Você está na página 1de 4

A mulher do Sertão Nordestino (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do

Norte e Sergipe)

Não importa a categoria social: o feminino ultrapassa a barreira das classes p.241

As pobres livres, as lavadeiras, as doceiras, as costureiras e rendeiras


- tao conhecidas nas cantigas do nordeste - , as apanhadeiras de agua nos
riachos, as quebradeiras de coco e parteiras, todas essas temos mais dificuldade
em conhecer: nenhum bem deixaram apos a morte, e seus filhos medos,
angustias, pois eram analfabetas e tiveram, no seu dia-a-dia de trabalho,
de lutar pela sobrevivencia. Se sonharam, para poder sobreviver, nao
podemos saber. p. 241

Ali se gestou uma sociedade fundamentada no patriarcalismo

Hierarquias rígidas, gradações reconhecidas: em primeiro lugar e acima


de tudo, o homem, o fazendeiro, o político local ou provincial, o “culto”
pelo grau de doutor, anel e passagem pelo curso jurídico de Olinda ou
Universidade de Coimbra, ou mesmo o vaqueiro p242

Ser filha de fazendeiro,


bem alva, ser herdeira de escravos, gado e terras era o ideal de mulher
naquele sertao.242

No entanto, se essa populacao do sertao tinha a capacidade de se


reproduzir muito (ha exemplos de 25 filhos), a mortalidade tambem foi
muito alta, principalmente de criancas em sua primeira semana de vida,
pelo chamado “mal de sete dias”, causado por infeccao no corte do cordao
umbilical. Alem disso, muitas mulheres morreram no momento do parto
com seus filhos ainda no ventre. A media de filhos criados por mulher era
de 2,585 (media que corresponde a de nossos dias no Brasil). QUANDO ISSO? 244

Os tracos das mulheres de elite sao mais conhecidos. P245

pois usar sandalias nao era de bom tom 246

ATIVIDADES FEMININAS
As mulheres de classe mais abastada nao tinham muitas atividades
fora do lar. Eram treinadas para desempenhar o papel de mae e as chamadas
“prendas domesticas” - orientar os filhos, fazer ou mandar fazer a
cozinha, costurar e bordar.
Outras, menos afortunadas, viuvas ou de uma
elite empobrecida, faziam doces por encomenda, arranjos de flores, bordados
a crivo, davam aulas de piano e solfejo, e assim puderam ajudar no
sustento e na educacao da numerosa prole. Entretanto, essas atividades,
alem de nao serem muito valorizadas, nao eram muito bem-vistas socialmente.
Tornavam-se facilmente alvo de maledicencia por parte de homens
e mulheres que acusavam a incapacidade do homem da casa, ou observavam
sua decadencia economica. Por isso, muitas vendiam o produto de
suas atividades atraves de outras pessoas por nao querer aparecer. Na epoca,
era voz comum que a mulher nao precisava, e nao deveria, ganhar
dinheiro. P. 249

As mulheres pobres nao tinham outra escolha a nao ser procurar


garantir seu sustento. Eram, pois, costureiras e rendeiras, lavadeiras,
fiadeiras ou roceiras - estas ultimas, na enxada, ao lado de irmaos, pais
ou companheiros, faziam todo o trabalho considerado masculino: torar
paus, carregar feixes de lenha, cavoucar, semear, limpar a roca do mato e
colher. P250

No sertao nordestino do seculo XIX, a mulher de elite, mesmo com


um certo grau de instrucao, estava restrita a esfera do espaco privado, pois
a ela nao se destinava a esfera publica do mundo economico, politico,
social e cultural. A mulher nao era considerada cidada politica p 251

Ao final do
seculo XIX e inicio do XX, esse poder passa a concentrar-se nas maos de
cerca de 300 familias de elite egressas das milicias estatais e nacionais,
conhecidas na historia da regiao do Nordeste como oligarquias: na Paraiba,
por exemplo, doze ou treze familias extensas, com as suas tentaculares
parentelas, exerciam o monopolio da terra, do mercado, do trabalho e de
todos os recursos no interior de uma economia marcada pela escassez e
pelo plantio do algodao. P254

No sertão, a preocupação com o casamento das filhas moças foi uma


constante.
E assim a confeccao de enxovais iniciada aos 12 anos de idade das
meninas, com pecas de linho mandadas bordar e guardadas em papel de
seda em baus; os conselhos amigaveis da mae experiente para que a moca
tivesse um comportamento moderado e repleto de solicitude, “para poder
casar”, inculcavam na vida feminina a nocao da valorizacao da vida matrimonial
e, ao mesmo tempo, imprimiam-lhe uma profunda angustia, caso
ela nao viesse a contrair casamento antes dos 25 anos de idade. p. 256

O CASAMENTO DA MULHER POBRE


Bem diversa foi a sexualidade e o modo do casamento da pobre e da
escrava. Em geral o casamento nao era nem “acertado” entre familias nem
envolvia dote. Mesmo nao tendo as mesmas conotacoes que um casamento
de elite, a uniao de um homem e uma mulher entre os grupos mais
pobres tambem era um valor. P262

Entre o grupo social mais pobre as visoes do sentido do casamento


tem que ser perscrutadas nao em livros de memorias, em diarios ou cartas.
E atraves da oralidade transmitida nas cancoes, nos adagios, na literatura
de cordel e pelos cantadores que se percebem alguns dos sentidos e representacoes
do que era o casamento. 263

O RAPTO CONSENTIDO
Muitas vezes o namoro nao desejado pelos pais encorajou o rapto da
moca pelo pretendente. Mas um rapto consentido pela mulher, com a promessa
de casamento pelo raptor. 267

estariam prejudicadas, caso nao fosse realizado o casamento.


O rapto ou a “seducao”, como os parentes julgavam na epoca, trazia
contrariedades para a familia e cabia ao poder masculino, patriarcal, caso
nao houvesse o casamento, resolver o problema: interpelar o sedutor e
obriga-lo a casar. Moca raptada que nao casou, virava “mulher perdida”.
E o rapaz que raptasse alguem e nao se casasse estaria sujeito as sancoes
da sociedade: seria considerado indigno, “roubador de honra”, deveria
sair da regiao ou estaria sujeito as punicoes que a sociedade lhe impunha,
tais como morrer ou ser “capado”. A vinganca era mandada fazer
pelo pai ou irmao para limpar a honra da familia, numa sociedade em
que a vindita era muito usual e os matadores profissionais nunca faltavam 267

O numero de fugas de jovens enamorados foi tao grande no Piaui,


que se comeca a pensar num outro sentido para o fato. Ao final do seculo
XIX, uma longa serie de “causos” e anedotas procurava dar conta de raptos
que ocorriam como uma reacao aos casamentos impostos pelos pais 268

A fuga, ou rapto podia significar ideias de liberdade, vontade propria,


mas podia significar tambem nao precisar fazer festa, pois muitos pais, de
categoria pouco abastada, “gastavam o que tinham” e “o que nao tinham”
(como diz um proverbio local) para casar as filhas mocas. 268

Como mulher-esposa, seu valor perante a sociedade estava diretamente


ligado a “honestidade” expressa pelo seu recato, pelo exercicio de suas
funcoes dentro do lar e pelos inumeros filhos que daria ao marido. 268

A PSIQUIATRIA E A CONSTRUÇÃO DE UMA FEMINILIDADE 332

Uma das imagens mais fortemente apropriadas, redefinidas e disseminadas


pelo século XIX ocidental é aquela que estabelece uma associação
profundamente íntima entre a mulher e a natureza, opondo-a ao homem
identificado à cultura. Retomada por um “velho discurso” que tentava justificar
as teorias e práticas liberais - que, embora comprometidas com o
princípio da igualdade, negavam às mulheres o acesso à cidadania, através
da ênfase na diferença entre os sexos -, tal imagem seria revigorada a
partir das “descobertas da medicina e da biologia, que ratificavam cientificamente
a dicotomia: homens, cérebro, inteligência, razão lúcida, capacidade
de decisão versus mulheres, coração, sensibilidade, sentimentos”.10
Essas considerações remetem a duas questões importantes.
A construção da imagem feminina a partir da natureza e das suas leis
implicaria em qualificar a mulher como naturalmente frágil, bonita, sedutora,
submissa, doce etc. Aquelas que revelassem atributos opostos seriam
consideradas seres antinaturais. Entretanto, muitas qualidades negativas como
a perfídia e a amoralidade- eram também entendidos como atributos
naturais da mulher, o que conduzia a uma visão profundamente ambígua
do ser feminino.11
No século XIX ocidental, a velha crença de que a mulher era um ser
ambíguo e contraditório, misterioso e imprevisível, sintetizando por natureza
o bem e o mal, a virtude e a degradação, o princípio e o fim, ganharia
uma nova dimensão, um sentido renovado e, portanto, específico. Amplamente
disseminada, a imagem da mulher como ser naturalmente ambíguo
adquiria, através dos pincéis manuseados por poetas, romancistas, médicos,
higienistas, psiquiatras e, mais tarde, psicanalistas, os contornos de
verdade cientificamente comprovada a partir dos avanços da medicina e
dos saberes afins. 332

O temperamento nervoso, intimamente relacionado à predisposição


às nevroses e nevralgias, era freqüentemente considerado como típico
das mulheres, “cujas funções especiais ao sexo, em muito contribuem
para o seu desenvolvimento”. 333

Mas se queremos
mesmo dar uma guinada na história das mulheres, deslocando-a para
um campo bem mais fértil e instigante da história dos gêneros, é preciso
que, entre outras coisas, abandonemos definitivamente essa obsessão em
buscar comprovar que a mulher é mais discriminada, é mais explorada, é
mais sofredora, é mais revoltada etc., etc. Nem mais, nem menos, mas sim
diferentemente. Diferenças cujos significados não se esgotam nas distinções
sexuais, devendo, portanto, ser buscados no emaranhado múltiplo,
complexo e, muitas vezes, contraditório, das diversidades sociais, étnicas,
religiosas, regionais, enfim, culturais.15

Você também pode gostar