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Michel de Montaigne
1 MONTAIGNE, Michel de. De la peur. In: Essais. Texte établi par P. Villey et V. L. Saulnier. Paris: P.U.F., 1965. Tradução de
Daniel Augusto P. Silva.
2 [N.T.] Citação do terceiro canto da Eneida, do poeta romano Virgílio (70 a.C.-19 a.C). A tradução de Manuel Odorico
Mendes (1799-1864) para o trecho da epopeia referenciado é: “De susto opressa / Títuba a mente, estaco horripilado,
/ Presa a voz à garganta”.
3 [N.T.] Referência obscura. Montaigne cita o episódio da tomada de Saint-Paul a partir de suas leituras das Mémoires
de Martin et Guillaume du Bellay (1569-1574), que apresenta o episódio do porta-bandeiras de um capitão chamado Juille.
4 [N.T.] Provável referência a Maximilien d’Egmont (1509-1548), conde de Buren.
5 [N.T.] Provável referência a Adrien de Croÿ (1492-1553), primeiro conde de Rœulx.
multidão. Em um dos encontros do Germânicos contra os Alemães, as duas grandes tropas tomaram,
de pavor, duas rotas opostas, uma fugindo de onde a outra partia6.
Às vezes ele nos dá asas, como aconteceu aos dois primeiros; em outras, prega-nos os pés e os
entrava, como se lê sobre o Imperador Téofilo7, o qual, em uma batalha que perdia contra os
agarenos, ficou tão atônito e apavorado que não conseguia sequer fugir – adeo pavor etiam auxilia
formidat8 –, até que Manuel, um dos principais chefes de seu exercício, puxando-o e socorrendo-o,
como para despertá-lo de um profundo sono, disse-lhe: “Se vós não me seguis, matar-vos-ei, pois vale
mais que percais a vida que, estando preso, venhais a perder o Império”9. Exprime o medo a sua última
força, quando, com seu serviço, impele-nos à valentia, tendo nos subtraído o dever e a honra. Na
primeira batalha que os Romanos perderam contra Aníbal, sob o comando do cônsul Semprônio10,
uma tropa de dez mil homens, tomada pelo terror e sem encontrar um lugar por onde poderia escapar
covardemente, jogara-se contra os inimigos, atravessando-os por meio de um esforço extraordinário,
com grandes perdas de cartagineses, pagando uma vergonhosa fuga com o mesmo preço de uma
gloriosa vitória. A coisa de que tenho mais medo é o próprio medo. Ele também ultrapassa em
amargor todos os outros acidentes. Que sentimento pode ser mais áspero e mais justo que o dos
amigos de Pompeu11, que estavam em seu navio, espectadores deste horrível massacre? Se não
fosse o medo dos barcos egípcios, que começavam a se aproximar, sufocando-os, da seguinte
maneira: eles se preocuparam apenas em exortar os marinheiros a se apressar e a escapar a remo.
Até o momento em que, chegados a Tiro12, e liberados de todo temor, puderam se dar conta da perda
que acabavam de ter, e deixaram livre o curso das lamentações e das lágrimas, que esta emoção mais
forte havia por momentos suspendido.
Tum pavor sapientiam omnem mihi ex animo expectorat13.
Aqueles que se puseram à prova na guerra, todos feridos ainda e ensanguentados, são, no dia
seguinte, novamente levados ao combate. Mas aqueles que adquiriram medo do inimigo não
conseguirão sequer ver-lhes a cara. Aqueles que estão em constante temor de perder seus bens, de
6 [N.T.] Episódio provavelmente retirado dos Anais (115-117), do político e historiador Tácito (56-117), que relatam os
feitos e a vida de imperadores romanos após a morte de César Augusto.
7 [N.T.] Referência a Teófilo (813-842), imperador bizantino.
8 [N.T.] Citação da biografia de Alexandre, o Grande (Historiae Alexandri Magni, livro 3, capítulo XI) feita por Quinto
Cúrcio Rufo, senador e historiador romano. A tradução para a frase é: “Tanto apavora o medo, até os meios de
segurança”.
9 [N.T.] Citação do terceiro livro da obra Extratos de história, de João Zanoras, historiador bizantino do século XII.
10 [N.T.] Referência a Tibério Semprônio Longo (210 a.C.-218 a.C.), político romano.
11 [N.T.] Referência a Cneu Pompeu Magno (106 a.C.-48 a.C.), político romano.
12 [N.T.] Cidade da costa do Líbano e antiga capital da Fenícia.
13 [N.T.] Citação do capítulo oitavo do quarto livro da obra Discussões tusculanas, de Cícero (106 a.C.-43 a.C.), político,
orador, historiador e tradutor romano. A tradução para a frase é: “Então o medo arranca toda a razão de meu
coração”.
serem exilados, de serem subjugados, vivem em constante angústia, sem comer nem beber, sem
mesmo repousar, enquanto os pobres, os banidos, os servos frequentemente vivem tão alegremente
quanto os outros. E o exemplo de tantas pessoas que, não aguentando mais as pontadas do medo,
enforcaram-se, afogaram-se e precipitaram-se nos faz compreender que ele é ainda mais importuno
e insuportável que a morte. Os Gregos identificaram uma outra espécie de medo, que não se relaciona
a um erro de julgamento, diziam eles, que não tinha causa aparente e que vinha de um impulso de
origem divina. Povos e exércitos inteiros se veem capturados por ele. Tal foi o caso em Cartago, que
sofreu extrema desolação. Lá ouviam-se apenas vozes e gritos apavorados. Viam-se os habitantes
saírem de suas casas, como a um chamado às armas, a brigarem entre si, ferirem-se e matarem-se uns
aos outros, como se fossem inimigos que estivessem ocupando a cidade. Tudo estava em desordem
e em tumulto, até que, com orações e com sacrifícios, conseguissem apaziguar a ira dos deuses. Eles
nomearam isso de “terrores pânicos”.