Você está na página 1de 7

CAPÍTULO II

DA CRISE DO IMPÉRIO ROMANO AS


INVASÕES BÁRBARAS

Com o fim da República, em 27 a.C., Roma ergueu um império grandioso,


aqui, do ponto de vista geográfico, lhe garantindo poder, domínio e prosperidade du-
rante séculos. As conquistas territoriais iam desde a Europa Ocidental, passando pelo
norte da África até a Ásia Maior. O século II d.C. representou o ápice de seu expansi-
onismo, época da chamada Pax Romana, no qual os cidadãos viveram momentos de
prosperidade e relativa tranquilidade. Foi a era de ouro do imperialismo romano:
crescimento, estabilidade e poderio hegemônico. O sistema econômico, político e so-
cial operou plenamente nos séculos iniciais da Era Cristã. A partir do século III, a si-
tuação tende a se modificar de maneira considerável, quando o Império Romano
sentiu os primeiros efeitos do colapso que o levaria à derrocada. Os problemas se de-
ram, sobretudo, na política e na economia, neste último caso, devido as condições
deficitárias do sistema escravista. Durante os áureos tempos do império, além da con-
quista de novas terras, havia uma renovação da população escrava. Cessando a fase de
expansão, o processo de aquisição de novos escravos fora interrompido criando uma
escassez de mão de obra, propiciando igualmente uma redução da produtividade. O
custo de vida nas cidades, afetadas pela carência no abastecimento de mercadorias, se
elevou muito culminando numa inflação sem precedentes.

A alternativa de sobrevivência a estas grandes dificuldades foi o regime do colo-


nato, ou seja, um grande proprietário arrendava parte de sua terra a um arrenda-
tário, que em troca lhe pagava com parte da sua produção. No contexto de crise
romana, várias camadas da sociedade se viram diante desta possibilidade: cam-
poneses, pequenos comerciantes falidos, indivíduos que atuavam nas cidades etc.
Iniciava-se, pois, na Europa, um processo de migração da população da cidade
para o campo, um processo crescente de ruralização desta sociedade. (CALAI-
NHO, 2014, p. 19).

Em 301, diante da crise inflacionária que havia afetado substancialmente as fi-


anças do Império Romano, o imperador Diocleciano decidiu por promulgar um de-
creto estipulando o tabelamento dos valores dos produtos. O Édito sobre Preços
Máximos (Edict on Maximum Prices), foi uma tentativa de conter a desvalorização da
15 HISTÓRIA MEDIEVAL

moeda. Noutros termos, um meio de obstruir a grande inflação através do congela-


mento dos preços das mercadorias (SILVA, 2017, p. 90). Com base no documento,
quem cometesse infrações contra as diretrizes reguladoras da precificação máxima,
poderia ser condenado a pena de morte. Apesar de seu teor severo ou mesmo intimi-
datório, o decreto caiu por terra a partir da abdicação de Diocleciano, em 305 d.C.

O DECLÍNIO DO REGIME ESCRAVISTA

Um dos fatores cruciais para acelerar a degradação do Império Romano, entre


os séculos III e V, foi a crise que atingiu o regime de escravidão. Os latifúndios passa-
ram a ser divididos em pequenas propriedades de terras ocasionando a redução na
produção, em que pese, neste sentido, já haver uma escassez de escravos para o traba-
lho nestas áreas. Sairia muito caro manter a mão de obra escrava, dadas as necessida-
des de alimentação e vestuário dos escravos. Para isso, os senhores precisavam recor-
rer à produção dos latifúndios ao ponto de não sobrar quase nada para obter lucros.
Outro aspecto gerador da decadência do escravismo romano está associado a di-
minuição das guerras, uma vez que por intermédio delas procedia-se o abastecimento
de escravos no Império Romano do Ocidente. Registrou-se uma queda na comercia-
lização, em contrapartida, o preço da venda de escravos cresceu. Decerto, o regime
acarretou prejuízos para os proprietários de latifúndios. Ademais, o Cristianismo, ao
se estabelecer em Roma, alcançando cada vez mais fiéis, condenava a escravidão, ex-
ceto para quem não fosse cristão. Assim, defendia a libertação dos escravos, ao passo
que colaborou para a crise do regime.
Tendo em vista o declínio do modelo escravista no conturbado ambiente do
Império Romano, no que concerne a questão econômica, gradualmente ocorre a
substituição pelo trabalho servil através da prática do colonato, entendida por cam-
poneses e pequenos comerciantes falidos que até então viviam nos centros urbanos,
como única opção para sobreviver em melhores condições. Basicamente o colonato
consistia num sistema de arrendamento de terras concedido pelos grandes proprietá-
rios aos arrendatários, ou colonos. Estes, por outro lado, deveriam pagar aos arrenda-
dores, isto é, os grandes proprietários, uma fração daquilo produzido na propriedade.
Estas pessoas, agricultores livres, ao tornarem-se colonos, estariam presos à terra.
Os escravos também poderiam arrendar terras elevando-se à condição de colo-
nos, além, é claro, de plebeus urbanos, que migravam para as regiões campestres por
força da crise política e militar e os bárbaros, que adentravam os limites do Império
Romano fugindo de conflitos na Germânia. Doravante, tinha início a ruralização da
Europa, a migração, em massa, da população das cidades para o campo. O latifúndio
se tornou a unidade de produção para autossuficiência, um local mais seguro do que
16 DA CRISE DO IMPÉRIO ROMANO AS INVASÕES BÁRBARAS

os centros urbanos, sob ataque das invasões bárbaras. As vilas (villas) configuraram-se
como centros produtivos habitados pelo senhor, responsável por conduzir a vida eco-
nômica, política e militar da localidade. No em torno dela, estavam os servos dos se-
nhores.

A POLÍTICA E O CRISTIANISMO NA CRISE DO ROMA

O caos do Império Romano repercutiu no campo político, pois desenrolou-se


uma intensa disputa interna pelo poder em face de atos de insubordinação praticados
por eminentes generais no tocante ao imperador. Sucederam-se conspirações contra o
governante supremo, fase esta conhecida por anarquia militar e caracterizada por gol-
pes e desordens sociais. Uma “tempestade” abateu-se sobre a política romana em con-
sequência do fortalecimento da figura do imperador e a profissionalização do exérci-
to, principal instituição do Império. A posteriori, em vista da crise econômica que as-
solara o espectro romano, e que efetivamente refletiu no setor político, a iniciativa de
divisão definitiva do Império em Ocidente, com capital em Roma, e Oriente, com
capital em Constantinopla, partiu do imperador Teodósio, por volta do ano 395.

As tochas de Nero, de Henryk Siemiradzki (1878). Segundo Tácito, Nero usou cristãos como tochas
humanas. Fonte: Henryk Siemiradzki, This file comes from The National Museum in Kraków Digital
Collection.
17 HISTÓRIA MEDIEVAL

Disposta a conquistar tudo aquilo que lhe fosse favorável, Roma, agora estava
em meio ao transtorno resultante da crise do imperialismo e do escravismo, suas ba-
ses de sustentação de poder. Ademais, o avanço do cristianismo foi preponderante
para a deterioração do Império Romano no século V. A perseguição feita pelos impe-
radores as comunidades primitivas cristãs ocorreu intermitentemente por mais de
dois séculos. Dos plebeus a elite patrícia, o culto cristão ganhou extrema relevância
na sociedade. A predominância do cristianismo incide duas etapas distintas. Uma,
em 313, com o Édito de Milão, estipulado pelo imperador Constantino, concedendo
liberdade de culto a fé cristã. Depois, em 380, por meio do Édito de Tessalônica, de-
creto de Teodósio I instituindo-o como religião oficial do Estado romano.

Com o édito de Tessalônica (Cunctos populos), promulgado pelos imperadores


Graciano, Valentiniano II e Teodósio em 27 de fevereiro de 380 e dirigido à po-
pulação de Constantinopla, mas que no fundo apontava para todos os súditos
do Império, se impôs a todos os cidadãos a profissão da religião católica, que se
tornou, desse modo, religião de Estado, assumindo de fato o lugar ocupado an-
teriormente pelo paganismo (MONDONI, 2014, p. 60).

OS BÁRBAROS OCUPAM ROMA

Em meio a problemas de ordem política, econômica e administrativa, o Impé-


rio Romano do Ocidente sofreu uma grave fragilização em suas fronteiras, permitin-
do a integração de grupos compostos por povos bárbaros, muitos dos quais de ori-
gem germânica. Estas populações receberam a denominação de bárbaros por não co-
mungar da mesma cultura e idioma dos romanos. Imediatamente, as tribos germanas
“impuseram sua forma de organização social, pautada em laços sanguíneos e fidelida-
de ao líder” (CARVALHO, 2016, p. 35). Na realidade, a civilização local foi incapaz
de interromper a investida dos invasores pelas áreas limítrofes facilitando a entrada
de grupos estrangeiros. Os embates com os germanos começaram ainda no século II
porque essas tribos, encabeçadas por líderes guerreiros, atacavam constantemente as
fronteiras imperiais.
Embora o ponto central da ação bárbara tenha se dado no século IV, a primeira
tentativa de contato entre romanos e germânicos aconteceu bem antes disso. Essenci-
almente, exploravam certa região até que fossem esgotados todos os recursos naturais
para depois irem em busca de outras terras. Costumavam apelar para saques e pilha-
gens. Seguramente, Roma não teve como esboçar reação contra o ingresso dos inva-
sores, que pouco a pouco passaram a ocupar parte do território. Ao se instalarem nas
províncias, os germânicos se transformaram em federados, inaugurando um regime
18 DA CRISE DO IMPÉRIO ROMANO AS INVASÕES BÁRBARAS

sob o qual teriam o direito de utilizar a terra, todavia, deveriam pagar impostos e ce-
der soldados. Tudo isto transcorreu pacificamente.
O século IV exprimiu uma mudança desse panorama de aparente passividade.
Os hunos, grupos nômades de etnia eurasiana, eram grandes guerreiros e comumente
aterrorizavam civilizações nos locais em que passavam. Ao se deslocarem para o oeste
até o Ocidente, levaram pânico aos germânicos que não tiveram outra escolha se não
buscar refúgio no Império Romano. Chefiados por Átila, os hunos outrossim invadi-
ram o império, mas o poder desta confederação tribal sucumbiu à morte do seu rei.
Quanto aos germanos, milhares deles saquearam, pilharam e destruíram todo o
que encontravam pela frente, fugindo dos nômades. Os cidadãos romanos nada pu-
deram fazer. Em 410, Alarico II, comandou os visigodos no saque de Roma. Com o
tempo, além dos visigodos, os ostrogodos, anglos, saxões, alanos e outros povos do-
minaram o território. Em 4 de setembro de 476, Odoacro, líder dos hérulos, invadiu
Roma e depôs o último imperador, Rômulo Augusto, decretando o desaparecimento
do Império Romano do Ocidente. Para a historiografia, este é considerado o marco
final da Antiguidade Clássica e o princípio da Idade Média na Europa Ocidental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, vimos que a partir do século III, instalou-se uma grave crise po-
lítica e econômica no Império Romano. Este cenário crítico procedeu do expansio-
nismo territorial de Roma, ou melhor, da cessação de conquistas de novas terras, do
enfraquecimento do poder militar e político, má administração e, acima de tudo,
pela penetração de povos bárbaros por força da fragilidade das áreas fronteiriças.
Após séculos de agonia, o Império Romano sucumbiu ao caos que ele mesmo confi-
gurou. A parte Ocidental não foi capaz de suportar tantos problemas, ao contrário da
Oriental, que se manteve firme, sendo conduzida pela cidade de Constantinopla, e
tornando-se Império Bizantino. Em 476, Odoacro, impetuoso líder dos hérulos,
ocupou Roma e destituiu o último imperador ocidental, Rômulo Augusto, colocan-
do um ponto final na história do maior império de todos os tempos. Na visão da his-
toriografia, a queda de Roma marca também o término de uma era, a Antiguidade
Clássica, e o começo de outro ciclo, a Idade Média. Tem-se, aí, uma nova realidade
política, econômica, social e cultural como alicerce da Europa Ocidental.
19 HISTÓRIA MEDIEVAL

A ANTIGUIDADE TARDIA

“Em 476, o último imperador romano ocidental, Rômulo Augusto, pôs fim ao Impé-
rio no Ocidente. A partir daí, o Império Romano, no Ocidente, passou a ser um momento
de glória no passado, que muitos tentaram restaurar, inclusive com esse nome, como no
caso de Carlos Magno, coroado imperador romano em 800 d.C., ou no posterior Sacro
Império Romano (962-1806). De fato, eram outros impérios, mas buscavam legitimação
fazendo referência ao antigo Império Romano. Apesar das grandes diferenças existentes en-
tre o Ocidente, governado pelos germanos, e o Oriente, grego sob o domínio romano,
houve também continuidades. Até ao menos a expansão do islamismo, no século VII, a cul-
tura antiga, agora já como parte da nova ordem cristã, persistiu, assim como os contatos
comerciais entre essas duas grandes regiões. O latim continuou como língua de comunica-
ção. Por outro lado, a adoção do cristianismo como religião pelo Estado romano criara
condições para o desenvolvimento de um modo de pensar e de viver que diferia em muitos
pontos dos princípios da cultura greco-latina, que reconhecia a diversidade e a existência
de inúmeros deuses, o que não era mais possível no mundo do cristianismo de Estado. Os
estudiosos que enfatizaram não apenas as rupturas, mas também as continuidades difundi-
ram o conceito de Antiguidade tardia. Ainda que seja difícil determinar início e fim desse
período, muitos propõem que, até o advento de Carlos Magno (747-814), perseveraram
na Europa características do mundo antigo. Para eles, a coroação de Carlos Magno como
sacro imperador romano no Natal do ano 800 já representa outra situação, marca o início
de outra era, outro período histórico. Mas podemos perguntar: quando deixamos mesmo a
Grécia e a Roma antigas, se, de muitos modos, elas estão conosco até hoje?!” (F UNARI,
2018, pp. 146-147).
20 DA CRISE DO IMPÉRIO ROMANO AS INVASÕES BÁRBARAS

REFERÊNCIAS

CALAINHO, Daniela Buono. História Medieval do Ocidente. Petrópolis: Vozes,


2014.
CARVALHO, Cibele. História Medieval. Curitiba: InterSaberes, 2016, p. 35.
FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2018.
MONDONI, Danilo. O cristianismo na antiguidade. São Paulo: Edições Loyola,
2014, p. 60.
SILVA, Diogo Pereira. A reestruturação político-administrativa do Império Romano
na época de Diocleciano e da tetrarquia (284-305). Revista Classica, v. 30, n. 1, p.
85-102, 2017.

SUGESTÕES DE LEITURA

GIORDANI, Mário Curtis. História de Roma. Petrópolis: Vozes, 1968.


LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Bauru, SP:
Edusc, 2005.
———— Dicionário Temático do Ocidente Medieval. v. 1. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 2002.
PERROY, Édouard. A Idade Média: a expansão do Oriente e o nasci#mento da Ci-
vilização Ocidental. In: CROUZET, Maurice. História Geral
das Civilizações. v. 1. Tomo III. São Paulo: DIFEL, 1964.
ROUCHE, Michel. Alta Idade Média Ocidental. In: ARIÈS, Philippe.
DUBY, Georges. História da vida privada. v. 1. São Paulo: Schwarcz, 1990.

Você também pode gostar