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HISTÓRIA DA ÁFRICA DO SÉCULO XX

O TRÁFICO E SUAS TRANSFORMAÇÕES NO


SÉCULO XX

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Olá!
Ao final desta aula, você será capaz de:

1- Analisar as transformações gerais do tráfico de escravos no século XIX;

2- Listar os impactos das transformações nas sociedades africanas;

3- Relacionar as mudanças do tráfico com a visão imperialista da Europa.

Em 1839, os escravos que saíram da atual Serra Leoa estavam sendo levados (ilegalmente) para Cuba, quando se

revoltaram e tomaram o navio. A embarcação ficou a deriva por alguns dias, até que foi interceptada pelos

ingleses, que faziam o policiamento das águas do Atlântico, para que o tráfico da carne não ocorresse. Como

estavam próximos da costa estadunidense, toda a tripulação foi levada para os Estados Unidos, e lá, começou

uma implacável batalha jurídica para decidir qual seria o destino daqueles africanos escravizados. A história

verídica é muito interessante e vale a pena ser conhecida mais a fundo. Mas, no que diz respeito ao estudo da

história da África no século XX, o que ocorreu no La Amistad aponta as principais mudanças que o tráfico sofreu

no século XIX e suas consequências.

Dê uma boa olhada na imagem abaixo e leia sobre o que se trata.

Morte do Capitão Ferrer, Capitão do Amistad, Julho, 1839.

Don Jose Ruiz e Don Pedro Montez, da ilha de Cuba, após a compra de cinquenta e três escravos em Havanna,

importados a pouco tempo da África, os colocaram a bordo do Amistad, do Capitão Ferrer, para levá-los a

Principe, outro porto da ilha de Cuba. Quatro dias após o início da viagem, para escapar e voltar para a África, os

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africanos tomaram o barco, munidos com facas de corte de cana e confrontaram o capitão e a tripulação do

navio. Capitão Ferrer e o cozinheiro do navio foram assassinados; dois tripulantes escaparam; Ruiz e Montez

foram feitos prisioneiros.

Essa imagem retrata uma das revoltas mais famosas do tráfico transatlântico: a rebelião dos escravos do navio

La Amistad.

A embarcação ficou a deriva por alguns dias, até que foi interceptada pelos ingleses, que faziam o policiamento

das águas do Atlântico, para que o tráfico da carne não ocorresse.

Como estavam próximos da costa estadunidense, toda a tripulação foi levada para os Estados Unidos, e lá,

começou uma implacável batalha jurídica para decidir qual seria o destino daqueles africanos escravizados.

Fique ligado
A história verídica é muito interessante e vale a pena ser conhecida mais a fundo. Mas, no que
diz respeito ao estudo da história da África no século XX, o que ocorreu no La Amistad aponta
as principais mudanças que o tráfico sofreu no século XIX e suas consequências.

A construção do tráfico

A chegada dos europeus no continente americano redimensionou o tráfico de africanos no atlântico, fazendo

desse comércio um dos mais lucrativos da época.

A implementação do sistema colonial, que visava à produção em larga escala de gêneros tropicais com grande

demanda na Europa, só poderia ser efetivada caso a mão de obra utilizada fosse abundante e barata, ou seja,

escrava.

Por que, então, não utilizar as populações ameríndias nessa produção?

Essa opção não teria sido menos custosa do que o transporte de africanos?

Embora milhares de indígenas tenham sido dizimados ou escravizados pelos colonos europeus, tais populações,

em tese, estavam protegidas pela Igreja Católica, que depois de calorosos debates durante as três primeiras

décadas do século XVI, havia decidido que os índios da América possuíam alma. Consequentemente, não

poderiam ser escravizadas.

Veja a decisão do Papa Paulo III, em 1537. É importante destacar que, na época, a Igreja Católica era uma das

instituições de maior peso político e moral na Europa.

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“(...) os ditos Índios, e todos os outros povos que daqui em diante vierem a ser conhecidos pelos cristãos, ainda

que estejam fora da fé cristã, podem, livre e licitamente, assenhorar-se, usar e gozar da sua liberdade, como

também do domínio de todas as suas coisas, e que não devem ser reduzidos à servidão”.

Embora a história demonstre que os colonos europeus, inclusive os padres jesuítas, frequentemente,

escravizassem índios, havia de fato a crença de que, por terem alma, os índios eram passíveis de salvação, caso

fossem catequizados.

Já os negros africanos eram vistos como infiéis, e a única forma que eles tinham de salvar-se era passar pelo

purgatório em vida. Esse purgatório era a escravidão.

Junto a toda essa discussão religiosa, não podemos ignorar que o tráfico já era um negócio lucrativo para

os europeus que estavam envolvidos com ele - uma vez mais, interesses econômicos e religiosos se

convergiam na defesa do tráfico de africanos escravizados.

As colônias portuguesas de São Tomé e Ilha da Madeira são exemplos de sucesso do uso de africanos

escravizados na produção de gêneros tropicais em larga escala.

Primeiras rotas do tráfico transatlântico

As primeiras grandes levas de africanos escravizados saíram da região que hoje corresponde aos países de

Congo e Angola.

A compra massiva de escravos nessa região estava intimamente ligada à conversão do rei do Congo ao

catolicismo e à intima relação que este reino passou a ter com os portugueses.

Logo em seguida, entre os séculos XVI e XVII, portugueses e outras nações europeias como os franceses,

holandeses e ingleses começaram a comprar africanos escravizados da região que ficou conhecida como Costa do

Ouro (no atual país de Gana) habitada sociedades acans, fantis e mandingas.

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A partir do século XVII, mas, sobretudo, no século XVIII, o tráfico atlântico ampliou sua área de atuação para a

região do Golfo do Benin, que ficou conhecida como a Costa dos escravos devido ao grande número de africanos

que de lá saíram.

O reino do Benin se transformou em um grande fornecedor de escravos para os europeus e brasileiros.

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E, assim, o tráfico de escravos tornou-se uma das atividades mais rentáveis de todo o mundo.

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As mudanças do Tráfico no século XIX

Nas últimas décadas do século XVIII, um ciclo de revoluções alterou o quadro mundial.

Nesse período, que ficou conhecido como a “Era das Revoluções”, o Antigo Regime e o Sistema Colonial foram

colocados em xeque, ao mesmo tempo em que o Liberalismo se expandia rapidamente.

No continente europeu, os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, defendidos na Revolução Francesa,

marcaram o fim do Absolutismo e viabilizaram a construção de um novo modelo de sociedade. Nele, conceitos

como cidadania e soberania nacional eram palavras-chave, discutidas nos parlamentos recém-construídos.

A escravidão também foi tema de debates políticos em muitas nações europeias, chegando inclusive a ser

combatida.

Ao mesmo tempo, diversos países europeus começavam a colher os frutos trazidos pela Revolução Industrial,

acontecimento que otimizou a produção industrial ao adotar máquinas a vapor na fabricação de bens

manufaturados. Produzia-se muito mais em menos tempo.

O processo de independência no continente americano

Do outro lado do Atlântico, os conceitos descritos acima impulsionaram o processo de independência no

continente americano.

A Revolução Norte-Americana (1776) foi o primeiro evento de grandes proporções baseado nos princípios do

Iluminismo que rompeu os paradigmas da colonização europeia, embora não tenha abolido a escravidão.

O processo de independência no continente americano

Já na região caribenha, os ideais da Revolução francesa foram levados ao extremo, viabilizando o que foi a maior

revolução de escravos da história humana: a revolução do Haiti (1790).

A partir de então, com exceção do Brasil e de Cuba, as novas nações americanas que se formaram também

aboliram a escravidão.

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Como se pode perceber, as mudanças que acabamos de ver não ficaram restritas à Europa e às
Américas. O continente africano também foi afetado pela “Era das Revoluções”.

O continente africano

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As mudanças econômicas geradas pela Revolução Industrial criaram outras necessidades aos países

europeus.

Em primeiro lugar, era preciso ampliar o mercado consumidor dos produtos manufaturados produzidos na

Europa. Em segundo, para que a produção fosse feita em larga escala era preciso um grande estoque de matéria-

prima que, grosso modo, não era encontrado na Europa a custos baixos.

Como a grande maioria das colônias americanas já havia declarado sua independência, os países europeus

precisavam achar esses produtos primários em outro lugar. E esse lugar era a África.

Então, a partir do início do século XIX, os europeus passaram a se interessar pela exploração dos recursos

naturais africanos.

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Mas a Europa não tinha fácil acesso ao continente africano- pelo contrário, suas relações com
as sociedades africanas ocorriam principalmente nas feitorias e cidades costeiras, locais onde
normalmente eles trocavam produtos manufaturados (como armas e tecidos) por escravos.

Primeira porta de entrada dos europeus na África

A abolição do tráfico transatlântico de escravos, decretada pela Inglaterra em 1807, viabilizaria a primeira porta

de entrada dos europeus na África.

Ainda que diversos ingleses envolvidos na luta pelo fim do comércio negreiro e da escravidão de fato

acreditassem na importância da liberdade dos africanos, os recém-criados ideais humanitários não foram as

únicas razões para o fim do tráfico.

Os europeus, de um modo geral, teriam muito a lucrar com essa iniciativa.

Saiba mais
Embora algumas regiões da África (como Angola e Moçambique) tenham mantido o comércio
até meados do século XIX (Brasil e Cuba continuaram importando grande número de africanos
escravizados até a década de 1850), após 1807, a maior parte das sociedades africanas
envolvidas no tráfico se viu obrigada a reestruturar sua economia, para manter as redes
internacionais de comércio que haviam construído com nações europeias anos atrás.

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Mudanças na rede de comércio e suas consequências

A partir dos primeiros anos do século XIX, as elites político-econômicas de Achanti (Império da Costa Ocidental

africana) que, ao longo do século XVIII estabeleceram sua rede de comércio por meio da venda de ouro e

escravos, viram-se obrigadas a produzir gêneros tropicais para sustentar suas negociações com comerciantes

da Europa.

Situações parecidas ocorreram com outras sociedades africanas. O comércio de escravos, por exemplo, foi

substituído pelo comercio de produtos primários como açúcar, algodão, óleo de dendê, amendoim, cacau, dentre

outros.

Se em um primeiro momento, a substituição de escravos por gêneros tropicais parecia não causar danos

imediatos, no médio prazo diversas sociedades africanas sofreram crises que as enfraqueceram politicamente.

Isso porque a unidade política de muitos Estados africanos envolvidos no tráfico era mantida por meio da

relação estabelecida entre os grupos dominantes desses estados (que controlavam o comércio) e os demais

grupos subjugados.

Esses eram obrigados a pagar tributos para não serem escravizados ou então tinham algum tipo de participação

no processo de escravização, como os canoeiros que faziam o transporte de africanos escravizados do interior do

continente até as cidades portuárias.

Fim do tráfico

Com o fim do tráfico, boa parte dos grupos africanos dominados viu-se livre não só das taxações, mas também da

obrigatoriedade política de fazer parte desses Estados que os controlavam.

Isso causou o enfraquecimento e mais tarde a fragmentação política de extensos impérios, como Achanti e Oió.

Esse duplo processo de fragmentação e enfraquecimento político das sociedades costeiras da África foi um dos

fatores que facilitou a entrada de europeus no interior da África centro-ocidental. Mas não foram as únicas.

Paralelamente, regiões islamizadas da África Ocidental atravessavam um processo de mudança, no qual as jihads

passaram a ser chefiadas por líderes autóctones (africanos islamizados), criando novas dinastias e,

consequentemente, novos reinos que não tinham uma forte unidade política estabelecida.

Ao norte do continente, a decadência do Império Turco-Otamano também criou uma fragilidade política em

diferentes sociedades africanas, fato este que foi bem aproveitada pelos europeus.

Na parte sul da África, a instabilidade gerada pelos conflitos entre os zulus e os africânderes também facilitou a

entrada de europeus, sobretudo dos ingleses.

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O que vem na próxima aula
•As razões que levaram à formação das Missões e Expedições europeias na África;

•Os objetivos imperialistas dos europeus sob os africanos e seu continente;

•As descobertas feitas pelos missionários e expedicionários sobre regiões africanas até então desconhecidas.

CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Examinou as dinâmicas do tráfico transatlântico em sua longa duração;
• Analisou as transformações sofridas por esse comércio ao longo do século XIX;
• Viu como o fim do tráfico transatlântico de escravos começou a causar forte impacto nas sociedades
africanas envolvidas nele.

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