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José Murilo de Carvalho

A formação das almas

O símbolo perfeito seria a virgem-mãe, por sugerir uma humanindade capaz de se reproduzir sem a
interferência externa. Comte especificou o tipo feminino que deveria representar a humanidade:
uma mulher de 30 anos, sustentando um filho nos braços.

No cerne do debate estava a imagem da mulher, historicamente associada à fragilidade


física, à passividade, antagônica à violência, conforme moldada pela cultura patriarcal e
reforçada pelas tradições católicas, como o culto da Virgem Maria. A imagem da “mãe sacrificial”,
obediente e dedicada à família foi herdada da Igreja medieval e introduzida nas Américas
desde a colonização, sendo especialmente valorizada entre a segunda metade do século XIX e
a Primeira Guerra Mundial.
Dois fatores contribuíram para que a imagem da mulher-mãe, cuidadora e gentil ganhasse
força na América Latina: a influência dos pensadores positivistas e românticos, que destacam a
importância da mulher como mãe-educadora, responsável pelos novos cidadãos (seus filhos) e
apoiadora do marido; e o direcionamento do Vaticano, evidenciado no Dogma da Imaculada
Conceição. Este, lançado em 1854, reforça o dogma de que Maria concebeu Jesus sem contato
sexual, sendo a mãe virginal do Cristo e o modelo a ser seguido pelas mulheres católicas (Raquel
LIMA; Igor TEIXEIRA, 2008; Elisabeth BADINTER, 1985).
Maternidade, Romantismo, Patriotismo
A ênfase católica na mulher-mãe e na santidade da maternidade precisa ser compreendida
como uma ideologia voltada primordialmente à mulher branca, pertencente às camadas média e
superior da sociedade. Mulheres pobres, escravizadas ou livres, em geral não eram alvo do mesmo
discurso. Neste caso, o abandono, a exploração sexual das mulheres, a ausência da figura paterna
e a separação das famílias eram consideradas como parte das dinâmicas de classe, naturalizadas
pela sociedade (Rachel SOIHET, 1989; Claudia FONSECA, 1997; Elaine ROCHA 2002).

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