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A invisibilidade na autoria e na representação das mulheres negras na história

da fotografia brasileira do século XIX e XX

Juliana Amara Araujo dos Anjos

Resumo

Neste artigo contém uma breve análise do fatídico apagamento das mulheres
negras, em específico, da história da fotografia brasileira entre os séculos XIX e XX.
Esta pesquisa tem como objetivo a investigação e compreensão da escassez de
mulheres negras na fotografia, levando em consideração e dando uma devida
atenção ao violento processo de colonização no vivenciado no Brasil, que contribuiu
e contribui nesse desnivelamento social, tolhendo e amputando o intelectual,
artístico dessas mulheres negras. A busca por esse entendimento gera-se um
grande sentimento de vazio e inexistência desses corpos, pois não se encontra nos
livros, artigos, informações, recolhimentos ou dados, tornando o processo de
elaboração deste artigo, uma tarefa difícil.

Palavras-chave: Fotógrafas negras; fotografia; invisibilidade; representação.

Introdução

Para compreendermos a invisibilidade da mulher negra na história da fotografia e colocar


essas pessoas em um lugar de merecido destaque, deve-se voltar no tempo e entender
como o racismo e os estigmas surgiram para esse grupo desde os primórdios da
historiografia brasileira, pois todo o não acesso a certos espaços e as faltas de
oportunidades possui diretamente ligação com esse passado.

Umas das atividades mais comuns no período da colonização foi o tráfico negreiro, que
entre os séculos XV e XIX chegou a trazer forçadamente cerca de 5 milhões de africanos
que residiam nos litorais do continente da África. Todas essas pessoas eram vendidas para
serem usadas como escravas, sendo assim, podemos afirmar que a maior parte do que
entendemos como território brasileiro hoje foi construído por mãos de negros escravizados
e mesmo pós abolição continuaram sendo a principal mão de obra.

É relevante retomar esse período, pois foi com esse tipo de atividade que surge uma das
primeiras representações imagéticas sobre a mulher negra, em específico a sexualização
sobre seu corpo:
Quando se tratava de mulher, os seios eram bem examinados pois poderia
vir a servir como ama de leite e bem assim as nádegas. Tinha-se interesse
em negras do traseiro grande, bem servido de carnes, porque isso era –
diziam – indício de força, saúde e qualidade de boa parideira, capaz de dar
novos escravos ao senhor. (MACEDO, 1974, p. 32)

O estupro colonial e o processo violento da miscigenção trazem consequências até hoje,


segundo dados retirados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, o balanço
dos dados oficiais disponíveis sobre violência no Brasil afirmam que a mulher negra é a
maior vítima de violência sexual. As estatisticas relacionadas a estupro e estupro de
vulneráveis no Brasil em 2021 apontam que, entre as vítimas, 52,2% eram mulheres negras
e 46,9% eram mulheres brancas.

A Lei Áurea (Lei n.º 3.353) sancionada pela Princesa Dona Isabel em 13 de Maio de 1888,
extinguiu a escravidão mas abandonou intelectualmente e economicamente as pessoas
negras, contribuindo para a formação das favelas e dividindo a sociedade brasileira entre
pessoas muitos pobres e pessoas muitas ricas, nenhuma política de inserção dessas
pessoas no mercado de trabalho foi feita. Um padrão branco foi sendo estabelecido
tornando a discriminação pela cor de pele cada vez mais forte, sobrando para pessoas
negras trabalhos que se exigiam mais do físico do que do intectual, impedindo que as
mesmas possuíssem por exemplo acesso a educação.

A fotografia brasileira olhando para pessoas negras

O surgimento da fotografia no Brasil aconteceu no início do século XIX, ou seja, enquanto a


colonização ainda acontecia, e entre os nomes dos principais pioneiros, estão o próprio
Dom Pedro II, Marc Ferrez, José Christiano Júnior, Augusto Malta e Victor Frond, todos
homens, em sua maioria brancos e de origem estrangeira. Os principais temas trabalhados
eram os retratos de família e documental com o principal propósito de mostrar a evolução
das cidades. Nos acervos de fotografias existentes hoje a maioria das imagens deste
período corresponde a álbuns de famílias brancas, proprietários agrícolas, profissionais
liberais e entre elas, há poucos registros de empregados e espaços como a senzala,
pessoas negras raramente eram registradas e nem sequer eram donas da sua própria
imagem, apenas quando elas estavam em um contexto muito específico, como as amas de
leite, tinham a chance de ser fotografadas e ainda assim com um olhar de muito exotismo.

Segundo Sandra Sofia Machado Koutsoukos, as amas foram levadas aos estúdios,
inicialmente, pela vontade dos senhores que, ou queriam uma foto da ama que com tanto
carinho e dedicação estava criando o seu bebê (e por quem podiam até ter um afeto
verdadeiro, ou apenas uma certa gratidão); ou queriam agradar à ama, lhe ofertando uma
bonita foto sua com a criança por ela criada (talvez, quem sabe, primeira e única foto que a
ama teria); ou estavam mesmo era querendo uma foto da criança, que não parava quieta
em outro colo, a não ser naquele dessa que lhe era mais íntima – a sua Ama-de-leite, ou a
sua ama-seca.

Não havia muito espaço para que as pessoas negras pudessem ser fotografadas como
tampouco serem as próprias autoras de suas fotografias. Com o passar dos anos as coisas
não mudaram tanto, nos anos 40, alguns fotógrafos como Pierre Verger, Mario Cravo Neto
e José Medeiros começaram a se interessar a fazer registros de pessoas negras a partir de
uma ótica menos racista, retratando sua cultura, suas festas, a religião, mas os estereótipos
as pessoas negras foram tão impregnados na sociedade brasileira que não se consegue
desvincular do preconceito, não consegue colocar as pessoas negras em um local de
visibilidade positiva pelo contrário a cultura negra foi se tornando cada vez mais alvo de
perseguições, colocada em um lugar de violência e marginalização
As primeiras mulheres da fotografia brasileira

No meio de vários nomes masculinos, as mulheres também se sobressaíram na história da


fotografia brasileira, em uma quantidade de nomes e informações sobre as mesmas muito
inferior comparada a dos homens pois a grande maioria não recebeu créditos pelo seu
trabalho, mas estavam presentes nos estúdios realizando para além do ato de fotografar,
atividades de processamento da foto, como revelações, ampliações, fotopintura, retoques e
finalizações. As mulheres contribuíram significativamente para o avanço da fotografia, mas
mesmo aquelas que pertenciam a um contexto social mais favorável, foram invisibilizadas

Elvira Leopardi Pastore, Gioconda Rizzo, Hermina de Carvalho Menna da Costa e Madame
Reeckel, foram algumas das pioneiras da fotografia no Brasil, todas elas viveram entre os
séculos XIX e XX, momento pelo qual o país é tomado pelo patriarcado, que reprimia,
oprimia e impedia a participação da mulher na sociedade, seja no âmbito econômico,
cultural ou político, com toda certeza elas foram pontos fora da curva que conseguiram ir
ganhando espaço. No cenário social da época, para as mulheres brancas, sobravam as
atividades voltadas ao lar, aos afazeres domésticos, cozinhar, passar, cuidar dos membros
da família, sem falar da imposição do pensamento católico atribuindo o ideal da submissão
aos maridos e da função de procriação.

Já as mulheres negras neste mesmo período eram em sua maioria recém alforriadas,
viviam uma falsa liberdade, continuaram trabalhando duro, seja na dita "casa de família" ou
como quitandeiras, lavadeiras, costureiras e taverneiras. Ser liberta não eximia as mulheres
do ônus de viver em uma sociedade escravista. As forras enfrentavam inúmeros
preconceitos, eram acusadas de ‘levar vida airada’, de não ter moral. Eram constantemente
abordadas pelas autoridades como se fossem escravas fugidas e algumas chegavam a ser
presas várias vezes, amargando processos judiciais para comprovar o seu status de liberta.
Muitas chegavam a ser raptadas, reescravizadas e revendidas como escravas. (DIAS,
2013, p. 377-378).

A invisibilidade da mulher negra na fotografia não significa que não se havia interesse e
disposição, mas compreendendo a sociedade da época entendermos que a inserção da
mulher negra na fotografia entre o século XIX e início XX, torna-se quase impossível, mas
não vamos dizer que essas mulheres possivelmente não existiram, mas essa parte da
história da fotografia brasileira foi simplesmente extinta dos livros.

Considerações Finais

Ser negro a muito tempo virou sinonimo de algo ruim, feio, violento e denominar-se
mulher negra neste país é carregar consigo vários pré conceitos já estabelecidos e
firmados desde a colonização. A atuação da mulher negra como fotógrafa quando
não estamos falando da contemporaneidade se torna um tema extremamente difícil
de se tratar pela falta de registros. A falta de acesso a educação, a desigualdade, o
racismo, o machismo, colocam cada vez mais essas pessoas em um lugar de
coadjuvante, um lugar marcado pela escravidão.
A representação da mulher negra pelas grandes mídias, por exemplo, serviu para
essa reafirmação do padrão branco, dificilmente se via até o início do século atual
mulheres negras como protagonistas em uma propaganda ou se pararmos para
analisar as novelas antigas, uma mulher negra nunca estava em uma posição de
alto nível social. Esses corpos foram totalmente objetificados e retirados de sua
própria posse, fazendo com que o outro, em sua espessa maioria Brancos, se
sentissem donos dessas vidas por uma questão racial implementada pelo sistema
Colonial, limitando as mulheres negras brasileiras á essa eterna servidão
doméstica/sexual.

É preciso entender que fazer esse resgate de memória contribui não apenas para a
história da fotografia brasileira, mas sim em toda a contribuição para história no
geral. É preciso reunir, pesquisar e escrever as histórias que ainda não foram
contadas a fim de desmistificar toda essa carga negativa sobre ser negro, a
violência colonial da escravidão não deve resumir essas pessoas exclusivamente á
esta narrativa dolorosa.

Compreendendo a abstenção histórica, a falta de arquivos, pesquisas e


principalmente sobre o interesse por esse tema, a conclusão é explícita. Não
encontramos referências antigas sobre as Fotógrafas racializadas do Brasil, devido
a colonização e seus reflexos, que construiram o capitalismo selvagem, empurrando
as mulheres negras para essa margem e base da pirâmide social. Dessa forma, a
inoperância tornou-se um fato. Pois os equipamentos, cursos, e espaços limitaram-
se em sua total maioria e exclusividade para o homem branco cis hetero, de classe
média/alta da sociedade brasileira colonial. Concluímos que esse projeto, muito bem
pensado e cravado até os dias atuais, não só delimita o espaço da mulher negra,
como mina quaisquer desejo, de não seguir o que foi imposto para sua raça.
Entendendo que o fatídico tema, une traumas de uma sociedade racista e misógina,
até o seu atual momento. Impossibilitando resgates e dificultando o processo
ancestral de reconhecimento, inclusive na arte visual da Fotografia.
Referências

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