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DIÁRIO DE GUERRA
MINHA PARTICIPACÃO
NA GUERRA MUNDIAL
MEMÓRIAS
DE ARRAS, 1914
DE SOMNE, 1915
DE VERDUN, 1916
ERINNERUNGEN
AN ARRAS, 1914
AN SOMME, 1915
AN VERDUN, 1916
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INTRODUÇÃO EXPLICATIVA
DO TRADUTOR
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do em outubro.
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todas eram lidas à mesa.
Em belo estilo e muito descritivas, trazi-
am toda a comunidade presa à sua leitura.
Nós clérigos ouvíamos também a leitura
de jornais e dos comunicados do Quartel
General que emolduravam as cartas do nos-
so confrade.
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arista. Frater Sepp e frater Linsmaier ficaram
no campo de batalha.
No estudantado eu fazia parte da turma
que arrumava e despachava pacotinhos com
doces, frutas etc. para os nossos combaten-
tes no fronte, até setembro de 1917.
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MINHA PARTICIPAÇÃO
NA GUERRA MUNDIAL
MEMORIAS
DE ARRAS, 1914
DE SOMME, 1915
DE VERDUN, 1916
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ções não foram escritas nos dias de selva-
gens avanços da guerra em movimento. Com
sucessivos acontecimentos inauditos a cada
hora. Com a seqüência de ataques e assal-
tos. Com o desfile de cenários de lutas, como
num filme rodado.
Cenários de cidades e aldeias, em cha-
mas; de inimigo batendo em retirada; com a
população desalojada e errante.
Não. Trata-se principalmente da maldita
guerra de toupeiras entrincheiradas. Isso du-
rante semanas nas quais não se via um ini-
migo, que aparecia quando gases de enxofre
o expulsava das tocas. Ou então o lança-
chamas convertia-os em tochas vivas. Ou
minas explodidas mandava-o para o alto, em
busca de ares mais frescos.
Tais meios de combate abrasa-
vam a recíproca fúria. Mas fúrias que iam se
acumulando e explodiam por ocasião dos
assaltos, de modo jamais visto. Havia dias
calmos que ajudavam a gente tecer sua filo-
sofia. Vinham horas de saudades de casa.
Então só o corpo estava na guerra. Alma e
coração voltavam para casa.
Apesar de ter sido infeliz para a Alema-
nha o desfecho da guerra, terei sempre uma
alegre recordação de haver servido no exér-
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cito alemão. E isto quando ele estava no seu
esplendor. Justamente quando nenhum ju-
deu apátrida e chantagista, sugador de san-
gue, manchava a honra, a consciência do
dever do povo alemão. (Nota: Referência a
certa figura que dominou a Alemanha, logo
depois da guerra)
Considerava-se então como honra ser
um soldado batendo-se por ideais. A maré do
comunismo na pátria não havia atingido e
corrompido ainda o exército.Não. Nosso e-
xército não foi vencido. A derrota sofreu-a a
gente de casa, da retaguarda. Os seus muti-
lados morais são a vergonha da Alemanha.
Não o são os mutilados de mãos, de pés no
front.
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1. Rumo ao front
Munique - Luisenschule
IIº Regimento de Infantaria 11ª. Compa-
nhia.
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1.1. - Soou a hora dá despedida.
Atenção: Rezar!
Imediatamente a mão direita pega capa-
cete, esquerda segura a carabina e entoa-se
um coral solene, acompanhado pela banda
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do Regimento: "Pai, eu chamo por ti..."
- Vi vários olhos umedece-
rem-se sob a pressão do momento. Cenas
de um futuro desfilaram pela alma que can-
tava e rezava.
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Um homem carrega nos braços o filhi-
nho que crava seus olhos bem abertos.no
rosto paterno. Com santo respeito examina
aquela figura, até então nunca vista. Despe-
dida.
Despedida de Heitor: Muitas lágrimas:
Não, porém, nos olhos dos soldados. Notei
que ela era mais pesada para os que ficavam
do que para os soldados em partida.
O soldado em marcha para o front está
muito preocupado em acompanhar os outros,
numa certa excitação e tensão. Também in-
flui um compreensível sentimento e convic-
ção de representar o herói perante o público.
Por fim o cenário arrasta. Homens ar-
mados, os sons marciais da banda, as pan-
cadas dos tambores impedem maior emo-
ção.
Outro é o caso dos que ficam.
Muitas vezes ouvi exclamações por en-
tre as fileiras: "Pobres soldados: Tanta rapa-
ziada nova". Os que ficam perguntam-se
quais os sentimentos dos homens que mar-
cham para um matadouro. Entretanto a coisa
é diferente. Os que partem estão firmes e fi-
cam sofrendo os espectadores.
Foi o que me aconteceu; outros cama-
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radas confessaram-me a mesma coisa.
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fando pela espaçosa plataforma.
- Em perfeita ordem embarca a
tropa, grupo por grupo. Nada mais natural
depois do muito ensaio. Mochilas, carabinas
e outros apetrechos foram colocados nas re-
des da "prateleira" porta-malas.
Ainda um aperto de mão para o capitão
e ao amável tenente Br., que carinhosamente
se encarregou de nossas cartas e cartões de
despedida dos nossos familiares.
Sob os compassos da banda militar, aos
acenos de mãos e adeuses começa rolar o
comboio.
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malas, encostados às paredes vão se defen-
dendo os camaradas. Tudo serve para um
bom sono.
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Não vimos muita coisa da "dourada "
Mogúncia. E já começa a triunfal descida do
Reno. Em toda a parte nossos carros foram
enfeitados com flores e bandeirolas. A cada
passo o bom povo da Renânia gritava-nos
"hurrahs". Exclama: "Estão aqui os bávaros!"
Sempre que o trem parava recebíamos
cerveja, vinho, chá, cacau, pão etc.
Em Wuertter era sempre café.
Nas barracas, armadas na estação, pa-
ra assistência dos soldados viam-se grandes
árvores de Natal, carregadas até em cima,
com pequenas lâmpadas elétricas.
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Reno. Com seus pesados sapatões de ma-
deira os marinheiros olham-nos curiosos. Na
boca fumegam seus pequenos cachimbos.
As mãos estão enterradas nos bolsos das
calcas.
Já está anoitecendo ao entrarmos em
Colônia. É pena. Os luminosos raios de um
holofote cruzam sobre a cidade e por mo-
mentos fazem aparecer as torres da catedral
como assombrações à noite.
3. - Em terra inimiga.
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lados. Forte cheiro de ácido fênico veio ao
nosso encontro.
Depois um gigantesco trem de carga,
onde estavam amontoados caminhões des-
truídos e canhões que demandavam à pátria
para reparos e consertos.
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fossem barbantes. Ao redor um quadro de
destruição que ninguém poderia imaginar-se.
Um curto bombardeio com canhões de 42
centímetros fizera um serviço rápido e com-
pleto.
4. - Ao encontro do inimigo.
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Fora da cidade soa o comando: “Com-
panhia inteira, dobrar à direita: Marchar!"
Acampamento à beira da estrada, em
terreno meio congelado. Mas... que há? As-
sim pensa cada um de nós. Isto aqui já é di-
ferente do que fazíamos no pátio de mano-
bras e de tiro em Neufreimann.
Lá cada um recebia 3 a 5 balas de ver-
dade.Tinham de atravessar uma miserável
tábua que servia de alvo. Agora se trata de
alvos humanos. Vamos ver. Agora a ordem é
carregar outra vez com balas reais. Carregar
e travar.
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Horrendamente troavam os canhões, ali
na linha de fogo. Eram ouvidos os secos -
disparos das carabinas.
Fomos avisados que somente à noite i-
ríamos ocupar nossas trincheiras. É difícil
dizer o que então cruzou pela nossa cabeça
ao pensarmos: Hoje atirado na fogueira da
guerra mundial! Talvez ainda hoje rumo à
eternidade!
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queimadas fere nossas narinas. Mal passava
um dia sem que os franceses bombardeas-
sem as fúnebres ruínas da aldeia, incendian-
do-as. Quase nos faziam atolar as muitas
poças de água e lamaçal sem fim.
As ordens abafadas, as pragas dos o-
ficiais e sargentos ao lado dos estalos dos fu-
zis franceses e impactos das granadas nas
paredes, somado tudo à escuridão da noite
de inverno, pesava como um balastro sobre
a alma. Repetiam sempre a mesma coisa: o
inimigo está ai perto.
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4.4. - Meu fuzil, novinho em folha.
Finalmente amanheceu.
Um ordenança encarregou-se da inútil
tarefa de acordar-nos. Um copo de alumínio,
bem cheio de café quente, reanimou nossos
membros enregelados pelo frio e umidade.
Logo em seguida restava-nos vencer o
último trecho de caminho que nos separava
da linha de fogo. Vencê-lo pelo corredor de
ligação com a trincheira.
Mas enorme desilusão estava à minha
espera. Quando me levantei de meu escuro
esconderijo e tomei minha mochila, quis pe-
gar minha carabina. Foi então que notei o
roubo feito por um "bom camarada". Carre-
gara meu fuzil, novinho em folha. Em seu lu-
gar deixou outro, velho, enferrujado. Que rai-
va senti na hora. Lá se foi toda a alegria com
a guerra.
Só me restou agarrar essa medonha ca-
rabina contra a qual tudo dentro de mim es-
bravejava. Não poderia enfrentar o inimigo
sem arma nas mãos. Coloquei-a no ombro,
firmemente resolvido a "desapertar" um fuzil
novo na primeira oportunidade que me apa-
recesse.
Estava ainda meio escuro quando, um
após outro, chegamos ao corredor de ligação
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com a trincheira. Segurando os fuzis fomos
enfiando os pés nas poças de água e de la-
ma.
Continuamente assobiavam as balas por
sobre nossas cabeças. Instintivamente abai-
xavam-se alguns soldados ao ouvirem essa
saudação dos franceses, apesar de ser fun-
do o corredor. Protegia suficientemente con-
tra os tiros da infantaria.
Foi longa a viagem através dos labirintos
dos corredores para as várias entradas.
De repente estávamos na primeira linha
de fogo na trincheira.
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defesa alguma contra bombardeios de arti-
lharia.
Em todo o caso cada qual se sentia pro-
tegido por ter um teto sobre sua cabeça.
Ninguém sentia o menor aborrecimento ape-
sar do aperto de sardinhas enlatadas. Ou en-
tão do sono tirado sobre palha meio úmida.
O bom humor aparecia nas inscrições das
entradas cara os abrigos.
Sempre a gosto! Vagões dormitórios!
Clube tal e tal! - eram os letreiros. Outros
queriam contar a real calma dos bávaros e
escreviam: "É perigoso acordar o leão".
"Deus te salve; entre, mas não traga traba-
lho".
O guia da companhia, tenente Haushal-
ter, mocinho ainda, saudou-nos amavelmen-
te e guiou-nos para nosso grupo. Meu guia,
cujo gorro lhe dava ares cativantes de confi-
ança, puxou um trapo molhado que servia de
cortina e porta para sua gaiola de madeira e
comandou: “Vamos, dêem lugar para mais
um, ou para eu não lhes pisar nos pés”.
Cumprimentei-os como fazem cristãos
decentes. Responderam-me apenas: “Ser-
vus". Viram-se de lado dizendo-me que já
havia lugar.
Tirei a mochila e apertei-me contra a pa-
rede. A água gotejava. Pensei comigo: esse
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negócio começa bem, puxa! Não tive cora-
gem de mexer-me para não atrapalhar os
"ginasianos". Eram tais. Tinham de dormir
suas horas. Ou roncar suas horas, como eles
diziam.
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5. - 15 de janeiro - Senti saudades de
casa.
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Na Xª Companhia, nossa vizinha, houve
bom número de vitimas. O capitão teve uma
perna arrebentada. Coisa horrível esse fogo
das granadas!
Meus camaradas recordavam sempre o
dia 5 de novembro do ano passado, quando
nosso batalhão sofreu tremendas baixas (III
batalhão).
Com exceção da IX Companhia, a tropa
inteira estava reunida num pomar, atrás de
urna escola em Guillmont. Ouvia instruções
de um médico do Estado Maior. De repente
surge um avião francês que, como ave de
rapina, fez seus círculos sobre a tropa em
formatura de quadrado.
Evoluiu e desapareceu... Logo as con-
seqüências. Não tardou e estouraram dois
srhapenéis. Um muito longe, outro muito cur-
to. A tropa inquietou-se e queria dispersar-
se.
Disse o médico: "Onde se viu isso? Por-
que incomodar-se com essas porqueiras de
srhapenéis?” Vem já assobiando uma grana-
da por sobre o galpão fronteiriço, arrancan-
do-lhe as folhas e explode bem no meio do
quadrado dos soldados.
Horríveis foram as conseqüências de tal
explosão. Quem estava mais perto da explo-
são ficou estraçalhado. Os sargentos conta-
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ram que braços e pernas ficaram dependu-
rados nos galhos das árvores e alguns foram
cortados pelo meio.
Na hora morreram 22 homens e entre
eles o guia do nosso grupo e todos os guias
do III grupo. Outros 13 morreram logo de-
pois. Ao todo 63 homens, entre mortos e fe-
ridos. Felizmente o médico do Estado Maior
escapou.
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zem entre as duas trincheiras.
Estão tentando outro jeito de pene-
tração. Ontem à noite nosso posto de escuta
acusou escavação subterrânea a 50 metros
de nossas trincheiras.
Imediatamente descobrimos o plano. Is-
so acontecia pela primeira vez. Dia e noite
trabalham agora os nossos sapadores para
se anteciparem ao trabalho de toupeiras do
inimigo.
Há suspense geral, para saber quem se-
rá o primeiro a voar pelos ares. O perigo não
é tão grande e só uma parte da trincheira se-
rá destruída, na pior das hipóteses. De resto,
fomos rendidos pela "Lieber" (Regimento da
Guarda) e marchamos para Sainte Rade-
gonde, pequeno subúrbio de Péronne.
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6.1 - Seu último pratinho de sopa.
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longo da extensa linha de combate. Fuzilaria
infernal, ensurdecedora. Atirávamos a valer.
Uns cinco minutos demoraram os franceses
com a resposta, saídos do primeiro susto que
levaram.
Suas salvas eram esparsas, mas depois
cerradas. Uma especialidade deles é atira-
rem granadas pesadas contra um homem
sozinho. Zunidos e assobios de bala eram do
programa.
Tinha-se a impressão de uma chuva de
pedra. Os gritos e apelos dos feridos eram
abafados pela fuzilaria selvagem.
Vários soldados levaram tiros na cabe-
ça. Uma bala, que ricocheteou, moeu a testa
de um soldado. Caiu para dentro da trinchei-
ra sem dizer palavra, como passarinho que
levou chumbo.
Não demorou muito e vimos um clarão
ali perto, na pequena floresta perto de Mari-
court. Era a "querida" artilharia. Nossa trin-
cheira foi pouco atingida.
Os franceses tiveram um trabalhão com
a nossa artilharia. Vão caindo as granadas e
srhapenéis bem rentes às nossas cabeças,
fazendo o clássico ruído: zunido e explosão.
A posição inimiga é visada por alguns
dos nossos canhões. Eis que explode uma
granada dentro do abrigo francês. Voam pe-
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los ares as inocentes chaminés que fumega-
vam tão tranquilamente.
Eram bem visíveis o impacto, a explo-
são e as labaredas que apareciam no meio
da negra fumaça.
Um dos nossos, porém, foi atingido por
uma granada que lhe cortou a parte superior
do corpo. Tudo em pedaços, sobrando ape-
nas um braço e uma coxa. Quase ninguém
ligou para o fato.
Continua o matracar dos fuzis e das me-
tralhadoras, mais o soturno explodir das gra-
nadas. É coisa que sacode todos os nervos
da gente. Pobre vida, como perdeste teu va-
lor!
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mãos postas, respondendo sem cessar: priez
pour nous, rogai por nós.
Mais ainda. Na França reuniram-se mi-
lhares numa romaria a Lurdes. Eu mesmo,
longe de ser amigo dos franceses, senti pro-
funda compaixão com esse povo infeliz.
Crianças, de gorro na mão, encontram-
se comigo muitas vezes, e ficam me olhando
com rosto triste, como se quisessem acusar-
me: "você levou meu pai, levou meu irmão":
Ás vezes vejo lágrimas em seus olhos. Acu-
do então com uma barra de chocolate. Sal-
tam de alegria e brilham seus olhos negros.
Pobres crianças! Ah! se a gente lhes
pudesse ensinar grande devoção a Nossa
Senhora, consoladora dos aflitos! Já experi-
mentei algumas vezes e parece-me que elas
são acessíveis ao conselho.
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7.3. - Repórteres que mentem
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7.4. - Danças e sapateados
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ências adquiridas na linha de fogo.
Gaitas de boca e danças típicas (sapa-
teados) alegram os olhos e os ouvidos. Até
oficiais aparecem em nosso "rancho", to-
mando parte na distração de seus comanda-
dos. Ou então convocam para seus quartéis
um desses gaiteiros.
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Cozinha improvisada.
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Hoje nossos oficiais procuraram conso-
lar a senhora do Prefeito, cujo filho tombou
no campo de batalha.
Nos últimos dias em Guillemont uma
granada francesa matou um homem e uma
velha. Vários dos nossos oficiais acompa-
nharam o enterro, circunstância que causou
boa impressão. Em geral há muita conside-
ração com a população civil.
Outro dia disse uma hospedeira: "Jornal
conta que os alemães liquidaram com os
franceses. Mas soldado alemão diz "pardon"
(desculpe) quando esbarra na gente". Solda-
do alemão "bom camarada".
Não era essa a idéia que no começo os
peronenses faziam de nós.
Outro dia, quando de sentinela do mata-
douro de Péronne, dei com um jornal de 2 de
agosto de 1914, dia da primeira mobilização.
O artigo tinha o título "Apoio dos ingleses".
Contava que "Francis Bertic", embai-
xador inglês em Paris, visitara o Sr. Viviani.
Tem-se a impressão que o governo britânico
virá em auxílio da Franca, atacada pela Ale-
manha.
Naquela ocasião já negociava a In-
glaterra com a França uma intervenção na
guerra. Antes, portanto, da repizada "viola-
ção da neutralidade" da Bélgica, que a falsa
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Albion alegou como motivo da sua participa-
ção na guerra.
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Desde as últimas semanas (depois do
último avanço) distamos apenas 80 metros
do inimigo. Dai o começo de uma verdadeira
aposta em escavar minas. Mutuamente que-
remos mandar aos ares um ocupante de po-
sições.
Na semana cassada os aparelhos de
escuta de nossos sapadores acusavam uma
vizinhança inquietante dos sapadores fran-
ceses. Não havia remédio: tínhamos que ga-
nhar a corrida, a qualquer preço. Era o do-
mingo Laetare.
Depois do meio dia começou a correr o
boato da explosão de nossa mina. Á tarde
veio a ordem: "Antes das 21 horas todo
mundo nos abrigos! Ás 21 horas em ponto
explodirá a mina na ala direita da linha fran-
cesa". E assim sucedeu. Com nervosia está-
vamos abrigados, conferindo os relógios.
Ás 21 horas o tenente dos sapadores
estava a postos. Apertou um botão e já um
surdo trovão-explosão se fez ouvir. Ofuscan-
te clarão de fogo relampejou pelas brechas
dos abrigos que tremiam.
Lá se foram aos ares os franceses. Por
toda região era aquela chuva de pedra e bar-
ro. Imediatamente saímos de nossos abrigos,
observando a linha inimiga. Duas enormes
crateras marcavam os lugares da explosão.
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Silêncio de morte, pesado, claro, vapor de
pólvora cobriam a posição.
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De repente assobia um foguete luminoso e
o francês viu horrorizado uma cintilante linha de
baionetas diante de suas linhas. Cedo demais
haviam descoberto o ataque. Não tinha impor-
tância o caso. Assim teria de acontecer, mais
cedo ou mais tarde.
Companhia inteira! Avançar!
E já começou a luta. Irrompe furioso tirotei-
o. Por toda parte só se vê o relâmpago dos fuzis
disparando, de um e outro lado. Não tarda e a
artilharia mete-se na luta. No começo apenas
algumas granadas. Depois muitas em bombar-
deio cerrado. Também nossos canhões dispa-
ram.
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Senegal, que haviam sido jogados contra
nós.
Vinham gatinhando ao nosso encontro,
panelão acima, com uma fúria diabólica. Ati-
ravam doidamente. Várias vezes minha situ-
ação tornou-se perigosa, desesperadora.
Tão perto caíam as balas, a ponto de atira-
rem contra minhas mãos e minha carabina
terra e barro.
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mente sobe-nos a gana de vingar e a luta
torna-se mais furiosa.
Senti demais o ferimento mortal de um
camarada. Era um dos mais queridos. De
profissão era técnico em máquinas e homem
quieto, amável. Combatia ao meu lado, ati-
rando sem parar, enquanto a terra jogada
pelas granadas quase nos estava cobrindo.
De repente um grito, e a carabina lhe
caía das mãos, seu sangue quente borrifava-
me o rosto e as mãos. Tombou exclamando:
"Companheiro, levei um tiro. Amarre-me de-
pressa, do contrário eu vou me esvair em
sangue". Depressa arranquei minha banda-
gem e enrolei-a no antebraço direito do feri-
do. Mas que adiantava tudo isso? A mão es-
tava quase separada do braço, e pendia co-
mo uma boneca arrebentada.
Imediatamente retirei a bandagem colo-
cada, toda ensangüentada, torci-a fortemen-
te. Ficou convertida num laço com que prendi
fortemente a artéria seccionada, da qual jor-
rava sangue como de um chafariz.
Escapou com a vida. Atirei-o sobre o
ombro, pois já estava desmaiado e carre-
guei-o o mais depressa possível para dentro
da trincheira.
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8.5. - Sobre escombros e cadáveres.
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ficou a cratera conquistada. Mas nossa velha
posição, à qual retornamos, oferecia uma vi-
são macabra. O bombardeio inimigo havia
esculhambado com tudo.
A cada momento pulava-se sobre es-
combros e cadáveres. Era preciso ter cuida-
do com os escorregões nas poças de sangue
que deformavam a trincheira. Eram poças
grandes.
Enfim, o ataque custara muito sangue,
muito mesmo. Em todo o caso, o perigo das
minas sob nossos pés, estava, por hora, a-
fastado.
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8.7. - Lembrei-me do terço.
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que eu havia abandonado, minutos antes.
A trincheira inteirinha estava soterrada
quando voltei. Eu teria sido despedaçado pe-
los estilhaços, se tivesse ficado na posição
anterior. Estavam ali esparramados, bem vi-
síveis. Camaradas que me ouviram contar o
sucedido, comentaram logo: "Mas que sorte
de porco tem você, companheiro"! Lembrei-
me de meu terço.
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metros, escondidos na floresta ao lado, dis-
paravam nossos pesados haubitzen.
Ao abrigo da floresta.
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Arras, ficou sendo quartel de repouso. Desta
vez a nossa nova residência é bem bonita.
Quase nada para se fazer. De vez em quan-
do marchávamos até à próxima floresta (Bois
de Delville) e amarrávamos feixes para forrar
as paredes das trincheiras.
A artilharia francesa ou a aviação tra-
zem alguma variação no monótono trabalho
de rachar lenha. Se um dos nossos aviões
surge no horizonte, os franceses procuram
de todo jeito atingi-lo por shrapenéis.
Em geral o tiro fica muito abaixo do avi-
ão. Nós é que temos de agüentar essa sala-
da assobiando em nossos ouvidos.
Quando um avião inimigo ronca sobre
nós, amoitamos quietinhos como rato acos-
sado. Pois as florestas francesas são muito
ralas, transparentes. A ave da rapina tem di-
ficuldade para distinguir nosso uniforme que
é da cor da terra. Ás vezes, contudo, conse-
gue localizar-nos no chão. E então põe seus
ovos ou nos assinala para a artilharia. É inte-
ressante a gente observar como começa o
canhoneio, imediatamente. Mais interessante
constatar como as granadas explodem longe
do alvo, a um quilômetro além da floresta.
Nossa turma grita um "bravo" para cada tiro.
No dia 24 de marco tínhamos recebido
um outro "papai da Companhia", o capitão
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Deschauer, que assim se dirigiu a seus co-
mandados: "Considero honrosa tarefa co-
mandar uma Companhia tão valente. Que
nesta campanha não haja mais dias tão du-
ros, como no passado 17 de março. Mas se
isso tiver que acontecer, posso com toda se-
gurança contar com vossa bravura, já com-
provada, para investir valentemente contra o
inimigo".
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causa da tremenda pancadaria.
Foi um escândalo o procedimento do
capelão da Divisão, um tal Dr. H. Saía da sa-
cristia com enormes botas de verniz amarelo,
alba curta. Fazia suas mesuras para todos os
lados, saudando os oficiais antes de dobrar
os joelhos diante do sacrário.
Tive uma grande consolação nos dias
que passei em Longueval. Pois fiquei conhe-
cendo um clérigo de Santa Odília, frater
Gangolf, O.S. B (José Hermes). Pertencia ao
I Batalhão e era uma alma de ouro, como
bem depressa pude constatar. Quando mais
tarde uma bala na cabeça lhe ceifou a vida
em flor, continuei lembrando- me dele com
lágrimas nos olhos. Era um amigo e um ver-
dadeiro companheiro. Comigo e por mim en-
frentava literalmente o fogo. "Eu tinha um
camarada - Não acharás igual; A luta nos
chamava - Ao lado meu marchava. Funesta
bala vinha - Virá a mim? a ti? Mas ai; balea-
do... foi aos meus pés prostrado.”
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Ergolding.
Isso mesmo, respondeu o amável te-
nente. Na guerra cada um se defende como
pode.
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sob seus pés.
Lá muito seguros não estamos em nos-
so aquartelamento, também. Pois o lugar es-
tá ao alcance dos canhões. Além disso, os
aviões inimigos voltam frequentemente com
suas bombas. São visitantes sempre mal vis-
tos.
Há poucos dias fizeram voar aos ares
um trem de munições na estação de Saint-
Quentin.
Anteontem à noite o Zeppelin sobrevoou
nossa posição, rumo a Paris. Os franceses,
de cabeças voltadas para o céu e ouvidos
atentos, nem se lembraram de atirar. Isso
apesar de saberem que não se trata de com-
petição esportiva no vôo à capital. Naquela
noite clara eu via muito bem a rapidez do vô-
o, de estrela para estrela.
Pobres soldados! Em parte alguma es-
tão seguros. Na trincheira, chumbo e aço são
mortais. Sob seus pés as minas são uma
ameaça contínua. A qualquer momento abre-
se a terra e engole-os. Sobre suas cabeças
não são melhores as promessas. Aviões e
balões cruzam sempre pelos ares, carrega-
dos de bombas.
Uma espada de Dámocles! E no mar?
Aí, quando a coisa estoura, não se pode nem
correr. Perigo no ar, perigo na água, perigo
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A insegurança das trincheiras.
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nha Mãe e Guia para a pátria, no próximo
mês de maio. Seja para a terrestre ou para a
celeste. Para mim qualquer uma serve.
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cadáveres de franceses mortos em dezem-
bro passado. Não era possível deixa-los ali,
insepultos, durante o verão.
Veio ordem para sepultá-los, à noite e
com neblina. Que trabalhão! Além do fogo
inimigo, o sepultamente apresentava dificul-
dades imprevistas.
Primeiro, era preciso trazer os cadáve-
res para mais perto da trincheira. Do contrá-
rio o ruído das cavadeiras e pás alertaria o
inimigo. Mãos à obra! Mas, ai! -Que horror:
Os cadáveres apodrecidos largavam seus
pés e suas mãos, quando puxados. Não era
possível retira-los.
Foi preciso ir cavando covas bem rentes
a eles. Depois os arrastávamos para dentro
delas, puxando-os pelas fardas. As calças
vermelhas estavam em bom estado e nem
ficaram desbotadas, apesar do longo inverno
ao ar livre.
As covas foram logo cobertas com terra.
Na manhã seguinte os franceses viram que
seus camaradas mortos haviam desapareci-
do.
92
quanto os outros 17 estão horrivelmente
queimados, estraçalhados, soterrados! Foi
esta a "lectio mortis" hoje.
93
possível observar toda a linha inimiga. Basta
fazer um pequeno movimento com as mãos.
Essa linha desfila diante dele como um filme.
95
sobre uma tábua, e escrevia algumas cartas
para casa. Mal eu acabava de escrever a
frase: "a gente pode chorar à vista de tantos
mortos insepultos aqui diante das trincheiras,
no meio da relva novinha, sob flores da pri-
mavera" e buum infernal. Lama e barro co-
brem-me o rosto e minha carta.
Era uma granada francesa. Dei um sal-
to e já outro estouro de outro petardo. Ouço
um grito partido de um rolo de fumaça, bem
ao meu lado. Pulo para dentro e dou com um
camarada, de 17 anos apenas, retorcendo-se
no seu sangue.
Estava de plantão perto de mim, sobre
a mesma tábua que eu escolhera para me
assentar. Nessa hora veio a malfadada gra-
nada com sua explosão e seus estilhaços.
Desses, vários lhe haviam cortado am-
bas as coxas deixando-o em mísero estado.
O pobre João Rennecker, de Munique-
Passing, me deu profundo pesar. Fora um
dos mais assíduos às rezas de maio, até ul-
timamente. E mais uma circunstância agra-
vante. Durante uma ligeira pausa do bom-
bardeio havia escrito um cartão para os seus,
momentos antes do desastre.
Assim escrevera: "Até agora vou pas-
sando muito bem. Estou com saúde e boa
disposição. Até à vista. Vosso João".
96
O cartão estava ao lado dele no chão.
O lápis ficou nos dedos retorcidos, quando o
encontrei.
Imediatamente morreu ao ser transpor-
tado para o hospital. A boa Mãe de Deus,
estendera sobre mim seu manto protetor.
Num pequeno espaço da parede, na
trincheira por mim ocupada, cravaram-se
pouco menos de 13 estilhaços de granadas.
E a tábua fora atravessada em 3 lugares. E
eu sem ser a tingido por estilhaço algum! En-
tretanto nas paredes, à esquerda e à direita,
estavam dependurados pedaços ensangüen-
tados de carne de meu companheiro.
99
estrada para Bazentin, está enterrada uma bate-
ria antiaérea, prussiana.
Hoje à tarde, durante a reza, escutamos o
roncar de um avião inimigo. Devia estar voando
muito por perto, porque as vidraças tremiam em
seus caixilhos, na igreja.
De repente um estrondo fortíssimo. Contu-
do, ninguém deixou a igreja, embora todos sou-
bessem do estrago que faria uma bomba que
estourasse lá dentro. E esta veio.
Uma granada penetrando pelo telhado da
igreja, rompeu o forro e caiu no ladrilho ao lado
dos soldados amontoados. O petardo batendo
no piso ali ficou sem explodir, sem ferir ninguém.
Que desgraça acarretaria se explodisse! Era um
presente dos prussianos, postados nos arredo-
res da aldeia.
Estavam certíssimos que atingiriam o inimi-
go com o primeiro tiro, e por isso atiraram com
espoleta de percussão. Verdadeira loucura! E
ainda por cima com um exemplar de bomba que
nem batendo na pedra explodiu! Todo mundo
ficou convencido da visível proteção de N. Se-
nhora.
Quantas vezes, minha boa Mãe, já me ten-
des valido! No meio do fogo voltam a confiança e
a coragem, ao pensar em vós. Que seria de mim
sem vós? Estou certo: ireis me reconduzir pátria
são e salvo.
100
14. - Junho - Na fazenda Water-
lôo.
102
Mas assim mesmo lá se foi nosso sos-
sego. A enorme caixa d'água que abastecia
Longueval levou vários furos. Os mil metros
cúbicos de água resultaram numa inundação.
As telhas vinham para dentro do pátio, joga-
das pela pressão do ar nas explosões das
granadas. A coisa virou mesmo perigosa.
Em tal situação eu preferia ficar na cota
110, em Mametz. Lá nós tínhamos abrigos
de 5 a 7 metros de profundidade "garantidos
contra a morte".
Os velhos caixotes haviam sido aposen-
tados. Os de madeira ainda estavam em uso
no Somme. A reforma trouxe-nos uma razo-
ável proteção contra tudo que viesse de ci-
ma. Quando acontecia de um tiro certeiro ta-
par a entrada, havia uma segunda que esta-
va livre.
Em Mametz era contudo inquietante a
vizinhança da trincheira inimiga. Apenas 60
metros e às vezes só 10 metros.
Sempre com perfurações e explosões
de minas. Não havia semana sem explosões,
ora do nosso ora do outro lado. Quase não
havia pedaço de terra que não tivesse sido
revirado por elas.
Tal o caso daquela cota que nosso pes-
soal chamava de "retiro alpino". É realmente
verdade, a gente se acostuma aos perigos e
103
até com a própria morte, quando se trata de
outros.
Quando tomba um camarada, sente-se
um horror passageiro, para logo depois achar
que tudo está em ordem. Mas, com o tempo,
essa macabra dança da morte mexe com os
nervos da gente.
104
fechadas.
De repente fiquei rendido com dores in-
suportáveis. À tarde a ambulância do Corpo
de Saúde levou-me para o hospital de cam-
panha, em Combles. No dia 25 de maio fui
operado com feliz êxito.
Depois de um mês de convalescença,
vim para Pérone-Norte, no dia de S. João.
De lá, no dia 26, transportaram-me para o
lazareto de guerra, em Saint-Quentin, na Rua
Alfred Clin.
105
17. - 2 de julho de 1915 - Sema-
nas felizes em Ronvroy.
107
lugar para assentar-se.
108
outras, em paz e harmonia. Sentamo-nos
sobre os caixotes e o trem foi subindo e des-
cendo, noite adentro.
Algumas vezes o trenzinho chegava
muito perto da linha inimiga. Então era aque-
la batedeira mais apressada do coração, em
cada um de nós. Pois sabíamos que os fran-
ceses já por várias vezes haviam atirado
num trem ou lhe cortado a tiros os trilhos.
Sinistramente ribombavam os canhões
inimigos, mas não era conosco a prosa. O
trem chegou sem mais novidades à baixada
entre Guillemont e Longueval. O relógio mar-
cava 11 h. da noite. Que fazer agora?
110
aram-me a cozinha. Cozinhava-lhes o café, a
sopa, a carne, e muitas vezes aprontava-lhes
uma legitima fritada de batatas à moda báva-
ra.
Como devoravam a bóia! Diziam em dia-
leto: "Esse doutoreco sabe mesmo cozinhar"!
Isso não lhes entrava tão bem na cabeça
como as batatas no estômago.
Na guerra, a gente aprende muita coisa,
que nunca passara antes pela cabeça. Meu
fogão foi improvisado sobre uns tijolos, à
sombra de uma ameixeira.
Ás vezes a lenha ia rareando. Mas os
outros roubavam o suficiente para nunca fal-
tar o necessário para cozinhar.
Não se acha mais lenha? Desmonta-se
uma casa e sobra lenha para mais algum
tempo.
113
perto e longe. O pesado cano da peça volta
para trás, sob o coice do petardo. Logo em
seguida, vira-se para o céu e já outro artilhei-
ro abre-lhe a entrada e dois outros carregam
outra granada, renovando o jogo cruel.
Sem querer, a gente se assusta, à sim-
ples vista de peça tão assassina, ao pensar
que está disparando contra seres humanos.
Quando acabará esse matadouro homi-
cida? Aqui no oeste estamos prontos para
esforço que acabe com esta vida miserável
de toupeiras. Só esperamos que nos seja
dada ordem, que ressoe nas trincheiras a
cometa seu sinal de ataque.
114
panhia, tombado morto. A bala lhe atravessa-
ra a testa. Sangue espesso corria sobre a
relva.
"Na campina deita sombra uma nuvem,
assim se vai a vida de um homem..."
Que sou eu na guerra? Uma gota d'água
num balde. Na guerra, quem morre desapa-
rece.
Cai numa trincheira e por cima dele pas-
sa o exército que ataca. Ou então sepultam-
no numa vala comum, morto junto com mor-
tos.
Que falta faço eu? Sepultamos o jovem
porta-bandeira ao lado de seu irmão, tenente
Hanshalter, nosso antigo guia. Foi no cemité-
rio de Guillemont. Os dois irmãos descansam
em paz, em casa.
O comandante do Regimento fez uma
pequena alocução. Parou ou perdeu o fio,
não sei. Chorou e com ele o médico do Esta-
do Maior.
115
mos ficar 20 dias por aqui. Mas aos 3 de ou-
tubro veio a inesperada ordem: "O I Exército
bávaro em peso irá substituir o VI Exército
prussiano".
Começou então uma atividade febril pa-
ra pôr em movimento milhares de homens,
canhões, aviões etc. Tudo em perfeita or-
dem. Dentro de poucas horas estavam todos
marchando. Naturalmente à noite, por causa
das tais "mutucas" que lá do alto procuram
suas vítimas.
A marcha durou das 8 da noite até às
4,30 h. da manhã de 4 de outubro. Aquarte-
lamo-nos provisoriamente em Aizecourt-le
Bas, perto de Péronne.
Fiquei acomodado numa asseada casa
de certa vovozinha. Sempre me recordava de
Filemon e Baucis de Ovídio. (Contava nosso
padre que certo dia uma velhinha lhe pregou
um beijo, quando foi pedir-lhe uma vassoura.
Confusão dos termos: Besen, vassoura em
alemão: baisér, beijar em francês. A velhinha
entendeu mal. De certo foi nessa ocasião -
Nota do tradutor).
116
A disposição da tropa era ótima. Resso-
avam fortemente, noite adentro, as notas da
Torgauer-marsch: "Com ufania marchamos
para a batalha...”
A banda militar ficou tocando, até partir
o trem que nos levava para outros campos
de luta. Mas... para onde? Ninguém o sabia.
O guia encarregou-me de olhar pelas muni-
ções. Tive com isso ensejo de viajar sentan-
do sobre um caixote de balas, colocado num
vagão aberto.
Pude observar que o comboio rumava
para o norte: Péronne, Roisel, Cambray,
Douai até Roncroy, onde descemos.
Daí marcha até Méricourt, onde se a-
quartelaram o I e o III Batalhão.
118
men". Assim é a vida. Da poesia a gente pula
para a mais horrível prosa.
Enfim, ninguém por aqui pode planejar o
futuro. Todos os dias o inimigo experimenta,
ao menos uma vez, romper as nossas linhas.
Então é simples a tarefa: cumprir o de-
ver e derrubar a tiros quem se mete na frente
do fuzil. O dilema é simples: ou você, ou eu.
Até agora os franceses tem levado na
cabeça. Não conseguiram avançar. É claro,
nossas baixas foram bem sensíveis. Sobre-
tudo, na grande tentativa de rompimento no
dia.
119
Era tal a fúria no assalto, que o coman-
do achou indicado substituir por bávaros as
cansadas tropas prussianas. Chegávamos
bem em tempo.
120
ras, tremendo o chão sob os impactos que
jogam aos ares repuxos de terra e pedra.
Cena dantesca, diabólica. Fumaça, nu-
vens de pó parecem nos sufocar. Nossa arti-
lharia responde enfurecida. Queimando de
quentes, os canhões das peças só podem
ser manobrados com luvas apropriadas.
121
tícias a respeito da companhia vizinha. Mas
todo mundo estava sabendo o que significa-
va o bombardeio inimigo. Era a preparação
para o ataque.
Ah! Se estivéssemos com o II Batalhão
na primeira linha! O fogo da artilharia não
podia ser muito forte, dada a pequena dis-
tância entre as duas trincheiras.
Correm de repente ordenanças com a
ordem: "Terceiro grupo com tenente Kus-
term, para frente, na primeira linha de fogo!
Infantaria inimiga ataca". Começa o negócio.
Finalmente a gente sai dessa inatividade que
mata.
122
do tempo, o guia mandou-nos procurar refú-
gio sob uma abobada do castelo. Não demo-
rou e tivemos que dar o fora de lá.
Sinistramente estouravam as granadas
na parte superior do castelo. E se uma das
granadas de 28 centímetros, que ao redor de
nós improvisavam repuxos de terra, varasse
a abobada, estaríamos liquidado infalivel-
mente. Poderíamos catar nossos ossos. Para
fora, portanto!
As salvas do fuzis e metralhadoras, já
estavam nos avisando sobre a presença do
inimigo em campo aberto.
A fumaça das explosões dos petardos
impedia-nos a visão. Depressa para frente,
para os corredores de ligação ainda visíveis.
Em poucos minutos encontrávamos nossos
companheiros, (Frater Sepp lá estava) na
trincheira avançada.
Mal tivemos tempo de entrar na posição
cavada pelo bombardeio e já ouvíamos o co-
nhecido comando "allons! allons!", entrecor-
tando os estouros.
Os franceses atacavam, certos de que o
bombardeio de 20 horas liquidara com tudo.
Mas que tremendo engano!
No que as colunas deixavam as trin-
cheiras e avançavam, eram recebidas pelas
salvas de nossos fuzis. Tremenda confusão
123
para eles.
A maioria queria voltar para as trinchei-
ras, recebendo, porém, os tiros, que lhes ati-
ravam os próprios franceses, escondidos nos
flancos. Pobres rapazes fugitivos! Eram tro-
pas coloniais, pretas. Tombavam aos mon-
tões, aos disparos do nosso tiro rápido.
124
vivos.
Em certo ponto um negro viu um dos
nossos puxar a comprida faca escondida na
bota, porque as granadas de mão estavam
soterradas. O ameaçado gritou logo: "Par-
don, camerade. AIlemand bon camerade!".
Que bom camarada nada, seu cabeça
de porco, responde o bávaro. Com sua pata
pesada agarra-o pelo pescoço. Outros ce-
dem.
125
Apareciam novas vítimas. Começamos a
sentir-nos mal, pois poderia acabar a muni-
ção.
Alguns companheiros pulam para frente
e arrancam as cartucheiras dos franceses
tombados. Os oficiais percebem o perigo que
provinha da saraivada da nossa própria arti-
lharia.
Com foguetes vermelhos pediram um
"Trommelfeuer" contra a linha francesa. Em
menos de um minuto os monstros zuniam
sobre nossas cabeças.
Não se distingue tiro por tiro. É um zuni-
do, uma explosão, um pipocar sem fim. De-
pressa surgiu diante de nós um mar de cha-
mas e fumaça. Valeu a pena.
Os franceses compreenderam que era
absurdo ficar nesse inferno e retiraram-se em
direção a Thelus e Neuville. Não perdemos
sequer um palmo de terreno. Mas também
estávamos esgotados. Renderam-nos por
alguns dias e aquartelamo-nos em Douai.
De começo uma marcha de 2 horas até
Ronvroy, por um terreno que mais parecia
ser uma paisagem da lua, por causa dos tan-
tos buracos e crateras.
Buracos e mais buracos de granadas e
em parte cheios d'água. Que cansaço era o
nosso, ao embarcarmos finalmente numa
126
gaiola de gado! Nada de se procurar o me-
lhor lugar. Todo mundo foi se atirando sobre
o feno e dormindo ate o corneteiro nos de-
sembarcar em Douai.
Com tais dias de excitação ficam os ner-
vos em pandarecos. O municiamento de bo-
ca era irregular e às vezes ate impossível.
Às 4 horas da manhã chegava a cozinha
de campanha, trazendo café ou chá, em ge-
ral tudo frio até à chegada.
O dia inteiro nada até às 10 horas da
noite. Então outra vez aparecia o "canhão da
bóia", trazendo o almoço. Os aviões voam
constantemente e os balões fixos impossibili-
tavam a munição para as bocas e para os
fuzis durante o dia. O descanso no quartel
tinha de reparar essa calamidade.
Realmente, os dias em Douai trouxe-
ram-nos repouso. Morávamos na caserna de
artilharia (Conroux). Com exceção de uma
parada cansativa e supérflua na Place Car-
not, tínhamos tempo para dispor.
Todas as tardes eu ia rezar o terço na
igreja de Nossa Senhora. A igreja estava to-
dinha coberta de hera. É bem escura porque
os vitrais góticos com suas cores escuras
não deixam passar a luz.
127
26. - Na igreja, paz; no castelo,
destruição - 19 de outubro de 1915.
129
vo clarão, sobe e no alto abre-se como um
véu de chamas, que são escuras e passam
para cores de púrpura e de sangue. De seu
bojo salta uma labareda amarela como enxo-
fre, a qual absorve o clarão vermelho.
Por sua vez é logo engolida pelo feixe
de labaredas que se desprendem das cimei-
ras de casas incendiadas.
Uma bateria acorda a outra, lá do outro
lado. Os franceses formam seu fogo de bar-
ragem, atrás de nós. E isso com uma agili-
dade até ornamental.
Um verdadeiro rosário com suas contas.
Fazem-no para cortar a chegada de alguma
reserva.
Lá em cima no céu, há riscos de estrelas
cadentes, nas noites frescas de outubro. Pa-
rece que elas ficaram bambas por causa do
te remoto, provocado pelo bombardeio da
batalha.
130
rer atolado.
Dois homens afogaram-se na lama. La-
ma, barro até aos joelhos, pegajoso, segu-
rando arrancando as botas. Que sofrimento!
Os pés estão feridos e sangram dentro das
botas. E ainda por cima, chuva dia e noite.
Não há abrigos que prestem. Algumas
covas que sobraram estão cobertas com á-
gua. Só os degraus oferecem um jeito para a
gente assentar-se. Não se pode pensar em
dormir.
Os franceses do outro lado deviam estar
na mesma situação. Reina uma tácita combi-
nação para ninguém atirar nos soldados que
vão buscar a comida, caminhando por campo
aberto.
O inverno é assim na Franca. Chuvas
sem fim convertem o chão num lamaçal tei-
moso. As trincheiras podem afogar a gente.
Quem cair dentro delas à noite, está perdido
se não for acudido depressa.
Em certos lugares nem dão passagem.
Que fazer? A gente pula para fora e o inimigo
faz a mesma coisa. Ninguém cuida da cober-
tura.
A troca de sentinelas é feita em pleno
dia, sem disparo de tiro algum. Com freqüên-
cia os franceses chegam até nós e oferecem
ou pedem tabaco, conservas etc. Essa per-
131
muta de relações toma os ares de uma paz
em separado.
Tendo em vista a situação de mútuo a-
perto é dada a ordem para ninguém atirar.
Ordem bem aproveitada.
Por fim o comando põe uma tranca na
porta. Mas pouco valem proibições, quando a
gente teria de morrer afogado na lama, caso
não quisesse andar lá fora da trincheira.
Um feldwebel contou-me que seu pes-
soal (I Regimento de Infantaria) andou es-
tendendo seu arame farpado em plena luz do
dia.
Os franceses imitaram o exemplo. Bati-
am suas estacas e esticavam seus fios, nu-
ma distância de 10 metros de nossas trin-
cheiras.
Um dos nossos guias de Companhia ti-
rou um retrato dos franceses que calmamen-
te trabalhavam diante de nós.
Dias depois um francês gritou do outro
lado: "Hei..., vocês já revelaram as fotografi-
as? Vocês aí! Hoje é segunda-feira. De certo
estão com dor de cabeça!".
Um terceiro soldado berra para todo
mundo ouvir: "Para mim é a mesma coisa
quem ganha a Guerra, vocês ou nós. Depois
da guerra eu volto para Munique".
A camaradagem chegou a confidências
132
militares. Por exemplo, avisos sobre a imi-
nência de bombardeio ou de explosão de mi-
nas.
Em nosso setor um pedaço de pape vi-
sava a hora de uma explosão iminente: "A-
tention, camarades" e de fato, à hora marca-
da, explodia a bicha sem ninguém ser atingi-
do. Depois repartíamos fraternalmente os lu-
gares na cratera aberta.
Essa quase total paralisação dos com-
bates em nosso setor, até às alturas de Lore-
to, teve seu lado bom. Livrou-nos de um total
desespero. Um assalto em terreno inundado
deixar-nos-ia atolados na lama.
133
oficial, amigo pessoal (tenente Kustermann),
qual teria sido o motivo de minha exclusão.
Haveria qualquer queixa?
Nada disso meu caro, respondeu-me o
perguntado. Da nossa parte nada havia em
desabono. E também nada por parte de seu
comportamento pessoal. Culpa somente de
sua profissão particular.
Agora estava explicada a razão: Hic ni-
ger est... Hunc tu Romane caveto... Essa ati-
tude anticlerical, essa conduta hostil com re-
lação aos teólogos variava muito, conforme
as secções das tropas. Nada tinha que se
esperar do nosso III Batalhão. Frater Sepp foi
até maltratado.
Eu, na undécima Companhia, vivia nas
melhores relações com todos os oficiais. Par-
ticularmente com nosso ocasional guia, te-
nente Eder. Cedia-me um lugar no seu abri-
go e à sua mesa.
No estado civil era professor e filólogo
de línguas antigas. Infelizmente era apenas
substituto do chefe e brevemente devia ceder
seu lugar a outro.
134
29. - Natal: Stille Nacht, heilege
Nacht!
136
Muitos se serviam até das folhas secas da
batata ou das nogueiras.
O fumo é histórico também. Quase to-
dos os famosos generais puxavam seus ca-
chimbos: Frederico o Grande, Gneisenau,
Bluecher, Moltke.
137
cartas para serem remetidas aos pais e pa-
rentes. De fato, é impressionante andar uma
mão invisível desviando de mim as balas.
Não faz tempo assaltamos uma trin-
cheira inimiga. O bombardeio preparatório fa-
lhou, deixando só com poucas falhas a cerca
de arame farpado. Eu assaltei pela direita.
Imediatamente à minha esquerda o tenente
Dickmann empurrou sua metralhadora e co-
meçou a matracar.
Mas o fogo na saída do cano despertou
a atenção do inimigo que respondeu com dis-
paros cerrados de suas metralhadoras.
As balas batiam furiosas no anteparo de
aço. Uma bala, contudo, achou a abertura do
escudo, ponto de mira, e matou instantane-
amente o valente oficial.
A metralhadora calou-se. Então os fuzis
inimigos me alvejaram. As salvas eram para
mim e para meu companheiro, João Teufe-
lhart, um jovem voluntário de guerra. Num
instante o coitado jazia no chão com 24 balas
no corpo. Nenhuma era mortal. (Depois fui
visitá-lo no hospital). Nada me aconteceu.
Por muito tempo o fato foi comentado no Re-
gimento. Apenas um exemplo.
138
31. - 7 de fevereiro de 1916 - Nas
minas de carvão.
140
as esburacadas, cheias de poças d'água. O
calçamento é irregular. A calcada não passa
de terra batida, lamacenta, esburacada e es-
treita. As casas sem reboque, cobertas com
monótonas ardósias. Uma como a outra.
Como viver por aqui? Vê-se que a indús-
tria joga com muito dinheiro aqui. Mas o ho-
mem desta terra é um desajustado com o
ambiente.
Trabalho, moradia, prazeres! eis os slo-
gans que dominam. A língua francesa des-
conhece a palavra "à vontade, como em ca-
sa". Dei voItas, observando tudo, apesar de
meu desmedido cansaço.
Tipos de Zola: Germinal, Lemonier, co-
mo mineiros. Crianças pálidas, sem cores sa-
dias, “sem o fresco rubor das faces". Faltam-
lhes os ares de brincalhonas descuidadas da
nossa mocidade alemã. Temporãs, sem ex-
pressão infantil. Muitas escrofulosas, seres
linfáticos.
Por toda parte tuberculose e miséria.
Moças com olhares atrevidos, piscando com
os olhos. Mulheres gordas enfiadas em ves-
tes desalinhadas, com características do ál-
cool.
Havia também umas bonecas enfeita-
das, penteadas, elegantes, metidas em sapa-
tos de altos coturnos. Vestidos berrantes.
141
Com os olhares andam à procura de alguém.
são "camaradas" dos jovens mineiros, com-
panheiras de farras aos domingos.
Mas onde estão os rapazes? Os tais
com voz provocante, cabelos besuntados,
penteados até à altura dos olhos? Onde es-
tão os "menores" cobertos com o pó do car-
vão, com echarpe de cor ao pescoço, mar-
cando encontro com suas amantes, que u-
sam perfumes baratos? Zola, Lemonier. En-
contramos alguns de seus tipos por aqui
142
la descobriu-se em cada canto.
Em todo caso são homens nada convi-
dativos. Por toda parte soldados alemães,
milhares, muitos milhares. Com horror os
moradores constataram essa maré.
Soldados que riem, rapazes bem humo-
rados, de todas as armas. Sobravam canti-
nas por toda parte. Anúncios assim: "Hoje
chouriços com Sauerkraut - Cerveja - Hoje
salsichas quentes". Isso desperta o bom hu-
mor.
As altas chaminés das fábricas não fu-
megam. Muita coisa está parada. As torres
dos elevadores de carvão não tremem e
seus ferros suspiram por um trabalho.
Os cabos aéreos para o transporte de-
saparecem ocultos pela neblina pardacenta.
Como triste sobra do passado jaz um carro
na sujeira do pátio, surpreendido pela guerra
no seu trabalho.
Tons alegres de música espalham-se
pelo ar. É uma banda que está tocando dian-
te do quartel do comandante geral do Regi-
mento.
Era como se vivêssemos na mais pro-
funda paz. A gente ficava escutando, sor-
vendo aquelas melodias tão conhecidas na
pátria, como se estivesse num parque da
nossa terra.
143
Casa alguma tem ares convidativos por
aqui. Os restaurantes de Estaminets, peque-
na cidade, estão fechados.
Certo dia. entramos num local que trazia
o anúncio "Café". Mas uma moça suspeita e
amável, com penteado maravilhosamente
alto, avisa-nos que o "café" estava fechado e
proibida a entrada.
Entendemos logo o assunto. Esses pe-
quenos cafés eram os ninhos do vicio. As
autoridades militares alemãs foram enérgi-
cas, arrancando o mal pela raiz.
144
Sim, apenas por algumas horas. Pois
logo temos de ir para o caldeirão em ebuli-
ção, digo, Arras-Neuville. Diz-se que os sol-
dados quando licenciados para visitas a seus
lares falam pouco e a contragosto sobre os
combates no front. É o que acontece comigo.
Custa-me recordar as horríveis e horripi-
lantes cenas por mim presenciadas nos dias
e noites que se seguiram.
(8 a 16 de fevereiro) Em Courrières fi-
camos só um dia e uma noite. De repente,
alarme. Veio a ordem: "A undécima Compa-
nhia com missão especial deve marchar i-
mediatamente para a linha avançada".
Éramos, pois, os eleitos. Mas para que?
Ninguém o sabia, nem sequer o guia. Só nas
trincheiras é que nos inteiraram de tudo.
Nossa Companhia tinha de assaltar o setor
da trincheira inimiga.
Rasgaram-se corredores de ligação, foi
amontoada a munição. As baterias calcula-
ram suas distâncias e minas explosivas fo-
ram carregadas. Enfim, providenciados os
preparativos costumeiros.
145
bre a posição a calma de costume ao meio
dia. Aqui e ali sobe a fumaça de uma chami-
né. Os franceses estavam esquentando seu
almoço, tal como nós também. Mas de re-
pente tiraram-lhes calma.
À 1 hora da tarde nossas baterias dispa-
ram seu bombardeio preparatório. Uma co-
meça e outra secunda o fogo.
Baterias se enfileiram no canhoneio de
todos os lados. Dentro de 10 minutos cente-
nas de canhões vomitam suas granadas.
O francês sabe de que se trata e res-
ponde. Um ribombo e já caem as primeiras
granadas em nossa posição.
Devagar formou-se um "Trommelfeuer"
que não se pode descrever. Uma louca sara-
banda de canhões com disparos e impactos,
elevada à máxima celeridade.
Ao longe trovões demorados. De perto
explosões ensurdecedoras. Quando a gente
está numa posição garantida. há certo inte-
resse no acompanhar o bombardeio, durante
uma meia hora. Mas depois ele se torna uma
tortura.
Doem os ouvidos e a cabeça parece
moída, porque não é uma bigorna de ferro.
Com o tempo a gente enlouquece.
A cada passo apaga-se a luz no abrigo
que está mais fundo. A pressão do ar das
146
explosões se encarrega disso. Todas as ba-
terias disponíveis disparam quanto podem.
Uma saraivada de ferro destrói, arrasa
nossa posição construída com tanto trabalho.
Nada perdoa o inimigo.
147
bateria faz pausa, motivada nela incandes-
cência de seus canhões. Então outras en-
tram com seu fogo e a infernal orquestra con-
tinua.
Faz tempo que toda região está envolta
num nojento e abafado vapor de pólvora.
Três horas, quatro horas de fogo. E o bom-
bardeio vai aumentando. Também o inimigo
reúne mais baterias.
Das encostas de Saint-Eloy reIampejam
canhões, mas em série. Cumprimentam-nos
a seu modo. Da cota de Loreto, à direita, nos
endereçam pesadíssimas granadas.
Parece ter chegado o fim do mundo. Es-
tridentes e decididas assobiam as granadas
leves. Bem mais longe ronca a artilharia pe-
sada, mandando seus colossos de ferro para
perto, para dentro das trincheiras. Chegam
para matar.
Mandam aos ares volumes de terra e
pedra ao explodirem. Ferro e aço estão can-
tando no ar. Aqui e acolá a gente vê compa-
nheiros tombados, cobertos de lama e san-
gue. As paredes estão salpicadas de sangue.
Visão que arrepia a espinha.
Mas ainda estamos apenas no começo.
É preciso quebrantar o ânimo do inimigo,
despedaçar os obstáculos de arame. Exige-
se um esforço sobre-humano de todas as
148
energias para se continuar firme, mas des-
protegido, no posto sob tão infernal bombar-
deio, observando o inimigo, esperando a
morte a cada momento. Ela já levou tantos
dos meus camaradas!
Todo soldado sabe: o próximo momento
pode ser o ultimo para mim. Assim mesmo é
preciso agüentar firme e inabalável, enquan-
to a mão puder segurar a carabina. É então
que a gente pode medir a força da consciên-
cia do dever.
Ao redor a morte está assobiando, ex-
plodindo e rondando. Entretanto os homens
não arredam o pé, como se fossem de ferro
fundido. Sabem que se trata da vida ou da
morte.
149
nha inimiga. Pronto. Cessa o bombardeio da
primeira linha. No mesmo instante a terra es-
tremece. Três minas subterrâneas explodem
e abrem enormes brechas nas trincheiras
francesas. Só esperávamos por elas.
150
Logo em seguida as baionetas atraves-
sam as costelas dos atiradores. Segue-se
horrível corpo a corpo. Estalam pancadas
com as coronhas das carabinas. Partem-se
crânios, estouram granadas de mão com ruí-
do dos infernos. Baionetas ensangüentadas
são retiradas de um ferido e espetadas em
outra vítima.
E a gritaria, o berreiro em alemão e fran-
cês! Pardon, camarade! Cessez le feu! Ale-
mand bon camarade... Tudo em vão. E a res-
posta de um dos nossos é esta: "Nada de
bom camarada, seus cabeças de porcos".
Responde, agarra o inimigo mais próximo
sacudindo-o aos safanões, a ponto de lhe
cair da cabeça o capacete de aço.
Oficiais comandam seus avante, para
frente. Perdem o tempo. Perto, atrás de um
saco de areia, um francês dispara uma me-
tralhadora. Um dos nossos suboficiais agar-
ra-a por um dos pés. O cano está averme-
lhado. Assim mesmo o atirador maneja-a vi-
sando o atacante. Perde seu tempo, porque
as balas enterram-se na lama. Imediata-
mente o suboficial joga suas granadas de
mão, ferindo a cabeça e as mãos do inimigo
que, por fim, larga sua arma e foge.
Aos poucos notamos que ia diminuindo
o número dos inimigos. Aos magotes os fran-
151
ceses saiam das trincheiras ou desapareci-
am pelos corredores de ligação, rumo à se-
gunda linha, de onde atiravam como ener-
gúmenos. Acertavam mal e não lhes demos
muita importância.
Estava atingido nosso alvo, que era a
posse da primeira linha inimiga, bem constru-
ída. Mas o que sobrava de tudo?
Trincheira entupida de mortos e feridos,
franceses e alemães misturados por entre
traves e sacos de areia.
Gritavam e gemiam os feridos e ago-
nizantes. Por toda parte viam-se membros
estraçalhados, carabinas quebradas, arre-
bentadas, cinturões com cartucheiras, gor-
ros, capacetes azuis franceses, com as letras
R. F. (República Francesa). Tudo que era
imaginável como equipamento de soldado
(alemão e francês) ali estava baralhado nu-
ma tremenda desordem.
152
Numa trincheira alemã.
153
lhes havia tomado. (Nota: alusão ao nome
popular que o alemão dá a si mesmo).
Finalmente chega a tão esperada e re-
dentora notícia de que íamos ser rendidos.
Que belo hoje! Já tínhamos feito nossa obri-
gação. Pálidos de comoção pelas tremendas
horas de horrores e sustos; cansados e es-
gotados por causa dos esforços sobre-
humanos; cobertos de lama e sangue, cami-
nhamos ainda durante quatro horas para
nosso alojamento em Drocourt.
Sono pesado, profundo. Não sei dizer o
que me aconteceu ao despertar. Tinha a im-
pressão de tudo não passar de um pesadelo.
Entretanto era pura, cruel realidade.
À hora marcada no dia seguinte viu-se
que o inimigo sabia atirar. Quantos nomes
chamados, mas sem resposta! Morto, ferido,
desaparecido, eram as incessantes anota-
ções. Quando gritei o meu "presente", várias
cabeças viraram-se para mim, como se seus
donos estivessem a me dizer: "É claro, a vo-
cê nada acontece".
154
serviço tinham de formar grupos para aspi-
rantes a oficiais.
Aos poucos deviam ser preenchidas as
grandes lacunas na classe. O lugar do curso
seria em Lewarde, perto de Douai, sete qui-
lômetros ao oeste da cidade.
Um bonde elétrico levava-nos a Douai.
O curso compunha-se de 59 aspirantes da
primeira Divisão de Infantaria bávara. Per-
tenciam ao I, II e XXIV Regimentos.
Nosso Regimento "Maximiliano Emanu-
el" destacava-se muito com seus nove aspi-
rantes. Mas os nove representavam de fato
gente de valor: 3 professores, 2 teólogos, 3
funcionários de bancos e um químico.
Os outros Regimentos contam com teó-
logos (2 franciscanos), escrivães, negocian-
tes, professores etc. Uma companhia de
pessoal de óculos.
Um capitão dirige o curso. É ajudado por
um tenente (Lutz). Dão principalmente a te-
oria. O treino está a cargo de dois sargentos,
tipos originais, feitos mesmo para histórias
de humorismo militar.
O treino não é monótono.
Exercícios, ginástica, tiros com festins.
Nada significavam essas pipocas para quem
durante 14 meses andou atirando com balas
de verdade, em alvos humanos.
155
Divertido era o treino para salto de obs-
táculos. No começo não entendi o sentido
dessa ginástica. Mas depressa o entendi.
O pessoal reunia-se depressa numa bai-
xada. O companheiro de ponta levantava o
braço avisando. Pronto! comandava um ofi-
cial. E a gente tinha galgar a rampa do valo e
depois atravessá-lo de um salto. Media 2 me-
tros de largura e estava cheio de água, verde
de lodo.
Todo mundo vencia os 2 metros, porque
ninguém queria travar conhecimento com o
lodo, os cacos de vidro e latas e sujeiras do
rego. A turma saltava como saltam os grilos
num monte de feno armazenado.
Vieram depois os outros obstáculos: cer-
cas, valas, estacas e arame farpado. Por fim
uma desalentadora parede de tábuas, de
quatro a.
cinco metros de altura. Nessa altura fa-
lhava toda diplomacia até então vitoriosa. Tí-
nhamos que transpô-la.
No começo parei estarrecido diante de-
la. Veio-me a vontade de ser um passarinho.
Mas urgia a ordem de galgá-Ia.
O camarada, que era mais ágil e mais
forte de todos, plantava-se no chão. O se-
guinte trepava-lhe pelas mãos e pelos om-
bros com suas botas imundas. Chegou mi-
156
nha vez e eu imitei o antecessor.
O esteio lá em baixo vacilava seriamen-
te, sobretudo com a chegada de quatro sol-
dados que começaram a subir pela escada
viva de Jacó. Esse saltou para um canto de
parede e tentadoramente estendeu-me suas
mãos e suas botas.
Eu não tinha confiança nas botas. Em
outra ocasião elas abandonaram os pés do
dono e ficaram nas minhas mãos. Trancei os
dedos com meu companheiro que me puxou
com todas as forças. Foi puxando, foi bufan-
do e eu cheguei em cima, onde não podia
ficar toda vida.
Estudei um pouco a situação, enquanto
os lá debaixo me olhavam curiosos. Por fim
um deles puxou-me pelas pernas, apressan-
do minha descida.
Fechei um pouco os olhos e saltei para
o chão, onde eu gostaria de ficar estirado
uma meia hora. Mais uma cambalhota. E as-
sim a gente se alegra quando chega a tarde
e chega a "bóia".
157
Napoleão todo soldado leva seu bastão de
marechal na mochila. Embora eu não preci-
se, ser-me-ão úteis esses conhecimentos tá-
ticos, durante a vida. Pois permitem um bri-
lhante paralelismo para a tática no combate
espiritual.
Sem dúvida a vida militar, sobretudo na
guerra, traz consigo coisas desagradáveis e
rudes. Em geral, contudo é um tempo do
qual a gente gosta de recordar-se.
158
neos. A explicação não tardaria a vir.
Um belo dia foi anunciado o encerra
mento do curso. Os aspirantes retornam a
seus Regimentos. Muito bem. Mas onde an-
dará nosso Regimento?
Fomos embarcados em Douai, passan-
do à noite por Péronne, Valanciennes e
Charleroi. De repente uma guinada para o
leste, rumo a Luxemburgo. Parada em Arlon
e depois de breve demora, rumamos para
Longwy.
Essa cidadezinha, bem como a aldeia
de Noërs, colocadas numa elevação, ofere-
cia um cenário desolador de destruição. A-
penas uns restos de paredes perfuradas.
Alojaram-nos em barracas. O chão nu
supriu a falta de camas. Dia e noite era inten-
siva a movimentação. Hoje passou por
Longwy o qüinquagésimo trem-hospital. Já
sabíamos onde estávamos: no maior mata-
douro do ocidente, Verdum.
160
parece maior porque foi animado por ardente
amor à pátria, numa luta fracassada e de-
sesperadora.
Sem queixas, murmurações a tropa en-
frentou a morte heroicamente.
162
O que os meses de maio e junho nos iri-
am trazer ultrapassava, em macabras expe-
riências, tudo o que até então a guerra nos
havia oferecido. Combates sem conta dentro
das trincheiras. E por cima com rancor e fúria
jamais vistos. Passo a passo sempre sob a
saraivada de ferro, avançamos para mais
perto dos anteparos de Vaux.
As vezes a marcha para as posições
nos custava mais baixas do que o próprio
assalto. Sempre marchas noturnas, mas com
que sacrifícios.
Nosso primeiro avanço realizou-se pela
tardezinha, sob a proteção de uma floresta
desfalcada.
Procurávamos atingir o grande lugar das
bandagens, na baixada do Minze. De lá, por
péssimo caminho, subimos para a elevação
que fica atrás de Douaumont.
Para não sermos vistos, ficamos na orla
da floresta, de onde dominávamos toda a
encosta do morro.
Trezentos metros à esquerda, disparava
por campo aberto uma nossa carreta de arti-
lharia pesada.
Cientes do grande risco, os cavaleiros
tocavam seus cavalos à toda pressa. Assim
mesmo foram percebidos.
Uma, duas granadas vieram zunindo. Os
163
cavalos da frente empinaram. Mais uma gra-
nada apressada, seguida de tremenda ex-
plosão com relâmpagos, fogo, fumaça.
Quando esta desapareceu, já não se vi-
am nem cavalos, nem carreta. A explosão do
carro de munição reduzira tudo a pó.
Passamos por muitas baterias de artilha-
ria. Cansadíssimos, atingimos uma baixada
da floresta, um quilômetro atrás do forte blin-
dado de Douaumont, lá no alto.
Muitas galerias subterrâneas iam dar no
lugar dos curativos, dentro do morro. Sentia-
se, ao entrar, penetrante cheiro de éter e á-
cido fênico. Lampiões a carbureto ilumina-
vam o lugar. Aqui recebemos então comida e
assistência. Era a última antes da nossa en-
trada no fogo.
165
Raios ofuscantes riscavam a noite, mos-
trando-nos as costas do companheiro dian-
teiro ou, ao lado, a silhueta de uma árvore
desfolhada que morria; ou então o canto do
corredor, e algo cinzento sobre ele. Bem po-
dia ser um pedaço do céu.
Alto! gritou de repente uma voz; vamos
passar pelo "vale dos mortos"! Corram o
mais que puderem! Insuportável cheiro de
cadáveres enchia o ar. Era para a gente en-
louquecer!
Só mais tarde, ao passar pelo mesmo
lugar, vi milhares de soldados mortos, que
cobriam o chão totalmente arado pelas gra-
nadas. Estavam em vários estádios de putre-
fação.
Corremos o quanto permitiam o chão ir-
regular, a escuridão e as nossas forças. As-
sim alcançamos depressa um declive invisí-
vel ao inimigo e fora de um bombardeio dire-
to. Ficava na garganta de Albain.
Logo no primeiro dia, 30 camaradas fo-
ram estraçalhados pelas granadas. Estáva-
mos em covas molhadas, protegidos pela lo-
na de bivaque. Ao redor é o reino da destrui-
ção.
Corre o mês de maio e nenhuma folhi-
nha brota no chão. Tudo arado, revirado pela
artilharia. Canhões despedaçados, peças de
166
equipamento de toda qualidade cobrem o
vale das desgraças.
A comida só pode aparecer à noite. Pois
todos os caminhos de acesso são bombar-
deados durante o dia. E ainda por cima este
repugnante e adocicado cheiro de tantos ca-
dáveres.
É impossível sepultá-los e nem adi-
antaria fazê-lo. E isso porque as granadas
aram continuamente o campo e jogariam pa-
ra fora os enterrados.
A noite inteira temos de abrir trincheiras.
Mais esta! Trabalho de Sísifo. Pois o primeiro
bombardeio arrasa tudo de novo. Mas ordem
é ordem.
Não se descrevem os sofrimentos dos
soldados: sujeira, desconforto, fedor dos ca-
dáveres, fome, sede sem conta. O Pátria! Se
soubesse o que estamos sofrendo! Por favor,
um pedacinho de pão, um gole de água!
Que sou eu na guerra? Uma gota num
balde d'água (Is 40,15). Na guerra mundial
desaparece o indivíduo que morre. Tomba no
corredor de ligação e por cima dele dispara o
exército atacante. Ou então o sepultam numa
vala comum. Um morto junto a outros mor-
tos!
167
42. - Promovido a suboficial.
168
Missa à beira da floresta.
170
ram, fora ele socorrer um temente ferido di-
ante da posição. Uma granada acertou em
cheio e despedaçou os dois.
Como sombra de uma nuvem
Sobre ameno campo
Desliza nossa pobre vida.
Tremei! Cerca-nos a morte
Enquanto vivemos.
Frater Linsmaier tombou no dia 26 de
maio, entre Douaumont e Vaux, onde a VI
Cia. do II Batalhão tomara posição, à nossa
direita. Defendia um setor da trincheira. Des-
de Douai eu não o vira mais. Era estimado
pelos superiores e subalternos. Sempre de
bom humor e soldado de corpo e alma.
171
Pela primeira vez usávamos capacetes
de aço, novinhos em folha. O guia do nosso
grupo estava doente. Assumi então comando
do III grupo. Todo mundo sabia de que se
tratava: assalto geral ao forte de Vaux.
A marcha começou às 8 horas da noite.
Marcha vagarosa. Na garganta de Chaufour
tivemos que suportar vários canhoneios.
O moral da tropa estava reduzido ao mí-
nimo. Zunidos, estouros de granadas, gemi-
dos e gritos de feridos, ao lado da própria
insuficiência e inércia, deprimiam os nervos e
energias assustadoramente. Aos poucos a
gente fica embotada perante tanta miséria.
Finalmente pela meia noite o fogo dimi-
nuiu. Avante! Tínhamos de galgar a lombada
de Douaumont. Nada de vegetação e terreno
rasgado, revirado, rearado pelas granadas.
Pior ainda: terreno à vista do inimigo.
À noite o perigo não era tão grande. Mas
o furioso bombardeio de ontem estava con-
tando da desconfiança do francês. A todo
custo queria cortar a chegada de reforços.
Pobre II Regimento! Mal começamos a
subida e entrou o baile. Fogo de barragem
jamais visto, coisa mais horrível que a técni-
ca de guerra já inventou.
Ao relâmpago das explosões vimos ou-
tra vez, apavorados, a longa baixada dos
172
mortos que estão esparramados diante de
nós. Baixada envolvida em negro vapor.
Agora estamos no ponto culminante.
Com tremenda exatidão, baseada num longo
cálculo, os franceses haviam colocado sua
enorme quantidade de canhões visando esta
cota. Pois era ela que dava cobertura à rota
de abastecimento ao norte.
Tão bem treinada estava a artilharia,
que uma granada caía ao lado da outra, tra-
çando uma única linha.
A elevação de Douaumont estava sendo
"penteada" com pente de fogo. E nós no
meio, sem abrigo, sem proteção.
Os estrondos, o inferno desabando so-
bre nós são inegavelmente a maior prova
que os nervos humanos podem suportar.
Jamais a história humana exigiu coisa seme-
lhante de outras gerações. Agüentar tudo is-
so sem enlouquecer, sem ficar petrificado de
susto, é muito mais do que qualquer heroís-
mo de tempos idos.
173
nimigo mandou seu fogo mais para a reta-
guarda. Aproveitamos o momento para, em
passo acelerado, atravessar o "vale dos mor-
tos". Coisa completamente impossível, po-
rém.
O corredor de ligação, ou rebaixamento
protetor estava cheio de soldados. À luz de
foguetes luminosos foi-nos possível reconhe-
cê-los. Eram granadeiros prussianos, surpre-
endidos aqui pelo bombardeio.
No começo não sabíamos se tratávamos
com vivos ou com mortos. Mas eles exclama-
ram: "Olá irmãos. Tratem de escapar daqui!
É o canto mais quente de Verdun!"
A resposta foi um "pouco importa". Con-
tinuou a fuzilaria. Eram pencas de balas de
metralhadoras que passavam sibilando sobre
nossas cabeças. Os prussianos não se mo-
viam.
Reunimo-nos na encosta de Albain, a-
vançando aos poucos, ao longo de um cor-
redor que mal tinha um metro de fundura.
174
vam no escuro. Eram de algumas sentinelas
dos "Leiber", aos quais iríamos render.
Mas onde está a trincheira? Simples-
mente não existia. Cada qual se esconde na
mais próxima cratera de uma granada, eis a
ordem do comando.
Belo futuro! Os "Leiber" retiraram-se,
nem sei por onde. Pensei comigo qual seria
visão que o dia iria oferecer. Onde estamos
realmente? Vai ser uma beleza esse fogo
pela esquerda, pela direita, pela frente.
Devagar o dia veio chegando. Á nossa
esquerda erguiam-se os poderosos antepa-
ros de Vaux, por entre fumaça e neblina.
Rente diante de nós, uma ribanceira com
centenas de covas “de favos" dos franceses,
de nós separados só pela estreita garganta
de Vaux.
Á direita, a linha curvava-se para trás, tal
como a trincheira inimiga. Daí vinham os dis-
paros da direita.
Nossa posição era muito critica e o ini-
migo estava muito irritado. Apesar da inces-
sante fuzilaria avançamos devagar contra a
posição no morro.
Íamos aos saltos, de um para outro pa-
nelão de granada, mas sempre sob o com-
passo das metralhadoras.
Cinqüenta metros à nossa direita estava
175
a VI Cia., metida também dentro de panelões
que a tropa havia unido provisoriamente.
Minha posição com meu pessoal ficava
na extrema do flanco direito. Portanto perto
da VI Cia.
Veio ordem para a escavação de um
corredor, avançando como ligação. Foi fei-
to.Mas como era furiosa a fuzilaria dos fran-
ceses, quando perceberam nossa intenção!
No começo só consegui trabalhar deita-
do. O chão era duro e pedregoso. Da es-
querda veio o fogo de uma metralhadora
que, por sorte, visava alto demais. Entretanto
suas balas sibilavam ameaçadoramente so-
bre a gente.
De certo vão trocar o pente, pensei com
meus botões, quando se deu uma pequena
pausa. Saltei e encolhi-me uns dez metros
para frente. Mal comecei a cavar, recomeçou
a matraca dos tiros, agora auxiliada por uma
outra metralhadora. Erravam por dois a três
metros. Não mais me viram por causa da
tanta terra e poeira que levantavam.
Nesse ínterim fui enterrando-me no
chão, frustrando os planos assassinos do
francês. Pena pela pólvora que estão gas-
tando, pensei comigo! Era preciso avançar
lentamente contra a posição inimiga.
176
47. - Último assalto ao forte de
Vaux.
178
com o dilema: ou bóia ou substituição. Veio a
última, vieram os "Leiber". Sabíamos dos a-
puros que teriam aqueles homenzarrões para
se encolherem dentro da linha rasa. E ainda
se tratava do último assalto ao forte Vaux.
Todo mundo estava certo de que nosso
descanso duraria pouco tempo. De fato, não
passamos da garganta de Chaufour, rece-
bendo trato.
179
lém das 10 granadas de mão, levava comigo
todas as espoletas do III grupo.
Devagar vencemos a encosta de Albain,
enquanto a terra tremia sob os tremendos
impactos da artilharia da fortaleza.
Ainda não havíamos alcançado o alto e
por isso não nos podiam atingir os disparos
da infantaria, embora cruzassem aos milha-
res pelo ar.
Nisso uiva uma granada, cai 20 metros à
esquerda e explode. Terrível clarão ilumina
momentaneamente nossa linha. No mesmo
instante senti um rude golpe na mão direita.
Pensei primeiro que se tratasse de uma mera
pancada de algum torrão de terra ou pedra
arremessados pela granada. Depressa notei
que o sangue me descia pelo braço. Ao cla-
rão de um farolete constatei o presente rece-
bido: um estilhaço de granada, enterrado na
polpa da mão direita. Os dedos ficaram logo
duros e a mão inchou fortemente.
Apresentei-me ao guia da Cia., que me
aconselhou procurar imediatamente o posto
de assistência.
Ajudado por um camarada, passei uma
bandagem na mão, do melhor modo possí-
vel.Distribuí minha "reserva de ferro", que se
compunha de conservas e carnes, e tratei de
retirar-me.
180
Atravessei a galope o "vale dos mortos",
sempre sob furioso bombardeio. Subi a en-
costa de Douaumont. Já começava o lusco-
fusco do dia. Vi então uma luva no chão.
Calculei que enfiada em minha mão certa-
mente a protegeria mais. Abaixei-me portan-
to e ia levantá-la. De súbito joguei-a para
longe. Pois estava ocupada por outra mão, e
cheia de sangue.
181
A cada passo rebentavam as granadas
ali por perto e apagavam a luz. De coração
agradeci ao amável companheiro e continuei
meu caminho, quando me senti mais seguro.
Da proximidade do posto de socorro, de pé
sobre uma elevação, olhei mais uma vez pa-
ra trás. Visão indescritível!
Sobre todos os altos dos morros fuma-
ça, chamas. Era a batalha em sua marcha.
Caldeirão em ebulição. O mar de fogo da ar-
tilharia ia jogando suas ondas contra as en-
costas empinadas da morraria. Ia subindo
sempre mais e atirava-se estrondosamente
por sob o chão nu da fortaleza.
Parecia uma maré terrível a lamber os
pés da sombria fortaleza. A terra saltava para
os ares, em forma de altíssimos repuxos. Co-
lunas de fumaça e poeira atiravam-se para o
céu. Eram como árvores gigantescas, som-
brias, surgidas numa rapidez de raio e su-
mindo lentamente.
Horas de cemitério, que em suas som-
bras sepultavam regimentos inteiros. Nesse
inferno batia-se agora o nosso II Regimento.
E eu aqui, protegido e seguro!
Inenarrável sentimento de liberdade, de
redenção invadiu minha alma, agradecidís-
simo a Deus por assim ter disposto as coi-
sas. Só um terço do nosso Regimento voltou
182
para casa.Os outros foram engolidos pelo
redemoinho de fogo e ferro.
183
nas são agitadas, olhos brilhantes e curiosos
de uma alegre mocidade, eis a primeira sau-
dação em solo alemão.
Mocidade alemã, rapaziada alemã! Não
são assim as crianças na Franca. Vestidas
come bonecas, enfeitadas, pálidas, acanha-
das. E isso não só por causa da miséria e
das tribulações da guerra.
Que diferença! Aqui uma rosa que de-
sabrocha e lá uma geração que está mur-
chando. Aqui rostos infantis, com os grandes
olhos de uma inocência de aveludado hálito.
Lá frutos prematuros que já trazem por den-
tro o gérmen da podridão.
Pelas 5 horas da tarde o trem entrava
em Landau, no Palatinado. Grande multidão
estava presente na estação, que em silen-
ciosa compaixão contemplava os soldados
gravemente feridos, as vítimas estraçalhadas
de Verdun.
Com lágrimas nos olhos via aquela boa
gente desembarcar alguns mortos, pobres
guerreiros que haviam dado o último suspiro
na viagem para a pátria.
Na grande sala de espera houve vivo
reboliço quando um soldado, que parecia
gravemente ferido, levantou-se de repente
avançando contra o povo, com olhos desvai-
rados. Caro custou dominá-lo. O coitado en-
184
louquecera.
Na mesma tarde os feridos foram distri-
buídos pelos vários hospitais.
Eu com 10 companheiros de sofrimentos
fomos parar em Bergzabern. Passei uns be-
los dias na casa de saúde Behret. Notei, po-
rém, que o médico local em função, um velho
médico civil, não sabia como resolver meu
caso. De modo algum queria acreditar no es-
tilhaço enterrado na minha mão.
Por meio do P. Provincial Prechtl, con-
segui minha transferência para Cham,onde
funcionava um hospital de associação em
nossa casa de retiro.
Uma hora após minha chegada, um apa-
relho de Raios-X descobria o mistério. Com
cinco centímetros de cumprimento lá estava
cravado na mão o aço criminoso.
Sem perda de tempo o médico pôs-se a
retirar o intruso, o que não conseguiu após
uma hora de trabalho.
De tarde levou-me para Hamburg, onde
o Dr. Doerfler em menos de 10 minutos li-
vrou-me do estilhaço. Andei mais de três
semanas com ele que era cheio de recortes.
Além das cruciantes dores, essa cir-
cunstância teve uma conseqüência a mais.
Os músculos decepados do dedo polegar,
indicador e médio encolheram-se demais,
185
impossibilitando costurá-los. Desde então
eles ficaram inutilizados.
(Nota: Nosso diarista, terminada a guer-
ra, apresentou-se ao Núncio Eugênio Pacelli
- mais tarde Pio XII - que então residia em
Munique. Já em busca de uma dispensa para
ser ordenado.
No começo o Núncio não lhe fez espe-
ranças, mas depois Roma cedeu. Eram mui-
tos os casos semelhantes, ou piores que es-
te, ocorridos com teólogos).
186
nações se julgam fortes!
Rússia, França, Itália! Na realidade não
passam de joguetes usados pelo in-
glês,soberbo e egoísta.
Usa delas para ficarem usadas. Quando
enxergarão isso?
"Gente forte que se tem por impulsora
Não passa de manejada.
Instrumentos bélicos de um que é mais
forte.
É usada, é gastada e dispersada.
O que é mais forte arreda o pé do forte.
Os fortíssimos são peças
de Um que governando tudo,
controla a agitação do mundo.” (Treze
Tílias)
189
zam sobre a água.
Era de coração que os soldados crentes
diziam o que um capelão militar falou na igre-
ja de Santa Radegundis: "Temei aquele que
pode perder o corpo e a alma no inferno. Não
temais aqueles que podem matar o corpo e
nada podem contra a alma".
Dessa convicção nasciam aquele verda-
deiros heróis, sem temor da morte e do dia-
bo. Mas tinham um coração compassivo e
eram respeitosos para com a população civil.
Sabiam ver no inimigo um cristão, que se ati-
rava no fogo por seus companheiros.
Pois não é um heroísmo cristão, o que
não era raro acontecer, quando soldados
moços se ofereciam como voluntários para
patrulhamentos perigosos, a fim de poupar
companheiros mais velhos que em casa ti-
nham de olhar para mulher e filhos.
191
é eterno, e a Deus pertence a vitória".
(Nota: O diarista termina com versos das
Treze Tílias, que apresento em prosa)
192
APÊNDICE:
1) No front, 30-V-19l6
Caros confrades,
Agora adivinhamos: estamos infelizmen-
te no maior matadouro do oeste. É maio,
mas por aqui não se vê nenhum capinzinho
verde. Pois dia e noite as granadas reviram o
terreno.
É incrível quanta munição se gasta. Te-
mos todos os calibres, desde os pequenos
aos maiores.
Nunca vi na guerra quadro tão horrendo.
Por entre ruínas em desordem jazem mortos
aos montões, por toda parte. São jogados
para cá e para lá pelas granadas e oferecem
uma visão horrenda.
O mau cheiro dos cadáveres é para en-
louquecer a gente nos três dias de luta, en-
quanto se espera a rendição.
A incessante explosão das granadas,
somada aos gemidos e gritos dos feridos e
193
moribundos, abala tremendamente os ner-
vos, as energias e a satisfação.
É claro, nos três dias de luta gente só se
alimenta de conservas ou passa sem elas.
Numa palavra: fome e sede atormentam o
pessoal que se parece com cadáveres ambu-
lantes.
Isso não pode continuar por muito tem-
po. Nossas baixas são grandes; mais nume-
rosas do que se sabe em casa. Mesmo es-
capando com saúde, a gente fica abobalha-
da.
Mas vamos mudar de assunto. Tenho
coisa mais agradável para comunicar-lhes.
Provavelmente terei licença nos primeiros
dias de junho. Ó que alegria! A gente vai se
rever na pátria!
Talvez venha também o Fr.Linsmaier e
celebraremos Pentecostes com vocês aí! Por
enquanto é preciso agüentar firme no fogo.
Até a vista, vista cordial.
194
(Nota do tradutor: Quando nosso diarista
escreveu esta carta, já tinha tombado morto
o nosso Fr. Linsmaier (+ 26 de maio de
1916). A licença não foi dada, a não ser pelo
ferimento na batalha no dia 6 de junho).
2) Bergzabern, 17 de junho de
1916
196
do só nisso. Por hoje saudações cordiais e
lentas melhoras.
Teu camarada e companheiro de sofri-
mentos.
Fim
197