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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA ANTIGA

DANTE ALEXANDRE RIBEIRO DAS CHAGAS

ENTRE A RETÓRICA E O MÉTODO TUCIDIDEANO: DIÓN CÁSSIO E A


CRISE FINANCEIRA NA SEGUNDA GUERRA CIVIL ROMANA

Rio de janeiro, 2019.


Entre a retórica e o método tucidideano: Dión Cássio e a crise financeira na
Segunda Guerra Civil Romana.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a crise financeira vivida em
Roma no final do século I aEC durante a Segunda Guerra Civil de Roma a partir da
produção historiográfica de Dión Cássio, um historiador do século III EC, percebendo
como as informações econômicas do período são apresentadas sob as normas da retórica
e a tradição historiográfica tucidideana pelo autor, bem como as dinâmicas desse
endividamento naquele período de conflito. Para o embasamento teórico se utilizou de
diversos autores da historiografia contemporânea e o método empregado se deu a partir
da combinação entre o documento analisado, seu contexto e análise sobre o autor e seu
gênero.
Palavras-chave: crise financeira, guerra civil romana, história econômica de Roma,
Dión Cássio, Retórica.

A Segunda Guerra Civil de Roma está indiscutivelmente situada num contexto


de completa violência e, por conseguinte, representou os últimos suspiros de uma
República que feneceria pouco tempo depois do fim da guerra. Júlio César observa,
após o conflito, que “em um momento de guerra, os juros sobem, instaurando-se, assim,
um período de dificuldades financeiras no qual a prorrogação do vencimento de uma
dívida se torna um verdadeiro bem.”1 Percebemos, então, que um período de guerra,
para os antigos romanos, traz um desequilíbrio entre a oferta e a procura, pois esta
torna-se muito grande e aquela muito pequena, uma vez que se paga muito imposto e a
produtividade do campo cai, por exemplo. Tal desequilíbrio direciona inevitavelmente a
uma crise financeira e houve uma grande dessas entre 49 aEC e 45 aEC que estava
dentro do contexto da Guerra Civil. Esta crise não foi a primeira, tivemos o caso de uma
em 89 aEC durante a Guerra Social e uma outra em 63 aEC na Conjuração Catilina, mas
o meu objetivo é tratar justamente daquela que corresponde o período da Segunda
Guerra Civil, analisando como Dión Cássio, um historiador do século III EC, que é uma
fonte importantíssima para se compreender a economia antiga, permite-nos vislumbrar
essa crise financeira em seu livro de número 42, que narra o desenrolar dos
acontecimentos desde o fim da Guerra na Tessália entre Júlio César e Pompeu até a
expedição militar à África encabeçada pelo primeiro, em torno de alguns nomes
1
(CÉS. B.C. 3,32) apud GAIA, D.V. 2018. P. 112
importantes como Marco Célio e Públio Cornélio Dolabela que, em momentos
diferentes, durante a guerra, buscam pelo perdão de dívidas e pela baixa do aluguel,
visto que a população vivia num contexto de alta taxa de juros que só será solucionado
pelas medidas adotadas por Júlio César ao fim do conflito. Para tanto, é necessário que
compreendamos o que foi essa Guerra Civil, bem como quem foi esse autor e como ele
construiu sua historiografia sobre esses eventos.
O período que sucede a Segunda Guerra Púnica, os séculos II e I aEC, tem sido
compreendido pela Historiografia como um longo período de crise para a República
Romana e, por conseguinte, o seu fim. A partir de Mary Beard (2017, p. 213-214),
podemos perceber que o ano de 146 aEC marca o princípio do fim da República
Romana que se arrasta até o ano de 44 aEC. Sendo um período preenchido por “guerras
civis, assassinatos em massa e homicídios, que trouxeram de volta o governo
autocrático”. Nesse sentido, a própria expansão romana acirrava contradições internas à
República cujo processo e desdobramento histórico culminou em seu fenecimento.
Desde a feroz e sanguinária conquista de Cartago às dinâmicas do Primeiro Triunvirato
que se desdobram na morte de César, aquele modelo político vivenciou seu apogeu e
sua queda preenchidos num processo de extrema violência interna e externa, tornando-
se um claro e efetivo instrumento político:
No entanto, cada vez mais as armas romanas se voltavam não apenas
contra os inimigos externos, mas contra os próprios romanos. Deixar de lado
as lembranças dos troianos de Eneias; esse era o legado de Rômulo e Remo,
os gêmeos fatricidas. O “sangue do inocente Remo”, como Horácio
expressou na década de 30 a.C., vinha cobrar sua vingança. (BEARD, Mary.
2017. P. 216)

Segundo ALFODY (1989, p. 82-83), esses cem últimos anos da República


romana foram recheados por 4 tipos heterogêneos de conflitos: as lutas escravas; a luta
de itálicos contra romanos; a resistência dos habitantes provinciais contra o domínio
romano; e os cidadãos romanos com interesses opostos- políticos romanos, como foi o
caso dos irmãos Graco, que buscavam resolver os problemas sociais das massas
proletárias de Roma. Este grupo veio a ser chamado, em sua época, de populares. Por
outro lado, encontrava-se a resistência oligárquica nomeada- por eles mesmos- de
optimates. Entretanto, aos poucos, a heterogeneidade e oposição desses grupos quase
que se reduzirá por uma busca pelo poder, sobretudo as lideranças que encabeçariam
essas frentes. Nesse sentido, a partir de GAIA (2018, p. 110-111), percebe-se que esse
período do século II, frente ao expansionismo romano, permitiu um “fluxo de riqueza
desenfreado e sem grande organização”, de modo que há um acirramento da disputa de
poder entre as camadas mais abastadas e a exploração dos mais pobres:
No bojo desses problemas, podemos citar alguns exemplos
contundentes: a disputa pela terra, que levou muitos romanos à luta pela
reforma agrária com os irmãos Gracos; a alta densidade demográfica da
cidade, que criou o efeito de superpopulação com a entrada de milhares de
escravos de toda parte do Mediterrâneo; o excesso de mão de obra escrava,
que deixou grande número de plebeus pobres desempregados (criando, assim,
uma grande plebe “ociosa” e, em pouco tempo, faminta); a concorrência
aberta e, muitas vezes, desleal com produtos agrícolas estrangeiros, que faliu
muitos pequenos proprietários de terra na Itália, obrigando-os a vender suas
terras a particulares ou ao Estado (ager publicus) e a emigrarem para a
cidade: três grandes revoltas de escravos; a concessão da cidadania romana a
inúmeros estrangeiros ricos das novas províncias, concomitante à recusa da
concessão do direito de cidadania aos vizinhos itálicos, fato que provocou
uma guerra. Inúmeros novos problemas. (GAIA, Deivid Valério. 2018. P.
111)

Nessa perspectiva, a crise republicana surge a partir de seu apogeu aglutinador,


de modo que o modelo organizacional do Estado não acompanha, ou melhor, não dá
conta das diversas transformações sociais que decorrem do imperialismo romano.
Outrossim, a República falha e, sua manutenção, rui por dentro ao assistir aos
acirramentos de suas contradições internas frente ao seu próprio desenvolvimento, ao
passo que também perde suas referências, uma vez que seu modelo ideológico e ético-
mos maiorum- simplesmente perde seu espaço na realidade dessa era. Logo, estava
fincado um grande paradoxo: a República proporcionara um império gigantesco à
Roma, todavia agora ela não conseguia sustentar-se como um modelo político suficiente
para o funcionamento desse império, tornando-se anacrônica para a realidade daquele
momento. Ou seja, o imperialismo foi a expressão máxima desse modelo organizacional
político do Estado romano cuja dinâmica trazia uma aristocracia com uma necessidade
em firmar-se enquanto dominante, de modo que se tinha um processo de tentativas de
reformas que eram respondidas com reações conservadoras fortíssimas que visavam a
manutenção e fortificação da república oligárquica. Assim, “a sociedade romana
encaminhava-se pois para uma crise que, em última análise, só podia ser resolvida pela
violência” (ALFODY, 1989. P 79).
É justamente nesse contexto de crise da República, quando a instrumentalização
da violência torna-se algo corriqueiro para atender aos anseios de determinados setores
e facções, que surge o Primeiro Triunvirato. Este, diferentemente do Segundo, não se
tratará duma instituição formal, mas sim uma espécie de pacto de não-agressão que
permitiu que cada um deles atingisse seus interesses próprios no jogo político, de modo
que “por meio de uma série de arranjos de bastidores, subornos e ameaças, os três
asseguraram que os consulados e os comandos militares fossem para onde eles
escolhessem e que as decisões seguissem a sua orientação” (BEARD, 2017. P 219):
Pompeio esperava ver ratificadas pelo senado as mudanças
administrativas que operara nas províncias do Oriente e dos estados clientes.
Além disso, precisava de providenciar terra para estabelecer os veteranos de
guerra que com ele tinham servido, uma vez que as propostas anteriores
nesse sentido tinham sido frustradas pela oposição senatorial, temerosa do
excessivo poder que tal base de apoio lhe iria conferir. Crasso representava
os interesses dos equites, que esperavam renegociar o contrato para a coleta
dos impostos na província da Ásia. A César era bastante útil o apoio do
Magno e do riquíssimo Crasso no seu esforço de implementação de reformas
sociais e cívicas durante o consulado, bem como a garantia de um província
rentável quando deixasse o cargo. (BRANDÃO, José Luiz. 2015, p. 392)

O Triunvirato funcionou até a ocorrência de dois fenômenos: a morte de Júlia


durante o parto, sobrinha de César e esposa de Pompeu, rompendo, então, algum tipo de
relação parental que pudesse manter a aliança entre ambos; e no ano seguinte, 53 aEC,
Crasso é morto na campanha dos Partos. Assim, Roma vê-se dividida entre o poder
político, militar e econômico de dois gigantes, numa guerra que não se restringe à Itália,
passando por diversos cenários (BRANDÃO, P 404-415). César acumula um grande
capital político e financeiro ainda na Gália, ao passo que Pompeu, como líder do
senado, passa a permitir que várias medidas contrárias aos anseios de César fossem
aprovadas. Isso desemboca no início da guerra na madrugada de 11 de janeiro de 49
aEC quando César atravessa o rio Rubicão, pegando Roma de surpresa, de modo que
Pompeu ordena uma evacuação. Nos vários cenários, destacados por José Luiz Brandão,
que essa guerra se desenrola, o mais importante é justamente na Tessália, quando
Pompeu é derrotado e se vê obrigado a fugir ao Egito onde é traído e morto a mando de
Ptolomeu XIII, dando início a outra etapa da Guerra, uma vez que César vai ao Egito
em outubro daquele mesmo ano e se envolve no enfrentamento entre Ptolomeu e
Cleópatra que termina na morte do primeiro. César fica para estabilizar e garantir o
apoio do Egito como reino independente, enquanto vivia seu romance com a rainha
Cleópatra, voltando para Roma apenas depois de derrotar Fárnaces no Ponto2 quando
profere a famosa frase veni, vidi, vici (cheguei, vi e venci), chegando em Roma em
outubro de 47 aEC quando regula a questão do endividamento e permite a venda das
propriedades dos oponentes mortos ou não perdoados (BRANDÃO, 2015. P. 412).
Antes, de passagem em Roma, ainda em conflito com Pompeu, César foi nomeado
ditador durante 11 dias e havia estabelecido a lex data que “propunha uma solução
equilibrada que implicava cedências de ambas as partes” entre os devedores e credores
(BRANDÃO, 2015. P. 407). É posterior a essa lei, em 48 aEC, diante da ausência de
César enquanto resolvia as questões que diziam respeito ao Egito, que deram-se os
casos de Marco Célio Rufo, enquanto pretor urbano, e Dolabela enquanto tribuno em
favor da abolição das dívidas (BRANDÃO, 2015. P. 411-412).
Apresentadas todas as considerações sobre o contexto, faz-se necessário
entender quem foi Dión Cássio, outrossim seu gênero historiográfico, para finalmente
adentrarmos na narrativa desse autor e entendermos como nos é dada essas informações
sobre essa crise de crédito durante o período abordado.
Nascido no ano de 1653 na cidade de Nicéia, na província imperial da Bitínia,
atual Turquia, filho do senador romano Cassio Aproniano- que também foi governador
da Cilícia e Dalmácia. Durante um tempo acreditou-se que Dión Cássio fosse um
parente próximo, talvez neto, de Dión Crisóstomo, um famoso orador do período 4,
entretanto este não parece mais ser o caso de uma historiografia mais recente devido à
falta de evidências epigráficas5. Dión assume o senado por volta dos 25 anos e foi
nomeado por Pertinax ao pretorado, mas só assumiu o posto dois anos depois, em 195
EC, sob o poder de Septímio Severo a qual, segundo Cary, o historiador cultivou
grandes esperanças6. Durante a dinastia dos Severos, Dión Cássio adquirirá diversos
poderes: foi Consul Sufecto; Pró-Consul em África; Governador da Dalmácia e Panônia
e, por fim, foi nomeado cônsul pela segunda vez em 229 EC, mas suas medidas
disciplinares incomodou bastante os pretores, de modo que pareceu sensato se afastar de

2
Fárnaces buscava ampliar seu reino, aproveitando-se da fragilidade romana nesse período de Guerra
(BRANDÃO, 2015. P 412)
3
. SUÁREZ, Domingo Plácido. Introducción General. In: CASSIO, Dion. Historia Romana Ed. Gredos,
S.A. Sánchez Pacheco, 85, Madrid, 2004.
4
CARY, Earnest. Introduction. Dio’s Roman History. Ed. The LOEB Classical Library. Volume 9.
London: William Heinemann. New York: The Macmillan CO. 1914.
5
GOWING, Alain. “Dio’s name”, Classical Philology 85. 1990. P 49-54
6
CARY, Earnest, op.cit., p. 8.
Roma e, por fim, aposentar-se em sua terra natal, na Nicéia. 7 Desse modo, percebemos
que não só a sua carreira política e militar, mas também a do seu pai deram-lhe os
recursos necessários para a sua caminhada historiográfica. De acordo com SUÁREZ
(2004, p.7-8), os cargos desempenhados pelo seu pai permitiram-lhe o acesso aos
centros culturais onde se recebia a formação para o exercício da retórica e da
historiografia. Nesse sentido, Ernest Cary ressalta:

Unfortunately the value of his history is greatly diminished for us as


the result of his blind devotion to two theories governing historical writing in
his day. On the one hand a sense of the dignity and true value of history
demanded that mere details and personal anecdotes should give place to the
larger aspects and significance of events. On the other hand the historian was
never to forget that he was at the same time a rhetorician; if the bare facts
were lackin in effectiveness, they could be adorned, modified, or variously
combined in the interes of more dramatic presentation. (CARY, 1914. P 13.)

Ademais, Suaréz (2004, p.12) nos lembra que Dião preferia as versões mais
escandalosas da morte dos imperadores.

A História Romana será a obra prima de Dião Cássio, a qual dedicou grande
parte de sua vida produzindo. Estima-se, de acordo com Cary (1914, p. 10-11), que a
produção desses 80 livros, que narram desde a fundação de Roma aos dias vividos do
autor em seu segundo consulado, deu-se ao longo dos anos 200 a 222, de modo que os
últimos 7 anos foram postos sumariamente como uma ideia posterior. Outrossim,
Suaréz ressalta que:

La narración de la Historia Romana por Dion Casio se hace más


pormenorizada a partir del año 190, que seguramente fue el de su acceso al
senado, cicunstancia que le facilitó una mayor proximidade a los hechos
políticos y una posibilidad de contar, a partir de su propia contemplación
directa, los acontecimentos de la ciudad de Roma. (SUARÉZ, 2004, p. 8)
Como se percebe a partir de SUÁREZ (2004, p. 9), a base da preocupação
histórica de Dión Cássio estava nas guerras e revoltas que se sucederam desde a morte
do imperador Cômodo até o triunfo de Septímio Severo cujas expectativas cultivadas
pelo historiador, em relação ao último, foram frustradas. CARY (1914, p. 9) nos diz que
se especula que a intenção original de Cássio era de que o desenvolvimento de sua obra

7
Ibidem. P. 8-10.
tivesse o seu clímax no esplendor da era inaugurada por Severo, entretanto isso mudou
completamente. Inclusive, leva-nos a crer que a sua aposentadoria da vida pública teve
muito a ver com a mudança de política de Severo. Este era uma grande aposta do
historiador que havia confiando-lhe até seus sonhos e presságios ao Imperador sobre sua
grandeza.8 Esta questão é bastante interessante, visto que Cássio tinha completa
convicção em predições de sonhos ou mau agouros como podemos perceber em sua
obra9. Tal crença não é nada de incomum mesmo que esteja presente numa obra
historiográfica, afinal a História- por mais que a historiografia busque uma dimensão
factual da narrativa, o que se considera verossímil depende do seu tempo- nasce no
âmbito da tradição poética e, portanto, da retórica. Desse modo, Cary analisa o modelo
que o historiador seguia:

In style and diction the history is modelled on Thucydides. Not


alone the long involved periods of the Athenian historian, but also a
multitude of single words, constructions, and phrases either peculiar to him
or shared with a few others writers, reappear in these pages. It would seem
that Dio steeped himself in the vocabulary and thoughts of his great model
until he could think almost unconsciously in the words of the other. (CARY,
1914, p. 17)
Para compreendermos melhor a historiografia desse contexto pode-se recorrer à
Momigliano 10que nos mostra como a tradição histórica Tucidideana pensa a História
como uma narrativa cronológica que deve se adequar às normas retóricas ao passo que
se cria memória (imortaliza grandes feitos) e se assume uma função pedagógica
(produção de conhecimento para as gerações futuras), de modo que se trata de uma
História política cujo interesse eram os homens na pólis. Entretanto, Gowing nos leva a
perceber como a produção de Cássio presume um leitor familiarizado com a cidade de
Roma:

Dio never refers to the topography of Rome in a way that implies an


unknowing reader. Rather, he assumes a reader who is either completely
knowledgeable about the city or for whom such knowledge is considered
unnecessary. I suspect there is some truth to each of these options. For
instance while he frequently refers to the Capitoline, the Forum, or the

8
Cf. CARY, 1914, p 8.
9
Dião Cássio vê a morte dos egípcios e a sua conversão em escravos como resultado de uma maldição.
Livro XLII, 3, 2.
10
MOMIGLIANO, Arnaldo. “A tradição herodoteana e tucidideana”, in: As raízes clássicas da
historiografia moderna. Bauru: Edusc, 2004, p. 53-83
Campus Martius, nowhere does he take the time to explain how these spaces
relate to one another or even to explain what they are.10 Even though he
names many buildings and monuments, he rarely locates them for us. It
would be nearly impossible for someone to use Dio to construct with any
accuracy even a primitive map of Rome, of its buildings, spaces, streets, even
its physical features. Again, we could say this is simply the nature of Dionian
historiography, and we would be correct. But I believe it also points to a
reader assumed to be to some degree familiar with the city. It is not the case,
that is, that Dio feels such knowledge is useless, but rather that it is not his
job to supply it. (GOWING, Alain. Cassius Dio and the City of Rome. In:
Cassius Dio- Greek intelectual and Roman Politician, C. Lange and J.
Madsen, edd., Historiography of Rome and its Empire1 Brill 2016. P. 123)
Ademais, Fábio Duarte Joly mostra-nos como o historiador antigo não estava
situado sob os padrões da historiografia contemporânea, de modo que não se seguia,
portanto, regras que giravam em torno de instituições (universidades) que a legitimasse.
O que se priorizava era um aspecto literário que ressaltava um componente de invenção,
buscando o verossímil e um discurso ornado para convencer uma audiência, de modo
que “as regras da historiografia antiga, ao empregarem figuras de linguagem e uma
técnica argumentativa próprias da retórica, seriam diametralmente opostas àquelas da
moderna historiografia”. 11
É levando em conta esse modo de se escrever a História que se pode coletar as
informações sobre essa crise financeira na obra de Dión Cássio. Num primeiro contato
com o documento percebe-se que Dion não está interessado em relatar os pormenores
econômicos em que a cidade se encontrava, mas sim as ações dos atores políticos desse
contexto. Nesse sentido, ao narrar os acontecimentos e desdobramentos internos à
cidade de Roma durante a ausência de César, Dion Cássio, involuntariamente, nos
permite alguns vislumbres sobre a questão da crise financeira, a partir do claro
endividamento existente naquele período, ao relatar as ações de algumas personagens:
Marco Célio; o embate entre Lucio Trebelio e Publio Cornelio Dolabella; e, finalmente,
diante do retorno de César à cidade.
“Además Marco Celio había muerto porque se habia atrevido a retirar las leyes
relativas al préstamo estabelecidas por César [...] No permitió dictar sentencias según
las leyes de César y además declaro que apoyaria a los que debían algo en contra de
sus acreedores y liberaria del pago de alquiler a quienes habitaban en casa ajena [...]

11
JOLY, Fábio Duarte. Suetônio e a tradição historiográfica senatorial. História, São Paulo, v.24, n.2, p.
113.
promulgo uma ley por su cuenta, facilitando a todos la ocupación de viviendas sin
pagar alquiler y cancelando las deudas.” (DION, 42. 22)
Dion Cássio afirma que a morte de Marco Célio se deu por ter ousado a retirar as
leis estabelecidas por César em relação ao empréstimo, pondo-se ao lado dos devedores
diante dos credores, promulgando uma lei, por ele mesmo, que perdoava as dívidas e
anulava o pagamento de aluguéis. Como se pode perceber, a narrativa aparece mais
focada nas ações de Marco Célio do que na crise em si, mas nos permite inferir que
havia que a crise financeira na qual Roma se encontrava era tamanha e, as dívidas,
tratavam-se de um assunto tão delicado, capaz de levar tanto a uma ação revoltada de
um pretor, mas também a sua morte por isso. José Luiz Brandão relata essa questão das
dívidas como uma questão delicada que dividia os desejos entre os credores que temiam
não recebe-las e os devedores que esperavam a sua abolição 12. Dión nos mostra o quão
delicada e perigosa era tomar o partido dos devedores, portanto.
De mesmo modo, vê-se outro comentário que evidencia essa crise no
enfrentamento entre os tribunos Trebelio e Dolabella. Nesse, podemos perceber um
fator interessante: Dolabella fazia parte dos patrícios, mas também era um devedor, de
modo que este passa para a plebe para seguir como Tribuno e colocar-se ao lado dos
devedores, ao passo que o primeiro coloca-se ao lado dos nobres (DION, 42. 29). Tal
relato nos permite perceber que o endividamento não se dava apenas entre as setores
menos abastados da cidade romana. Mais adiante (DION, 42. 32), o historiador faz
comentários interessantes sobre Dolabella. Este, por temer que não seria perdoado por
César devido as suas ações, teria decidido cometer algum ato terrível antes de morrer
para que fosse perpetuado na memória, de modo que ele promulga leis sobre as dívidas
e aluguéis no contexto das confusões que criara pelo vício pela fama. Ou seja, é curioso
o modo como Dion percebe as ações de Dolabella disposto a se submeter a
enfrentamentos, não por um entendimento em torno da crise de financeira, mas, sim, por
mera fama.
“Lucio Trebelio y Publio Cornelio Dolabela, tribunos, se enfrentaron. Em
efecto, el último se ponia de parte de los deudores entre quienes se encontraba él
mismo y por ello, se pasó de los patrícios a la plebe para seguir siendo tribubo; el
outro decia que estaba de parte de los nobles, y promulgaba bandos y recurria a los
asesinatos, de la misma manera.” (DION, 42. 29)

12
BRANDÃO, 2015. P. 407.
Nesse trecho, vemos o embate entre Trebelio e Dolabella que representavam os
anseios antagônicos entre os devedores e credores. Tal relato nos permite pensar numa
certa representação das reinvindicações dos endividados e dos credores entre essas
figuras políticas, assim como, mais uma vez, os comentários sobre a crise aparecem de
forma secundária e sem desenvolvimento.
“Dolabela, en efecto como no esperaba alcanzar el perdón de César, deseaba
realizar algún acto terrible antes de morir para conseguir renombre para la
posteridade, pues algunos se aficionan a los peores hechos por causa de la fama. Este,
también precisamente por ello, provocaba confusión em muchas cosas, pero
especialmente prometia que, em um día determinado, promulgaria leyes sobre las
deudas y los alquileres. Así que cuando la muchedumbre recibió esta noticia tras
rodear el foro y levantar torres de madera em determinados lugares, se dispuso a
atacar a todo el que se les opusiera [...]”. (DION, 42. 32)
A decisão política de Dolabela é narrada por Dion como um ato viciado em fama
sob a preocupação de que deveria ser lembrado por algo no futuro, uma vez que este já
temia a morte pelas mãos de César. Ademais, evidencia mais uma vez o embate entre
devedores e credores.
Por fim, ao retratar da volta de Júlio César à Roma, Dion diz que ele se torna um
verdadeiro “sacadinero”, reunindo dinheiro da Grécia, Itália e trazendo consigo coroas
de ouro dos reis egípcios (DION, 42, 49), além de tomar para si empréstimos “sem
nenhum outro pretexto verossímil”, muito menos qualquer intenção de retribuir algum
dia, sob o discurso de que ele havia utilizado de suas próprias posses para o benefício
público e respondendo à plebe, que pedia por abolição das dívidas, que ele também
tinha suas próprias dívidas (DION, 42, 50). Entretanto, César, segundo Dion, fez um
favor à maioria tomando medidas como: o perdão dos juros das dívidas, além de todo o
aluguel durante um ano até a soma de 50 dracmas; aumento do preço dos bens, que
diante da grande quantidade de confisco havia perdido muito valor, seguindo as leis
para calcular os juros dos empréstimos até chegar ao seu valor original (DION, 42. 51).
Nesse sentido, a partir desse conjunto de ações tomadas por César que são relatadas por
Dion, percebemos mais uma evidência dessa crise financeira que estava instaurada
durante o período abordado, de modo que se pode observar essas medidas geridas por
César como uma forma de se tentar resolver tal crise aumentando a liquidez,
controlando os juros e elevando o preço dos bens. Apesar de Dion não se preocupar em
explicar sob quais critérios e quais leis se deram essas medidas, talvez esse seja o
momento em que mais se pode absorver sobre o período de endividamento da época.
“Una vez hecho esto y tras encargar a Domicio que resolviera lo demás, llegó a
Bitinia; desde ali navego a Grecia y después a Italia, y reunió mucho dinero de todos y
com cualquier pretexto [...]Se llevó todos los ex-votos de Heracles em Tiro porque
había acogido a la mujer y al hijo de Pompeyo cuando huían; conseguió de parte de los
señores y de los reyes numerosas coronas de oro por sus victorias [...] se volvió um
‘sacadineros’[...]” (DION, 42. 49) “[...] daba este nomnre ‘préstamo’, a las
recaudaciones para las que no tenía ningún outro pretexto verosímil [...] recogia estas
cantidades generalmente de forma no menos violenta que las que se le aduedaban y no
iba a devolverlas nunca. Decia, em efecto, que él había gastado sus propias posesiones
em benefício público y que, por eso, las tomba ´restadas. De ahí que, cuando la plebe
pedia abolición de deudas, no la llevase a cabo diciendo: ‘yo tambíén tengo muchas
deudas’ (DION, 42. 50)
Esse longo trecho mostra os vários feitos de César para arrecadar dinheiro e
poder.
“Pero no tenía a éstos em ninguna consideracióm, aunque de algún modo los
halagaba de uno em uno Porque hizo el favor a la mayoria de perdonarles todo el
interés que le debian desde que se había convertido em enemigo de Pompeyo y les
habia perdonado toda la renta durante um año hasta la suma de cincuenta dracmas, y
además subió el valor de los bienes, sobre los que era preciso según las leyes calcular
el interés de los préstamos, hasta su valor original, pueso que todo se habia abaratado
mucho por la cantidad de bienes conficascados.” (DION, 42. 51)
Aqui vemos um conjunto de medidas tomadas que nos permite perceber uma
tentativa de conter os problemas financeiros que a cidade enfrentava.
Considerações finais
Sendo assim, no meio de todo o imbróglio político, social e cultural que viveu o
final da república romana no século I aEC, houvera também claros abalos econômicos
percebidos a partir de um embate violento que opunha devedores e credores em torno do
empréstimo com juros13, o que nos permite inferir uma coisa: Roma, diante dos seus
diversos conflitos, vivia uma crise financeira cujos números de devedores eram tão

13
GAIA, Deivid Valério. (2018). Entre a Lei e o Costume na Roma Tardo- Republicana e Imperial: Em
torno de Questões Financeiras. Phoinix, Rio de Janeiro.
expressivos a ponto de gerar conflitos sangrentos.14 A Segunda Guerra Civil enfrentará
esse problema financeiro em que se contrastará os anseios em torno do crédito, uma vez
que a guerra traz uma escassez da liquidez da moeda, de modo que se provoca uma alta
na taxa de juros, os bens de terras e imóveis caem e os devedores não conseguem pagar
suas dívidas. Nesse sentido, o historiador Dión Cássio nos dá uma base sólida para
construir uma história econômica em torno da crise econômica do período- mesmo
diante dos claros limites que a tradição histórica antiga nos apresenta ao termos contato
com a fonte.
Desse modo, para se chegar a essa especificidade do objeto faz-se necessário
que o historiador desvende as informações passadas de forma involuntária por Dion
Cássio, tendo em vista que seus comentários sobre as situações econômicas encontram-
se num lugar secundário diante de sua grande narrativa de uma História Política que
busca enquadrar-se na retórica e nas ações dos homens na pólis. A verdade é que o autor
em momento algum debruça-se sobre essa perspectiva ou sequer dá devida atenção a
isso. Não há uma preocupação com a crise, mas faz-se possível enxergar seus vestígios
no documento a partir das ações políticas que são narradas por Dion e que evidenciam
esses fatores que demonstram esse contexto de endividamento. Nesse sentido, a crise
financeira pode ser percebida, a partir da narrativa de Dion, levando-se em conta os seus
métodos discursivos que não se preocupam em expor detalhes considerados pelo autor
como menores. As informações que são postas em seu livro foram escolhidas por ele
por motivos específicos àquele contexto e para quem ele pretendia direcionar seu
discurso. Logo o autor analisado é um historiador de suma importância para a
compreensão desses embalos econômicos desde que seja bem esmiuçado para perceber
tais informações que nos são dadas pela sua produção textual. A partir de Dion, pode-se
coletar evidências desse passado e desse fato histórico específico que foi a crise
financeira durante a Segunda Guerra Civil Romana, de modo que ao comparar esta
fonte com outras do período pode ser possível construir uma análise historiográfica mais
completa, uma vez que este único documento nos permite ter informações e vislumbres
sobre a crise a partir da investigação do historiador, por mais que a construção da
narrativa histórica de Dion Cássio não se propusesse ou se interessasse em narrar fatos
que não fossem causados diretamente pela ação política dos homens. Assim, todo o
embate entre devedores e credores e todo esse processo de endividamento e, por
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GAIA (2018, p. 112) relata a morte do Pretor Semprônio Assélio por ter tomado partido dos devedores;
bem como Dion Cássio mostra como essas questões terminam em conflitos e mortes como pôde ser
observado ao longo deste texto.
conseguinte, da crise financeira em Roma só pode se observar a partir da história das
ações dos políticos que se puseram contra ou a favor dos devedores e credores, ou, no
caso de César, como este desdobrou-se para sanar um problema que sequer é posto
como um por Dion. Logo, mesmo cercado pelos limites da retórica e do método
tucidideano, Dión Cássio nos serve de grande ajuda para compreender a Segunda
Guerra Civil de Roma não apenas pelos conflitos militares e políticos, mas também
econômicos, dependendo da abordagem do historiador contemporâneo, permitindo-nos
entender todas as dinâmicas as quais se encontram e como os cidadãos romanos
agonizavam nessa república que estava em seus momentos finais sofrendo abalos
políticos, militares, sociais e econômicos. Assim, A partir de uma fundamentação
analítica entre o documento analisado, seu contexto e a historiografia contemporânea,
temos que a narrativa de Dión Cássio pode escapar das delimitações existentes entre a
retórica e o método tucidideano na medida em que nos familiarizamos com o
documento e percebemos o que o autor nos dá desse passado em primeiro ou segundo
plano.
Documentação escrita
DIÓN CÁSSIO. Historia Romana Ed. Gredos, S.A. Sánchez Pacheco, 85, Madrid,
2004. Livro 42.

Dio’s Roman History. Ed. The LOEB Classical Library. Volume 9. London: William
Heinemann. New York: The Macmillan CO. 1914..

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VI)
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CARY, Earnest. Introduction. Dio’s Roman History. Ed. The LOEB Classical Library.
Volume 9. London: William Heinemann. New York: The Macmillan CO. 1914.
GAIA, Deivid Valério. (2018). Entre a Lei e o Costume na Roma Tardo- Republicana e
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MOMIGLIANO, Arnaldo. “A tradição herodoteana e tucidideana”, in: As raízes
clássicas da historiografia moderna. Bauru: Edusc, 2004, p. 53-83
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