Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – CAMPUS PETROLINA

LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA


TURMA: 3º SEMESTRE – NOTURNO
DISCIPLINA: HISTÓRIA DO NORDESTE

VANESSA DIAS DA SILVA BATISTA

DO SERTÃO PIAUIENSE/BAIANO AO CANGAÇO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA


REPRESENTAÇÃO DE MULHERES NO SERTÃO

Resenha dos artigos de Miridan Knox Falci “Mulheres do Sertão Nordestino”; Cláudia
Vasconcelos e Vânia Vasconcelos: “A casamenteira e o artista: por outras representações de
gênero no Sertão” e do documentário sob direção de Lucas Viana e Manoel Neto “Feminino
Cangaço”.

PETROLINA/PE
OUTUBRO, 2020
O Sertão não pode ser visto geograficamente, visto que ele está em toda parte, tal
indagação traz em sua análise uma bagagem de estereótipos do que seria o “sertão nordestino” e
dos sertanejos que lá residiam, com a figura do homem com H maiúsculo, cabra macho e a
mulher submissa, cumprindo seu papel de mãe e esposa, perspectiva contida na obra de Antônio
Carlos Robert Moraes, em O Sertão: um outro geográfico. Com isso, a presente resenha propõe
uma abordagem voltada para a análise da história das mulheres no Sertão dentro de três eixos
representativos: a mulher do Sertão Piauiense, a mulher do Sertão Baiano e a mulher no cangaço,
sendo esses, espaços dos diversos Sertões existentes e suas formas de construção social, suas
distinções e semelhanças.
Inicialmente, se faz necessário distinguir a construção social da figura feminina nesse
contexto. Em Mulheres do Sertão Nordestino, Miridan Knox Falci se atenta em analisar o Sertão
enquanto espaço mestiço, onde se encontravam a escrava, sob condições de violência e
exploração, as mulheres de elite, possuidoras de terras, riquezas e dotadas de um semblante sério
e forte. Esta última, destinada a uma vida de dona de casa, submissa ao cônjuge, a mercê do
cuidado com os filhos, da cozinha, costura e bordado.

Dessa forma, destaca-se também a figura da mulher no cangaço, como é descrito no


documentário Feminino Cangaço, dirigido por Lucas Viana e Manoel Neto, onde sua entrada
nesses grupos era um dos meios de fugir dessa vida tradicional feminina, através do rapto,
descrito esse sob duas formas, quando as mesmas escolhiam fugir, por amor, e quando eram
raptadas contra sua vontade, aspecto citado por Knox Falci, que voltou-se para a mulher da elite
Piauiense, na qual buscava-se fugir dos casamentos arranjados. Para as mulheres que não
adentraram ao cangaço, restava-se a prostituição, prática mal vista socialmente até os dias atuais.
Entretanto, é necessário se problematizar essa "entrada", pois muitas mulheres foram levadas a
força e brutalmente violentadas pelos cangaceiros, a exemplo da cangaceira Dadá, raptada pelo
seu companheiro Curisco, aos 13 anos de idade, vítima de violência e estupro pelo mesmo.

Miridan Knox abarca um conjunto de problematizações a respeito da reprodução no


contexto da escrava no sertão, destacando os anos 1826 à 1872, marcado pela alta taxa de
natalidade e mortalidade no Brasil. Aqui se faz necessário a reflexão sobre as condições do parto
nesse meio social, em que muitas mulheres e crianças chegaram a morrer devido à ausência de
cuidados, higiene e tratamentos. O mesmo ocorria no cangaço, porém, o aborto espontâneo
ocorria devido ao uso de ervas e medicamentos naturais, visto que, ter filhos no cangaço era
proibido, pois o simples choro de crianças denunciaria a localização do grupo. Em casos de
ineficácia nos abortos, os bebes eram doados, por conta da ausência de condições de
sobrevivência.

Se no sertão Piauiense e no contexto do cangaço, a mulher era representada sob um elo de


guarda masculino, em A casamenteira e o artista: por outras representações de gênero no
Sertão, Cláudia Pereira Vasconcelos e Vânia Nara Pereira Vasconcelos se utilizarão de uma
representação de gênero distinta das apresentadas anteriormente, através de dois personagens
marcantes.

A primeira é Dona Farailda, semelhante a figura feminina no cangaço, será retratada sob o
estereótipo da "mulher macho", visto que a mesma, com sua vida sexual ativa, se dispõe a viver
seus múltiplos amores e sua liberdade, fugindo do imaginário de vida tradicional da mulher no
Sertão Baiano. Entretanto, essa liberdade de Dona Farailda é limitada apenas ao cônjuge, ou seja,
a mulher só poderia exercer esse modo de vida com o seu marido, onde casos extraconjugais
eram condenados pela mesma. Visto isso, é possível se debater sobre a beleza feminina,
apresentadas nas obras de analise, onde, seja no contexto do cangaço ou na vida da mulher pobre,
possuir uma beleza memorável significaria dizer que a mulher estava propícia a traição, alvo de
uma violência extrema e até de morte sob tais atos, a exemplo do caso de Lídia, a "mais bonita",
assassinada por trair seu companheiro.

Para tanto, haviam-se contradições entre as análises de Dona Farailda e as mulheres do


cangaço, onde, por um lado, uma se via livre para trocar de cônjuge sempre que ficasse viúva, por
se negar viver na solidão, ao contrário das mulheres do cangaço, que em caso de viuvez eram
obrigadas a construir uma relação com outro cangaceiro, pois do contrário, eram mortas, devido a
proibição de voltar para suas casas.

O segundo personagem era o senhor José Carlos, um artista no Sertão Baiano, visto como
um homem afeminado, sensível, fora de um padrão estereotipado do homem naquele meio, a
exemplo da figura do cangaceiro enquanto bruto, violento, cabra macho e dotado de poder e
autoridade.

No contexto do sertão Piauiense, a mulher de elite era vista por sua família como um
fardo, algo a ser descartado, através da procura de uma boa família com um dote significativo em
troca do casamento. Tal característica feminina também era presente no cangaço, pois, mesmo
após a entrada de Maria Bonita por concessão de Lampião, perdurou até o fim do cangaço
(1940), a visão do feminino reconhecida como fator de enfraquecimento do combate, bem como,
vista enquanto objeto e propriedade do cangaceiro, "servindo apenas para sexo", enquanto
manequim de ostentação das riquezas do cangaceiro, alvo de uma representação depreciativa
também por parte da mídia na época, posteriormente.

Outrossim, o cabelo foi um aspecto presente no contexto da mulher de elite, da mulher


pobre e da cangaceira. Em Mulheres do Sertão Nordestino, Miridan Knox Falci discorre sobre os
relatos de viajantes, que descreveram características das mulheres avistadas naquele ambiente,
com seus longos cabelos escuros como símbolo de estética e beleza para a mulher de elite,
diferindo da figura da mulher pobre e da cangaceira, onde em um caso, elas não possuíam tal
liberdade de deixar seus longos cabelos intactos, pois vendiam em troca de dinheiro para
sobrevivência.

Por seguinte, no segundo caso, o homem do cangaço proibia que as mulheres do grupo
tivessem seus cabelos longos cortados, pois isso a consideraria uma mulher mundana e incorreta,
e quando as mesmas chegaram a protestar suas vontades, chegavam a ser marcadas com ferretes,
ferros em brasa, como se fossem animais, aspecto também visto durante a escravidão, usados
para marcar os escravos e identificar seus donos.

Por fim, ao se retratar um aspecto do passado, é necessário se atentar a forma como tal
fator será exposto e descrito. Dessa forma, quando historiadores homens se utilizam da sua fala
para dialogar sobre histórias de mulheres, como citado no documentário, frases e descrições feitas
sob um tom de machismo podem vir à tona, principalmente nas descrições sexuais femininas,
suas relações com os cangaceiros, uma objetificação, pois, mesmo que se trate de uma visão de
época, ainda presentes nos dias atuais, é necessário se atentar a forma como essas mulheres serão
utilizadas em sua fala. Portanto, a presente resenha procurou analisar criticamente como a mulher
do sertão foi representada e retratada historicamente através de pesquisadores da área de história
das mulheres e do cangaço.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OBRA RESENHADA:
FALCI, Miridan Knox. Mulheres do sertão nordestino. In. DEL PRIORE, Mary. História das
mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006.
VASCONCELOS, Vânia. N. P.; VASCONCELOS, Cláudia P. A casamenteira e o artista: por
outras representações de gênero no sertão. REVISTA FEMINISMOS, v. 6, p. 132-142, 2018.
DOCUMENTÁRIO:
FEMININO Cangaço. Direção: Lucas Viana, Manoel Neto. Produção: Centro de Estudos
Euclydes da Cunha (CEEC), TV UNEB Núcleo de Produção Audiovisual. Co-produção: Épuras
Audiovisual, DNA Studio. Salvador: CEEC/UNEB,2016.
BIBLIOGRAFIA EXTERNA:
MORAES, Antonio Carlos Robert. O Sertão: um outro geográfico. Revista Terra Brasilis, Rio de
Janeiro, v. 4/5, p. 11-23, 2003
.

Você também pode gostar