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DESTINATÁRIOS
São endereçadas a Timóteo e a Tito, responsáveis particulares pelas Igrejas, não
às próprias comunidades.
Timóteo é originário de Listra, na Licaônia, e filho de pai pagão e de mãe judia
convertida ao cristianismo. A mãe, Eunice, e sua avó Lóide (2Tm 1,5) educam-no desde
a primeira infância na fé cristã (2Tm 3,15). Paulo o encontra em sua primeira viagem
missionária (At 14,6.8-20.21) e associa-o a si definitivamente em sua segunda passagem
por Listra (At 16,1-3). Circuncida-o por causa dos judeus que há naqueles lugares (At
16.1-3). Relativamente novo, provavelmente de caráter tímido e reservado e de saúde
delicada (1Tm 4,12; 5,23; 2Tm 1,8; 2,22). Timóteo está ao lado de Paulo como
remetente de várias cartas: a primeira e a segunda aos Tessalonicenses, a segunda aos
Coríntios, a carta aos Filipenses, aos Colossenses e a Filemon. Na carta aos Romanos, é
qualificado como “colaborador” do Apóstolo e envia junto com ele suas saudações à
comunidade (16,21). Na missão em Tessalônica e em Corinto, desempenha um papel
importante.
Tito é conhecido só pelas cartas paulinas. Os Atos não falam dele. Gentio de
nascimento, abraça a fé sem a obrigação da circuncisão (Gl 2,1-5). Desempenha um
papel importante na missão em Corinto (2Cor 7,6-16). Deve-se a ele o fato de o tenso
relacionamento entre a comunidade e o Apóstolo ter melhorado. Foi encarregado da
coleta para os cristãos de Jerusalém (2Cor 8,6), mostrando-se digno de confiança (2Cor
12,17). Em Tt 1,5, Paulo o teria enviado para organizar a Igreja de Creta.
CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS
O estilo das cartas é lento, difuso e monótono. A reflexão é tranquila, serena, às
vezes um pouco pesada e moralizada. Nelas se encontram 305 termos que não aparecem
nas outras cartas paulinas e 175 vocábulos desconhecidos no Novo Testamento.
Encontramos nelas 335 termos próprios das cartas pastorais presentes em autores do
segundo século. Além disso, nota-se que nas cartas estão ausentes várias expressões
características de Paulo, como os termos “evangelizar”, “dar graças”, “gloriar-se”,
“corpo”, “carne”, “liberdade”, “sabedoria”, “circuncisão”. A língua é mais próxima do
grego literário do que do grego bíblico (koiné). Na exposição, falta uma ordem rigorosa
e é evidente certa fragmentação.
Nota-se a repetição de motivos e refrões que nunca aparecem nas outras cartas
paulinas: Fiel é esta palavra (1Tm 1,15; 3.1; 4,9; 2Tm 2,11; cf. Tt 3,8). Tu, porém,
homem de Deus (1Tm 6,11; cf. 2Tm 3,10.14; 4,5: Tt 2,1). Eis o que deves ensinar (1Tm
4,11; 6,2; cf. Tt 2,15).
São ricas em normas de disciplina de teor jurídico (1Tm 2,9-12; 3,2-7.8-13; 5,3-
16.17-25: 6,1-2: 2Tm 2,14-26; Tt 1,6-9; 2,2-10), as cartas contêm também elementos
litúrgicos da Igreja primitiva que se integram bem aos ensinamentos oferecidos (1Tm
1,17; 2,4; 3,16; 6,15-16; 2Tm 2,8.11-13). Nelas estão presentes também provérbios e
ditos de sabedoria popular (1Tm 4,8; 5,24; 6,7), orientações concretas para um bom
trabalho apostólico (1Tm 4,6-8.13-16; 2Tm 2,22-26; 3,10-17), sínteses catequéticas da
fé cristã (Tt 2,11-14; 3,4-7). São, portanto, documentos preciosos, que oferecem um
verdadeiro manual para o bom exercício do ministério.
CARTA A TITO
Endereço (1,1-4)
A organização das Igrejas (1,5-9)
Tarefa de Tito em Creta.
Luta contra os falsos doutores (1,10-16)
Os adversários estão pervertendo famílias inteiras e, com o objetivo de lucro,
ensinam o erro (1,12).
As tarefas pastorais (2,1-10)
Tito deve lidar com várias categorias: pessoas velhas, mulheres idosas, jovens,
servos.
Fundamento das exortações de Paulo (2,11-15)
O plano salvífico de Deus e a ação salvadora de Jesus Cristo.
Os deveres dos fiéis (3.1-7)
Submissão aos magistrados e às autoridades, trabalho honesto, sem difamar ou
brigar, mostrando delicadeza para com todos.
Conselhos especiais (3.8-11)
Evitar controvérsias e debates fúteis. Afastar-se dos hereges.
Recomendações práticas e saudações (3.12-15).
MINISTÉRIOS
1. Além do próprio Apóstolo e de Timóteo e Tito, que gozam de uma autoridade
especial, faz-se menção, nas cartas, a outros responsáveis pela comunidade: o epíscopo
(1Tm 3,1-7; Tt 1,7-9), os presbíteros (1Tm 5,17-25; Tt 1,5-6) e os diáconos (1Tm 3,8-
13).
Essas tarefas possuem características específicas. Próprio das comunidades de
cultura helenística, o termo “epíscopo”, já encontrado em F1 1,1, qualifica aquele que
tem o papel de supervisor. Trata-se do primeiro responsável pela vida dos cristãos.
Frisando sua importância, a carta lembra que o epíscopo deve cuidar da Igreja de Deus
vivo assim como governa sua família (1Tm 3,5), “sendo ecônomo das coisas de Deus”
(Tt 1,7). O termo “presbítero” aparece no âmbito cultural judaico e indica o grupo dos
anciãos que têm uma função de liderança na comunidade. Trata-se de uma liderança
colegial, segundo o modelo sinagogal (At 11,30; 15,2; 21,18). O termo “diácono” indica
uma tarefa de serviço qualificado, provavelmente em prol dos pobres ou dos doentes.
Não se refere ainda ao ministério diaconal em sentido próprio, que, na Igreja, vem à luz
só posteriormente.
Não é improvável que 1Tm 3,11 possa indicar também a presença de diaconisas
na comunidade. No contexto da perícope, referente aos diáconos, realça-se: As mulheres
igualmente devem ser dignas, não maldizentes, sóbrias, fiéis em tudo (). Trata-se das
esposas dos diáconos ou de mulheres que exercem na Igreja a função diaconal? A
segunda possibilidade parece mais provável, levando-se em conta a existência de
diaconisas na Igreja primitiva, uma das quais é Febe, mencionada em Rm 16,1.
2. Em relação aos ministérios do epíscopo e dos presbíteros, é preciso destacar
que as duas funções pertencem a mundos culturais diferentes e representam modelos
diferentes de liderança. Paulo, nas cartas de sua segura autoria, nunca usa o termo
“presbítero”, característico das Igrejas lucanas, mas o termo “epíscopo”.
E provável que nas cartas pastorais, que mencionam os dois termos juntos, seja
esboçado o momento em que os dois ministérios, inicialmente diferentes, começam a se
justapor e a se confundir. Nas cartas, as funções do epíscopo e dos presbíteros são as
mesmas. Consistem, em particular, em presidir a comunidade (1Tm 3,4; 5,17a), exercer
o ministério da Palavra e instruir (1Tm 3,2; 5,17; Tt 1,9; 2Tm 2,2), combater as heresias
(2Tm 4,3). Isso se torna ainda mais claro em Tt 1,5.7, em que os termos “presbítero” e
“epíscopo" são equivalentes, levando-se em conta que. no início do v. 7. a conjunção
“no entanto", “com efeito", opera a ligação entre os versículos: Eu te deixei em Creta
para cuidares da organização e ao mesmo tempo para que constituas presbíteros em
cada cidade, cada qual devendo ser. como te prescrevi. homem irrepreensível |...|. No
entanto, é preciso que, sendo ecônomo das coisas de Deus, o epíscopo seja
irrepreensível". A mesma equivalência se encontra em At 20,17.28, onde Paulo dirige
suas palavras de despedida aos "presbíteros" de Éfeso (v.17). que ao longo do discurso
chama de "epíscopos" (v. 28).
3. Embora as funções sejam equivalentes, é interessante notar que. nas cartas
pastorais, fala-se do "epíscopo" só no singular e dos “presbíteros" só no plural. Isso
poderia talvez indicar a função de liderança própria do supervisor em relação aos
presbíteros. Essa particularidade da linguagem pode ser o sinal de que. na Igreja, está
em ato um processo de hierarquização.
4. E provável também que na época das cartas pastorais já houvesse um colégio
presbiteral, embora dele se faça clara menção só nas epístolas de Inácio de Antioquia.
Em 1Tm 4,14 fala-se em “presbitério”
fazendo-se referência ao organismo dos presbíteros, que tem funções particulares e pelo
qual Timóteo recebeu a imposição das mãos. Rebaixar a afirmação do texto à luz de
outra lição grega, traduzindo o termo como “presbiterato” e realçando, assim, que
Timóteo recebeu a imposição das mãos “em vista do presbiterato” não é uma solução
que convence. Nas
cartas. Timóteo nunca é chamado de presbítero.
5. Falando do rito da imposição das mãos a respeito de Timóteo (1Tm 4,14; 2Tm
1,6) e, em geral, dos presbíteros (1Tm 5,22), as epístolas pastorais destacam o gesto
pelo qual, desde o início da Igreja, transmite-se a alguns de seus membros um poder
para a construção da comunidade, pedindo a Deus que os estabeleça no serviço para o
qual foram escolhidos.
6. As cartas pastorais manifestam também o interesse para o tema da sucessão,
no ministério: “O que de mim ouviste na presença de muitas testemunhas, confia-o a
homens fiéis, que sejam idôneos para ensiná-lo aos outros” (2Tm 2,2). Não se trata,
porém, de sucessão apostólica, mas de renovação de ministérios locais. Com efeito, não
se fala da morte próxima de Timóteo e da necessidade de sua substituição.
7. Nas cartas insiste-se muito sobre as qualidades que devem ter os candidatos às
tarefas ministeriais. Dão-se, em consequência, orientações claras para a escolha do
epíscopo (1Tm 3,2-7), dos presbíteros (1Tm 5,17-20;Tt 1,6-8) e dos diáconos (1Tm 3,8-
13): “É preciso que o epíscopo seja irrepreensível, esposo de uma única mulher, sóbrio,
cheio de bom senso, simples no vestir, hospitaleiro, competente no ensino, nem dado ao
vinho, nem briguento, mas indulgente, pacífico, desinteresseiro”. Há também sugestões
pormenorizadas em relação ao comportamento das mulheres: “Que elas tenham roupas
decentes, se enfeitem com pudor e modéstia; nem tranças nem objetos de ouro, pérolas
ou vestuário suntuoso; mas que se ornem, ao contrário, com boas obras, como convém
a mulheres que se professam piedosas” (1Tm 2,9-15). Tudo isso realça a importância
da disciplina na vida da comunidade eclesial.
8. Destaca-se também o papel das viúvas, que constituem um grupo particular na
Igreja, com tarefa e consagração especiais: “Uma mulher só será inscrita no grupo das
viúvas com não menos de sessenta anos se tiver sido esposa de um só marido, se tiver
em seu favor o testemunho de suas boas obras, criado filhos, sido hospitaleira, lavado
os pés dos santos, socorrido os atribulados, aplicada a toda boa obra” (1Tm 5,3-16).
9. O tema da organização eclesiástica falta na segunda carta a Timóteo, que
destaca de modo particular tanto a situação de solidão de Paulo, prestes a ser oferecido
em libação a Deus (2Tm 4,6), quanto o perigo dos falsos doutores que ameaça toda a
Igreja.
OS ADVERSÁRIOS
Eles aparecem nas duas cartas endereçadas a Timóteo. Poucas vezes fala-se deles na
carta a Tito. Alguns elementos os caracterizam:
1. Surgem da própria comunidade cristã e atuam em seu meio. Em Tt 3,10, o
falso doutor é qualificado de “homem herético”. O termo grego airetikón indica aquele
que divide a comunidade, não aceitando a verdade proclamada pela Igreja. As ameaças
vêm dos próprios fiéis que se pervertem.
2. Os desvios são, porém, apresentados de modo genérico, segundo os esquemas
utilizados pelos filósofos antigos contra os sofistas. “Virá um tempo em que alguns não
suportarão a sã doutrina; ao contrário, segundo seus próprios desejos, como se
sentissem comichão nos ouvidos, se rodearão de mestres” (2Tm 4,3). Não se aponta
ainda para um movimento particular, com feições bem determinadas.
3. O ensinamento desses doutores consiste em “fábulas e genealogias sem fim”
que favorecem as discussões, sem ajudar no crescimento da fé (1Tm 1,4). Pregam que a
ressurreição já aconteceu (2Tm 2,18), proíbem o casamento, exigindo abstinências
alimentícias (1Tm 4,3) e desviando os homens com atitude de mestres (2Tm 4,3-4),
embora sejam “insubmissos, palavrosos e enganadores” e não tenham o direito de
ensinar (Tt 1,10-11). As cartas os condenam, qualificando suas palavras de “doutrinas
demoníacas” (1Tm 4,1), de “mandamentos dos homens desviados da verdade” (Tt
1,14).
4. Eles provavelmente são judeus-cristãos que pretendem “passar por doutores
da Lei” (1Tm 1,7), promovendo fúteis “debates sobre a Lei” (Tt 3,9; Tt 3,9; 1Tm 1,4) e
levantando questões referentes a “mitos judaicos” (1Tm 1,4; Tt 1,14). Procurando uma
“falsa gnose” (1Tm 6,20), talvez sejam simpatizantes por alguns motivos da doutrina
gnóstica, que começa a se difundir no oriente médio. Não se pode definitivamente
qualificá-los como verdadeiros gnósticos.
QUESTÃO DA AUTENTICIDADE
1. A canonicidade das cartas pastorais é destacada já pelo Cânon Muratori (180
d.C.) e por Santo Ireneu (200 d.C.), que as colocam no “corpo paulino”.
2. Traços paulinos:
O plano de Deus é qualificado de “mistério”, embora fale-se do “mistério da
piedade” (1Tm 3,16) e não em “mistério” de forma absoluta.
Destaca-se a gratuidade da redenção oferecida por Deus em Jesus Cristo (1Tm
3,16; Tt 2,11-14; 3,6-7).
Usa-se o termo “justificação” em Tt 3,7.
Destaca-se que a salvação acontece pela graça (Tt 3,7), por meio da fé (1Tm
1,16; 2Tm 3,15), por meio do sacramento do batismo (Tt 3,5), e que as obras
humanas não conseguem justificar ninguém (Tt 3,5; 2Tm 3,15).
As orientações morais referentes aos escravos (1Tm 6,1-2) e ao comportamento
para com as autoridades humanas (1Tm 2,1; Tt 3,1) se encontram também em
outras cartas paulinas.
A convicção de que os sofrimentos do Apóstolo concorrem para o bem espiritual
dos fiéis (2Tm 2,10) é um tema paulino.
A atitude de suavidade no trato com os pecadores, realçada em 2Tm 2,25. “É
com suavidade que deve educar os opositores, na expectativa de que Deus lhes
dará não só a conversão para o conhecimento da verdade, mas também o
retorno à sensatez” , se encontra também em Gl 6,1.
A luz desses pormenores, aceita-se a autoria paulina das epístolas pastorais e pensa-
se na evolução da teologia do Apóstolo e de seu vocabulário. A esse propósito, valoriza-
se, como sinal de antenticidade, as notícias pessoais de Paulo (2Tm 4,6-17; Tt 1,5; 3,12-
14) e os pedidos particulares que o Apóstolo faz a Timóteo: “Traze-me, quando vieres,
o manto que eu deixei em Trôade, na casa de Carpo, e também os livros, especialmente
os pergaminhos” (2Tm 4,13). Levando-se em conta que Paulo é velho e escreveu numa
prisão, rodeado por muitos prisioneiros, num ambiente sujo e obscuro, os partidários da
autenticidade paulina das cartas reconhecem que houve a presença de um secretário,
que, embora não mencionado nas cartas, pode ter influenciado na sua redação.
Hoje em dia prevalece a tese da não-autenticidade das cartas. Elas representam,
pois, uma reinterpretação da tradição apostólica feita por um discípulo após a morte de
Paulo. As motivações são as seguintes:
Os dados históricos são fictícios, convencionais e não passam de mera roupagem
literária.
O enfoque teológico é diferente. Faltam as grandes perspectivas paulinas, o
vigor da exposição do Apóstolo é menor, seu pensamento se toma mais
moralista, lento e monótono.
O estilo e o vocabulário mudam. Alguns estudiosos frisam que, num total de 902
termos das cartas pastorais, 305 não se encontram no epistolário paulino
considerado autêntico e 175 não aparecem no Novo Testamento.
O interesse marcado pelas anotações pessoais do Apóstolo (2Tm 4,9-13.20) deve
ser interpretado como um meio literário fictício utilizado para convencer de que
as composições são autênticas.
Se o autor das cartas pastorais fosse o Apóstolo, haveria um discutível acréscimo
de dados biográficos e cronológicos para reconstruir os últimos anos da vida de
Paulo. Depois do primeiro cativeiro em Roma, ele teria ido à Espanha (Rm
15,24.28). Daí teria voltado para Creta (Tt 1,5), onde teria encarregado Tito de
cuidar da Igreja como seu primeiro responsável. Depois teria ido ao Épiro,
ficando na cidade de Nicópolis (Tt 3,12). Então teria se mudado para Éfeso
(1Tm 1,3). Passando por Trôade (2Tm 4,13), teria voltado à Macedônia (1Tm
1.3) e, por fim, ido para Roma, onde teria sido preso uma segunda vez (2Tm
1,17).
A reconstrução hipotética em si não é absurda. Mas é difícil acreditar que uma
pessoa idosa como Paulo possa ter feito tantas viagens do ocidente para o oriente
e do oriente para o ocidente, levando em conta, em particular, as condições do
transporte daquela época.
Além disso, dever-se-ia explicar por que Paulo, após o primeiro cativeiro em
Roma (60-63 d.C.), foi preso uma segunda vez. Embora Clemente Romano, o
Cânon Muratoriano e Eusébio falem do segundo cativeiro do Apóstolo. Sua
morte deveria ter acontecido, então, no ano 67 d.C. e não em 64 d.C., segundo
uma opinião comum.
DATAÇÃO
Aqueles que veem autenticidade paulina nas cartas acreditam que a primeira
carta a Timóteo e a carta a Tito foram escritas pelo próprio Paulo na Macedônia, em 64-
65 d.C., e que a segunda carta a Timóteo, que, por seu conteúdo, é posterior às duas
primeiras, veio à luz em Roma no ano de 67 d.C., pouco antes da morte do Apóstolo.
Atualmente prefere-se dizer que as cartas pastorais são da escola paulina e foram
escritas em Roma no final do primeiro século. Com efeito, há uma evidente afinidade
entre elas e a primeira carta de Clemente Romano. Não se pode atrasar demais sua
redação, porque nelas os falsos doutores aparecem ainda atuantes no interior das
comunidades. Depois das primeiras décadas do segundo século, ao contrário, se torna
clara a distinção entre a Igreja e as seitas.
PROTOCATOLICISMO?
O termo “protocatolicismo”, de cunho protestante, significa que em alguns
livros da Bíblia há elementos que não pertencem à pura tradição da Igreja e que,
portanto, não podem ser considerados como normativos pela fé. Com evidente
menosprezo, destacam que esses traços são semelhantes aos que se encontram hoje em
dia na Igreja católica. Os livros acusados de protocatolicismo são as cartas pastorais e a
obra lucana. Os seguintes motivos levam os protestantes a qualificar de protocatólicas
as cartas pastorais:
Nelas, não se coloca em primeiro plano o valor da cruz de Jesus, que determina
a crise de todos os valores mundanos.
Não se faz menção à vida carismática da Igreja e frisa-se o valor das estruturas.
Falta interesse pela vinda escatológica de Cristo e valoriza-se a história humana.
Interessante ver nessa perspectiva que, se seus partidários fossem coerentes com
suas posições, tirariam do cânon, juntamente com Lucas e Atos, também as cartas
pastorais ou reconheceriam que algumas dimensões básicas da Igreja católica já estão
presentes no Novo Testamento. E verdade, porém, que a acusação de protocatolicismo
levantada contra essas composições neotestamentárias perdeu hoje em dia parte de seu
valor, porque atualmente os protestantes estão redescobrindo a dimensão sacramental da
Igreja, assim como os católicos descobrem novamente sua dimensão pneumática e o
valor básico da Bíblia.
É importante reconhecer que as cartas pastorais são uma tentativa de inculturação da
fé numa situação de vida na qual a tensão escatológica diminuiu. Nelas, o cristão tem
consciência de morar neste mundo entre a primeira e a segunda vinda de Cristo (2Tm
1,10 e 2Tm 4,1.8). Deve enfrentar a vida cotidiana levando a sério a realidade da
história e os deveres do próprio estado, sem se subtrair aos vários compromissos
humanos. Deve dar um bom testemunho perante todos os homens, sem ser
desacreditado por aqueles que não pertencem às fileiras da comunidade (1Tm 3,7). Feliz
de ser membro da Igreja, a reconhece como a instituição divina na qual é possível
realizar com segurança o caminho da salvação, ao abrigo do risco dos hereges.
A respeito das outras cartas paulinas, as pastorais destacam, assim, outro aspecto
da vida da Igreja: o valor do cotidiano, a necessidade de viver nas estruturas existentes
sem desejo de evasão, em comunhão com os responsáveis pelas comunidades, à luz de
normas concretas que indicam
em que consiste a correta existência cristã.