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Helena Theodoro/2007
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ÁRIO
5. Bibliografia
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1. O papel das mulheres negras na sociedade brasileira
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1.1 – A mulher negra na virada do século XX
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sexualidade da escrava vai ser vista pelo senhor como fora do círculo familiar,
sem limites, normas morais ou religiosas, já que a mulher negra é vista como
COISA, um OBJETO SEXUAL.
. A evolução cultural brasileira e o empobrecimento gradativo das
antigas famílias tradicionais levou a mulher de classe média aos bancos
escolares, às universidades, bem como às repartições públicas e cargos
políticos. A mulher negra - empregada doméstica ou babá - possibilitou
e possibilita hoje ainda a emancipação econômica e cultural da patroa, em
cidades como as nossas, onde a organização dos serviços coletivos de creches
é deficiente. E até mesmo nas famílias que mantiveram a divisão de serviços
entre marido e mulher, quem em geral executa as tarefas que caberiam à dona
de casa é a mulher negra.
No entanto, a mulher negra e a mulata - agora rotulada como
“mulata profissional”, continua a enfrentar as barreiras criadas pelo
preconceito racial. Na competição pelo trabalho de cada dia, a mulher negra
tem menores possibilidades, até mesmo para empregos como o de doméstica
em casa de famílias tradicionais.
Quando a mulher negra consegue uma escolaridade maior ou um
treinamento efetivo de suas capacidades e tenta uma colocação como
comerciária ou industriária, esbarra com o problema do preconceito. Todos os
anúncios fazem referência sempre a jovens de boa aparência ou pedem
retrato pelo reembolso postal, fazendo assim uma filtragem de mulheres
negras nas atividades mais categorizadas . A ascensão social e econômica da
mulher negra se processa em ritmo muito mais lento do que a dos homens
negros e da mulher branca, segundo indicações de Oliveira, Costa e Porcaro,
no livro O lugar do negro na força de trabalho.
A luta pela mudança da situação ocupacional da mulher gerou o
Movimento de Libertação Feminina , dentro da uma sociedade de classes e da
exploração e dominação de uma classe pela outra. Desta forma, constatamos
que o feminismo pode ser situado como componente das representações
dominantes, já que apesar de criticar a representação do “mito da mulher
ideal” - a familiar - defende a expansão social entendida como outra variante
desta mesma ideologia dominante: a ideologia do trabalho burguês, como
liberadora e humanizadora da mulher.
No entanto, a mulher negra vive em condições de extrema
penúria, não fazendo parte deste segmento burguês de que trata o movimento
feminista mundial. Porém, os efeitos sociais da “mística feminina” são muito
extensos e profundos, já que o processo de internalização desta mística do
masculino e feminino cria uma polarização que mutila. A “mística”
manifesta-se como repressão da INTEGRALIDADE DO SER e esta seria a
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sua função social, o seu serviço à ideologia dominante. Desta maneira, a
ocupação dona-de-casa assume um significado ou conteúdo diferente para
a mulher branca e para a mulher negra.
A luta da mulher negra, no entanto, não se prende
unicamente ao movimento feminista do século XX. Em 12 de outubro de
1657, segundo Marco Aurélio Luz (1993), a Rainha Nzinga do
Ndongo(Angola), firmou os termos do tratado de paz com os portugueses,
pondo fim a um período de lutas militares que começaram por volta de 1575,
quando o aventureiro Paulo Dias desembarcou em Luanda com o propósito de
fundar um império cristão na África. O tratado de paz foi a forma encontrada
pela Rainha Nzinga para, através de uma aliança com o rei do Congo e com os
holandeses, evitar a destruição do Ndongo cuidando de sua reconstrução e de
seu repovoamento...
Nzinga lutou de variadas formas contra um inimigo cruel e
sanguinário, que atacava pequenas populações indefesas de surpresa,
queimando casas, decepando cabeças, narizes, orelhas, além de seqüestrar
prisioneiros para embarcá-los como escravos para o Brasil. Enfrentando a
ferocidade dos portugueses a Rainha Nzinga afirmou-se na tradição mbundo-
jaga. Considerada verdadeira rainha africana, capaz de controlar a chuva que
traz fertilidade, tinha fé em Nzambi Mpungo, entidade suprema das forças
cósmicas que regulam o universo e os ancestrais, e deu continuidade à guerra
de resistência iniciada por seu pai e seu irmão.
Destacando-se no plano militar por sua invisibilidade, a Rainha
Nzinga criou uma tática guerrilheira de múltiplos deslocamentos, que
atordoavam os soldados inimigos, aparecendo quando o momento lhe era
favorável e desaparecendo com grande rapidez, além de criar os
acampamentos na floresta, os conhecidos quilombos.
O tratado feito com a Igreja, que abriu o Ndongo aos
missionários, iniciou uma outra forma de luta, baseada no controle feito por
manobras políticas , já que seria impossível vencer usando a força.
A estratégia da Rainha Nzinga se desdobrou nas Américas, seja
nos quilombos, principalmente no dos Palmares, como nas irmandades
católicas de negros, que proporcionaram espaços sociais necessários à coesão
e identidade do grupo. Ao associar as Congadas, Moçambiques, Ticumbis,
Maracatus etc às igrejas, o negro mantém os valores de ancestralidade e
realeza africana. Nas congadas encontramos a dramatização da dinâmica das
embaixadas entre a Rainha Nzinga (Ginga no Brasil) e o Rei do Congo
( Mani-Congo).
Em todas essas manifestações a presença marcante é a da mulher
negra, que luta por sua liberdade e pela da comunidade desde o Século XVI.
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No Brasil do Século XIX, logo após a Abolição, todo um
dispositivo de atribuições de qualidade negativas atribuídas aos negros é
criado, com o objetivo de manter o espaço da participação social no país
restrito aos estreitos limites da antiga ordem escravagista.
A história da ascensão social do negro brasileiro pode ser vista
como a da submissão ideológica de um estoque racial em presença de outro
que se lhe faz hegemônico. E, desta forma, a história de sua assimilação aos
padrões brancos de relações sociais. Para a mulher negra de classe
média, a ascensão social implica numa luta contra esta ideologia dominante,
para a preservação de sua identidade. Assim, a mulher negra toma
consciência de um processo ideológico que, através de um discurso mítico
acerca de si, engendra uma estrutura de desconhecimento, que tenta aprisioná-
la numa imagem alienada, na qual não se reconhece, como o da mulata,por
exemplo.
A mulher negra de classe pobre, que se constitui na grande
maioria em nosso país, vive no meio urbano e rural, sendo geralmente chefe
de família e sub-empregada. Na maior parte das vezes não tem os problemas
de identidade da mulher negra urbana em ascensão social !
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É importante situar que não se tratou jamais de uma cultura
negra geradora de um campo de resistência. As várias culturas
correspondentes às inúmeras nações que foram arrancadas à África entre os
séculos XVI a XIX já conheciam modificações em sua terra de origem, por
força das reorganizações territoriais e das transformações civilizatórias. No
Brasil as mudanças são ainda maiores, criando-se uma cultura negra
específica, que pode responder pela identidade cultural brasileira.
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faz através do RITO, que é uma forma viva e participante, na qual se revivem
e reforçam o sistema de conhecimentos e de relações do grupo.
Pode-se concluir, então, que na cultura negra , o SOM, a
PALAVRA, são elementos mobilizadores, que conduzem a ação, que
propiciam AXÉ.
No ritual o Orixá é invocado, respondendo por intermédio do
transe individual do participante do culto. Assim, o indivíduo que fala é
sempre imediato, concreto, pois só dessa forma se transmite o axé,
indispensável à dinamização das trocas e da existência. Cada ato de
comunicação é único , renascendo apenas no ritual.
Graças aos orixás, cada elemento é individualizado do ponto de
vista espiritual, não sendo porém um ser isolado nem autônomo, já que está
ligado aos antepassados da humanidade, da “nação a que pertence”, do terreiro
e de sua própria família. Com o orixá, cada pessoa participa dos poderes que
governam todas estas substâncias. Assim, por intermédio do segredo do ritual,
se ligam e se constituem os vínculos comunitários, evidenciando-se a
potência do sagrado, que surge desta fusão do indivíduo na natureza, através
da dimensão cósmica.
Marco Aurélio Luz comenta em seu “Cultura negra em tempos
pós-modernos” os estudos de Michel Mafessoli e Roger Callois sobre o
significado das dimensões do sagrado, do ritual e do lúdico e de como tais
concepções foram influenciadas pelos contatos com as formas sociais da
tradição negro-africana . Analisa como o mistério e o maravilhoso são
aspectos da vida social ressaltados por Roger Callois - um dos fundadores da
Sociedade Secreta College de Sociologie (1937) - que caracterizam as raízes
profundas da existência coletiva, que gera um voltar-se voluntário para a
transcendência da potência social. Para Callois o imaginário faz parte das
coisas do mundo cotidiano, lhe propiciando ordem e sentido, apontando o
lúdico como o elemento estruturador das relações sociais cotidianas ,
expressando aspectos da libido da potência social, sendo mesmo o elemento
que tece o laço social. Pode-se entender o lúdico como a maneira que se
encontrou para enfrentar o trágico ou para cumprir o destino.
No Brasil a cultura negra usa estratégias próprias de resistência de
uma parte da população que não tem outras armas a não ser sua própria crença
na vida, no poder de realização, no seu Axé, criando com o seu imaginário
papéis fundamentais para as mulheres, apresentados em mitos e ritos, mas
vividos na comunidade.
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2.2 – A visão de mundo africana
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Esta idéia é usada nos rituais, que reconectam o homem com o
nascimento, com a morte, com o renascimento, mostrando que a vida é tão
forte quanto a morte. Isto significa que a continuidade do mundo é mais
importante que a mudança de pequenos detalhes, sendo o tempo relativo e
necessário. Enfim, o universo é considerado permanente, eterno e
interminável. Círculos são usados para simbolizar a continuidade do universo
nos rituais .
Na comunidade-terreiro se concentra o saber e o poder
religioso, que renasce a cada rito. O ritual possui uma linguagem, estilo ou
forma própria de comunicação e expressão de valores estéticos e éticos, bem
como conteúdos de saber ou de não saber que caracterizam um ethos, que
estrutura a identidade histórica e social do negro no Brasil.
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Cada elemento que constitui o ser humano se deriva de uma
entidade de origem (orixá) que lhe transmite suas propriedades materiais e seu
significado simbólico. É fundamental venerar esta matéria de origem para
que se possa prosperar e ter proteção no mundo.
Para se entender o desenvolvimento da pessoa na cultura negra,
se faz necessário entender a função de EXU, que está profundamente
associado às transformações de matéria-massa em indivíduos diferenciados.
EXU é símbolo de elemento procriado, princípio dinâmico e da comunicação,
encarregado de transportar e de restituir o AXÉ dos dois genitores míticos,
assegurando a procriação, a existência individualizada, acompanhante de todas
as unidades ou seres , possuidor de diversas representações materiais.
A origem e o destino de cada pessoa estão indissoluvelmente
associados e mobilizados por EXU. A tradição usa um mito para mostrar
como e porque Exu é fundamental para os seres humanos :
“Orumilá", que é Deus Supremo em sua função de senhor
do destino, foi pedir um filho a Oxalá. Isso ocorreu nas
primeiras épocas do mundo, quando Oxalá ainda não tinha
criado os seres. EXU YANGI , o monte de laterita , já esta-
va lá, bem vivinho tomando conta da porta da casa de Oxalá.
A mulher de Orumilá fazia absoluta questão de ganhar logo
um filho. Oxalá disse que a hora ainda não tinha chegado.
Orumilá espantou-se : "E aquele que está sentado, lá fora, à
esquerda de tua porta?”
O criador respondeu que aquele não era bem o encantador
rebento com que sonhavam. Mas Orumilá insistiu tanto que
Oxalá lhe concedeu tornar-se pai de EXU. Voltou para casa,
deitou com a mulher, e doze meses depois (preparar o renasci-
mento de Exu levar mais tempo do que o normal), ela deu à
luz um menino que foi chamado ELEGBARA, ou seja, “senhor
do poder de transformação”.
Ao nascer, já fala e pede comida. Engole tudo que lhe vem pe-
la frente. Come todos os animais que havia na terra, os pássaros,
os peixes. Acaba engolindo a própria mãe.
Orumilá não gostou.
Quando EXU aproximou-se dele, pois pretendia comer também
o próprio pai, este o esperava, de espada em punho. Exu fugiu,
mas Orumilá o alcançou, cortando e recortando-o em duzentos e
um pedaços. O ducentésimo primeiro pedaço, contudo, virou
EXU inteirinho e saiu fugindo. Orumilá alcançou-o, já no “se-
gundo céu”, de novo o retalhou em duzentos e um pedaços e o
ducentésimo primeiro fugiu, e assim por diante, até chegarem no
“nono céu”. Não tinham mais para onde ir, e resolveram entrar
em acordo.
EXU devolveria a sua mãe e todos aqueles que engolira. É por
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isso que todos os seres vivos no mundo têm a ver com EXU, ca-
da um de nós tem seu próprio Exu, cada bicho, cada peixe, cada
pássaro, cada orixá tem seu EXU particular.”
Exu transforma tudo, por ter engolido e devolvido todos os seres
vivos do universo. Por isso tem o encargo de receber as oferendas e distribuir
os dons. É chamado ELEBÓ - “O senhor do sacrifício”.
No mito citado encontramos o orixá Orumilá - o grande
adivinho, guardião de IFÁ - o oráculo onde se delineia o destino de cada
pessoa.
O ORI - cabeça, síntese da pessoa, bem como a gravidez e o
nascimento dos filhos são possíveis graças à atividade de EXU. Com efeito,
Ori é o que individualiza, será o primeiro a nascer e o último a expirar. ORI
será também o primeiro elemento a ser venerado por um indivíduo, antes
mesmo de seu orixá, porque ORI cuida do interesse individual e pessoal,
enquanto ORIXA existe no interesse da comunidade.
Os orixás estão associados a movimentos serenos, a repouso, a
silêncio. São dotados do equilíbrio indispensável à manutenção de tudo o que
nasce e morre. Estão situados à direita de Olorum, enquanto o espírito dos
ancestrais (eguns) está à esquerda. Exu, como o elemento que faz a
comunicação do sistema, tanto pertence à direita como à esquerda.
Os mitos indicam Odudua como uma divindade fundamental e,
também é vista como o princípio criador da terra e de seus habitantes, em
lugar de Oxalá ou Obatalá, que teria sido o indicado por Olorum, mas que, ao
beber a seiva de palmeira perdeu suas forças, adormecendo e falhando em sua
missão. Odudua é considerada a chefe dos orixás do princípio feminino,
sendo associada à água e à terra. Já Obatalá, chefe dos orixás do princípio
masculino se associa à água e ao ar. São orixás-funfun, do branco , da criação.
Obatalá também se relaciona com as árvores, pois contam os mitos que para
cada ser humano que criava, ele também criava, simultaneamente, uma árvore.
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cultural e espiritual dos negros no Brasil,sendo elas ainda responsáveis pela
manutenção da linhagem e representantes da força de vida (AXE).
Nestas comunidades mulheres enérgicas, descendentes de antigas
escravas libertas, transmitem mitos, ritos e uma organização dos tempos do
mundo de forma diversa dos da ideologia cristã. Reconstroem um templo
mítico e um espaço sagrado de essência africana. São elas as IYÁs ou Mães
de santo,que recriaram num novo lugar para a sua família e para a
comunidade, com suas filhas e filhos de santo : AS CASAS DE
CANDOMBLÉ ou COMUNIDADES-TERREIROS.
Funcionando como verdadeiras escolas, as comunidades-terreiros
educam as novas gerações na cultura dos antepassados, na preservação da
memória do grupo, na prática da solidariedade, da ajuda mútua, do respeito
aos mais velhos, da tolerância religiosa e racial, da cura dos males do corpo e
do espírito.
Os diversos cultos afro-brasileiros propiciam uma síntese do
vasto panteão dos orixás africanos, além de uma relação entre mito e religião
cristã, que mostra a troca entre brancos, negros e outras etnias. Representam a
reposição cultural negra, que é capaz de responder por uma identidade cultural
brasileira, já que um santo da igreja católica, como São Jorge, por exemplo,
pode ser cultuado num terreiro de umbanda como o orixá Ogum, tendo-se
então um conteúdo católico,porém uma forma litúrgica mítica, negro-africana.
Assim, a força da mulher nos cultos de base africana vai aparecer e sobressair
pelo princípio de equilíbrio de forças e pelo respeito aos papéis que
desempenha.
Existindo dentro da sociedade brasileira, as comunidades-
terreiros passaram a possuir sua própria tradição, seu regime alimentar, suas
formas de acumulação de riqueza e sua ética.
Para uma comunidade nagô , as relações dos homens com os
orixás, entre si, com os animais, com o princípio feminino ou masculino, é
sempre na dimensão de luta (IJÁ), como afirma Muniz Sodré (1983),já que as
coisas só existem pelo poder que possuímos de lutar com elas e pelo mistério
(AWÔ). Tal relação é simbolizada por EXU, orixá responsável pela
dinâmica de todas as coisas, sendo conhecido como PAI DA LUTA. O que
entra em jogo não é a violência ou a força das armas usadas, mas sim as
artimanhas, a astúcia, a coragem, enfim, o poder de realização ou AXÉ
envolvidos.
As mulheres são portadoras de muito AXÉ e viabilizam sua
expansão e preservação através dos rituais. O ritual é simbólico e faz de
cada sujeito parte de um espaço que abriga a todos . Por meio de palavras,
gestos, sons, objetos, cânticos e movimentos, reconstroem a vida, recriam a
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mundo, libertam o ser humano , integrando-o a seu grupo. O ritual é
fundamental para a luta, tornando cada membro do grupo parceiro, elemento
sem o qual nada acontece. Nas relações entre os membros da comunidade não
existem idéias como PECADO ou SALVAÇÃO, que se apóiam numa
VERDADE única.
Através das danças rituais as mulheres incorporam a força
cósmica, criando possibilidades de realização e mudança, fazendo de seu
corpo um território livre, próprio do ritmo, liberto de correntes.
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Cada individuo na terra é proveniente de uma entidade de origem
que lhe transmite suas propriedades materiais e seu significado simbólico.
Tais entidades de origem - os progenitores, existência genérica , ancestrais
divinos ou familiares, se desprendem para constituir os elementos de um
indivíduo. Tais elementos , conforme Santos (1977), possuem dupla
existência: enquanto uma parte vive no ORUN - o espaço infinito do mundo
sobrenatural, a outra parte está no indivíduo, em regiões particulares de seu
corpo, ou em estreito contato com ele. Desta forma, existe um doble de cada
indivíduo no ORUN, que pode ser invocado ou representado.
O corpo de cada pessoa é composto de cabeça - ORI e suporte da
cabeça - ÀPÉRÉ , que são modelados com porções de substâncias massas-
progenitoras. No entanto, o interior de cada pessoa, o ORI-INU, é único e
representa uma combinação de elementos intimamente ligados ao destino
pessoal. É o conteúdo do ORI, que expressa a essência própria de cada pessoa,
sua existência individualizada, variando de acordo com a matéria mítica - o
ORIXÁ - de que provém. É o ORI que determinará as possibilidades,
escolhas e proibições que cada indivíduo deverá respeitar.
Contam os antigos :
“Ajalá é Orixa muito antigo. Olorum deu a Ajalá a
tarefa de modelar o ori das pessoas. Todos os dias
Ajalá faz muitas cabeças que, depois de prontas, são
colocadas ao sol. Quanto uma pessoa está para
nascer, ela antes vai até Ajalá para escolher uma cabeça.”
A matéria com que são moldados os corpos chama-se OKE
IPORI ou IPORI. O significado e importância do Ipori são muito grandes,
sendo que o Ipori é como o local onde o rio começa seu curso, representando
a nascente, a partir do qual o pequeno regato se alarga e corre.
É no Ipori que se encontra a herança de cada um, especialmente
do pai e da mãe, o que indica como as pessoas, antes de tudo, devem venerar
os seus antepassados.
Desta forma, a cabeça, o ORI, se relaciona ao odu, destino único
daquela pessoa, em razão de uma combinação única feita pelas partes que a
constituem existentes no orun, já que ao escolher uma cabeça, cada pessoa
também escolhe o seu odu, que irá reger toda a sua vida no aiyê. De acordo
com os mitos, a cabeça nasce antes do corpo, sendo mais velha que a pessoa e
até mesmo que seu Orixá .
` Nos rituais o contato com a cabeça dos indivíduos permite a
união de três forças, como diz Mestre Agenor (1994): ORIXÁ, ORI e
PESSOA numa grande cadeia, que a todos interliga. Essa reunião de forças
renova o AXÉ da casa e de cada um.
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O alimento preferido do ORI é a noz de cola (obi), que pode ser
oferecido sozinho ou acompanhado de outros alimentos, numa obrigação
ritual - o BORI - onde se “dá comida à cabeça”.
Bori quer dizer “festejo à cabeça”, sendo que durante sua
realização os ancestrais são invocados, havendo um grande simbolismo em
relação à cabeça, que está no nascente e os pés, que estão no poente. Os pés
estão em contato direto com a terra. Logo, a cabeça recebe o Orixá, o pé é a
parte do corpo que faz a comunicação com os ancestrais, enterrados na terra e
é da terra que saem os eguns - espíritos dos mortos - que são os ancestrais
cultuados nos terreiros Ketu.
Luz (1992) conta a história de Ori, dizendo que é o orixá que
proporcionou a entrega das oferendas dos orixás a Olorum, a partir do
momento em que conseguiu partir o fruto OBI ao cair com força sobre ele.
Todos já tinham tentado e fracassado e, somente quando o fruto foi aberto é
que Olorum aceitou as oferendas. Por isso as cerimônias de Bori usam o obi
e, a partir de então, Ori precede a todos, sendo quem permite a adoração do
orixá de cada pessoa.
Pelo que se pode entender, a pessoa que fizer oferendas a Ajalá
terá uma boa cabeça e sucesso no desenvolvimento de seu destino. Desta
maneira constata-se que o conhecimento do destino possibilita sua melhora.
As diversas partes que compõem a cabeça se relacionam com o
cosmos :
fronte(oju ori) - se relaciona com iyo-orun, nascente do mundo;
occiptal (ikoko ori) - se relaciona com o iwo-orun, o poente ;
lado direito (apa-otun ori)- se relaciona com a direita do universo;
lado esquerdo (apa-osi-ori)- que se relaciona com a esquerda do uni
verso;
centro - reúne todos os aspectos do universo.
É importante frisar que a cabeça não é auto-suficiente,
precisando, para estar bem, do funcionamento de todos os outros componentes
do corpo, conforme a história de Mestre Didi :
Certa vez a cabeça, muito ciosa de sua importância,começou a
falar mal do ânus para todo mundo. Ao tomar conhecimento do que a
cabeça andava dizendo, o ânus resolveu fechar-se, paralizando suas
funções. Após três dias, todos os órgãos começaram a reclamar para a
cabeça, dizendo ser impossível trabalhar em tais condições. Logo depois foi
a própria cabeça que passou a sentir terríveis dores. Então, saiu de sua
posição para implorar ao ânus que funcionasse, situando sua
importância,dizendo-lhe logios pelo que fazia e se desculpando pelo que
dissera.
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EXU também está ligado ao corpo, é o responsável por seu
interior, sendo o Exu Bara, o rei do corpo. Por ser o princípio do
movimento, permite a circulação das vias internas, relacionando-se às
cavidades do útero, sendo, assim, o patrono da relação sexual por fazer a
interação do sêmen com o óvulo, se ligando à placenta (Ipori) fecundada,
propiciando a vida individual. É o terceiro elemento, o procriado. É Exu que
faz a transferência da matéria de origem do orun para o aiyê, propiciando o
desenvolvimento das mesmas, permitindo a fisiologia do recém-nascido .
Exu se relaciona ainda às funções da boca, respondendo pela fala,
que torna singular, bem como com a comunicação, estando relacionado à
mobilização do destino individual, como diz Santos (1977). Outro aspecto
ligado ao corpo,também situado por Juana Elbein dos Santos, em Os nagô e a
morte, é a memória - IYE, que possui duas qualidades:
a) - memória ancestral - acompanha e conduz o emi ( respira
ção) à terra dos sonhos enquanto dormimos ,e após a morte, quan
do o emi volta para o orun;
` b)-memória de experiência adquirida - capacita os indivíduos e
possibilita a lembrança das experiências vividas e a acumulação
de informações e conhecimentos.
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- o culto a Ifá- representação de Orumilá, orixá da
Sabedoria, o senhor do destino(odu).
- o culto aos orixás
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consagrada. Sua função é atuar como uma ponte entre o Babá(pai) e seus
descendentes para a transmissão e preservação dos valores culturais do grupo.
Egungun ou Babá simboliza conceitos morais e representa o
mistério da transformação de um-ser-deste-mundo em um ser- do-além. Oya
Igbalé, entidade feminina conhecida como Iansã Balé é considerada rainha e
mãe dos Egun, já que comanda o mundo dos mortos.
O sacerdote supremo do culto aos ancestrais, Mestre Didi -
Deoscóredes Maximiliano dos Santos - é o ALAPINI, maior autoridade
religiosa do culto, estando à frente do Ilê Asipá, em Salvador, que preserva a
tradição de sua família. O culto dos Egun remonta ao início do século XIX,
sendo um dos mais antigos terreiros o Ilê Agboulá, em Ponta de Areia, Ilha de
Itaparica, Salvador, onde Mestre Didi fez sua iniciação como ojé (sacerdote de
egun), chegando até a Alapini.
Nas comunidades-terreiro, seja de orixá ou de egun, nada se faz
sem a consulta ao oráculo de Ifá, sem o jogo feito pelo Oluô, o pai do
mistério. Segundo Mestre Agenor (1994) Ifá é o orixá da adivinhação e para
tudo deve ser consultado.
Dois tipos de jogos podem ser feitos: o opelê-Ifá e o jogo de
búzios. No jogo de búzios, usado por babalorixás e ialorixás com dezesseis
cauris, quem fala é Exu. A consulta a Ifá, segundo a tradição, é atividade
unicamente masculina, apesar de algumas mulheres se aventurarem em sua
prática.
Variados são os rituais para cultuar os orixás. Destaca-se o do
XIRÊ, onde as pessoas encarregadas do culto prestam suas homenagens a seus
orixás, decidindo como a casa será ornamentada, que comida será servida,
quem serão os convidados, que roupas serão usadas etc., após consulta a
Iyalorixá. Durante o XIRÊ o ritmo dos atabaques chama os orixás e dá início
a um conjunto de danças e cânticos, que encenam histórias, relembram feitos,
transformando o barracão num verdadeiro palco onde são revividos os mitos
que os caracterizam . Fala-se que os filhos de santo, pouco a pouco, adquirem
muitas das características dos Orixá, assim, identificar algumas características
é mergulhar um pouco para dentro de cada um de nós.
Enfim, cada orixá apresenta sua maneira de ser aos presentes,
mostrando-se em toda a plenitude, na festa da união na diversidade. Todos os
presentes dançam, cantam e saúdam os Orixás, entrando em contato com o
orun, através da orquestra ritual :
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três ogãs que tocam os atabaques sagrados (run, rumpi e lê).
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Portas do Carmo, fundada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário do
Pelourinho(negros de Angola) e da Irmandade de Nossa Senhora da Boa
Morte da Igreja da Barroquinha (mulheres nagôs como Iyá Nassô). As
mulheres tiveram um papel fundamental em sua organização, tornando-as
espaços estruturadores de identidade e de formas de comportamento social e
individual.
Por sua importância para a preservação da identidade do
segmento negro da população brasileira, as comunidades-terreiros,
principalmente as nagôs, se reformularam e disseminaram pelo país, tomando
feição regional segundo a influência do grupo africano. Daí a diversidade de
nomes com que são conhecidas: candomblé, na Bahia; xangô em
Pernambuco, Alagoas,Paraíba; tambor no Maranhão; batuque no Rio Grande
do Sul; macumba em São Paulo; macumba, quimbanda e umbanda no Rio
de Janeiro.
A perseguição impiedosa feita aos quilombos no Brasil devida à
íntima relação entre as insurgências negras e as comunidades religiosas de
base africana, além da ameaça representada pelo Quilombo dos Palmares ,
onde Zumbi provou a possibilidade sucesso econômico, político e social da
convivência democrática entre negros, brancos e índios e da socialização da
terra, oportunizou a liderança religiosa das mulheres, já que o governo
promoveu um extermínio brutal dos líderes religiosos. O culto aos orixás que
pode ser liderado por homens e mulheres encontrou na mulher negra o
principal esteio para a manutenção das tradições religiosas e culturais da
comunidade.
A religião como forma de coesão possibilitou a formação de
grupos e associações cujo sistema de crenças veiculou maneiras particulares
de interrelacionamentos, normas , ações e valores que deram a essas
comunidades características próprias. Analisando tais conteúdos, encontram-
se não apenas aspectos da religião, mas também a continuidade e reelaboração
de um complexo cultural básico que insiste feroz e dinamicamente em existir,
com valores singulares e diversificadas formas.
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saudosa Mãe Aninha- OBA-BIYI. Assim foi implantada a tradição de Oyó
e Kétu na região.
A CASA BRANCA foi a primeira casa de culto público com
inúmeras personalidades do mundo Nagô e onde os Kétu tiveram papel
preponderante. Sua principal dirigente foi a Iyalase Marcelina da Silva,
Asipá Borogu Elese Kan Gongô Obatosi: brazão oral de sua família -
Iyá-Nassô Oyo Akala Magbo Olodumare Axe Da Ade Ta, nome
tradicional de Iya-Nassô, sacerdotisa de Xangô no Palácio de Alafin-Oyó na
Nigéria. Seus nomes ilustres são citados até hoje por todos os que mantém a
tradição de Oyó e Ketu, destacando-se sempre a energia e liderança de Iyá-
Nassô, que em sua casa de culto reagrupou quase todas as personalidades do
mundo nagô, sendo o ponto do qual se derivaram duas casas tradicionais da
Bahia: o ILÊ OXOSSI, situado na “Fazenda Gantois” e , mais tarde, o ILÊ
AXÉ OPO AFONJÁ, Estas três casas mantém, até hoje, a herança material
e espiritual legada por seus fundadores e, somente na Bahia, nutrem cerca de
oitocentas casas de culto que continuam a tradição jeje-nagô, orientando
inúmeras outras por todo o país.
Algumas MÃES DE SANTO saudadas e respeitadas por
personalidades da vida cultural do país merecem destaque especial pela
dignidade e força que imprimiram e continuam mostrando como mulheres
negras brasileiras, que só eram discriminadas,desrespeitadas e rejeitadas.
Além de Iyá Nassô, destacamos Iyá Obá Biyi ou Mãe Aninha (Eugênia
Anna dos Santos), iniciada nos mistérios do culto nagô por Iyá Nassô,
fundadora do Axé Opô Afonjá em São Gonçalo do Retiro, tendo sido
responsável pela ampliação da comunidade-terreiro, ao criar uma pequena
quitanda de ingredientes africanos e brasileiros, organizando-a como
sociedade civil, permitindo assim o desenvolvimento e autonomia da
comunidade que passou a se denominar Sociedade Beneficente Cruz Santa
Opô Afonjá, funcionando não só como centro preservador das heranças
africanas no Brasil, mas também como pólo irradiador de uma nova cultura,
recriada por descendentes de escravos, mestiços e outros , interessando a
intelectuais e pesquisadores do país e do exterior por sua peculiaridade e
identidade cultural.
Um outro nome que se destaca na tradição dos terreiros é o de
Maria Bibiana do Espírito Santo, MÃE SENHORA- sucessora de Mãe
Aninha no Axé Opô Afonjá. Mãe Senhora, com apoio de seu filho Mestre
Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos) , artista plástico reconhecido
internacionalmente, sacerdote do culto a Obaluaiê - orixá patrono das
doenças epidêmicas- ALAPINI - sacerdote supremo do culto aos
antepassados (EGUNGUN), restabeleceu os laços com a Nigéria , recebendo o
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título de Iyá-nassô e presentes do Obá Adeniran Adeyemi, Alafin Oió, por
intermédio do antropólogo Pierre Verger. Tal fato, ocorrido em 1953, marcou
o reinício das relações religiosas entre África e Bahia, intercâmbio que se
mantém permanente até os nossos dias.
Mãe Stella de Oxóssi é a atual ialorixá o Axé Opo Afonjá, sendo
nome conhecido e respeitado em todo o país, por sua capacidade de liderança
e pela luta que vem desenvolvendo contra o sincretismo religioso.
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investidos de poder. Há uma simbiose especial entre a expressão dinâmica
oral e a estrutura rítmica.
Por tais concepções se pode entender que as comunidades-terreiro
são espaços abertos, onde a liberdade de ser, viver e se expandir estão
garantidas a todos, independente de sexo, etnia ou cultura.
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Onze, festas processionais negras, que proibidas pela igreja no Dia de Reis,
foram deslocadas para o período de Carnaval.
Martha Abreu (2002:88) em seu trabalho sobre Religiosidade
Popular no Rio de Janeiro do século XIX, situa como as festas populares
identificam-se com comilança e fartura, já que resgatavam significados
litúrgicos das festas do Divino Espírito Santo e da origem africana dos
escravos e libertos da cidade, representando assim renovação, fim das
enfermidades e distribuição de dons e graças a todos
Desde os tempos de Tia Ciata, no quintal de quem muito se
consumiu comida e arte, sabor e saber vem se confundindo. Não podemos
pensar em reunião de sambistas sem pensar no prazer do preparo e degustação
de pratos e iguarias, feitas pelas baianas e pelos mestres da arte de cantar e
cozinhar.
As escolas de samba foram criadas em reuniões festivas, bem como
muitas associações foram feitas regadas a petiscos, cervejas, almoços e
jantares. A comida engendra a criação , fazendo com que o sagrado e o
profano, com suas múltiplas representações simbólicas, engendrem no
Imaginário Social um conjunto de relações imagéticas que atuam como
memória afetiva de uma cultura, sendo expressa em seus rituais e cantigas,
como constatamos no Quitandeiro de Monarco e Paulo da Portela:
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Noites inteiras são destinadas ao preparo dos alimentos que fazem
parte das festas, sendo que pessoas especiais em cada comunidade de samba
têm a responsabilidade de preparar as carnes dos animais, os cereais, os
legumes, as frutas. O espaço da cozinha é de alto significado para a vida dos
deuses, sua manutenção e a renovação do axé – elemento vitalizador das
propriedades e domínios da natureza , quando o sagrado se aproxima do
homem pela boca, ficando, por isso este espaço nas mãos das conhecidas “tias
baianas”, as senhoras mais velhas da tradição. A cozinha é o lugar onde as
baianas transformam morte em vida, usando os temperos, a água, o azeite e o
fogo.
Para as baianas quituteiras, que se relacionam ainda com a tradição
afro-brasileira, a cozinha é um espaço de criação, de manutenção da saúde da
comunidade e de celebração de seus orixás, que representam a energia da
vida. O preparo dos pratos podem ser acompanhados de cantigas, palmas e
toques e em alguns espaços mais tradicionais, de samba de roda.
Não faltam nas festas grandes mesas com muita comida e arranjos de
frutos que representam sementes que germinaram e deram frutos saudáveis.
Pode-se observar a diferença e a variedade de pratos produzidos de uma
escola para outra, de uma comunidade de sambistas para outra ,apesar de a
feijoada ser o prato mais tradicional hoje nas grandes reuniões de samba
Para a tradição dos terreiros cada orixá, por ser uma energia diferente da
do outro, é celebrado de forma diferente e com alimentos próprios.
Segundo Lody (1998:78) a feijoada é dedicada a Ogum e, também para
Omolu, servida para toda a comunidade, sendo seu preparo de alto
significado ritual , representando a união do trabalho e da fé, tanto na Bahia
como no Rio de Janeiro.
João Baptista Vargens, em seu livro A Velha Guarda da Portela. , ao
falar das ruas onde nasceu a Portela em Oswaldo Cruz, trata da relação entre
saber e sabor, situando como a cozinha pontua e perpetua o encontro dos
sambistas:
Rua Dutra e Melo – Quintal do Manacéa, reunião da Velha Guarda nos anos
70, regada a muito miudinho e muita galinha com quiabo feitos por Dona
Neném, tudo devidamente registrado por Leon Hirzsman em seu
documentário Partido Alto.
Rua Adelaide Badajós – local da feira das quartas, ponto de encontro da
“confraria” da Velha Guarda para a compra do peixe e para a famosa
cervejinha e o tira-gosto.
Rua Antonio Badajós – rua onde moraram a pastora Doca e seu Altair . local
que se tornou famoso pelas sopas de legumes e de ervilhas, regadas a um
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pagode de primeira e onde a Velha Guarda passou a se reunir na segunda
metade dos anos 70.
Quintal do Argemiro – numa vila, perto do boteco e da padaria. Ponto de
encontro dos anos 80 para beber e saborear corvina ensopada.
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ancestrais. No culto dos Egungun dos nagô não existe incorporação, o que já
ocorre no candomblé de caboclo - homenagem aos ancestrais indígenas, donos
da terra - e na Umbanda. A incorporação na umbanda se dá através de
sacerdotes e sacerdotisas e as referências aos ancestrais são genéricas,
situando uma nação, como, por exemplo, Vovó Maria Conga .
Tendo marcado presença com os ranchos, fundados pelas baianas que moravam na
Pedra do Sal , o estandarte- substituto dos ancestrais,signo de comando- deu vida ao
bailado do Mestre-sala e da Porta-bandeira, representando a defesa de uma cultura oriunda
de um passado africano- dos rituais de fertilidade que garantiam a continuação da vida –
transformando-se; depois, em bandeira- sinal de coletividade.
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Unidos do Salgueiro, que tinha as cores azul e rosa; Azul-e-Branco, escola liderada por
Antenor Gargalhada e a Depois eu Digo, com as cores Verde-e-branco.
Em seu emblema instrumentos musicais do samba – tambor, caixa, pandeiro, chocalho,
baqueta .
O Império Serrano, que tem como símbolo - uma coroa – teve o risco de sua
bandeira originado pelas mãos hábeis de Mestre Antonio Caetano. , tendo as cores verde e
branco, escolhidas por representarem a esperança e a paz, respectivamente.
A Mangueira surge do pedido de Cartola para que o morro acabasse com a disputa
dos diferentes blocos e criasse um bloco que fosse uma escola de samba. Assim, no dia 28
de abril de 1928 Cartola forma com seus companheiros a Estação Primeira de Mangueira e
sugere as cores verde e rosa, as mesmas do Rancho Arrepiados, dos carnavais de sua
infância..
Um grande surdo de marcação é o emblema da Mangueira, que se destaca por sua marcação
única, sem resposta.
A Vila Isabel tem sua bandeira azul e branco, com uma coroa no meio. As cores
são uma homenagem a Seu China - , um dos estimuladores e fundadores da escola, que
morou no Morro do Salgueiro, tendo pertencido à antiga escola Azul e Branco, antes de se
mudar para o Morro dos Macacos . A escola surge após um desfile do Bloco Acadêmicos
da Vila e de seu encontro com Seu China, que sugere a fundação da escola e que
disponibiliza o seu quintal para os primeiros ensaios ..
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que se apresentam . Começa o primeiro casal, que baila na quadra, apresentando a
bandeira para a bateria, para o puxador e para o presidente e demais autoridades
presentes ao ensaio. Desenvolvem harmonicamente passos que simulam um cortejar e
proteger a dama e a bandeira, representando o orgulho do grupo pela instituição que
representam e o reconhecimento da importância da parceira, companheira de lutas ,
responsável pela continuidade histórica do grupo. Em seguida se apresenta o segundo
casal, que após percorrer toda a quadra, volta ao centro para dançar com o primeiro
casal, formando um encontro de bandeiras, num ritual pleno de gestos e movimentos
expressivos, que comunicam à platéia uma mensagem de individualidade - a dança e de
coletividade – o símbolo da escola, a bandeira.
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negros jêje (provenientes do sul do Benin, ex-Daomé) a Casa das Minas do
Maranhão é ainda chamada de QUEREBENTAM DE ZOMADONU ou
Terreiro de Zomadonu, nome da divindade protetora dos fundadores.).
Cita Ferretti(1985) que a Casa das Minas foi fundada,
provavelmente, entre as décadas de 1820 e 1840, sendo seu documento mais
antigo datado de 1847, em nome de Maria Jesuína e suas companheiras. Os
voduns estão subdivididos em famílias com características próprias. Os mais
jovens, ou toquens, abrem os caminhos e chamam os mais velhos. As tobossi
ou meninas, são comparáveis aos eres dos candomblés da Bahia. Cerca de
sessenta divindades são conhecidas na Casa das Minas, sendo a grande
maioria desconhecida em outros terreiros. Apesar dos mitos sobre as
divindades não serem mais lembrados pelo grupo, seus rituais,no entanto, são
bem detalhados e numerosos.
As filhas atuais, dirigidas por Mãe Celeste, nome conhecido e
respeitado em todo o Maranhão, afirmam que os voduns(orixás ou divindades)
cultuados na casa pertenciam à família real de Abomey, e que foram
estabelecidos por Nan Agontime (viúva do Rei Agongolo - 1789 /1797)e mãe
do futuro Rei Ghezo - 1818/1859), parte da família real vendida como escrava
para o Brasil.
Segundo Pierre Verger ( 1981), São Luís é o único lugar fora da
África onde são conhecidas e cultuadas divindades da família real do Abomey.
Entretanto, outros pesquisadores afirmam que no Haiti também existem
deuses desta mesma família. Os membros da casa afirmam que sua fundadora
foi Mãe Maria Jesuína, que adora Zomadonu, o que leva os pesquisadores a
supor que Maria Jesuína e Nam Agontime sejam a mesma pessoa, mistério, no
entanto, difícil de ser decifrado, já que as mais velhas não falam sobre o
assunto, que é um dos segredos intocáveis da casa.
Atualmente encontramos grande número de tambores de mina em
São Luís, seguindo rituais que se dizem nagô, angola, cambinda, fanti-ashanti
etc, juntamente com terreiros de umbanda e de cura ou pajelança.
O tambor de mina relaciona-se ao modo de pensar e de agir do
grupo, que se orgulha de suas raízes e que exterioriza sua fé numa explosão de
criatividade e de organização, demonstrada em festas que funcionam como
uma espécie de teatro popular, onde vestimentas, comidas, bebidas e música
aglutinam pessoas, sobrepujando conflitos com solidariedade e cooperação,
utilizando-se mecanismos de compensação de papéis entre pobres e ricos, bem
como entre fortes e fracos.
A Casa das Minas, com sua predominância absoluta de mulheres,
apresenta uma das características gerais das religiões afro-brasileiras, sendo as
atribuições específicas para o homem e a mulher bem definiddas e
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delimitadas,já que cabe aos homens o toque dos tambores e às mulheres o
toque de outros instrumentos e a queda no estado de transe.
O culto de tambor de mina, por envolver o indivíduo do
nascimento até a morte, sendo um sistema de vida e um elemento de
preservação de sua dignidade humana, vem proliferando em São Luís, que já
conta com um número considerável de terreiros bem antigos e atuantes, cerca
de 278 casas, como a Casa de Nagô dirigida por Mãe Dudu na Rua das
Crioulas ou o terreiro de tambor de mina Abassa de Iemanjá, do bairro da Fé
em Deus.
É relevante citar que seja de que origem for, a comunidade-
terreiro, em todo o país, se caracteriza por ser um espaço de liberdade e
encontro, pela troca de axé, pela participação fundamental das mulheres, pela
aceitação da sexualidade das pessoas, sem questionamento de preferências
sexuais e pela adoção do parentesco- de- santo como formador da família, que
passa a ter uma dimensão bem diversa da concepção judaico- cristã,
estabelecendo uma forma muito própria de ver e entender o mundo.
Os mitos atribuem o poder das Ìyà-mi às mulheres velhas,
proprietárias de uma cabaça que contém um pássaro, porém, qualquer mulher
pode recebê-lo como herança de sua mãe ou avó.
É importante lembrar que a imagem do pássaro se relaciona com
a do peixe que tem um significado semelhante, já que as penas e as escamas,
pedaços do corpo materno, são símbolos de fecundidade e do poder de
gestação das Iyá-mi.
O culto das Iyá-mi vem da Nigéria e do Daomé, organizado na
sociedade GÈLÈDÉ que existiu no Brasil, mas que, segundo Santos(1977)
pouco se sabe a respeito. Sua última sacerdotisa suprema foi Omóniké,
conhecida pelo nome de Maria Júlia Figueiredo, que foi Iyálaxé do mais
antigo terreiro nagô, o Ilé Iyá-Nassô e tinha o título de Iyálóde Erelu. Após
sua morte , não se teve mais notícia dos festivais anuais , nem da procissão
que se realizava no bairro da Boa Viagem. A Sociedade GELEDE utiliza até
hoje na Nigéria, máscaras finamente esculpidas e vestes muito coloridas,
sendo que parte dos objetos rituais usados por Omóniké na Boa Viagem,
especialmente paramentos de cabeça esculpidos, foram levados para o Axé
Opó Afonjá. As festas da GELEDE, com suas oferendas e ritos, eram
celebrados em todos os dias oito de dezembro, aproveitando o feriado em
louvor a Nossa Senhora da Conceição da Praia, associada a Oxum.
O título de Iyálóde não é apenas um dos títulos de Oxum e Nanã,
mas também, como situa Santos(1977) aponta a responsável na comunidade
pela reunião das mulheres para discussões públicas de seu interesse, bem
como sua representante legítima no palácio, no conselho e nos tribunais
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locais, sendo o título mais honorífero que uma mulher pode receber e que a
coloca automaticamente como líder das mulheres e representante do poder
ancestral feminino no AIYÊ.
O Abêbê, leque ritual de Oxum e Iemanjá, é o emblema da
Iyálóde, símbolo da cabaça-ventre com o pássaro-procriação.
A sociedade feminina GÉLÉDE permite a participação dos
homens, mas não em sua cúpula, sempre constituída por uma sociedade
secreta feminina e seu objetivo é cultuar as Iyá-agbá em festivais públicos,
onde a dança, o ritmo e a abundância de cores nas vestes arredondadas são
oferecidos ao público , a fim de propiciar fecundidade e fertilidade,
enfatizando a feminilidade.
O símbolo de seu poder está representado por Éfè, o pássaro-
filho, símbolo masculino e do elemento procriado, demonstração do seu
poder de gestação, já que sem os poderes místicos das mulheres não há
continuidade de vida nem dos valores da sociedade.
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civilizatórios deste segmento populacional , mostram sua luta por integração e
reconhecimento pela sociedade global.
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primeira grande cantora negra que pode manter íntegra a sua pureza, ajudando
por isso a caracterizar uma forma brasileira de linguagem musical. Seu canto
é fonte inesgotável para a configuração de um retrato vivo e real de nossa
música : sambas de roda, cantigas de reisado, incelenças, jongos, caxambus,
corimas, vissungos ...
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história,sendo elemento constitutivo da identidade profunda da comunidade ,
sendo uma arte.
Ao usar a palavra transbordando em emoção a mulher negra
torna visível o invisível, tornando-se mulher-poema, olho no olho, que
se faz janela do mundo, ensinando o espírito a compreender que
invisível é o que não é visto e que se faz ver. Mulher, olho-farol,
tornado janela da alma.
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Vieira, Geni Mariano Guimarães e muitas outras, que caracterizam na
literatura sua condição e sua identidade. , ressaltando-se de que elas existem,
publicam e precisam ser conhecidas como artistas da palavra marginal,
sendo uma das falas dos excluídos, já que a literatura sempre se caracterizou
por mostrar as peculiaridades , costumes e crenças de todos os segmentos
populacionais que constituam um país.
5. Bibliografia:
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Manai, 2004.
VELHO, G. (1993). Cultura popular e sociedades de massas. Piracema: nº 1.
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