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GUERRA DO PARAGUAI

DIARIO DE CAMPANHA DO CAPITÃO PEDRO WERLANG


Traduzido do original alemão por
HARRY EDGAR MENCHEN.

APRESENTAÇAO (da Redação)

A "Gazeta do Sul", prestigioso matutino da próspera cidade gaú-


cha de Santa Cruz do Sul, divulgou nas suas edições dé 25 AgÔ, 1,
10, 15 e 22 Set 59, o "Diário de Campanha do Capitão Pedro Werlang'_'. ·
f .
Trata-se de um registro de fatos relacionados com a vivência
que teve o Autor, da Guerra do Paraguai. Não é completo, nem deta-
lhado; às vêzes, mesmo, apresenta incorreções, aliás compreensíveis,
e em muitos casos referências se fazem, evidentemente, "por ouvir
dizer"; mas é, ainda assim, objetivo, realfstico, despido de intenções
de auto-elogio e de exageros de expressão, tanto para criticar como
para louvar. · Isto dá ao trabalho um cunho de autenticidade que
permite incluí-lo entre os mais interessantes depoimentos pessoais
sôbre a campanha; tanto mais interessante, porque originado ~
pessoa sem maior destaque do que a glória do seu valor pessoal,
quase anônimo, e a honra do dever bem cumprido - legados que
hoje seus descendentes guardam com zêlo e carinho.
Pedro Werlang partiu para a campanha do Uruguai como praça;
de Paissandu seguiu para o Paraguai, já sendo alferes quando da in-
vasão; mais tarde, foi promovido a tenente, e ao término da guerra ·
era capitão, condecorado com as medalhas da Campanha do Uruguai,
do Mérito Militar e da Campanha do Paragua~. Ainda haveria de re-
ceber as insígnias de Cavaleiro da Ordem da Rosa e de participar ati-
vamente da política da sua querida Santa Cruz do Sul, em cuja pri-
meira Câmara Municipal ·(1878) foi vereador.
Da leitura do DiÚio (que, em certos pontos, confunde um pouco),
depreende-se que o Autor estêve normalmente no 6° Corpo Provisó-
rio de Cavalaria (da Guarda Nacional) - integrante, quase sempre,
da 3a Brigada de Cavalaria, da 2a Divisão de Cavalaria, _do 2° Corpo
de Exército. Também teria pertencido, éni certo período, ao 8° Corpo
de Cavalaria (da G.N. ).
8 A DEFESA NACIONAL N. 609

A tradução está muito bem feita pelo Sr. Harry E . Menchen, re-
dator da Gazeta do Sul, e por êle dedicada ao 8° RI. Esta tradicional
Unidade, numa atitude elevada e exemplar, fêz preparar pelo pintor
Canovas um retrato a óleo do Cap Werlang, o qual foi solenemente
inaugurado no seu quartel, no dia do Reservista, em 1959; descerrou
o quadro uma filha do herói santa-cruzense (prendada senhora, que
tinha então 82 anos). -
O que .a seguir apresentaremos é o que foi publicado na Gazeta
.
do Sul - não somente o texto do Diário, como a introdução feita
pelo tradutor, para sua melhor compreensão.
Agradecemos ao Comando do 8° RI a pronta atenção que deu
ao nosso pedido, de que nos conseguisse os exemplares da Gazeta
do Sul, em que se publicou o Diário; e também à Direção daquele
jornal, por ter aquiescido em que fizéssemos esta transcrição.
-X X-

APRECIAÇõES PRELIMINARES (do Tradutor)


O favor do acaso fêz chegar às nossas mãos o Diário de batalha
de Pedro Werlang, filho de Santa Cruz do Sul e que pelas suas qua-
lidades de soldado não somente galgou o põsto de Capitão como
também foi agraciado com a comenda da Ordem da Rosa.
Pedro, Guilherme e João foram os três ·i rmãos Werlang que se
apresentaram voluntàriamente às Fôrças Nacionais pará combater
Solano Lopes; o infortunado Guilherme selaria com o sacrifício da
vida o pacto que firmava com a Pátria.
Injusto seria silenciar os nomes dos demais voluntários de Santa
Cruz, razão pela qual nos pusemos a pesquisar; foram êles: Frede-
rico G . Meinhardt - Nicolau Frantz - Henrique Schuster - Ro-
berto Schuster - Henrique Kroth - Serafim Schmidt - Tristão
Schmidt - Carlos Schott - Jacob Diehl - Augusto Mueller - Joa-
quim Wustrow - Jacob Meile - Lindolfo Bauermann - José Ellts
- Pedro Pritsch e Frederico Zinn. Foram mais os bravos, mas não
conseguimos estabelecer sua identidade. O tradutor agradeceria qual-
quer informação a respeito, que descendentes pudessem prestar-lhe. ( * )
O célebre Diário de Pedro Werlang é um livrinho nas medidas
de 15 por 19,5 centímetros, de um azul escuro, desmereci'do pelo
tempo. É do tipo de livrinhos de poesias que as colegiais usam para
recordações e sonetos e devia, outrora, representar objeto de mo-
desto iuxo, pois ostenta cantoneiras de latão.
Ao abri-lo deparamos com uma das mais notáveis grafias que já
vimos: letra finíssima, como cabelo, de uma regularidade inimitá-
vel, da primeira à última, a 65a página. '
( 0 ) Gra ças à colaboração de diversas p essoas ent usiasm adas pela leitu r a do
D;ârio, foi possível acrescentar-se, a essa relaçã o, m ai~ os seguintes nom es d e
Voluntârios da Pâtria santa-cr uzenses: Antonio Frantz - Pedro Ta tscn
Heinrlcn Wickewt - Antonio Tavares da Silva. (N. da R.).
SET/ÜUT 66 DIÁRIO DE CAMPANHA DO CAPITÃO PEDRO ••• 9

A obra dá impressão de ter sido escrita por quem tivesse muita


prática nessa atividade, mas que não fôsse o autor espiritual; êste
certamente ditara seus pensamentos ao artista em grafia, tomando
como base seus ligeiros apontamentos feitos em campanha, após as
pavorosas batalhas que descreve. Nem o formato, tampouco o pas·
sado luxo do livrinho e menos, ainda, a calma regularidade da es-
crita sugerem tivesse êste sido companheiro de guerra do soldado
brasileiro, seu autor.
O que nos conduz à suposição do ditado são certos erros em
grafia de nomes geográficos que aparecem de início e depois não
se repetem; Pedro Werlang certamente havia corrigido o escrevente.
Nossa impressão é de que o veterano ditara suas aventuras bélicas
a um alemão nato, com deficiente conhecimento do vernáculo.
Causou-nos estranheza o fato de aparecerem abundantes erros
na redação alemã; erros_de ortografia, de gramática - tanto nas con-
cordâncias como na própria sintaxe. Como poderia uma pessoa de
tão esmerada caligrafia pecar freqüentemente contra as leis que re-
gem o idioma germânico?
I

Todavia, a obra tem sabor de antiguidade, pois hoje não se fala


nem se escreve mais assim o alemão. Ao ler os signos góticos, cheios
de laços e arabescos, ininteligíveis para a maioria - mesmo senho-
res do idioma de Goethe - e à vista da tinta desmaiada em decê-
nios, sentimo-nos transportados a um século atrás, invadidos de res-
peito.
Isto quanto ao aspecto material da obra. Com relação à persona-
lidade do autor, ficamos simplesmente maravilhados, a ponto de ter-
mos que refrear o nosso entusiasmo.
Comumente os relatos históricos feitos por leigos pecam por ex-
,c essiva subjetividade; não escrevem História, escrevem histórias. Têm
a si, à sua pessoa, como centro dos acontecimentos e imprimem a
tudo um colorido pessoal. Bonito em literatura, mas sob ·o ponto
de vista histórico é de um todo desinteressante, :ité deturpador da ver-
dade. O pesquisador detesta tais relatos.
Não assim o nosso "pracinha". Com um esfôrço moral digno de
nota - e de nossa homenagem póstuma - quase que se anula com-
pletamente como indivíduo - que sem dúvida sentiu, vibrou, lutou,
sofreu e rejubilou - a fim de conservar cristalina a verdade.
Sente êle responsabilidade perante as gerações futuras e resol-
ve ocultar o seu EU em benefício da fidefidade histórica!
Pensou êle: "Meus olhos não são os meus olhos e meus ouvidos
não são os meus ouvidos; pô-los-ei a serviço da História que deve ser,
o quanto possível, ciência exata". Se assim não pensou, pelo menos
assim agiu. Quem de nós seria capaz de tamanho sacrifício?
10 A DEFESA NACIONAL N. 609 · ~

Sim, ao escrever um tliárlo de campanha com tão poucos adje-


tivos e sem a palavra "saudade", com tão parcas referências a si
próprio, Pedro Werlang pratica, psicolbgicamente, maior ato de bra·
vura do que quantos, porventura, tivesse praticado em batalha.
Vejamos: 1'. . . Foram poucos os nossos mortos; feridos fóram
t\proximadamente 100, na maioria por balázios, entre os quais tam·
bém eu me achava". Ponto! Foi êle ferido sabe lá em que circuns-
tâncias dramáticas, mas silencia. Nem a natureza do ferimento lhe
parece digna de nota!
E ainda: "Contamos os nossos mortos, cujo número andava em
tôrno de mil, entre os quais muitos oficiais de altas e baixas paten-
tes; entre os mortos tive que contar, com lágrimas, o meu irmão.
Guilherme, que teve a cabeça trespassada por uma bala". Ponto! O
fato de ter encontrado, entre mil mortos, o seu irmão, arranca-lhe
apenas duas palavras: ... "com lágrimas ... " Era preciso morrer o
irmão para abandonar sua linha objetiva, com duas palavras apenas.
Que gigante no plano emotivo! Que herói!
:esse par de palavras na boca de quem quase nunca deixa vislum·
brar sentimentalismo, adquire dramaticidade que deve comover o .mais
frio dos leitores.
Profusão de sentimentalismos descolora-os; parcimônia dá-lhes
fôrça.
Ao ler, reler e traduzir o Diário, tornamo-nos amigo espiritual do
autor. Chamamos a atenção para o fato de que êsse Diário poderia
servir como paradigma de anotações históricas. Impossível ser melhor.
Tantó mais mérito lhe é devido, considerando ser o autor pessoa
jovem e por isso mais propensa a sensacionalismo e egocentrismo.
A suposta aridez do Diário não é falha, é exatidão científica. Sua
concisão é virtude militar e lembra César: "Vim - vi - venci!"
Rendamos homenagens a êsse filho redivivo de Esparta.

-X X-

DEDICATóRIA
O presente trabalho - árduo, confessamos tornou-se-nos mais
ameno desde que o havfamos dedicado a um ideal. Não foi problema
encontra;r êsse êmulo de que necessitávamos. Dado o assunto histó-
rico-militar, que versa,sôbre uma das mais gloriosas e heróicas pas·
sagens de nossa História, resolvemos pedir ao 8° Regimento de Infan-
taria - "Nosso Regimento" - sediado nesta cidade, que nos conceda
a honra e distinção, aceitando o produto de nossp esfôrço, apagado e
insignificante, porém oferecido de coração. Entremeamos neste pedido,
ainda, o de relevar bondosamente nossas imperfeições.
NOTA: Os entretitulos são nossos; trata-se de uma exigência de
técnica jornalistica, à qual nos acomodamos.
DIÁRIO DE CAMPANHA ' DO CAPITÃO PEDRO ••• n:

·n I A R I o·
MARCHA FORÇADA E PRIMEIRA VITóRIA
--- ..
No dia 25 de setembto de 1864 iniciou-se a organização do 50 Corpo,
em Rio Pardo; partimos a 4 de novembro e a 2 de dezembro tr~
pusemos ·a fronteira Oriental.
Como nossas marchas eram forçadas, atingimos no dia 29 do .mes-
mo mês o arroio São Francisco, distante, aproximadamente, meia 'légua
da cidade de Paissandu, e aí acampamos.
No dia. imediato, os cinco batalhões e as duas baterias que nos ha-
viam acompanhado, sitiaram a cidade de Paissandu por terra, pois
pelo lado do rio ela já se achava bloqueada pela nossa esquadra.
Ao raiar do dia 31 nossas baterias iniciaram o bombardeio (:las
trincheiras da cidade, o que durou até as 10 horas da manhã. Eis
quando a nossa infantaria abriu fogo que sustentou, sem parar, até
pela meia-noite. E assim continuou no próximo dia até 2 de janeiro
de 1865, às 8 horas da manhã.
O inimigo hasteou bandeira branca, motivo pelo qual silenciamos
imediatamente o fogo. Procedeu-se sem demora à rendição dos orien-.
tais.
A bela cidade estava grandemente danificada e suas ruas cobertas
de" mortos: .
Marchamos a 6 de janeiro e alcançamos, na data de S de féverefro,
um ponto distante cêrca de tres léguas da cidade de Montevidéu, onde .
acampamos.
A 20 do mesmo mês marchamos e fomos acampar , a 22, próximo
à cidade que .se rendeu, ainda .na mesma data, inclusive suas fortifica-
ções.
No dia 28 de fevereiro partimos da fortaleza e nossa cavalaria
acampou, a 5 de março, próximo à cidadezinha de Santa Luzia.

RuMO AO PARAGUAI
I
A_8 .de maio deixamos Santa Luzia, iniciando nossa marcha turno
à Província do Paraguai. No dia 27 de junho atravessamos o rio Uru-
guai, não longe das cidades de Concórdia e .Salto Oriental, e acampa-
mos junto à nossa infantaria e artilharia que lá já se achavam.
A .essa altura, então, foi organizado o nosso Exército e o nosso
General-em-Chefe ficou sendo Dom Manoel Luiz Osório.
A 18 de · setembro renderam-se os inimigos paraguaios na cidaile
de .Uruguaiana; essa noticia nos chegou no dia 20 do mesmo mês.
. Tôdas as bandas de música começaram a tocar simultâneamente; . -à. :·,·:
12 A DEFESA NACIONAL N. 609

noite houve grandes ágapes e assim festejamos durante três dias.


Tudo isso foi promovido em 'regozijo da rendição dos 12 .000 para-
guaios famintos.
Marchamos a 25 de setembro e a 27 atravessamos o pequeno rio
Mucuritá, encontrando-nos, portanto, na Província de Corrientés.
No dia 9 de outubro, Maurício José da Silveira deu entrada no
hospital e veio a falecer, a 16 do mesmo, de varíola. Acha-se enterrado
não longe da pequena cidade de Curuzu.quatiá.
Continuando, sempre abaixo de marchas forçadas, atingimos em
data de 20 de dezembro um local muito próximo da cidade de Cor-
rientes e acampamos às margens da Lagoa Brava. Aí a nossa vanguarda
escaramuçou freqüentemente com os paraguaios, que por muitas vêzes
atravessavam o rio Paraná para derrotar a mesma vanguarda, o que
conseguiram finalmente.

1a. PROMOÇÃO DE PEDRO WERLANG

Na data de 10 de fevereiro de 1866, todo o exército· pôs-se em mar-


cha e ainda no mesmo dia acampamos junto a Talacorá; outra parte
do exército e sua vanguarda acampou às margens do Paraná, defronte
a Itapiru. Ao mesmo tempo nossa esquadra, que havia partido de Cor-
rientes, postou-se defronte às trincheiras de Itapiru e Passo da Pátria,
bombardeando as mesmas.
Em data de 20 de março, pela ordem do dia n. 143,·fui promovido
a alferes.
A 9 de abril os paraguaios embarcaram em chalanas, de arma
branca em punho, no intuito .de assaltar a ilha fronteiriça a Itapiru,
que desde há poucos dias se achava ocupada por duas baterias e umu
brigada de infantaria, das nossas.
Essa fôrça inimiga, comandada pelo Capitão Romero, aportou
após a meia-noite, num sitio próximo ao nosso acampamento; foi, po-
rém, por nós logo percebida. A carnificina durou cêrca de duas horas
e perdemos perto de 400 homens. Do inimigo conseguimos aprisionar
o comandante e muitos homens. Os demais que não morreram pelas
baionetas atiraram-se no largo rio Paraná para salvar-se, mas pere-
ceram afogados.
No dia 16 de abril, pela manhã, o General Osório empreendeu sua
primeirà travessia e aportou nas Três Bôcas, logo abaixo de Itapiru,
e isso sob o mais intenso tiroteio. O inimigo já o havia esperado nos
banhados. O nosso bravo General Osório, porém, saiu-se vencedor
após uma hora de luta. O adversário conseguiu fugir em 'tempo com
seus canhões das trincheiras, antes qtie caísse em nosso poder.
O restante do nosso exército, tão depressa quanto pôde, atra-
vessou o rio e, em conjunto, acampamos junto ao lugar Passo da
· Pátria.
SET/ÜUT 66 DIÁRIO DE CÁMPÁNHÁ DÔ CAPITÃO PEDRÕ ••• 13

GRANDES BAIXAS DE LADO A LADO

Pelo meio-dia de 2 de maio o inimigo atacou-nos em campo aberto,


próximo a Passo da Pátria; a luta durou pouco mais ou menos duas
horas. Perdemos 4 canhÕes com a respectiva munição, além de cêrca
de 10000 homens; as baixas do inimigo foram contadas em 2 000 sol-o

r dados. o

No dia 20 de maio todo o exército pôs-se em marcha e ao clarear


do dia bombardeamos uma pequena fortificação, que não tardou em
ser evacuada pelos seus ocupantes. Na mesma data ainda, acampamos
em Tuiuti.
A 24 de maio, pelo meio-dia, o inimigo atacou-nos por todos os
lados; a luta durou cinco horas, sem esmorecer. Perdemos cêrca de
100 oficiais, contando também os feridos e mais ou menos 2 500 pra·
o

ças. As baixas do inimigo, porém, ascenderam a 7 000, contando sà·


o

mente os mortos. Durante a luta sempre fomos os senhores do ter·


reno. Conseguimos conquistar 4 bandeiras, 4 canhões e grande cópia
de mantimentos.
A 14 de julho chegou o Barão de Pôrto Alegre com o seu 2° Exér-
cito e acampou junto a Passo da Pátria.
' A 15 de julho despediu-se o nosso bravo General Osório, sendo
substituído pelo General Polidoro.
Ao clarear do dia 16 de julho a luta recomeçou numa trincheira
que o inimigo havia feito no nosso flanco, no mato. Lutamos até a
meia-noite. Lutamos, ainda, durante todo o dia 17, porém com menos
intensidade.
No dia imediato, 18 de julho, recomeçou luta acesa na trincheira
já citada e que se estendeu até às 4 horas da tarde, hora em que con-
seguimos apoderar-nos da posição, porém com a perda de 4 000 ho- o

mens e várias bandeiras. O inimigo não teve nem metade das baixas.

SOLANO LOPES COMO PARLAMENTAR; COLERA MORBUS

No dia 10 de agôsto o Barão de Pôrto Alegre embarcou com o


2° Exército e dirigiu-se rio Paraguai acima, desembarcando logo abaixo
do forte Curuzu; nossas fôrças estavam protegidas pela frota. Na
data imediata o 2° exército deu assalto às trincheiras de Curuzu e as
tomou.
A 12 de setembro veio o Governador Lopes- acompanhado de par-
lamentares, diversos generais e um piquête e postou-se entre as linhas.
Foi êle recebido pelos Generais Mitre e Flores. No local foi erguida
uma barraca para nela se discutir.
o Durante três dias não se ouviu um só tiro, pois havia armistício. A
trégua durou de 12 a 15 do mesmo mês. Nesse espaço de tempo o Ge-
14 Á DÉFÉSÁ ~ÁCIÔNÁL ·_·; N. ·aõ9

neral Mitre enviou uma divisão de infantaria argentina para reforçar


o exército em Curuzu.
A 16, de madrugada, o 2° Exército assaltou o grande forte de
Curúpaiti. Apesar de tôda a valentia e denôdo, o 2° Exército foi for-
çado a empreender terrível retirada, depois de lutar uma hora. So-
fremos 4. 000 baixas e mais 2. 000 os argentinos aliados.
No dia 25 de setembro partiu o General Flores para assistir à
sua eleição.
A 17 de novembro chegou o General Marquês de Caxias, assumindo
o supremo comando das tropas.
Pelo comêço do mês de abril de 1867 surgiu entre nós o colera
morbus. Muitos dos nossos homens dela pereceram. Pela mesma época
instalou-se o telégrafo elétrico, com ligações que irradiavam de nossa
posição para diversos pontos em tôrno.
No dia 10 de maio o General Polidoro partiu para o Rio de Ja-
neiro; todos nós, a oficialidade, tivemos que acompanhá-lo até o va-
por onde êle se despediu de nós.
No dia 24 de junho ensaiamos a ascensão de um balão cativo, a
fim de poder melhor observar o inimigo.

VISANDO HUMAITA

A 3 de julho as fôrças do Barão de Pôrto Alegre abandonaram sua


posição em Curuzu e foram acampar em Passo da Pátria.
No dia 14 de julho chegou o valente General Osório com o seu
ao Exército e reuniu-se novamente a nós.
No dia 21 de julho nossas fôrças, em número de 16 .000 homens,
passaram pela esquerda de Tuiuti; após alguns dias de marcha acam·
pamos em Tuiucuê. Para garantir a posse das fortificações de Tuiuti,
lá ficou o Conde de Pôrto Alegre.
Cedo, na manhã do dia 31 de julho, atacamos o inimigo, porque
as nossas fôrças se achavam concentradas demais; conseguimos o
terreno desejado e deslocamos o adversário em direção aos fortes de
Curupaiti e Humaitá. Entre mortos e feridos, infligimos ao inimigo
cêrca de 80 baixas, sendo que nós tivemos apenas alguns feridos.
Ao . despontar do dia 3 de agõsto, duas de nossas divisões de cava-
laria subiram costeaftdo o Humaitá e derrotaram as guarnições do
telégrafo elétrico junto ao Arroio Fundo, destruindo suas instalações.
Conseguimos 30 prisioneiros e uns 300 dos inimigos morreram,
além do que conseguimos apresar cêrca de 2. 000 --cabeças de gado
para corte, uma quantidade enorme de cavalos e duas carretas com
bois. Não perdemos nenhum homem por morte, mas grande era o
número de feridos por pontaços de lança.
DIÁRid DE cAMPANitA b8 êAi>rfÃo i?EilRd • 1 ;

No dia 15 de agôsto uma parte de nossa esquadra aproximou-se


ladeando as trincheiras de Curupaiti, sob o mais intenso bombardeio
das trincheiras, sem, contudo, perder um único navio. As belonaves
se postaram defronte a Humaitá.
A 20 de setembro, nós, o 8° Corpo de Cavalaria, marchamos bei-
rando o Humaitá costa acima e batemos o inimigo na vila Pilar. Pros-
seguindq, deixamos a cidadezinha à nossa esquer<!a, passamos a_ nado
o rio Inambuí e atacamos o inimigo pela retaguarda. Apesar de têrmos
que avançar contra dois canhões que atiravam incessantemente e
contra forte contingente de infantaria, a sorte nos foi favorável. To-
mamos ao inimigo os dois canhões por investida de assalto e desman-
telamos-lhe a infantaria; o que não jazia morto por terra, foi forçado
a atirar-se no rio Inambuí. A essa altura o 21° Corpo, que estava ar·
mado como infantaria, desmontou e, apressadamente, organizou uma
linha de fogo ao correr da margem do rio e, assim postado, cobriu o
inimigo a nado com as mais terríveis saraivadas de balas. Foram
poucos dos nadadores que conseguiram chegar à margem oposta. Mal
aí chegados e se julgando a salvo, terminaram por serem atravessa-
dos por lanças.

A luta durou perto de uma hora; apns10namos 83 soldados com


4 oficiais. Contamos 150 mortos, sem os que se haviam precipitado ao
rio e ai perecido por afogamento. Perdemos um alferes e um soldado,
outrossim foram feridos um capitão, um alferes e uns 20 soldados.
Conquistamos 4 carretas com os respectivos bois, 2 canhões, perto de
200 reses e alguns cavalos.

CONSTANTE ATIVIDADE

No dia 28 de setembro, nós da 2a Divisão mudamos nosso acam·


pamento de Tuiucuê para perto da Estância São Solano e juntamo-nos
ao resto da cavalaria, aí acampada há dias.
Lá não nos ioi dado nenhum dia de tr~gua pelo inimigo que se
achava à nossa frente. Mostrou-se-nos êle todos os dias em campo
aberto, ostentando disposição ao ataque. Isso nos forçou a constante
atividade até à manhã do dia 31 de outubro, data em que apareceu
com 3. 000 homens. Mas quando nós firmamos pé, bateu em retirada;
isso se repetiu por duas vêzes durante o dia. A terceira vez, a mesma
fôrça reapareceu e assaltou a 6a Divisão, que se achava em observação.
Houve luta, porém nossa divisão viu-se obrigada a retirada e sofreu
baixas. Foi quando as 1a e 2a Divisões chegaram a galope desenfreado,
a 2a pelo flanco direito e a 6a pelo esquerdo. Nós porém nada pude-
mos fazer e vimo-nos forçados a suportar, inativos, e a uma distância
de 50 a 100 passos, a fuzilaria da infantaria inimiga, até que dois
batalhões nos vieram em socorro; êstes logo abriram fogo violento.
O inimigo não havia esperado por êsse recurso. (0 original, a esta
ltt A DEFESA NACIONAL ~. 609

altura, peca por falta de clareza, principalmente no que diz respeito


ao movimento da cavalaria. Nota do tradutor).
Vendo-se o inimigo obrigado a retirada, chegou a vez da nossa
cavalaria de, pela direita e pela esquerda, estrafegá-lo de lança em
riste e de espada em punho. E assim terminamos, em uma hora, com
o combate. Capturamos 200 praças com 4 oficiais; no campo conta-
mos de 600 a 700 mortos. As nossas baixas eram, entre mortos, um
capitão e 60 a 70 soldados; feridos, 6 oficiais e cêrca de 50 praças.

MORRE UM SANTA·CRUZENSE
'
No dia 21 de outubro marchamos (a 2a Divisão) sôbre Humaitá
e fizemos alto a uma distância de mais ou menos 3/4 de légua do forte.
Lá a cavalaria do inimigo costumava conduzir seus cavalos para fora
das fortificações, a fim de que os animais pastassem no campo aberto;
faziam isso diàriamente. Com a progressão da luz do dia, o inimigo
apercebeu-se de nossa presença e aprontou-se para o combate. Eram
aprÇJximadamente 2. 000 homens. Montamos sem demora e investimos,
barrando-lhes o caminho para o passo, enquanto a 6a Divisão se achava
oculta no flanco direito, entre macegais. Tocamos o adversário por
diante sob grande mortandade, até frente às trincheiras de Humaitá. ·
Ai fomos forçados a um urgente recuo, devido aos inúmeros canhões
do forte, que nos tomaram sob cerrado fogo. Nossa 1a Divisão, oculta
na ala esquerda de Humaitá, nos socorreu tarde demais; caso contrá·
rio, nenhum dos 2. 000 teria logrado!) fugir. Conseguimos 150 praças
e 8 oficiais prisioneiros; o número de seus mortos andava entre 700
e 800. Nós perdemos vários oficiais e grande número de feridos. Por
morte perdemos pouca gente, mas os feridos eram muitos. Entre os
que haviam perdido a vida achava-se Frederico Zinn (um dos vohm·
tários de Sants Cruz. Nota do tradutor). Jaz êle junto à Estância São
Solano, onde o enterramos.

EM RECONHECIMENTO

No dia 24 de setembro o inimigo assaltou nosso comboio de


abastecimento; morreram 400 dos nossos e muitos foram feridos.
Tomaram-nos grande número de carretas com bois e mulas, além
de muita mercadoria sortida (o original diz em vernáculo: "nego·
ciantes , sortidos". Nota do tradutor), também grande soma em di·
nheiro · e homens acQ1Ilpanhantes - tudo caiu nas mãos do inimigo.
Aconteceu i_sso no trajeto de Tuiuti para Tuiucuê.
A 29 de outubro, pela meia-noite, nós, isto é, as 1a e 2a Divisões
de Cavalaria e o 6° Batalhão de Infantaria com seus 4 canhões, se·
guimos Humaitá acima. Derrotamos o inimigo além do Arroio Fundo,
no lugar denominado Potreiro da Ovelha. Em número de 150 a 200,
êle se havia entrfnpheirado entre os matos e banhac1ais. Infligiram-
Di1RIO DÊ éÁMPÁNitÁ DÓ CÁPITÍO PEDiô,,, 11

-nos 400 baixas entre mortos e feridos; além disso; aprisionaram-nos


36 dos nossos. Assenhoreamo-nos da posição inimiga após duas ho-
ras de luta. No dia imediato ainda apresamos aproximadamente 1.000
reses e cavalos que~encontramos no campo.
Por volta da meia-noite do dia 2 de novembro pusemo-nos em
,marcha, partindo do Potreiro da Ovelha. Marchou todo o contingente,
que era comandado pelo Brigadeiro João Manoel,.Mena Barreto. AI•
cançamos, ao primeiro alvor do dia, Taji, que fica a cêrca de ,duas
léguas do potreiro já citado. Aí derrotamos a guarnição de infanta•
ria composta de uns 200 homens. Muitos dêles se atiraram ao rio Pa·
raguai no afã de alcançar um dos três navios de guerra aí ancorados,
mas em vão.
l!:sses navios haviam-nos bombardeados cruelmente, e a diminuta
distância. Tão rápido quanto nos foi possível, assentamos nossas
quatro bôcas-de-fogo em direção às belonaves e pusemos a pique
duas delas, dentro de meia-hora; a terceira fugiu sem tardar, porém
com grave avaria em uma de suas rodas de propulsão. Entre mortos
e feridos tivemos 40; os contrários nos deixaram 25 prisioneiros e
sofreram maior número de baixas por morte.

QUASE SURPREENDIDOS

No dia seguinte arranjamos vários botes, a fim de abordar um


dos navios que se achava próximo à margem oposta e do qual so-
mente queimara a cobertura, sem ter submergido. Nêle encontramos
mais 53 mortos, entre os quais também uma mulher e uma menina
de uns três anos de idade. Concluímos que tivessem sido membros da
família do comandante.
A madrugada do dia 3 de novembro viu o inimigo investir contra
Tuiuti com 8. 000 a 10 . 000 homens, infantaria e cavalaria. Atacaram o
flanéo direito, guarnecido por nossos aliados argentinos. Nosso 2° Exér-
cito,· ainda sempre comandado pelo Visconde de Pôrto Alegre, só se
deu conta do ataque quando o inimigo já havia conseguido apossar-se
da primeira trincheira; abriu imediatamente cerrado fogo de bateria.
Apesar disso, o atacante invadiu a zona do comércio por atacado, pi-
lhando e incendiando os empórios.
·Por ordem do Visconde de Pôrto Alegre êsse quarteirão foi por
nós assaltado de baioneta calada, enquanto os safados paraguaios (o
original diz: " die frechen Paraguay ... " Nota do tradutor) iam-se
deixando imolar aos centos, ao lado de barricas de açúcar e de barris
de bebiçlas. Os invasores então abandonaram a zona do comércio, pois
esta ardia em chamas, e investiram contra nosso quartel-general.
As nossas bem providas baterias, porém, os cobriram de tal ma-
- neira com metralhas de lanterneta que se viram forçados a proteger-se
junto ao lo~al da nossa guarda, pôsto que ai existiam fortificaçõe!>
18 .. Á bEFESÁ NÁCIÔNAt : . rt oàir
reforçadas e altas. Mas, não tardaram em ·notar que agorà se achavam
sob o duplo fogo das nossas baterias; abandonaram em seguida o seu
refúgio e se dividiram em dois grupos. Um dêstes voltou a atacar o
quartel-general, porém sem resultado; o outro grupo se retirou para
Passo da Pátria, sito a 3/4 de légua, aproximadamente, de Tuiuti.
(Novamente o original é bastante confuso, no trecho que segue.
Nota do tradutor).
Mas, infelizmente, para êle, só conseguiu chegar até à metade do ·
caminho, pois aí houve encontro e, forçado a retroceder, reuniu-se no-
vamente em TÚiuti, de onde marchou de regresso.
' •' . .

DURAS PERDAS
Perdemos quase todo o 4° Batalhão de Artilbaria. O Comandante
August~ Ernesto da Cunila Matos, com muito.s ofic~ais e soldados, in-
clusive tôda a banda de música, caíram prisioneiros nas mãos do ini-
migo. Além do que ainda nos tomaram vários canhões, entre os quais
um de 32 libras, ~e aço forjado.
Somente dentro da · área de nossa posição, -o adversário perci.eu
3. QOO mortos, além de muitíssimos prisioneiros. Perdemos igualmente
cêrca de 3. 000 homens, entre mortos e feridos: ·Também o Visconde
de Pôrto Alegre recebeu ferimento durante essa luta de seis horas;
até o estado-maior sofreu baixa de vários oficiais, uns mortos e: ou-
tros feridos.
No dia 18 de fevereiro de 1868, tanto a 2° Divisão de Cavalaria como
uma divisão de infantaria foram postas em prontidão para entrar em
combate, acontencendo o mesmo com nossa frota. Ao escurecer mar-
chamos em direção à trincheira Estabelecimento, que ficava a meia ·
légue acima de Humaitá.
No dia ·subseqüente, portanto 19; às 3 horas da madrugada,' seis '
encouraçados de ferro de nossa esquadra conseguiram passar · por
Humaitá, apesar do forte fogo das baterias adversárias.
. Logo ao alvorecer do dia atacamos as fortificações de Estabéleci-
me_nto. A luta durou perto de duas horas e dela resultou ficarmos..
senhores da posição e mais de oito. canh.ões e quantidade de fogue- .
tões. (0 original diz: "foguetões" em português. Nota do tradutor).
Muito nos deram que fazer dois navios de guerra que se achavam
àquelas alturas. l!:sses finalmente se afastaram incólumes, pois entre ,
nós não se achava nenhum artilheiro adestrado, que fõsse capaz ·a e
alvejar um navio a mil passos de distância, com um· tiro de · um dos ;
nossos bons canhões de aço forjado. l

Perdemos 800 homens, entre mortos e feridos; o inimigo pe.r deu


o total de sua guarnição do forte. Apanhamos apenas um alferes e
alguils. soldados como prisioneiros; o .resto .perdeu· a vida. · .
DIÁRIO DÉ CÁMPÀNHÀ. DÔ CÀPI'l'Íó PEDRd •••
.----------------------------------------------------·
Na mesma · data, pela manhã, nossa. vanguarda tomou uma tôrre
de observação e um fortim provido de canhões, perto de Tuiucuê.
No dia 19 de fevereiro foi assassinado, em Montevideu, o General
Flores.

HUMAITA: -EIS A QUESTAO

A 25 de fevereiro, às 9,30 horas da manhã, foram ouvidas três


grandes explosões junto às baterias em Humaitá.
· _ Na noite de 21 a 22 de marÇo, o inimigo abandonou tôdas as suas
fortificações entre Tuiuti e Humaitá e concentrou-se com todos os seus
canhões transportáveis em Humaitá.
O nosso 2° Exército já partira de Tuiuti, vencera a Linha Negra
(que eram as trincheiras inimigas de Tuiuti) e deslocara o resto das
fôrças; os nossos tiveram muitas baixas. O nosso exército acampou
tanto dentro das trincheiras de Curupaiti como fora e junto a elas;
isso no dia 22. O resto de nossa esquadra postou-se defronte de Hu-
maitá.
Os 1° e 3° ExércitO$ acamparam, a 3 de abril, a uma distância de
um tiro de canbão de l!umaitá; sem demora cavamos trincheiras c
assestamos as baterias, a fim de bombardear Humaitá. Com a coloca-
ção das baterias aproveitamos muito bem a Semana Santa.
A Sexta-feira Santa decorreu no máximo silêncio - sem. um tiro
e sem música da banda.
No Sábado de Aleluia, ao despontar o dia, o nosso- exército foi
chamad.o e:t;n prontidão de ataque e às 9 horas estªvamos prontos. O
inimigo_havia-se apercebido de nossos. preparll,tivos e nos enviou uma
de 68 libras.
A totalidade de nossas baterias em redor de Humaitá começou,
em uníssono, o bambardeio. Tôdas as cornetas . soaram e o conjunto
das bandas entoou. O bombardeio dos três exércitos durou duas horas
sem que Humaitá detonasse segundo tiro em revide. ·

ASSALTO AO MONITOR "RIOGRANDENSE"


· · · · · , . 1 · 1 · ·r;; rJ l~IT" I
No dia 2 de maio, um contingente nosso, contando lá ·pel~s 7.000
homens, atravessou o rio Paraguai junto a Estabelecimento e inter-
ceptou o comboio de abastecimento a Humaitá, que vinha lá do outro
lado, do Grão Chaco. Ao desembarcar, logo houve luta -com os para-
guaios e nós sofremos duras perdas.
No dia 4 do mesmo mês os paraguaios assaltaram ós nossos no
Chaco, mas perderam tudo o que possuíam e até o dôbro do que: nos
haviam tomad<;> dois dias a~tes; a posição foi por nós reforçada e
guarnecida com canhões.
A DEFÉSA NACió:NAt N. 60ê·

As 9 horas da noite do dia 9 de julho o adversário praticou um


assalto ao monitor "Rio-Grandense", nas proximidades de Taji. Veio
êle em 24 lanchas contendo de 300 a 400 soldados; de espadas e armas
de fogo em punho escalou, no maior silêncio, o costado da nave.
Somente o comandante morreu e alguns de seus tripulantes· foram
feridos, mas o assaltante nos deixou 4 oficiais, um sargento e 34 sol-
dados como prisioneiros, a maioria dêles feridos e muitos escaldados
pela água fervente da caldeira do vapor. O major comandante dessa
fôrça e duas lanchas apinhadas de paraguaios, eis só o que conseguiu
fugir. Apossamo-nos de 22 lanchas, ou melhor, a maioria delas foi
posta a pique pelo pessoal dos navios que se achavam fundeados nas
imediações e também pelas nossas baterias de Taji.

CERCADO O INIMIGO NA ILHA


No dia 16 de julho, de madrugada, procedemos a um reconheci·
mento à viva fôrça, de Humaitá. Disso nos resultaram 1. 019 baixas,
entre mortos e feridos. Perdemos muitos oficiais de altas e baixas
patentes.
Na manhã de 25 de julho o adversário começou a inutilizar a to-
talidade de seus canhões e os legou ao abandono, em número de 283.
Ato continuo, transpôs o rio em direção ao Chaco, a fim de fugir à.
fome.
Cedo, no dia 27 de julho, travou-se a batalha no Chaco, que durou,
sem esmorecer, até à. meia-noite. O inimigo que havia abandonado
Humaitá foi por nós forçado a fazer reduto em uma ilha, ficando em
situação de cêrco.
A 5 de agôsto o inimigo sitiado na ilha rendeu-se-nos. Seu número
ainda ascendia a 1. 500 homens; o resto lograra fugir, devido à péssima
visibilidade do terreno.
No dia 19 de agôsto todo o nosso exército, inclusive nossos aliados,
marchou em direção a Tebiquari.
Quando, a 26 de agôsto, constituiamos a vanguarda, topamos com
um regimento paraguaio, que se achava na ilha São Fernandes; além
do Jacaré. Travamos luta e perdemos alguns mortos e feridos. O
adversário porém, teve o, dôbro em baixas por morte, sem contar os
feridos.
. Apresamos 121 cavalos, na maioria selados, os quais o inimigo
tivera que abandonàr em sua retirada para as fortificações junto ao
rio Tebiquari.

CAPITÃO WERLANG É FERIDQ


Na manhã do dia 28 de agôsto, nosso exército chegou à. Ilha São
Fernandes e acampou, e nós, a vanguarda, nos pusemos em prontidão
para entrar em combate.
SET/OtJT: 66 DIÁRIO DE CAMPANHA DO CAPITÃO PEDRO •••

À uma hora da tarde foi assaltada a trincheira na margem do


Tebiquari; apossamo-nos dela abaixo das mais violentas saraivadas
de balas e lantemetas; escalamos o baluarte de 10 pés de altura e
tocamos com eis paraguaios rio adentro; só poucos alcançaram a
margem oposta. FÔI diminuto o número de nossos mortos e o de
feridos andava pelos cem, na maioria por balázios, entre os quais
também eu me achava.
Aprisionamos um major paraguaio e ainda "' célebre capitão "
Ovado, com numerosos soldados e 4 canhões. ·
Ao clarear do dia 1° de setembro, iniciamos a travessia do Tebi-
quari. sob· a · cobertura de nossa frota. O ·exército inimigo, porém,
durante a noite, havia põsto fogo em· seu acampamento do outrol ladd
do rio e fugira.

DE ROLDÃO PELA PICADA

A 12 de setembro passamos pela Vila Franca e a 18 pela Vila Oliva.


No dia · 22 de setembro, a aa. Brigada encontrou-se com um regi-
mento e um batalhão de paraguaios. Entre os matagais, junto ao
Lagoão Ipoá, haviam êles nos preparado uma emboscada. Retira-
mo-nos, porém, ainda em tempo, mas sem nada poder fazer, pois o
terreno não permitia. ação.
A 23, portanto no dia seguinte, a 3a. Brigada costeou o Lagoão Ipoá
em direção ao local onde o inimigo se havia postado de véspera.
Não o encontrando, prosseguimos até o arroio Surubii, onde o avis~
tamos na entrada de uma picada; lá se achava um regimento.
Atacamos imediatamente e levamos o inimigo de roldão através
da dita picada, de cêrca de 1/4 de légua, até além de uma ponte; isso.
tudo abaixo da maior mortandade. Além da ponte, porém, o inimigo
nos havia preparado outra emboscada. Sbmente um esquadrão nosso
ficou isolado.
Sofrendo perda de 41 mortos e feridos, retiramo-nos apressada-
mente. até que fôssemos socorridos pela nossa infantaria, constituída
de 5 batalhões. Reunidos, revidamos o ataque e após 11/ 2 hora da '
maior carnificina e a custo de grandes baixas conseguimos ocupar a
posição. Nossa infantaria perdeu perto de 300 praças; além disso, o
inimi~o conseguiu aprisionar de 30 a 40 dos nossos, inclusive 3 oficiais.

No dia ~4 acampamos em Palmas, junto à margem do Paraguai,


acompanhados de nossa frota. Foi quando surgiu o coZera morbus
entre nós; muitos homens dêle pereceram.

A SORTE NOS :1!: ADVERSA

A 1° de outubro saímos a um reconhecimento à linha de fogo;


tomamos tlilli8o pequena trincheira l:lituada JlO mato e descobrimos o.
A DEFESA NACIONAL N. 609

fortii:n Angustura, que nos fêz retroceder abaixo de centenas de gra-


nadas. Nada· podíamos fazer, pois tudo era matagal e banhados.
Batemos, portanto, em retirada, sofrendo 160 baixas, entre mortos
e feridos. Além disso, aprisionaram-nos nossa retaguarda, constituída
de 50 praças e dois oficiais. O inimigo perdeu um capitão e· 20 sol-
dados por morte, e um alferes e vários soldados por aprisionamento.

PARA O GRÃO CHACO

Nos primeiros dias de novembro, o Marquês de Caxias enviou


tropas para além do rio Paraguai, a fim de proceder a um reconheci-
mento e para abrir caminho; comandava-as o General Argôlo. No
cumprimento dessa tarefa houve freqUentes escaramuças com contin-
gentes de reconhecimento inimigos.
. . ~erminada. a . abertura da: citada senda para o Chac.o,. o grosso do
nosso exército passou o rio. enquanto nossos aliados permaneceram
em· suas trincheiras. A 3a Brigada 'de Cavalaria foi à última a atra-
vessar o ·rio, a 3 de dezembrO. ·
Desembarcamos em meio de á~a. lôdo, charcos e matagais.
Marchamos dia e noite abaixo de chuva, atravessamos pontes flutu-
antes, até que, no dia 5, bem ce<;io, entramos novamente em embíJ,rca-
Ções num local pÔuco açima do forte de AngÚstura. Lá já se .achavam
ancoràdos nossos cinco encouraçados, com dois monitores, desde fins
de setembro~ Haviam êles arriscado passàr . por. Angustura, tentativa
em que· foram bem sucedidos.
J!:sses navios nos levaram sãos e salvos ao quartel de Santo An·
tonio..

_ elas 3 ":horas dêsse mesm~ dia ~ossa brigàda, levando con~igo


mais uma brigada do infantaria, montou e partiu para um reconneci:
mente no arroio ítororó, que distava duas léguas de Santo Antonio.
Pelo caminho despersamos um piquête inimigo e alcançamos uma
picada que nos conduziu até além da_ ponte de Itoror6, onde se nos
descortinou um l!_ndo campo. ';"!;

Não tardaram etn aparecer numerosas fôrças inimigas, '1~~ se


aproximavam tomando-nos sob cerrada fuzilaria. ,Não nos h vihmos
apercebido do inimigo a não ser a uns 1000 passos de distânciâ, 1ievido·
a uma colina que se anteparava, ocultando-o. ,O Coronel Niederauer,
que nos comandava, imediatamente deu ordem de retirada.
Do dia 5 até a madrugada do dia 6 já haviam desembarcado . . ,
30.000. homens em Santo Antonior . ·- --. ·• ,_c~· ·- • · .....
SET/_ÜU'I,' 66 DIÁRIO DE CAMPANHA DO CAPITÃO PEDRO ••• 23

·Ao nascer do sol do dia 6 de dezembro, nosso General Osório


partiu com tôda a cavalaria, seguindo à esquerda e acima de Itororó;
para um reconhecimento; entrementes, a 3a Brigada, acompanhada de
uma divisão de inf~ntaria e uma· bateria, ·marchou diretamente sôbre
Itororó. A vanguarda ficou confiada ao 6° Corpo.

HOMENS CONTRA CANHõES - ITORORóÍ


'.
Mal havíamos passado pela picada e avistado o outro lado da
ponte, fomos recebidos pelas lanternetas de ~eis canhões, os quais. o
inimigo, durante a noite, havia postado além da ponte, em campo
aberto. Lá estavam à nossa espera.
)
A 311 Brigada de Cavalaria recebeu ordem imediata do General
Argôlo ~e toma~ a. bateria de assalto, esta . atirando violentamente.
Conseguimos cumprir a ordem - e ainda com insignificantes perdas_
humanas e de montarias. l!:sse núcleo inimigo, d).lrante nossas três
investidas ê retiradas, ia recebendo reforços do mato próximo; por
isso, só pela quarta vez foi possíve_l realizar nosso intento;
A culpa coube à nossa infantaria, que se revelou vacilante. Sua
Excelência o Marquês de Caxias, finalmente, viu-se obrigado a galopar,
à. rédel;l sôlta e de espada em punho, ao meio da infantaria para en~
corajá-la, porém com parco efeito. Praticou êle êsse ato abaixo do
mais cerrado fogo de fuzilaria.
Cessou a luta após duas horas, ficando nós senhores do campo.
Perdemos muita gente, maS as perdas do adverSário foram· três vêzes
outro tanto. O General Argôlo recebeu dois balázios mortais.
No. dia seguinte, 7 de dezembro, bem cedo, marchamos rumo à
cidadezinha Villeta. A canícula era tal que muitos soldados da infan-
taria desmaiaram durante a marcha e morreram.
Quando, ao anoitecer, acampamos cêrca de uma légua . distante
de VUleta., o · inimigo nos saudou com algumas granadas.
A 9 de dezembro pusemo-nos em marcha, tomando direção ao.
Paraguai, sempre tocando as fôrças inimigas pela frente, e, pelas
10 horas da manhã, acampamos junto ao arroio Vaí, para recuperação \
nossa, visto que desde o dia 4 nenhum . mantimento nos fôra distri·
buído.


PRóDROMOS DE UMA GRANDE BATALHA AVAf!

Durante o dia 10 nos conservamos quietos, observando a mais


atenta vigilância, pois que nos achávamos cercados pelo inimigo. ·o
MÇJ.rquês de Caxias_ expediu suas instruções p.ara a batalha do dia·
seguinte.

(
A DEFESA NACIONAL N. 609

No dia 11 de dezembro, às 8 horas da manhã, montaram nossas


três divisões de cavalaria. O Marquês decidira dividir o 'E xército em
três: a primeira parte atravessaria o arroio Vai, a fim de atacar a
ala esquerda; a segunda se aproximaria do inimigo pela frente, onde
êle, de véspera, havia assestado 18 canhões em campo aberto .. Essas
ordens foram cumpridas sem demora e a tôda pre·s sa assestou-se ainda
um conjunto de canhões-foguetes, dirigidos contra os 18 canhões do
adversário. ·
A terceira parte do Exército, constituída de duas divisões de ca-
valaria, as 1a e 3a, seguiu, a passo, ao longo da frente inimiga, para
depois atacar pelo flanco direito. Nisso dirigiram-nos diversas gra-
nadas, mas que não nos atingiram.

O TIRO DE SINAL!
I

O Marquês então detonou o tiro de sinal e todo o exército atacou


com coragem. Instantes depois, o lindo campo se achava obscurecido
não só pela fumaça de pólvora, como também por cortinas de fortis-
stmo aguaceiro.
Nós, as duas divisões de cavalaria, barramos em seguida o ca-
minho de retirada ao inimigo, sob a mais cruenta luta. O resto de
nossas fôrças atacou-o por todos os lados, arrebanhando-o no centro.
Uma fôrça de cêrca de 2. 000 tentou vir-lhe em socorro, das bandas
de Lomas Valentinas, mas não a deixamos passar.

DESCRIÇAO PAVOROSA
O inimigo remanescente foi por nós obrigado a concentrar-se num
montP- só, encurralado. Contava pelos 2. 000 homens.
Fizemos, então, uma carga de cavalaria sôbre o inimigo, e, abaixo
dos mais entusiásticos brados de júbilo, golpeamo-lo a espada e a
lança. Numa diminuta área de uns cem passos de comprimento por
outro tanto de largura, o número de mortos era tal que chegt~vam
e 'jazer uns por cima dos outros.
A seguir nossas fôrças se retiraram, sempre abaixo de chuva,
e acamparam próximo à cidadezinha de Villeta, distante cêrca de
1/ 4 de légua do campo de sangue.

COM LÁGRIMAS . . .
Lá verificamos as nossas baixas e contamos os nossos mortos,
cujo nómero andava em tôrno de mil, entre os quais muitos oficiais
de altas e baixas patentes; entre os mortos tive que encontrar, com
lágrimas, o meu irmão Guilherme, que teve a cabeça trespassada por
ume bala. O número de feridos era tanto quanto o de mortos.
Havíamos derrotado de 5.000 a 6.000 homêns, -dos quais aprisio-
namos 1. 000. Entre êstes se achavam dois coronéis, um tenente-co-
ronel, dois majores e muitos oficiais de inferior graduação, além de
diversas famílias.
SET/ÚUT 66 DIÁRIO DE CAMPANHA DO CAPITÃO PEDRO •••

Conquistamos 18 canhões, inclusive a respectiva munição, 4 ban-


deiras e mais umas duzentas reses. Durante êsse combate, ·o no<>so
General Osório recebeu ferimento por bala. ·

CHEGA A' VEZ DE LOMAS VALENTINAS

No dia 14 de dezembro o Marquês enviou a 23 e a 38 Divisão de


Cavalaria para efetuar umà batida. A 23 Divisão"passou pelo · fJ.anco
direito de Lomas e capturou perto de 5. 500 reses. '
A 38 Divisão passou pelo flanco esquerdo do forte, passou pelo
Potre!ro Mármore em direção a Angustura, para fazer .reconheci·
mentos por lá. Pela madrugada encontrou-se com um regimento de
cavalaria inimigo, que em seguida foi assaltado e aprisionado.
Quando, de volta, os dois generais de cavalaria apresentaram seus
relatórios do que haviam observado, ao Marquês, êste achou conve-
niente decidir-se ao ata<rue contra as fortificações de.Lomas Valentinas.
A 21 de dezembro, pela madrugada, nosso exército se movimentou
em marcha sôbre Lomas, distante umas três léguas de Villeta; aí sb-
mente permaneceu o hospital de sangue, com os nossos feridos do
dia 11 e um batalhão de engenharia, como guarnição.
As duas da tarde atacamos Lomas, perdurando o violentíssimo
fogo até pelas 10 horas da noite, acompanhado de forte aguaceiro.
Ficamos senhores das primeiras trincheiras, nas quais encontramos
35 canhões; aprisionamos também 50 homens da guarnição, com dois
oficiais.
Nos dias 22 e 23 a luta prosseguiu, porém não muito intensa.
Na manhã do dia 24 o Marquês enviou parlamentares ao forte;
a trégua de dúas horas daf resultante, aproveitou-a para assestar vá-.
rias baterias, inclusive foguetões, decidido a bombardeá-lo.
As 5 horas da manhã de 25 de dezembro, o Marquês determinou
que o total dos nossos canhões abrisse fogo contra Lomas, e assim
foi feito até as 7 horas, momento em que todos atacamos de assalto.
Bombardeando e em seguida investindo em massa, passou todo o dia
sem que nos fôsse possível . penetrar no forte. Apesar de, vez por
outra, conseguirmos invadir uma das trincheiras - abaixo de fogo de
canhões e lanternetas - sempre nos forçavam: novamente a terríveis
retiradas. Isso durou o dia todo, causa:odo-nos pavoroso número de
baixas.
A 27 de dezembro, cedo, o Marquês determinou que nossas fôrças
envolvessem o forte, ficando os nossos aliados postados pelo làdo de
Angustura; a seguir, comandou assalto eni .c onjunto.
O inimigo, já exausto pelas lutas dos dtas anteriores, não teve
mais ânimo para resistência: abandonou suas trincheiras e debandou,
porém abaixo de enormes perdas. Solano Lopes também conseguiu
fugir. ·
• • l A DEFE~A NACIONAL · , ~ N, 639 ·

. Assim pudemos· ·ver Lopes, sua mulher, seus · generais· e seu es·
tado-maior empreendendo retirada em direção à Cordilheira, sem que
lhe barrássemos o caminho.· Isso teria sido fácil; certament~ ao
Marquês de Caxias não convinha prendê-lo.
Conquistamos todos i:)s haveres da famflla 'de Lopes; estavam
acondicionados em diversas carretilhas e se compunham das mais
finas roupas, de ouro e prataria e de dinheiro.
Foi com o coração confrangido, mas também com profundo re!f·
peito, que olhamos para o quadro que se nos apresentou no interior
do forte. O chão estava revolvido pelas . nossas gJ:anadas e coberto
de cadáveres de homens, cavalos, bois, cachorros e outros animais.
O hospital, com milhares de feridos, caiu ern nosso poder, além do
que recuperamos muita gente nossa, que Lop,es havia aprisionado an·
teriormente; entre ela, achava-se o Major Augusto Ernesto da Cunha
Matos e numerosos · oficiais aprisionados na · batalha de 'Tuiuti, no
dia 3 de novembro. Estavam agora libertos.
ANGUSTURA SE RENDE SEM TIRO
Na manhã do dia 29 de dezembro, o Marquês enviou parlamen·
tares ao forte Angustura, sito a meia légua de Lomas, nas margens do
Paraguai; êsse forte vinha impedindo nossa navegação.
Mandou advertir o seu comandante que se rendesse (o coman-
dante era de nacionalidade inglêsa), pois que Lomas tinha ·sido to-
mada e Lopes se foragira.
O ·comandante porém não deu crédito à noticia transmitida pelos
parlamentares e condicionou a poder certificar-se "de visu", acom·.
panhado de uma escolta; o Marquês aquiesceu ao propósito.
Ainda no mesmo dia, pois, apresentou-se o coronel e quan~o de-
parou pessoalmente com a miséria reinante no Interior de Lemas,
meneou a cabeça e concordou imediatamente com a capitulação,.
Esta foi levada a efeito no dia seguinte, 30, ao meio.ffia.
Angustura estava muito bem fortificada, tanto pelo lado do· rio
como por terra; nela se achava granda número de canhões pel:jados e
uma guarnição de 1 . 300 homens. ·

CHEGA O CONDE D'EU

No dia 1° de janeiro de 1869 nosso exército ievantou acampamento,


e cheg~ à cidade de Assunção a 4 do mesmo mês.
A 7 de janeiro tàleceu o Barão do Triunfo, em Assunção. Tôda
a oficialidade teve que assitir a um ofício religioso na catedral de
Assunção, em memória aos mortos.
·Nos dias 19 e 22 de janeiro embarcaram, respectivamente, o
Marquês e o General Osório, em viagem para o Rio de Janeiro.
Durante o mês de fevereiro o nosso .ex~rcito !oi, a pquco e pouco,
transferido para a pequena cidade de Luque, e logo formada '\ll!).a.
SET/ÜUT 66 DIÁRIO DE CAMPANHA DO CAPITÃO PEDRO ••• 27

vanguarda. Esta teve freqüentes refregas com o inimigo que aparecia,


vindo dn Cordilheira, onde fixara posição.
No dia 14 de abril chegou o Príncipe Conde d'Eu a Assuncão e
por via férrea logo ~continuou viagem para Luque. Todo o 2° Exército
aí sel~iado. desde a madrugada. se achava pronto n'lra recebê-l o· com
um:>. parada. Após esta, às 12 horas, todos os oficiais se dirigiram
r. cas:>. em que o Prfncine se hospedara minutos a'-!-tes, a fim de apre-
sentar-lhes seus cumprimentos. Feito isso, o Príncipe proferkl um
discurso
No dia subsea.üente, o Príncipe dirigiu-se para o 1° Exército. que
se -arhava na linha de fogo, e inteirou-se da situacão. A seguir ex-
pediu suas ordens no sentido de oue nossa vanguarda fôsse aproxi-
mando-se cautelosamente da Cordilheira. Sua ordem foi cumprida,
não sem algumas escaramuças com o adversário.
AO ENCALÇO DO INIMIGO
Nok prjmeiros dias de maio, o Princfpe ordenou que o· Corpo de
Pioneiros e alguns batalhões embarcassem em Assunção e se diri-
gissem a Fêcho dos Morros, situado na Província de Mato Grosso;
outrossim, determinou que uma fôrça de 5. 000, inclusive dois corpos
de cavalaria e artilharia, se pusesse em movimento. Comandava-a o
Coronel Câmara. Saltaram em terra 30 léguas acima de Assunção,
a fim de bater 3. 000 paraguaios nas Vilas de São Pedro e Rosário.
Mas o inimigo pressentiu o plano e bateu em retirada. O Coronel
Câmara perseguiu-o dia e . noite, através de banhadais e caminhos os
mais pavorosos que se possa imaginar. Como vaqueanas ou guias
serviam-lhe mulheres que tinham remanescido naquela zona.

GRANDE PRJ!:SA- MUITA MORTE


Até que enfim, no dia 29 de maio, Câmara alcançou os fugitivos.
À noite expediu êle suas ordens para o ataque da manhã seguinte.
A batalha rompeu abaixo de chuva torrencial e durou cêrca de duas
horas. Aprisionamos 800 homens, sendo que o resto morreu em ação;
pouquíssimos lograram fugir. Nossa prêsa de guerra era constituída
de 18 canhões, quantidade de ouro e prataria, milhares de reses, outro
tanto de cavalos e, ainda, cabras, ovelhas, etc.
I .
Milhares de mulheres e crianças foram imediatamente levadas a
embarque e enviadas seguramente para Assunção.
Após a batalha, o Coronel Câmara deu permissão para pilhar a
cidadezinha durante duas horas, com a advertência de não danificar
nenhuma casa nem móveis, no que foi obedecido. Câmara então
mandou degolar a maior parte dos prisioneiros. Antes de embarcar, .
ainda mandou arrebanhar todos os animais capturados, gado, cavalos,
etc e ordenou que ' fôssem sacrificados, . pois êle carecia de meios de
transporte. Mandou juntar tôdas as carrêtas e carretilhas e incen-
diou-as. Em seguida regressou, -com um mínimo de baixas.
28 A DEFESA NACIONAL N. 6119 ·

Pelo fim do mês de junho regressaram as fôrças que haviam sido


enviadas a Fêcho dos Morros, porque nada se havia notado do ini-
migo; além disso, lá muitos dos nossos morriam de peste.
No dia 3 de junho foi . festejada a chegada do General Osório, o
qual. no dia imediato, foi ao exército por via férrea, reassumindo o
com~ndo do 1° ~xército. · · · ·
No dia 22 de julho fui promovido a tenente,. pela ordem do dia
n. 28. ·
A 15 de agôsto foi nomeado o nôvo govêrno em Assunção.
Na madrugada do ,dia 12 ·de agôsto o Príncipe ordenou assalto
às fortificações de Peribebui e após duas horas da mais dura luta
tornamo-nos donos delas - mas com a perda do General João Manoel
Menna Barreto e de mais alguns homens. ·
Geralmente a maior parte do inimigo era degolada depois da ba-
talha.
Despojamos o inimigo de vários milhões em dinheiro, além de
valores em ouro e prata; conquistamos a totalidade dos canhõe·s ai
existentes; também famílias, milhares de pessoas, tudo isso apre:
samos.
A 14 de agôsto o Príncipe marchou com os 1° e 2° Exércitos e al-
cançou Cacubá no mesmo dia; estava êle sôbre os calcanhares de
Lopes.
Na madrugada do dia 15 de agõsto o Príncipe deu ordem de marcha
e, quando chegamos a Barreiro Grande, encontramos o inimigo. Citado
local é um descampado e sõbre êle pudemos observar Lopes em sua
retirada.
Imediatamente, o Princípe comandou ataque, estendendo-se a luta
pelo dia todo e depois perseguimos os paraguaios em sua fuga. To-
mamos-lhes suas carrêtas carregadas de riquezas e matamos os ho-
mens que as acompanhavam. As carrêtas que continham munição ~
as viaturas dos canhões foram incendiadas tôdas.
O inimigo perdeu milhares de soldados, pois não se concedia
perdão; os feridos foram mortos logo que encontrados. Ainda três
dias após a luta foram achados gravemente feridos no capim alto,
lamentando seus ferimentos e clamando por perdão. Mas isso de
nada lhes valeu.
No dia 16 de agôsto continuamos a perseguir sempre o inimigo,
abaixo·' de um verdS(ieiro extermínio. Chegou êle finalmente à cida·
dezinha de Caraguataí, onde atravessou apressadamente o rio e depois
incendiou os dois navios lá estacionados.
A 17 de agõsto nosso exército cruzou o rio e prosseguiu na perse-
gtliçã.o. através dos mais horríveis caminhos que sê possa imaginar.
Derrotamos várias vêzes a retaguarda inimiga, tomando-lhe car-
rêtas, canhões e outros hayeres, além .de causar-lhe baixas.
Ê!ET /ÔUT 61J DIÁRIÓ DE CÁMPÁNHÁ DÓ CÀPrtÍo PEinió , • ,

Os retirantes chegaram à Vila São Joaquim, onde firmar~é;


mas de nada lhes adiantou; depois de grandes perdas, viram-se for-
çados a continuar batendo em retirada.
Pelo caminho q ue -ia tomando o adversário fugitivo, encontramos
centenas de mortos estendidos na estrada, pois assassinava todos os
exaustos e doentes, fôssem êles homens ou mulheres; nem mesmo
crianças escapavam dessa prática. Faziam isso a fim de evitar que
caíssem em nosso poder. ..
Tôdas as mulheres que acompanhavam nosso exército tinham que
carregar munição de artilharia; nossa cavalaria ia a pé, pois suas
montarias se achavam extraviadas. (?) (0 original não é preciso em
esclarecer o que havia acontecido com as montarias da cavalaria.
Nota do tradutor).
Sitiamos a pequena cidade de São Joaquim, enquanto o 1° Exér·
cito marchou até Conceição, onde acampou. Os 5. 600 soldados que
sitiavam São Joaquim tiveram que alimentar-se quase que exclusiva·
mente de palmitos, caça e semelhantes. Apesar de que cada 8 ou 10
dias nos enviavam tropas de 100 a 200 reses pelos péssimos caminhos,
tal quantidade não supria nem a metade de nossas necessidades.
Eis porque centenas de praças e oficiais desertavam. Os oficiais
núo tardavam em apresentar-se a outras unidades que dispunham de
mantimentos, mas dos soldados pouquíssimos assim agiam.
A maior parte dêles embrenhou-se nas matas ou vivia disperso
em casas de sitiantes. Mais tarde, tivemos que aprisioná-los aos pe-
quenos grupos, por vêzes após violentos tiroteios.
Levados à presença do General, êste os prendeu na guarda e, no
dia seguinte, mandou aplicar-lhes 300 a 400 lambadas de espada, após
o que foram reconduziaos às suas respectivas unidades.
Aquêles que por ocasião de sua captura ofereciam resistência
foram imediatamente mortos.
Em novembro, o resto da fôrça sitiante de São Joaquim viu-se
obrigado a fugir à fome e veio acampar junto a nós, em Rosário.
O Príncipe, que com o seu 1° Exército se encontrava em Conceição,
ai d9ixou algumas unidádes como guarnição e marchou em perse-
guição do inimigo, que se havia entrmcheirado em Panadeiro. O Ge-
neral Câmara, que conduzia a vanguarda, estava ansioso pelo ataque
e levou-o a efeito decorridos poucos dias.
O adversário perdeu muita gente mas outro tanto o General Câ·
mara, que tinha conseguido barrar a passagem ao reabastecimento do
inimigo. Em conseqüência êste, mais tarae, teve que abandonar Pa·
nadeiro, ocasião em que milhares de famílias tentaram fugir, porém
mal á metade conseguiu fazê-lo. As famílias do inimigo atravessaram
de 30 a 40 léguas de matagais e banhados horríveis, no intuito de al·
cançar Conceição e pôr-se sob nossa proteção. Somente a metade dos
que partiram conseguiu o propósito; os demais tinham morrido de
fome pelo caminho.
30 N. 6o!i
O General Câmara, procurando anteceder-se ao movimento do ini-
migo, cruzou o rio Apa o ficou à sua espera; entrementes, o Coronel
Bento Martins flanqueou os paraguaios pela sua ala direita. Mas
nem um . nem outro pôde atacar devido à impropriedade do terreno.
A 29 de novembro o General Osório despediu-se de nós e regressou
definitivamente.
A 15 de agôsto foi instalado o Govêrno Provisório em Assunção.
Nos primeiros dias de dezembro, o Príncipe despediu vários ba-
talhões de infantaria, Voluntários da Pátria, e mandou-os para o Rio
de Janeiro, a fim de lá receberem sua baixa.
A 3 de dezembro o Príncipe mandou sitiar a Vila São Pedro, dis-
tante 8 léguas de Rosário, por dois esquadrões de cavalaria, visto que
nessa vila, às margens do Chejui, havia sido notada a presença de
uns 50 homens do inimigo. ·
No dia 23 do mesmo mês, à meia-noite, o inimigo assaltou Piquête,
no rio Chejuí; perdemos dois homens e o inimigo também.
·sem demora, o Príncipe enviou dois batalhões e um corpo de
cavalaria sob o comando do Coronel João Jardim, a fim de dar re-
fôrço a São Pedro · e ao mesmo tempo para proteger as centenas de
famílias que se iocomoviam de Panadeiro, em busca de seu torrã<h
Essas famílias sofriam tribulações por parte dos próprios paraguaios
dispersos.
Todos os dias o Coronel mandava efetuar batidas a cavalo para
localizar êsses homens espalhados, que viviam em bandos pilhando
as . pobres famílias em migração, das quais muitas, como já relatei
acima, morriam de fome pelo caminho.
Prendemos muitos dêsses grupos, q~e em maioria se compunham
de oficiais paraguaios. Todos que não encontravam morte imediata
nas refregas, foram por nós executados sem mais delongas. Em se'us
bolsos encontramos o produto de suas pilhagens: jóias de· ouro, pratà
e dinheiro, que haviam tomadó aos deslocados.
Assim, capturamos todos os homens 'dispersos, e aquêles que não
se ·apresentavam espontâneamente, eram enviados desta· para a outra
por· meio de faca. Entre êles, -também · se achavam alguns poucos
dos nossos, dos que haviam fugido à fome em São Joaquim.
- Fim do Diário -
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