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A história da África - seu governo antes liderado majoritariamente por reis,


rainhas, chefes de clãs e de linhagens; as sociabilidades e relações de trabalho, a
associação e cisão entre etnias e povos e o(s) modo(s) das pessoas desse extenso
e tão diverso território se enxergarem no mundo - é profundamente modificada com
o tráfico negreiro e a colonização.

No início do século XX, com exceção da Etiópia e da Libéria, a África inteira


encontrava-se submetida à dominação de potências europeias (Reino Unido,
França, Portugal, entre outras) e dividida em colônias de variadas dimensões, que,
de modo geral, eram, e são, muito mais extensas do que as formações políticas
antes existentes e com pouca ou nenhuma relação com elas (BOAHEN, 2010).

A dominação de países europeus nos territórios africanos e o confronto com


as especificidades de relações preexistentes levaram a mudanças referentes ao
político e ao econômico e, também, ao cultural: “o colonialismo está relacionado ao
evento histórico do capitalismo industrial e aos imperativos materiais da
modernidade, ao mesmo tempo que atravessa o campo das representações, dos
discursos e dos valores” (FILHO; DIAS, 2014, p. 10, grifo nosso); produzindo formas
de enquadramento da vida social e outro modo de percepção do mundo.

É importante frisar que, antes da dominação intensificada a partir da segunda


metade do século XIX, já havia relações entre africanos e europeus, relações
seculares; contudo, estas se pautavam muito na troca de bens e não no controle
político direto sobre a África.

Sobre as causas para a partilha do continente africano, Uzoigwe (2010)


afirma que há diferentes teorias. As teorias são de diferentes ordens; haveria a
teoria econômica, defendida por muitos intelectuais marxistas, que afirma o
Imperialismo como a última fase do capitalismo. As teorias psicológicas, que se
refeririam ao darwinismo social, ao cristianismo evangélico e ao atavismo social,
todos tendo em comum a crença na supremacia da “raça branca”. Haveria ainda as
teorias diplomáticas e a da dimensão africana. A primeira enfocaria, como causa da
partilha, os fatores políticos – nacionalismo, desejo de estabilidade e estratégia
global. E a última, a qual o autor defende, destacaria a perspectiva histórica africana,
ou seja, a partilha como uma fase determinante nas relações de longa data entre a
Europa e a África, não só fruto das rivalidades econômicas entre os países
europeus.
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De qualquer modo, o processo de roedura da África se deu, e se deu de


certos modos, os quais implicariam em diversas consequências, que podem ser
vistas e sentidas até hoje nas antigas colônias. As características do colonialismo,
as relações engendradas, são possíveis de ser mais bem entendidas colocando em
foco uma colônia, que, resguardando as ressalvas acerca das especificidades tanto
da potência europeia quanto do povo que se pretendeu submeter e as antigas
estruturas do seu território, pode nos ocasionar melhor entendimento sobre os
aspectos da colonização. Enfocaremos, a saber, aspectos da colonização na Costa
do Marfim, que fora uma das colônias da França.

Costa do Marfim e França, alguns apontamentos.

A expansão da França no continente africano se deu de forma mais intensa


na África Ocidental e na África Oriental, além de se fazer presente em territórios
insulares como Madagascar e Ilha Reunião. No Senegal foi onde os franceses
primeiro estabeleceram entrepostos, em 1624, mas não formaram verdadeiras
colônias até ao século XIX, limitando-se a traficar escravos para as suas colónias
nas Caraíbas.

Já como colonizadora no século XIX, a política da França foi de dominação e


administração diretas, interferindo em profundidade nas antigas estruturas africanas.
Além de prezar por uma assimilação cultural - ensino da língua e cultura francesa
aos nativos, baseado no preceito de superioridade - os territórios africanos eram
vistos como parte da França (FILHO; BADOU, 2014).

A invasão francesa na Costa do Marfim se inicia oficialmente nos anos de


1840. Em 1888, ela se torna protetorado francês, e é estabelecida como colônia
autônoma de 1893 até 1960, ano de sua independência.

Colonialismo francês e os interesses econômicos.

O imperialismo, neocolonialismo, europeu do século XIX na África teve


razões fortemente econômicas, no sentido de que a Europa passava pela Revolução
Industrial e assim os países precisavam de matérias-primas essenciais para as
indústrias (petróleo, carvão, ferro, produtos alimentícios), de mercados
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consumidores para os produtos industrializados e de locais para o investimento do


capital que estava sendo gerado nos países europeus.

A estrutura imperialista desenvolvida na África tinha a função primordial de


levar benefícios às metrópoles, além de criar mecanismos para a subsistência das
colônias. As metrópoles implantaram a economia capitalista no continente com o
estabelecimento da propriedade privada da terra e a produção do excedente, fatores
estranhos às comunidades africanas, as quais trabalhavam basicamente para o
consumo próprio.

As áreas coloniais passaram a ser controladas por empresas metropolitanas,


com a implantação do sistema de “plantations”, através das monoculturas (algodão,
arroz, amendoim) e da exclusividade nas relações comerciais para com a metrópole.

Nas colônias francesas, a monocultura a ser estabelecida dava-se de forma


a suprir as necessidades das populações e empresas francesas, as quais pagavam
pelos produtos a preços estabelecidos pela metrópole, os quais eram geralmente
abaixo dos preços de mercado. Assim, os africanos eram submetidos ao trabalho
compulsório, produzindo de acordo com as necessidades metropolitanas, além
disso, eram obrigados a pagarem para a manutenção desse sistema que lhes era
imposto, eram, pois, obrigados a consumir os bens industrializados, manufaturados
e alimentícios da metrópole, com valores acima do mercado. Assim, expõe Boahen
(2010, p. 930) “produtos tão simples e tão essenciais como fósforo, velas, cigarros,
óleo comestível e até sucos de laranja e de limão, que poderiam ser todos
fabricados com facilidade na África eram importados.”.

A exclusividade da metrópole nas relações comerciais com a colônia gerava


muitos lucros, pois a França tinha acesso às matérias-primas baratas, em grande
quantidade e de acordo com suas necessidades, trazendo saldo favorável para a
balança metropolitana, pois as colônias, muitas vezes, representavam a maior fonte
de importação de matéria-prima e uma considerável fonte de exportação de bens
industrializados, sendo estes comercializados nas sociedades africanas a preços
exorbitantes, trazendo maior ganho para os investidores e indústrias metropolitanas.
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Infraestrutura na colônia para a metrópole.

As colônias da África foram, até o século XIX, basicamente para o tráfico


negreiro. Depois deste período, a Europa vivia a segunda revolução industrial e
necessitava de matérias-primas (ouro, prata, etc.) e gêneros agrícolas para
alimentar suas cidades. A África tinha esses recursos, terras abundantes e
população passível de ser explorada. Desse modo, o continente africano era visto
pelos burgueses europeus como uma possibilidade de novos negócios para
expansão futura.

No final deste século a partilha entre as nações europeias foi feita. Uma das
principais características da colonização francesa foi não só proteger os territórios
controlados, mas levar o modo de vida francês a esses povos. Os franceses
pretendiam remodelar essas sociedades à imagem e semelhança da sociedade
francesa.

Ademais, os franceses procuravam enviar uma grande quantidade de colonos


para seus domínios coloniais, além de investirem grandes capitais. Estradas de
ferro, portos, hospitais, bases militares e escolas foram construídas em toda a
“África Frances”, seja com a finalidade de obter retorno de capital, de facilitar a
exploração de recursos naturais ou “civilizar” os povos, pois o serviço militar e a
educação francesa nas escolas eram imprescindíveis.

Para que a ocupação dos territórios se desse de forma mais rápida, a solução
encontrada foi conceder amplas porções de terra para companhias privativas para
que as explorassem. Estas companhias não realizaram nenhum investimento pela
colônia, a não ser visando seus próprios interesses.

Colonização: contato-confronto entre diferentes culturas.

O colonialismo francês no continente africano no século XIX foi exemplo de


uma dominação direta pelo maior rigor imposto e opressão social e cultural para as
sociedades africanas, representando concretas mudanças advindas de uma
dominação na qual a centralidade dos interesses do colonizador francês estava na
emergente extração dos recursos naturais do continente africano para a burguesia
mercantilista francesa. As relações estabelecidas por seus interesses e
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determinações da metrópole, simultaneamente culminaram na imposição dessas


populações a um processo de “reculturação” para inserção de cultura hegemônica
superior considerada avançada pelo teor intelectual, religioso, político e econômico
frente à cultura africana. O evidente choque cultural entre europeu e africano
configurou nas relações de dominação e resistência cultural que moldavam as
relações durante o processo de colonização.

Durante o processo de colonização da “África francesa” no século XIX, a


França adotava como marca expressiva de dominação, a sobreposição cultural
frente às sociedades e culturas africanas. Segundo Macedo (2015), em sua maioria,
os territórios colonizados pelos franceses foram habitados por árabes seguidores do
Islamismo, em regiões onde outrora pertenceram aos califados de abássida, omíada
e posteriormente ao controle otomano. Segundo Dan Smith (2008), “os franceses
pretendiam remodelar essas sociedades à imagem semelhança da sociedade
francesa”, aos moldes caraterísticos de uma missão civilizatória típicos da
Revolução Francesa e do Império de Napoleão (2015).

Dessa forma, os colonizadores franceses investiram fortemente em


estruturas em seus domínios – desde ferrovias, portos, bases militares e escolas - e
aumentaram a quantidade de colonos nos territórios de forma a facilitar a exploração
e garantir a “civilização” das sociedades conquistadas. A educação e o militarismo
francês passavam então a ser impostos de forma que, até nas escolas, as crianças
de sociedades conquistadas deveriam aprender a máxima “Nos ancêtres les
Gaulois” em português como “Nossos ancestrais são gauleses”. (Macedo, 2015).

Entre 1830 e 1847, temos como exemplo a colonização francesa na Argélia.


Desde o início da dominação na Argélia, a França dominava inteiramente o país,
mas as regiões de tradições muçulmanas como nas áreas rurais permaneceram
isentas da infraestrutura econômica e influência francesa. Todo o “desenvolvimento”
fomentado pelos franceses culminou evidentemente em um choque cultural com as
tradições culturais dos países africanos em situação de colonização pelos franceses.
Esta situação representou ainda maior divergência nas décadas de 50 e 60 no
século XX, onde após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os argelinos iniciam
o processo de movimentos por independência, na formação de guerrilhas, levantes
armados e reivindicações contra a dominação francesa – sobretudo através da
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Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina - que tiveram como resposta a


repressão violenta e sangrenta dos franceses (2015).

Entre 1961 e 1962, com pressões internacionais e negociações entre as


partes, o cessar-fogo entre França e a FLN findou com o referendo para confirmação
da independência definitiva da Argélia em 1962. Aproximadamente um milhão de
cidadãos franceses, os chamados “pieds noirs” (pés pretos em português) deixaram
a Argélia rumo à França, caracterizando o período de ascensão das relações
culturais de mulçumanos com suas ex-colônias francesas como a Argélia, Tunísia,
Marrocos e Costa do Marfim, até a atualidade. Marcas do choque cultural no
colonialismo representaram, sobretudo, a consolidação de formação de uma
sociedade pautada nos antagonismos e divergências socioculturais.

Colonialismo. Resistência(s).

Quando se ouve falar em colonização dos africanos pelos europeus, se


pensa, muitas vezes, os africanos apenas como sujeitos passivos, vitimas da
expansão colonial; focando apenas nas ferramentas europeias colonizadoras. A(s)
resistência(s) africana, muitas vezes a margem, é esquecida pela historiografia de
base europeia.

Vários foram os dirigentes e poderes locais africanos que


forçaram os europeus a repensar uma melhor forma de
dominação e de luta para a consolidação das diferentes
conquistas. Muitos desses homens demonstraram grande
habilidade política e militar para conter o mais que puderam a
expansão colonial. ( BITTENCOURT, pp.7-8)

Diversas foram as formas engendradas pelas sociedades africanas, com


as da Costa do Marfim, para se contraporem às arbitrariedades da metrópole.
Entretanto, antes de adentrar nas formas de resistência, é necessário elucidar o
caráter inicial do colonialismo francês, inicialmente a costa do marfim foi colonizada
pelo sec. XV pelos portugueses, mas por falta de recursos para uma estrutura de
colonização acabou abrindo uma brecha para a colonização francesa já no sec. XIX,
mediante isso o expansionismo francês inicia o seu processo de colonização com
praticas já conhecidas “ dividir e dominar “ como objetivo de facilitar a dominação,
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realizando acordos e provocando lutas intertribais com isso impedindo uma


resistência una , homogênea.

Em 1842 acontece a ocupação francesa levada por Boneët-


Willaumez, quem chega a vários acordos com os chefes das
tribos locais. Dez anos depois detona a primeira revolta,
esmagada por Faidherbe; as viagens pelo interior nos anos
seguintes de Binger e Marchand esclarecem que os habitantes
da Costa do Marfim seguem sem ser dominados, como
demonstra a resistência indígena organiza da por Samory que
esteve perto de acabar com a soberania francesa (portal são
Francisco, 2017 ).

Após um acordo inicial fruto de uma das ferramentas de dominação


utilizada para a facilitação da colonização, feito com chefes tribais, houve, após dez
anos, uma revolta armada comandada por Samori Turé, um indígena. Várias foram
as tentativas feitas por Turé com o objetivo de ultrapassar particularismos étnicos e
regionais, os conflitos intertribais, na tentativa de buscar o fortalecimento de
estruturas políticas, com base na arrecadação de impostos e na montagem de
exércitos profissionais.

Já no século XX, como tentativa de resistência ao crescente controle


europeu da costa, força-se sua penetração pelo interior do continente.

Após o termino da 2° Guerra Mundial a França estava em


situação de esgotamento. Sendo obrigados a dedicar seus
esforços em sua própria reconstrução, os franceses não
poderiam manter a controle sobre a administração colonial
sobre os territórios subjugados. A partir desse momento assim
como a exemplo de outros demais países, inicia-se as
primeiras movimentações organizadas de reivindicação pela
independência. O marco nesse processo foi à criação em 1946
círculos progressistas fundam o Partido Democrático da Costa
do Marfim tendo a sua frente à chefatura de Félix Houphouët-
Boigny um líder sindical de trabalhadores agrícolas (KASSAN,
2011).

A segunda guerra mundial foi um marco crucial para a inicialização do


processo de independência da costa do marfim, pelo fato de a França ter sido
ocupada pela Alemanha e após esse período de guerra o principal objetivo e
recursos terem sido voltados para a reconstrução do país. Isso, entre outros fatores,
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fragilizou as amarras do colonialismo francês dando a chance de fortalecer o


movimento de independência com a criação do partido democrático que, com
passos lentos, conseguiu a independência da Costa do Marfim.
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Referências Bibliográficas

BELLUCCI, Beluce. LAMY, Phillipe.”A exploração colonial na África”, Textos para


debate. Secretaria de Relações Internacionais do PT.

BOAHEN, A. O Colonialismo na África: Impacto e Significação. In: História Geral da


África, VIII. África desde 1935. São Carlos: UNESCO Representação no Brasil,
2010.

CARVALHO, Platão Eugênio. Neocolonialismo, a Expansão Imperialista do século


XIX. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Costa do Marfim. Disponível em: <http:www.portalsaofrancisco.com.br>. Acessado


em 02 de Abril de 2017.

FILHO; BADOU. A França na África: as intervenções militares e suas intervenções –


o caso da Costa do Marfim. Carta Internacional. Vol. 9, n. 2, jul.-dez. 2014, pp. 156-
172.

MACEDO, Gustavo. Je Suis Gaulois: O colonialismo francês e sua presença na


África. Disponível em: < https://pgderolle.wordpress.com/2015/01/13/je-suis-gaulois-
o-colonialismo-frances-e-sua-presenca-na-africa/> . Acesso em 30 de março de
2017.

MACEDO, José. Imperialismo na África. Disponível em:


<http://www.suapesquisa.com/historia/imperialismo-na-africa>. Acesso em 31 de
março de 2017.

SILVÉRIO, Valter Roberto. Síntese da coleção História Geral da África: século XVI
ao século XX/ coordenação de Valter Roberto Silvério e autoria de Maria Corina
Rocha e Muryatan Santana Barbosa. Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2013.

SMITH, Dan. O atlas do Oriente Médio. São Paulo: Publifolha, 2008.

UZOIGWE, G N. Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral. In: História


Geral da África, VIII. África desde 1935. São Carlos: UNESCO Representação no
Brasil, 2010.

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