com as lentes do mundo antigo. Klein segue
ilustrando como existem grandes diferenças culturais:

O mundo bíblico era essencialmente agrário, constituído de proprietários de terra


e arrendatários rurais usando um maquinário que era primitivo para nossos
padrões e métodos de viagem que eram lentos e cansativos. Nas páginas da
Bíblia encontramos costumes, crenças e práticas que fazem pouco sentido para
nós. Por que as pessoas no mundo antigo ungiam sacerdotes e reis, e enfermos
com óleo? Qual é o costume da sandália para a redenção e transferência de
propriedade mencionado em Rute 4:6-8? Qual era o sentido das leis de
purificação ou das muitas outras exigências aparentemente sem sentido? Por
exemplo, Levítico 19:19 parece descartar a maioria das vestimentas que usamos
hoje: "Não usem roupas feitas com dois tipos de tecido " E as misturas atuais de
poliéster e lã? E por que as tatuagens foram proibidas em Levítico 19:28? Elas
ainda são proibidas? (KLEIN, 2017, p.67)

Observe que com a distância cultural e costumes que são estranhos à


contemporaneidade, um texto pode trazer mais perguntas do que respostas. Klein (2017,
p.67) segue lembrando que essas pessoas viviam dentro de culturas orais. A maioria das
pessoas do mundo antigo eram analfabetas. Somente uma minoria, especialmente entre
os escribas e a elite, sabia ler.

Um outro perigo está no fato de que o leitor pode acabar impondo sua
cosmovisão de mundo moderno na leitura e suscitar uma interpretação que não está no
texto. Um exemplo seria o de impor uma abordagem individualista em um texto que
claramente foi escrito em um contexto comunitário.

3.1.3 O desafio da distância idiomática

A lacuna linguística que existe entre o mundo bíblico e o atual traz também um
grande desafio de interpretação. A Bíblia foi escrita em línguas que já não existem mais,
que apesar de terem seus descendentes modernos, os textos foram desenvolvidos
originalmente em hebraico, aramaico e grego helenístico. A maioria dos leitores bíblicos
não possuem conhecimento ou acesso à essas línguas.

Em síntese, um método sistemático de interpretação bíblica torna-se necessário


porque a Bíblia trata-se de um texto que originalmente foi escrito para outra pessoa, que
viveu há muito tempo, em outra parte do mundo, onde se falava um outro idioma e tinha
valores culturais diferentes.

3.1.4 A importância da exegese e da hermenêutica


37

De acordo com Fee (2011, p.31), o estudioso bíblico parte do princípio de que os
textos bíblicos primeiramente significam aquilo que significavam. Ou seja, ele crê que a
Palavra de Deus para hoje é primeiramente aquilo que a Palavra era para eles e que uma
leitura correta exige duas tarefas:

Primeiramente, descobrir o que o texto significava originalmente, essa tarefa é


chamada de exegese. Em segundo lugar, devemos aprender a escutar esse
mesmo significado na variedade de contextos novos ou diferentes de nossos
próprios dias; chamamos a esta segunda tarefa de hermenêutica. No sentido
clássico, o termo “hermenêutica" abrange as duas tarefas. (FEE, 2011, p.31)

A primeira tarefa destacada por Fee (2011, p.31) chama-se exegese. A exegese
é o estudo cuidadoso e sistemático da escritura para descobrir o significado original do
texto, o significado pretendido pelo autor. Trata-se da tentativa de descobrir como os
leitores originais entenderam a mensagem do texto quando ele foi lido pela primeira vez
dentro de seu próprio contexto cultural.

Deve-se reconhecer que uma exegese bem feita requer um conhecimento que
muitos dos leitores bíblicos não possuem: as línguas bíblicas, as situações históricas, os
contextos das culturas hebraicas e judaicas. A boa notícia é que os leitores atuais podem
contar com uma vasta literatura de especialistas que ajudam na tarefa de tradução,
estudo históricos e contextuais. Além disso, o leitor pode começar uma boa exegese com
seus próprios recursos para depois consultar o trabalho de outras pessoas. A chave de
uma boa exegese é aprender a ler cuidadosamente o texto e fazer as perguntas certas
ao texto. E existem dois tipos básicos de perguntas que o leitor deve fazer: as que dizem
respeito ao contexto e aquelas que dizem respeito ao conteúdo.

Como já abordado anteriormente neste trabalho, vencer as distâncias do texto


bíblico e o mundo moderno é fundamental para uma leitura saudável. Saber qual o
contexto em que o profeta Amós viveu, ou que Oséias estava no reino do norte antes da
queda de Israel, que o profeta Jeremias viu com seus olhos a destruição de Jerusalém,
ou saber que na época de Jesus os judeus possuíam uma profunda rixa com os
samaritanos, fará uma grande diferença. Neste ponto, o leitor necessitará de ajuda
externa para responder a maioria dessas perguntas. Bons dicionários bíblicos e
comentários expositivos poderão ser ferramentas preciosas. Ao estudar o contexto
38

histórico, o leitor poderá entender qual teria sido o propósito original do livro. Como Fee
segue dizendo:

A questão mais importante do contexto histórico tem a ver com a ocasião e com
o propósito de cada livro bíblico e/ou de suas várias partes. Aqui, desejamos ter
uma ideia daquilo que acontecia em Israel, ou na Igreja, que ocasionou o
surgimento de semelhante documento, ou qual era a situação do autor que o
levou a falar ou escrever. (FEE, 2011, p.35)

O contexto histórico irá variar de livro para livro, inclusive sendo mais fundamental
e importante em alguns do que outros. Por exemplo, saber o contexto histórico será mais
fundamental para entender 1 Coríntios do que Provérbios. Não que provérbios não exija
um entendimento histórico, mas o fato de que a carta aos coríntios foi escrita
especificamente para uma comunidade local com problemas locais.

Se o primeiro tipo de pergunta feita ao texto está relacionado ao contexto


histórico, o segundo tipo está direcionado ao contexto literário. De forma resumida, o
contexto literário é descobrir qual o significado que as palavras possuem dentro das
frases, e qual o significado que a frase possui dentro do contexto maior. Perguntas como
Qual a razão dessa palavra? ou O que o autor quis dizer com isso? as respostas para
essas perguntas irão variar de gênero para gênero. Uma mesma palavra pode possuir
um significado e uma intenção diferente dada ao autor em um gênero poético do que um
gênero narrativo.

Tome como exemplo o texto de Gênesis 1.1 (NVT): No princípio, Deus criou os
céus e a terra. No hebraico a palavra traduzida para Deus é ‫ֹלהים‬
ִ֑ ‫( ֱא‬elohim), uma palavra

no plural que pode ser traduzida tanto para deuses quanto para Deus.2 Como determinar
o real significado dela no texto? Justamente o contexto literário. Ao ler com cuidado o
texto de Gênesis 1 fica claro que a intenção do autor era falar sobre o único Deus de
Israel, portanto, levando em conta o contexto literário, a palavra elohim deve ser traduzida
como Deus.

Depois da exegese, a segunda tarefa do leitor é a hermenêutica. Trata-se da


tarefa de interpretar o texto e buscar o seu significado. Klein (2017, p.50) ilustra a tarefa

2
Tradução consultada em: Rick Brannan, org., Léxico Lexham da Bíblia Hebraica (Bellingham, WA: Lexham Press,
2020).
39

da hermenêutica como criar uma ponte que remova as barreiras linguísticas, históricas,
sociais e culturais que existem entre o mundo antigo e o moderno, para que as passagens
possam ser compreendidas. A hermenêutica, portanto, fornece uma estratégia para
entender o sentido ou a importância do que um autor queria dizer.

Sem uma boa exegese, o texto poderá ser forçado a significar qualquer coisa
para qualquer leitor determinado. Isso torna a interpretação pura subjetividade, onde
cada um busca impor o significado que mais agrada. Como Fee bem argumenta:

Queremos saber o que a Bíblia significa para nós – e isso é certo. No entanto,
não podemos fazê-la significar o que nos agrada, e depois dar os "créditos" ao
Espírito Santo. O Espírito Santo não pode contradizer a si mesmo; afinal, foi ele
que inspirou a intenção original. Assim, a ajuda do Espírito é nos conduzir à
descoberta da intenção original, e nos orientar nos momentos em que
procuramos fielmente aplicar o significado à nossa própria realidade. (FEE, 2011,
p.39)

Um texto não pode ter um significado que nunca houve. Para os cristãos, o
verdadeiro significado do texto bíblico é o que Deus originalmente pretendeu que o texto
significasse quando foi escrito ou falado pela primeira vez. Esse deverá ser o ponto de
partida para uma boa hermenêutica. Essa tarefa pode não ser tão simples, o texto possui
apenas um significado? Ou poderia existir diversos significados em níveis diferentes?
Nos demais capítulos serão apresentadas algumas diretrizes de como essa tarefa pode
ser realizada de forma saudável em alguns gêneros literários das escrituras. Contudo, é
importante antes falar sobre o tripé da interpretação bíblica: o relacionamento entre o
autor, o texto e o leitor.

3.1.5 O Autor, o texto e o Leitor

Determinar o significado de um texto não é uma tarefa simples. Como abordado


anteriormente, buscar a intenção do autor é importante, mas será somente isso o que
importa? E quando parece que o texto possui um significado para além da intenção
autoral, como por exemplo profecias que foram ressignificadas no Novo Testamento de
forma diferente à intenção pretendida originalmente pelo autor. Sendo assim, o texto em
si mesmo também pode ser um desafio. E quanto ao leitor? Sabe-se que é praticamente
impossível que qualquer leitor realize uma leitura sem que seja influenciado pelos seus
40

próprios pressupostos e cultura. Sendo assim, como encontrar em equilíbrio entre o autor,
o texto e o leitor? Klein também afirma:

Quando procuramos entender o sentido de um texto bíblico, possuímos apenas


as palavras sobre uma página. O autor não está mais disponível para explicar o
que "quis dizer". As primeiras pessoas que ouviram ou leram permanecem
igualmente inacessíveis, então não podemos pedir que elas nos expliquem como
entenderam a mensagem. Somente pelo próprio texto escrito no seu contexto
podemos esperar reconstruir o sentido da declaração que o autor propôs mais
provavelmente. [...] Qualquer avaliação de “sentido" deve levar em conta essa
interação complexa entre texto, autor e destinatário. (KLEIN, 2017, p.55)

A intenção do autor é indispensável para uma interpretação saudável. Pode-se


concordar com Silva (1994, p.356) que o sentido do texto não deve ser identificado com
a intenção do autor de forma exclusiva e absoluta. Ele ilustra essa situação com as cartas
paulinas:

O apóstolo Paulo, por exemplo, não poderia ter previsto certos problemas
específicos das igrejas cristãs do século. Quer admitamos ou não, a “aplicação
das declarações caulinas” sobre esses problemas implicam uma decisão sobre o
significado do texto que certamente não fazia parte da intenção original do autor.
(SILVA, 1994, p.358)

Ou seja, o sentido de um texto pode precisar de explicação não apenas pela


intenção do autor humano, mas pelo cânon completo das escrituras e a maneira como a
igreja veio a entender esse texto ao longo da história. Klein esclarece dizendo que se
deve, sim, defender o sentido que o autor propôs para seus leitores, mas ainda assim o
texto pode precisar ser entendido de forma mais ampla:

A importância do texto pode precisar ser entendida dentro do contexto mais


amplo de todo o cânon e da trajetória dessa mensagem por toda a existência da
Igreja. A indicação dessa importância pode muito bem ser entendida como a
direção do Espírito Santo (ou à parte do Espírito Santo), mas isso é diferente de
dizer que o que o texto bíblico significa o que os intérpretes posteriores acham
que significa. Isto pode acabar se tornando uma versão da interpretação da
"estética da recepção”. (KLEIN, 2017, p.60)

Em resumo, o sentido da passagem bíblica não precisa ser identificado


completamente com a intenção do autor. Essa não é uma afirmação de que o significado
autoral é dispensável ou até mesmo secundário. A intenção autoral deve ser buscada,
mas também exige um equilíbrio entre a autonomia do texto e o leitor.

É preciso admitir que, quanto mais distante do autor original, o texto tende a
ganhar certa autonomia. Silva (1994, p.345) diz que o texto passa a ter vida própria e
41

essa complicação aparece na medida em que o texto se distancia (geograficamente,


cronologicamente ou culturalmente) de seu autor. Ele segue afirmando que com o
surgimento Novo Criticismo3, os leitores começaram a ver esse fenômeno não como um
problema a ser resolvido, mas como uma oportunidade para a criatividade interpretativa,
estando livres das limitações da intenção do autor. Os críticos podiam, então, proclamar
a autonomia do texto. Essa perspectiva tornou-se predominante no criticismo literário
norte-americano durante os anos de 1940 e 1950, apesar da lentidão em causar impacto
nos estudos bíblicos.

Claro que existe um grande perigo em isolar completamente o texto do autor,


mas, ainda assim, a crítica literária pode ser importante para a interpretação se estiver
em equilíbrio com a intenção autoral. Silva (1994, p.347) segue argumentando que o
Novo Criticismo e outros desenvolvimentos recentes relacionados a ele ensinam a
prestar atenção à “textura" da literatura bíblica. A narrativa bíblica, bem como outros
gêneros bíblicos que incluem referências históricas, não devem ser tratados como se
fossem neutros, livres de desvios interpretativos e teológicos. Klein traz clareza sobre o
assunto afirmando que:

Aproximar-se da Bíblia com uma abordagem literária significa penetrar, viver e


entender o seu mundo antes de prosseguir rumo ao sentido abstrato. Isso
também significa que estudamos os textos de acordo com os seus gêneros
literários, isto é, conservando-o com suas próprias convenções e intenções. Isto
exige que apreciemos a arte e a beleza dos textos, sintamos o sabor das nuances
da linguagem, e que apliquemos técnicas adequadas para desvendar o sentido
das extensas passagens poéticas. (KLEIN, 2017, p.57)

As palavras não estão sozinhas, jogadas aleatoriamente no texto. Todos os


idiomas apresentam as suas palavras sob um sistema de estruturas gramaticais e
literárias: orações, parágrafos, poemas, discursos e livros inteiros. Por isso a crítica
textual e a autonomia do texto podem ser importantes para a interpretação bíblica quando
utilizadas com sabedoria dentro do tripé autor, texto e leitor. Silva (1994, p.347) segue
argumentando que a perspectiva teológica dos escritores bíblicos raramente é
expressada em termos explícitos; pelo contrário, ela está refletida em sua composição
do texto. Dessa forma, prestar atenção na qualidade literária da narrativa é um exercício

3
É um movimento inicial da teoria literária surgido nos anos 20 nos Estados Unidos. Ele propõe a separação do texto
e do autor a fim de que o texto seja objeto em si mesmo.
42

de imenso valor para a compreensão do significado da história que está sendo


interpretada.

Por fim, o papel do leitor também deve ser levado em conta na busca do
significado intrínseco do texto. É inegável que, quando um texto é lido, o leitor leve sobre
ele seus próprios pressupostos e pré-entendimentos, ninguém faz alguma interpretação
em um vácuo. Todos os leitores trazem pressupostos e intenções próprias que irão afetar
o modo como entendem o texto. Isso pode ser perigoso na interpretação bíblica, pois o
leitor não deve impor sobre o autor bíblico as informações que possui na atualidade.
Conhecimentos históricos, científicos, astronômicos ou teológicos que o leitor acumulou
no mundo moderno não podem ser utilizados como um pressuposto de que o autor antigo
possuísse em sua mente os mesmos conhecimentos. Klein ilustra muito bem:

Quando Isaías fala da "cúpula da terra" (Isaías 40:22), ele pode muito bem
empregar um modelo plano da terra (isto é, do modo como ela é vista do trono
celestial de Deus, a terra parece um disco plano e redondo). Ouvi-lo de acordo
com os seus termos exige que resistamos à tentação de impor a nossa
cosmologia científica e esférica sobre o texto. (KLEIN, 2017, p.61)

Ou seja, o leitor não pode pressupor que palavra cúpula implique que o autor
acreditasse que a terra era redonda. Pelo fato de o leitor conhecer o final da história,
deve-se fazer um esforço especial para entender a cosmovisão dos autores, a maneira
como escritores entendiam as coisas e a forma como os destinatários compreenderam a
mensagem dentro de seus próprios pressupostos culturais.

Outro exemplo que ilustra como informações posteriores podem interferir na


leitura de histórias da Bíblia, é a narrativa de quando Deus enviou um espírito mau a Saul
(1Sm 16:14-16). O leitor que possui um conhecimento posterior de demônios no Novo
Testamento ou de uma cultura mística como a brasileira, pode pressupor que o espírito
mau se trata de um demônio dos mesmos moldes como entendidos culturalmente nos
dias atuais. Porém, quando o texto é estudado dentro de seu contexto histórico e literário,
parece que o entendimento de demônios como seres espirituais não fazia parte daquele
contexto cultural. A própria expressão hebraica ‫( ֽר ַּוח ָ־ר ָ ָ֖עה‬Ruah-raah) traduzida como

espírito mau, pode ser entendida como um mau humor ou depressão, um hábito natural
43

ou adquirido, sentimento ou tendência característica em uma pessoa ou coisa.4 Quando


o leitor leva seus pressupostos para o texto, pode acabar corrompendo seu significado.

Pensadores contemporâneos passaram a afirmar que o significado de um texto


só pode ser criado na subjetividade do leitor, ou seja, que o leitor é quem tem a autonomia
para criar o significado. Silva diz que:

Alguns pensadores argumentam que pelo menos no caso da interpretação


literária precisamos ir além. Chega-se a sugerir que o papel do leitor é, e deve
cada vez mais ser, a única coisa que importa. [...] Para os proponentes da “teoria
da resposta do leitor”, entretanto, não existe um texto objetivo. Tendo em vista
que todo leitor traz uma estrutura interpretativa para dentro do texto, cada leitor
gera um novo significado e, portanto, cria um novo texto. (SILVA, 1994, p.353)

Ou seja, ele mostra como que na atualidade os críticos dizem que o significado
do texto não está no autor, tampouco no texto, mas exclusivamente no leitor. Obviamente
essa não deve ser a postura do cristão, que crê na divina inspiração e no significado que
Deus pretendeu dar ao texto. Então como será possível estudar os textos bíblicos de
forma objetiva e precisa? Klein (2017, p.295) afirma que o cristão pode estar disposto a
criticar seus próprios pré-entendimentos, onde as crenças e os compromissos que vêm
de nossa cultura contradigam ou se oponham à verdade bíblica, o leitor deve identificá-
los e, de alguma forma, controlar os seus efeitos no processo interpretativo.

O pré-entendimento do leitor pode ser tomado como um ponto de partida em


certo momento, pois o leitor sempre irá começar de algum lugar. Em uma primeira leitura,
o intérprete inevitavelmente levará seus pressupostos, mas a partir daí ele poderá criticar
seu próprio pré-entendimento; sua leitura não será estática e nem deve ser. À medida
que o leitor cresce como cristão e se envolve com a Bíblia, seus pré-conceitos vão sendo
transformados. Como Klein mostram muito bem:

O intérprete aborda a Bíblia com perguntas, preconceitos e pré-entendimentos


que surgem da sua situação pessoal. Inevitavelmente, esse pré-entendimento
influencia a resposta que ele obtém. Contudo, o seu pré-entendimento está
sujeito à revisão como consequência de seu estudo honesto e guiado pelo
Espirito Santo. O estudo bíblico, se for buscado com responsabilidade, influencia
o intérprete: o texto interpreta o intérprete, que se torna não apenas o sujeito que
interpreta, mas também o objeto interpretado. (KLEIN, 2017, p. 295)

4
Tradução consultada em: Rick Brannan, org., Léxico Lexham da Bíblia Hebraica (Bellingham, WA: Lexham Press,
2020).
44

Ou seja, o leitor pode ter um pré-entendimento que sempre cresce orientado pela
Bíblia, que o ajuda a ter cada vez mais um entendimento válido sobre o sentido dos
textos. Alguns intérpretes como G. Osborne, deram a esse processo o nome de Espiral
Hermenêutica5, onde fazem uma analogia de que todo intérprete começa sua leitura com
um pré-entendimento. Depois de um estudo inicial das escrituras, com a iluminação do
Espírito Santo, o intérprete passa a ter seu entendimento mudado, ele não é mais o
mesmo de antes, foi “transformado pela renovação da mente” (Rm 12.2). Logo depois, o
interprete que já foi transformado pelo texto, segue estudando a Bíblia e percebe que a
mesma segue transformando o entendimento do leitor, surgindo um novo pré-
entendimento e assim por diante. O sentido do texto não muda, ao invés disso é o próprio
leitor foi mudado em sua habilidade de entender o texto bíblico. Klein concluem dizendo:

A espiral hermenêutica ilustra uma experiência bem positiva, à medida que Deus,
através do seu Espírito Santo, traz um entendimento novo e mais adequado de
sua verdade e da sua aplicação para a vida dos cristãos. Se a Bíblia é verdadeira
(um pressuposto nosso), então concordar com a sua verdade é o ponto de partida
mais adequado para interpretar o seu conteúdo. Mas apenas esse princípio seria
insuficiente para compreender a Bíblia. Entender a mensagem da Bíblia de forma
correta exige uma metodologia adequada e a disposição dos intérpretes para
permitir que ela altere ou ilumine os seus pré-entendimentos. (KLEIN, 2017,
p.300)

Dessa forma fica claro que um equilíbrio entre intenção autoral, independência
do texto e o leitor final não só é possível como necessário no esforço da interpretação
bíblica. Pode-se dizer que eles foram o tripé, ou o triangulo da interpretação. A tarefa do
intérprete bíblico é manter em interação dinâmica a relação triangular entre autor, texto e
leitor — buscando compreender o sentido da revelação bíblica.

Conclui-se que o uso adequado da exegese e hermenêutica é essencial para


uma interpretação válida das escrituras. O cristão contemporâneo não pode
simplesmente abrir mãos dos métodos e deixar Deus falar. Para ter certeza de que o
leitor está ouvindo a voz de Deus e não seus próprios preconceitos culturais, a Bíblia
deve ser interpretada de forma sistemática e cuidadosa.

5
Osborne publicou um livro com esse tema: A Espiral Hemeneutica, pela Vida Nova em 2009
45

3.2 AULA 02 – COMO INTERPRETAR OS PROFETAS

Os profetas são o grande símbolo daqueles que falam em nome de Deus no Antigo
Testamento. E, ainda hoje, estão envoltos de mistérios e infelizmente são, muitas vezes,
mal interpretados. Quando se fala de profetas, logo surge no imaginário contemporâneo,
pessoas capazes de prever o futuro e revelar coisas que estão ocultas nas vidas das
pessoas. Mas afinal, quem são os profetas do AT e como eles devem ser lidos na
atualidade? Os profetas possuem respostas teológicas e espirituais para hoje? Qual deve
ser a postura do cristão contemporâneo diante das previsões do futuro?

Esta aula tem como objetivo apresentar conselhos para que leitores leigos da
Bíblia possam fazer uma interpretação mais adequada dos livros proféticos do Antigo
testamento para suas vidas pessoais. Para isso, é importante antes de tudo entender
quem são os profetas na Bíblia.

3.2.1 Quem são os profetas?

Os profetas surgem nas escrituras a partir de Moisés. Won (2020, posição 3578)
afirma que o movimento profético ganha cada vez mais espaço no processo de revelação
da vontade de Yahweh para o seu povo, e que à medida que o Antigo Testamento se
desenrola, uma forma de falar divino ganha proeminência: “Deus fala por meio de seus
profetas escolhidos com palavras que eles proferem em línguas humanas comuns”.

É importante mencionar que os profetas não estão restritos apenas aos 17 livros
proféticos do AT, divididos em profetas maiores e menores (nomes que fazem referência
apenas ao tamanho dos livros, e não o grau de importância do profeta). Ao decorrer do
Antigo Testamento muitos homens e mulheres foram levantados por Deus como
portadores de uma mensagem. Wright (2018, p.172) ressalta que “Deus deu profetas ao
povo de Israel ao longo do Antigo Testamento, e a maioria deles não têm livros que levam
seu nome.” Moisés foi profeta. Assim como sua irmã Miriã (Êx 15.20; Mq 6.4). Houve
também profetas como Samuel, Natã, Elias e Eliseu, bem como muitos outros que são
mencionados, mas não nomeados nos livros históricos. Wright (2018, p.172) também
chama atenção para o fato de que algumas das pessoas mais notáveis que exerceram o
ministério profético foram mulheres (Miriã, Débora, Hulda e Noadia).
46

A palavra profeta vem do termo grego προφήτης (prophḗtēs), que significa


literalmente “aquele que fala em nome de alguém”. No antigo testamento vários termos
são utilizados para se referir aos profetas, mas a palavra mais comum é ‫( נָ ִ֣ביא‬Navi) que

significa “chamar”, aquele que é chamado por Deus para falar em seu nome. Profeta,
portanto, é aquele que possui uma mensagem da parte de Deus, como bem ilustra
Wright:

De forma bem simples, os profetas eram mensageiros. Eram porta-vozes de


Deus. Por meio deles, Deus proferiu sua palavra diretamente aos ouvidos, à
mente e ao coração de seu povo em diferentes épocas. O que o profeta dizia era
o que Deus queria que fosse dito. (WRIGHT, 2018, p.172)

Alguns leitores leigos da Bíblia podem imaginar que a principal tarefa dos profetas
do Antigo Testamento era a de prever o futuro o tempo todo. Sem dúvida, os profetas às
vezes falavam sobre coisas que ainda estavam para acontecer. No entanto, como Wright
(2018, p.173) segue, essas predições devem ser vistas como um ato secundário ao
propósito principal do profeta, que era “transmitir diretamente a palavra de Deus ao povo
ao seu redor”. Wright continua afirmando que quando os profetas mencionavam
acontecimentos futuros:

Era com o objetivo de levar as pessoas a pensar e agir de maneira diferente no


presente. Em outras palavras, quando havia predições do futuro, elas se
destinavam a afetar o presente (a própria época), e não simplesmente deixar as
pessoas contemplando o horizonte distante. Os profetas deveriam ser vistos
como "apresentadores", e não como "adivinhadores". (WRIGHT, 2018, p173)

Na verdade, apenas um pouco da mensagem profética no AT diz respeito a


eventos futuros. Fee (2011, p. 218) esclarece bem isso quando afirma que menos de dois
por cento da profecia do Antigo Testamento é messiânica; menos de cinco por cento
especificamente descreve a era da nova aliança; menos de um por cento diz respeito a
eventos ainda vindouros na época contemporânea. Os profetas realmente anunciaram o
futuro, mas em grande parte, os profetas anunciavam o futuro imediato de Israel e Judá.
Um dos desafios de se ler os profetas é olhar para trás, para ver as profecias que já foram
cumpridas ainda no tempo bíblico.

O objetivo desta aula é prestar auxílio na interpretação dos livros chamados


proféticos (profetas maiores e menores), profetas conhecidos na tradição hebraica como
profetas posteriores, basicamente os profetas literários. Uma característica comum
47

desses profetas é que eles geralmente aparecem em tempos de grande crise no povo de
Deus. Eram mensageiros levantados por Deus para corrigir a rota de um povo que estava
se desviando. Por essa razão, a mensagem profética geralmente não era bem recebida.

Won (2020, posição 3682) afirma que os profetas posteriores denunciaram desde
o afastamento do povo em relação à aliança com o Deus de Israel até as consequências
sociais, políticas e econômicas dessa apostasia, como a injustiça social, a imoralidade
sexual, a prática da idolatria e a adoção de costumes pagãos. De acordo com McGinnis
(2017, p.62), “Eles abordaram as injustiças e as malfeitorias na comunidade, fornecendo
uma perspectiva divina sobre elas e alertando para a punição de Deus, caso o povo não
se convertesse dos seus maus caminhos”.

Os profetas podem ser vistos como mensageiros que Deus levantava para
conclamar o povo ao retorno da lei, eles anunciavam as bençãos ou maldições que Deus
já havia revelado nos mandamentos. Como diz Fee:

Devemos, portanto, ter sempre em mente que os profetas não inventaram as


bênçãos ou as maldições que proclamavam. Podem ter expressado essas
bênçãos e maldições de modos novos e cativantes, como foram inspirados a
fazer. Contudo, eles reproduziam a Palavra de Deus, e não a sua própria palavra.
Por meio deles, Deus proclamou sua intenção de fazer cumprir a aliança, para o
benefício ou para o dano – dependendo da fidelidade de Israel –, mas sempre
com base nas categorias de bênçãos e maldições já contidas em Levítico 26,
Deuteronômio 4 e Deuteronômio 28 – 32, e em conformidade com elas. (FEE,
2011, p.221)

Portanto, os profetas são portadores de uma mensagem dada por Deus (os
profetas não falavam por si mesmos, que foram chamados em momentos que Israel
gravemente se desviou para a idolatria e suas consequências sociais. Ainda que suas
mensagens produzissem predições, seu objetivo principal era transmitir a vontade de
Deus para seu povo naquele momento. O objetivo do profeta não estava nos
acontecimentos futuros, mas no arrependimento e na postura que o povo precisava ter
no momento presente. Pensando assim, por mais que os profetas fossem criativos e
anunciassem de formas distintas, não havia nada de novo em sua mensagem.
Basicamente eles lembravam e reforçavam às pessoas aquilo que elas já deveriam saber
com base em tudo o que Deus já havia feito no passado. Uma das melhores maneiras
de entender as ideias centrais da mensagem dos profetas é entender a aliança feita no
Sinai e as leis do Antigo Testamento. Havia, portanto, certa simplicidade em sua
48

mensagem. Wright (2018, p.186) mostra que em termos simples a mensagem dos
profetas era: lembrar Israel de sua História, da qual eles haviam se esquecido; lembrar
Israel de seu compromisso, que apesar da profecia feita no Sinai, o povo não estava
cumprindo os mandamentos; e por fim, lembrar Israel das ameaças e promessas de
Deus.

Existem muitas variações da mensagem profética, mas para simplificar a leitura,


pode-se dizer que com frequência a mensagem dos profetas era a de advertência ou
ameaça de um juízo vindouro, clamando por arrependimento e mudança. Ou a profecia
traz uma promessa de salvação e benção por vir, convidando à esperança e confiança
em Deus.

Claro que essas duas categorias não abrangem toda mensagem profética, mas,
para um leitor leigo, esse é um excelente ponto de partida. Também são muitas as formas
de um profeta anunciar sua mensagem. As formas mais comuns sugeridas por Wright
(2018, p.186) são o “Assim diz o Senhor”, “Réu culpado”, o “ai” e promessa.

O “Assim diz o Senhor” é, sem dúvidas, o método mais utilizado no AT. O profeta
simplesmente comunica uma mensagem entregue por Deus. Uma segunda forma é a
que Wright denominou de “Réu Culpado”, onde o profeta anuncia sua mensagem como
se estivessem em um tribunal. Deus é juiz, o povo o Réu. A acusação é apresentada e o
réu declarado culpado, sendo então anunciada a sentença. Veja Isaías 3:13,14, 17,18:

O Senhor toma seu lugar no tribunal e apresenta sua causa contra seu povo. O
Senhor se apresenta para pronunciar julgamento sobre as autoridades do povo
e seus governantes: “Vocês acabaram com Israel, minha videira; o que roubaram
dos pobres agora enche suas casas. (...) Por isso, o Senhor fará surgir crostas
em sua cabeça; o Senhor deixará calva a bela Sião”. Naquele dia, o Senhor
removerá tudo que a embeleza.

Outros exemplos também podem ser encontrados em Oseias 4 e Miqueias 6.1-


8.

Uma terceira forma de mensagem são os famosos “ais”. Muitas vezes o profeta
exclama “Ai!” sobre o povo. Anunciam a maldição e o juízo de Deus com um toque de
lamento. Anunciam coisas terríveis que aconteceriam e todo o sofrimento que estava por
49

vir. Os ais expressam luto e dor por parte dos próprios profetas, pois vale lembrar, que o
juízo não era o desejo do profeta. Encontramos um exemplo em Habacuque 2.6: “Ai
daquele que acumula o que não é seu (até quando?), e daquele que a si mesmo se
carrega de penhores!”. Por fim, os profetas também transmitam suas mensagens por
meio de promessas, mais encontradas nos profetas do exílio e pós-exílio.

Tendo esse breve panorama, agora pode-se perguntar: Como essa mensagem
profética deve ser lida e aplicada na vida dos cristãos atuais?

3.2.2 Interpretando a mensagem profética

O primeiro ponto a ser lembrado ao interpretar as profecias do Antigo Testamento


é que as profecias tinham data e endereço. Os profetas não portavam em mente que
suas mensagens seriam lidas por milhões de pessoas, milhares de anos depois. Willian
Klein afirma que a “maior parte da profecia envolve transmissão: mensagens para o
público de um profeta sobre sua própria época ou um futuro próximo.” Ou seja, as
mensagens dos profetas foram escritas para aquele tempo, para aquelas pessoas, não
foram escritas para os leitores contemporâneos, apesar de serem inspiradas e possuírem
palavra de Deus para os cristãos atuais.

Por essa razão, o primeiro desafio do leitor é entender a situação histórica da


qual o profeta falou. Faz-se necessário retirar as lentes do séc. XXI e realizar o esforço
de enxergar o mundo do profeta. Quais eram os acontecimentos, a situação da vida
religiosa de Israel na época em que o livro profético foi escrito. Para isso o leitor pode
contar com panoramas históricos e introduções do Antigo Testamento. Algumas
perguntas podem ser realizadas, como: Em que século o profeta viveu? De onde ele
profetizou? (Reino do Norte ou Reino do Sul) Quais eram as relações do povo com as
nações vizinhas? Qual era a situação econômica e quem estava se beneficiando dela?
Como estava a vida religiosa de Israel?

Em segundo lugar, o leitor deve identificar qual o julgamento anunciado para


aquele povo, ainda naquela época. Tome como exemplo Amós 4.2-3:
50

O Senhor Soberano jurou por sua santidade: “Chegará o dia em que serão
levadas com ganchos no nariz. Até a última de vocês será arrastada como peixe
no anzol! Serão levadas para fora pelas ruínas do muro e expulsas de suas
fortalezas”, diz o Senhor.

Quando o contexto histórico de Amós é analisado, pode-se concluir que Deus e


a destruição do reino de Israel estava próxima, e de fato se concluiu no século VIII a.C.
pelo perverso império da Assíria. Imagine como os ouvintes de Amós se sentiram naquele
tempo. Essa é a urgência da mensagem profética.

Por fim, para uma aplicação atual, o leitor deve buscar quais as razões dadas
pelos profetas para os julgamentos de Deus. Geralmente essa é a ponte que se pode
fazer com o cristianismo atual. Palavras como “porquê” e “já que” podem ajudar
gramaticalmente a encontrar essas razões. Elas podem preceder a mensagem, segui-las
ou estar contidas no meio delas. Considere a acusação de Deus contra Israel pelas
palavras de Oseias no capítulo 4, versos 1 e 2:

Ó israelitas, ouçam a palavra do Senhor! O Senhor apresentou acusações contra


vocês: “Não há fidelidade, nem bondade, nem conhecimento de Deus em sua
terra. Vocês fazem votos e não os cumprem; matam, roubam e cometem
adultério. Há violência em toda parte, um homicídio atrás do outro.

Aqui ficam evidentes as violações de pelo menos três dos Dez Mandamentos.
Está explícito o pecado de Israel e a razão pela qual Deus enviará juízo. As declarações
que explicam os motivos de Deus para o julgamento podem aparecer em uma parte
distinta do texto como em Amós 2.6-12, podem estar no meio de uma passagem como
em Oséias 4.6-8, ou então aparecer em uma outra abordagem direta.

Quando as razões do julgamento são identificadas dentro do relacionamento do


povo com a aliança do AT, torna-se possível ter uma base para aplicar a passagem à
vida cristã atual. Quando os pecados de Israel são identificados, fazer a ponte com os
pecados da igreja atual é quase uma tarefa natural. Klein ilustra muito bem:

Na aplicação, o princípio da analogia traz a ponte do Israel do passado para os


cristãos no presente. Ao definir com cuidado o pecado ou os pecados de Israel,
o leitor agora pode buscar analogias para eles na vida moderna. (KLEIN, 2017,

p.591)
51

Para usar o exemplo acima de Oseias 4, pode-se perguntar de que maneiras os


cristãos contemporâneos "não mostram fidelidade, nem amor, nem conhecimento de
Deus?”. De que maneira amaldiçoar, mentir, matar, roubar e derramar sangue, tipificam
a vida de hoje e como se pode buscar arrependimento?

Porém, quando se trata de aplicação pessoal dos textos proféticos, alguns


cuidados precisam ser tomados. Primeiramente, os cristãos contemporâneos não vivem
mais sob a mesma perspectiva de Israel quanto a uma nação teocrática. Israel era
especificamente um povo sob uma aliança, em um relacionamento com Deus que
envolvia um estilo de vida alinhado com sua vontade. Por isso, uma aplicação adequada
dos profetas não deve ser para nações modernas, mas para o povo da nova aliança, a
igreja cristã. O Brasil não vive sob os mesmos critérios de Israel, portanto, profecias que
falam sobre toda uma nação, não poderiam ser aplicadas sobre o Brasil. Mais apropriado
é considerar a Igreja de Cristo como a “grande nação de Deus”.

Em segundo lugar, os livros proféticos denunciam pecados coletivos de todo um


povo que persistiam por anos, um estilo de vida afastado de Deus. Alguns leitores podem
interpretar de forma equivocada que determinada profecia diz respeito a algum pecado
pessoal e um juízo pessoal de Deus. Apesar da Bíblia condenar, sim, os pecados
pessoais e dizer quais são suas consequências, os profetas estavam preocupados com
um estilo de vida pecaminoso de todo o povo. Klein (2017, p.591) reforça que o juízo
divino caiu sobre Israel, não por alguns pecados, mas depois de uma longa história de
pecaminosidade, rebelião e resistência ao arrependimento. Sendo assim, ao ler as
profecias, o leitor deve saber que a consequência dos anúncios proféticos não é a que
Deus punirá cada pecado, mas que ele pode intervir contra um estilo de vida pecaminoso.

Como mencionado anteriormente, os profetas também tiveram um importante


papel no anúncio de promessas que traziam esperança. Apesar de serem menos
comuns, eram geralmente proclamadas mencionando o retorno do exílio e sobre a
restauração da terra após o juízo de Deus.

Com a chegada do juízo proclamado por Deus através dos profetas, o medo do
povo era de que Deus os tinha abandonado. Para isso Deus faz questão de levantar
profetas que anunciam a esperança, mostrando que mesmo com a infidelidade, Deus
52

sempre permaneceu fiel. O juízo foi o meio de Deus corrigir seu povo. Pode-se ver bem
em Jeremias 30.10-11ª:

Portanto, não tenha medo, meu servo Jacó; não desanime, ó Israel”, diz o
Senhor. “Pois o trarei de volta de terras distantes, e seus descendentes
retornarão do exílio. Israel voltará a ter uma vida de paz e sossego, e ninguém o
assustará. Porque estou com você e o resgatarei”, diz o Senhor.

Para entender as promessas dos profetas é importante antes que o leitor tenha
um bom conhecimento da história de Israel, de como e por que Israel foi destruído pela
Assíria, e logo depois Judá foi levada como cativa para a babilônia. É preciso entender
as causas, seus propósitos, os acontecimentos e resultados. Após isso, o leitor poderá
refletir sobre quais experiências modernas de “exílio” se comparam com ele.

3.2.3 Interpretando as predições do futuro

Já foi mencionado que noventa e nove por cento das profecias do Antigo
Testamento, que se referem a acontecimentos futuros, tiveram seu cumprimento no
próprio Antigo Testamento ou no Novo Testamento com a vinda de Cristo. Ainda assim,
como interpretar o um por cento restante? Como interpretar mensagens como a de Isaías
25.6-8:

Em Jerusalém, o Senhor dos Exércitos oferecerá um grande banquete para todos


os povos do mundo. Será um banquete delicioso, com vinho puro e envelhecido
e carne da melhor qualidade. Ali removerá a nuvem de tristeza, a sombra escura
que cobre toda a terra. Ele engolirá a morte para sempre; o Senhor Soberano
enxugará todas as lágrimas! Removerá para sempre todo insulto, contra sua terra
e seu povo. O Senhor falou!

Pode-se ver no texto que o profeta anuncia um banquete futuro, não para Israel,
mas para todos os povos. Faz alusão a um tempo em que nem mesmo os cristãos
contemporâneos vivem. Como interpretar profecias que vão para além dos períodos do
Antigo Testamento e até mesmo do Novo Testamento?

Antes de tudo, é preciso considerar que grande parte das predições do futuro são
condicionais e não absolutas. Ou seja, estão condicionadas à postura que o povo tinha
diante da advertência do profeta. Sendo assim, pode-se considerar as visões do futuro
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como advertências do que aconteceria caso não houvesse arrependimento e mudança.


O cumprimento dessas profecias se baseia em dois fatores: a soberania de Deus e sua
liberdade de fazer ou não o que quiser, e a situação do relacionamento entre as pessoas
e Deus. Em Jeremias 18.7-10 pode-se ver um claro exemplo de como as visões do futuro
estão condicionadas:

Se eu anunciar que uma nação ou reino será arrancado, derrubado e destruído,


mas essa nação abandonar seus maus caminhos, não a destruirei como havia
planejado. E, se eu anunciar que plantarei e edificarei uma nação ou reino, mas
essa nação praticar o mal e não quiser me obedecer, não a abençoarei como
havia declarado.

Deus diz que uma nação condenada pode escapar do juízo já anunciado contra
ela se houver arrependimento sincero, da mesma forma que uma nação que já teve uma
benção anunciada pode ser destruída se cair em pecado. Um exemplo concreto na Bíblia
é o da profecia contra Nínive no livro de Jonas, que tendo já uma condenação de Deus
recebe misericórdia após demonstrar arrependimento. Ou seja, quando se trata de visões
do futuro, mais vale considerá-las como advertências, que não são necessariamente a
vontade de Deus para o povo, mas uma consequência caso ele continue em seus maus
caminhos.

Dito isso, quais princípios práticos devem ser levados em conta para a
interpretação das “predições”? Primeiramente, se uma predição não teve seu
cumprimento claro no Antigo Testamento, elas devem ser interpretadas à luz do Novo
Testamento. Quando os profetas anunciavam acontecimentos de um “tempo vindouro”,
eles não tinham noção da quantidade de tempo e nem como isso aconteceria, suas
visões do futuro eram como uma só imagem. Klein ilustra bem isso quando diz que os
profetas possuem uma “visão telescópica” do futuro, vale a menção de sua ilustração:

É útil entender que os profetas do AT têm uma visão telescópica do futuro. As


Montanhas Rochosas em Denver, no estado do Colorado, parecem uma série de
picos distantes bem próximos, mesmo que na verdade os picos estejam a muitas
milhas um do outro. De forma semelhante, os profetas viam o futuro como uma
sucessão única de acontecimentos (a vista de "picos" distantes de Denver), mas
o NT mostra que, na verdade, existem grandes períodos entre eles (a distância
entre os "picos" quando são vistos de cima). (KLEIN, 2017, p.597)

Tome como exemplo a profecia de Isaías 9:6-7:

Pois um menino nos nasceu, um filho nos foi dado. O governo estará sobre seus
ombros, e ele será chamado de Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai
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Eterno e Príncipe da Paz. Seu governo e sua paz jamais terão fim. Reinará com
imparcialidade e justiça no trono de Davi, para todo o sempre. O zelo do Senhor
dos Exércitos fará que isso aconteça!

Isaías prevê o nascimento de um filho real que reinará no trono de Davi pra
sempre. A profecia realmente se cumpriu no próprio Antigo Testamento durante a vida
de Isaías, mas quando se lê “para sempre” no texto, os cristãos entendem que essa
profecia possui ainda um cumprimento ainda maior, que nem mesmo o profeta viu com
clareza. Fica claro que além do cumprimento imediato, à luz do Novo testamento, o texto
antecipa o nascimento de Jesus, aquele que reinaria para sempre. Utilizando a ilustração
de Klein, Isaías vê essa profecia de forma “telescópica”. Devido a esse fato, dos profetas
verem o tempo vindouro de forma telescópica como uma cena completa sem intervalos
óbvios entre os detalhes, a tarefa interpretativa é alinhar o conteúdo das profecias do
Antigo testamento com a perspectiva do Novo Testamento. Klein segue afirmando:

De acordo com o NT, a primeira vinda de Jesus deu início ao tempo vindouro já
no tempo atual. A obra de Cristo e da Igreja representa uma invasão daquele
tempo futuro de julgamento e de salvação no tempo presente. Por isso, temos
que interpretar as profecias do AT sobre o tempo vindouro em termos da virada
histórica que Jesus iniciou. (KLEIN, 2017, p.597)

Enquanto os profetas viam o tempo vindouro como um todo, o Novo Testamento


apresenta como tendo vários períodos com pelo menos duas fases, o tempo presente da
Igreja e o período iniciado pela segunda vinda de Cristo. Ao interpretar o cumprimento
das profecias do Antigo Testamento para o futuro, é preciso analisar com cuidado o seu
conteúdo para ver onde ele se encaixa nesse esquema mais amplo.

Uma outra característica das predições é que elas podem ter múltiplos
cumprimentos, como já visto na profecia de Isaías. Isso pode parecer um pouco confuso
para os leitores, mas é importante entender que existem profecias que já foram cumpridas
no Antigo Testamento, e que no Novo Testamento elas são reaplicadas para um
acontecimento posterior. Um outro exemplo é a de que Deus promete que o filho de Davi
Salomão o sucederá como rei em 2Samuel 7. Essa profecia em questão se cumpre no
próprio livro de Samuel, porém, no Novo Testamento, o autor de Hebreus também aplica
a mesma profecia a Jesus, como o filho de Davi (Hb 1.5). Fica evidente a característica
de duplo cumprimento da profecia.
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Por fim, o Novo Testamento associa todas as profecias da Bíblia à primeira e a


segunda vinda de Jesus. Isso é importante, pois, traz um alerta para que os leitores não
esperem cumprimentos entre esses dois acontecimentos. Essa é a razão do porquê o
cristão não deve ficar especulando como determinada profecia está se cumprindo na era
atual, dizendo que algum acontecimento histórico está cumprindo determinada profecia.
A menos que fique evidente o retorno de Cristo, esses cumprimentos não passam de
especulações. Aliás, como já dito anteriormente, o foco do leitor deve estar na
advertência do profeta e não nos acontecimentos futuros.

3.2.4 Perguntas para interpretação

Aqui estão, como sugestão, algumas perguntas a serem feitas ao texto que
ajudarão o leitor no processo de interpretação:

• Qual era a situação histórica dentro da qual o profeta está falando?


• Qual era o propósito ou o objetivo das palavras do profeta? Qual ideia principal ele
transmitiu?
• Quem ele condenou ou elogiou? Por quê?
• O que estava acontecendo? O que o profeta disse a esse respeito? Por quê?
• Quais questões ou prioridades você consegue identificar no que o profeta diz vez
após vez?
• A mensagem do profeta nesta passagem é principalmente uma ameaça ou
advertência, ou uma promessa e esperança? Qualquer que seja o caso, o que o
profeta queria que o povo fizesse em resposta?
• Como você resumiria a palavra de Deus mediante o profeta para o povo de Israel
daquela época?
• O que o profeta diria para a igreja hoje?
• Que comparações você pode fazer entre o que aconteceu em Israel na época do
profeta e o mundo ou a igreja hoje?
• O que o profeta condenaria ou elogiaria na atualidade? Por quê?
• Do que a igreja precisa se arrepender?
• Por quais razões a igreja pode ter esperança e fé?
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3.2.5 Para concluir

Quando Israel se desviou e deixou de trazer para a prática aquilo que criam, Deus
levanta seus mensageiros para corrigir a rota de seu povo. Assim os profetas devem ser
lidos: como portadores de uma mensagem que, na maior parte das vezes, se trata de um
julgamento por causa de uma vista pecaminosa. Por essa razão, os profetas são tão
necessários na atualidade. Eles são a voz necessária para o povo que insiste em se
rebelar contra Deus. Os profetas geralmente não são amados, mas essenciais para que
a igreja se volte ao Senhor e dobre seus joelhos.
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REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos,


2009.

BARTH, Kall. Church Dogmatics Volume I. Londres: Bloomsbury Publishing, 1956

CARROLL, Lewis. Through the Looking Glass. Filadélfia: Winston, 1957

CARVALHO, Antonio Vieira de, Teologia da educação cristã. São Paulo: Eclesia, 2000.

DULCI, Pedro. A vida do lado de fora. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2021.

FEE, Gordon. Entendes o que lês? São Paulo: Vida nova, 2013

GUSSO, Antônio Renato. Como Entender a Bíblia. Curitiba: Ad Santos, 2002.

KLEIN, William W. Introdução à interpretação bíblica. São Paulo: Thomas Nelson


Brasil, 2017.

MCGINNIS, Claire M. The Scriptures of Israel. Baker, Academic, 2017.

RYKEN, Leland. How to read the bible as literature. Grand Rapids: Zondervan, 1984.

SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. Rio de Janeiro: Cultura Cristã,


1994.

VANHOOZER, Kevin. O Drama da Doutrina – Uma abordagem canônico linguística


da teologia cristã. São Paulo: Vida Nova, 2016.

WON, Paulo. E Deus falou na língua dos homens. São Paulo: Thomas Nelson Brasil,
2020.

WRIGHT, Christopher. Como pregar e ensinar com base no Antigo Testamento. São
Paulo: Mundo Cristão, 2018.

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