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ROMA

Perry Anderson

“No início o crescimento da República Romana seguiu o curso normal de qualquer


cidade-Estado clássica em ascensão: guerras locais com cidades rivais, anexação de
territórios, subjugação de <<aliados>>, fundação de colônias. Num aspecto
fundamental, contudo, o expansionismo romano distinguiu-se à partida da experiência
grega. A evolução constitucional da cidade conservou o poder político da
aristocracia intacto até à fase clássica da sua civilização urbana.” (p.56)

OUTRAS DIFERENÇAS ENTRE ROMA E A ANTIGA GRÉCIA

“Roma nunca conheceu as modificações provocadas pelo governo de tiranos que


quebrassem a dominação aristocrática e conduzissem à subsequente democratização da
cidade [...]. Em vez disso, uma nobreza hereditária conservou um poder inabalado
através de uma constituição cívica extremamente complexa, que sofreu importantes
modificações populares ao longo de uma prolongada e violenta luta social no interior da
cidade, mas que nunca foi revogada ou substituída.” (p.56)

“A nobreza patrícia cedo lutara por concentrar a propriedade da terra nas suas
mãos, reduzindo os camponeses livres mais pobres à servidão por dívidas (tal como na
Grécia) e apropriando-se do ager publicus, ou terra comuns, que estes usavam para a
pastorícia e cultivo. [...] Não houve uma transformação económica ou política
comparável à que ocorrera em Atenas ou, de um modo diferente, em Esparta que
estabilizasse a propriedade rural do comum dos cidadãos de Roma. Quando os
Gracos tentaram seguir os passos de Sólon e Psístrato era demasiado tarde.” (pp. 58-59)

“O crescimento do poder cívico de Roma foi consequentemente distinto dos


exemplos gregos em dois aspectos fundamentais [...]. Em primeiro lugar, Roma
mostrou-se capaz de alargar o seu próprio sistema político à inclusão de cidades
italianas subjugadas durante a sua expansão peninsular. Desde o principio, extorquira
aos seus aliados, ao contrário de Atenas, tropas para os seus exércitos, e não
dinheiro para o seu tesouro. [...] Roma foi também capaz de realizar a integração
decisiva destes aliados no seu próprio sistema político, coisa que nunca uma cidade
grega encarara.” (p.61)
“O advento do esclavagismo como modo de produção organizado inaugurou,
como acontecera na Grécia, a fase clássica propriamente dita da civilização romana, o
apogeu do seu poder e cultura. Mas ao passo que na Grécia ele coincidiu com a
estabilização da pequena agricultura e de um corpo compacto de cidadãos, em
Roma foi sistematizado por uma aristocracia urbana que gozava já do domínio
social e económico sobre a cidade.” (p.64)

DESIGUALDADES E LUTAS SOCIAIS EM ROMA

“A República era dominada pelo Senado, controlado, nos seus dois primeiros
séculos de existência, por um pequeno grupo de clãs patrícios; a qualidade de membro
do senado, cooptativa, era vitalícia. Os magistrados anuais, dos quais os cônsules eram
os dois postos mais elevados, era eleitos por <<assembleias do povo>> que
compreendiam todo os cidadãos de Roma, mas organizados em unidades
<<centuriadas>> desiguais, ponderadas para assegurar a maioria às classes
proprietárias.” (p.57)

“[...] Esta estrutura original implicava a dominação política pura e simples da


aristocracia tradicional. Viria a ser alterada e a sofrer certas restrições em dois
importantes aspectos após sucessivas lutas que constituíram o equivalente romano mais
semelhante às fases gregas de <<tirania>> e <<democracia>>, mas que, em cada caso,
não lograram provocar um desfecho igual ao do episódio comparável na Grécia.
Primeiro, <<plebeus>> recentemente enriquecidos forçaram a nobreza <<patrícia>> a
abrir o acesso a um dos dois consulados anuais a partir de 366 a.C.. [...] O resultado foi
a formação de uma nobreza alargada. [...] Cronológica e sociologicamente sobreposta a
esta disputa no seio dos estratos mais abastados da República, desenrolava-se a luta das
classes mais pobres pelo alargamento dos seus direitos dentro dela. A pressão por estas
exercida cedo resultou na criação de um tribunado da plebe, uma representação
corporativa da massa popular dos cidadãos.” (p.57)

“A luta das classes mais pobres fora conduzida em geral por plebeus ricos que se
tornaram defensores da causa popular para favorecer os seus próprios interesses
adventícios.” (p.58)

“A nobreza patrícia cedo lutara por concentrar a propriedade da terra nas suas
mãos, reduzindo os camponeses livres mais pobres à servidão por dívidas (tal como na
Grécia) e apropriando-se do ager publicus, ou terra comuns, que estes usavam para a
pastorícia e cultivo.” (pp.58-59)

“O equivalente romano da categoria hoplita (homens que podiam equipar-se a si


próprios com as armas e armaduras necessárias ao serviço de infantaria nas legiões)
eram os assidui [...]. Abaixo destes estavam os proletarii, cidadãos sem propriedade
cujo serviço ao Estado consistia meramente em criar filhos (proles). A crescente
monopolização da terra pela aristocracia traduziu-se, assim, num rápido declínio do
número de assidui e num aumento inexorável do volume da classe dos proletarii.” (pp.
59-60)

“Enquanto o campo se cobria de grandes domínios senhoriais, a cidade,


inversamente, povoava-se de uma massa proletarizada, desprovida de terra ou de
qualquer outra propriedade.” (p.60)

“Distribuições públicas de cereais [...] substituto barato da distribuição de terras


que nunca chegou a acontecer: um proletariado passivo e consumidor, para a oligarquia
senatorial que controlava a República, era preferível a um campesinato recalcitrante e
produtor.” (p.61)

“A situação miserável das massas urbanas agudizou marcadamente a crise do


poder senatorial. [...] A fome, a doença, a pobreza, fustigavam as vielas apinhadas da
capital, cheias de artesãos, trabalhadores e pequenos lojistas, escravos, manumissos ou
livres.” (pp.73-74)

“A ralé urbana fora habilmente mobilizada por manobras dos nobres contra os
reformadores agrários no século II [...] mas foi este o último desses episódios. [...] Dada
a provável ausência de qualquer força de polícia sólida ou séria numa cidade fervilhante
de três quartos de milhão de habitantes, era considerável a pressão imediata de massas
que os motins urbanos podiam exercer, num momento de crise da república.” (p.74)

O EXÉRCITO E A EXPANSÃO DE ROMA

“[...] O expansionismo militar de Roma tendia também a estreitar as fileiras dos assidui
que forneciam recrutas e reservistas aos exércitos com que era conduzido.” (p.60)
“A inovação decisiva da expansão romana foi em última análise econômica:
introdução do latifundium cultivado por escravos, em larga escala, pela primeira vez na
Antiguidade.” (p.63)

“Entre 200 e 167 a.C., dez por cento ou mais de todos os romanos livres,
adultos, do sexo masculino, estiveram permanentemente incorporados: este esforço
militar gigantesco só foi possível porque a economia civil que lhe subjazia se baseava
enormemente no trabalho escravo [...]. As guerras vitoriosas, por seu turno,
proporcionavam mais escravos-cativos para lançar nas cidades e explorações agrícolas
da Itália. [...] O militarismo predatório da República romana foi a sua principal alavanca
da acumulação econômica. A guerra trouxe terras, tributos e escravos; os escravos, os
tributos e as terras forneceram o matériel para a guerra.” (pp.65-67)

“O poder romano integrou o Mediterrâneo ocidental e os territórios que lhe


ficam a norte no mundo clássico. Foi esta a realização decisiva da República, que, em
contraste com a sua prudência diplomática no Leste, deu largas, desde o início, a uma
atividade anexionista essencialmente para Oeste.” (p.67)

“A expansão romana na zona helenística seguiu um curso muito diferente do


modelo assumido no interior celta do Ocidente. Durante longo tempo, foi muito mais
hesitante e incerta. [...] Logo que se tornaram perfeitamente conhecidas em Roma as
imensas riquezas disponíveis no Oriente, e que os comandantes do exército adquiriram
poderes imperiais crescentes no estrangeiro, a agressão tornou-se mais rápida e
sistemática, no século I a.C.” (p.69)

“Nunca houve qualquer tentativa de romanização das províncias orientais; foi o


Ocidente que sofreu todo o impacto da latinização.” (p.70)

“A aristocracia senatorial lucrou enormemente com o saque financeiro do


Mediterrâneo que se seguiu às progressivas anexações por Roma, fazendo fortunas
ilimitadas em tributos, extorsões, terras e escravos: mas não teve a mínima vontade de
conceder sequer um mínimo de compensação à soldadesca cujos combates lhe haviam
trazido esses ganhos inauditos. [...] O resultado foi que nos últimos exércitos
republicanos se gerou uma tendência inerente para o decréscimo da lealdade militar em
relação ao Estado, em favor de generais vitoriosos que podiam garantir aos seus
soldados pilhagem ou donativos, apenas com o seu poder pessoal.” (pp. 72-73)

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