1) Francisco Adolpho de Varnhagen dedicou sua vida ao estudo da história do Brasil, pesquisando arquivos, coletando documentos e publicando diversos trabalhos sobre o assunto.
2) Sua obra mais importante foi a "História Geral do Brasil", na qual ele se baseou em pesquisas pessoais nos arquivos de diversos países para relatar os fatos de forma precisa.
3) Varnhagen faleceu de forma inesperada, deixando planejada uma terceira edição de sua "História Geral do Brasil" e uma obra sobre a
1) Francisco Adolpho de Varnhagen dedicou sua vida ao estudo da história do Brasil, pesquisando arquivos, coletando documentos e publicando diversos trabalhos sobre o assunto.
2) Sua obra mais importante foi a "História Geral do Brasil", na qual ele se baseou em pesquisas pessoais nos arquivos de diversos países para relatar os fatos de forma precisa.
3) Varnhagen faleceu de forma inesperada, deixando planejada uma terceira edição de sua "História Geral do Brasil" e uma obra sobre a
1) Francisco Adolpho de Varnhagen dedicou sua vida ao estudo da história do Brasil, pesquisando arquivos, coletando documentos e publicando diversos trabalhos sobre o assunto.
2) Sua obra mais importante foi a "História Geral do Brasil", na qual ele se baseou em pesquisas pessoais nos arquivos de diversos países para relatar os fatos de forma precisa.
3) Varnhagen faleceu de forma inesperada, deixando planejada uma terceira edição de sua "História Geral do Brasil" e uma obra sobre a
A Pátria traja de luto pela morte de seu historiador, – morte irre-
parável, pois que a constância, o fervor e o desinteresse que o caracteri- zavam, dificilmente se hão de ver reunidos no mesmo indivíduo; morte imprevista, porque a energia com que acabara a reimpressão de sua His- tória, o vigor com que continuava novas empresas, a confiança com que arquitetava novos planos, embebedam numa doce esperança de que só mais tarde nos seria roubado, depois de por algum tempo gozar do des- canso a que lhe dava direito meio século de estudos e trabalhos nunca interrompidos. Filho da nobre Província de São Paulo, iluminava-lhe a fronte a flama sombria de Anhanguera. O desconhecido atraía-o. Os problemas não solvidos o apaixonavam. Códices corroídos pelo tempo; livros que jaziam esquecidos ou extraviados; arquivos marc ados com o selo da con- fusão, tudo viu, tudo examinou. Pelo terreno fugidio das dúvidas e das incertezas caminhava bravo e sereno, destemido bandeirante à busca de mina de ouro da verdade. Muito moço, tivera de acompanhar o pai a Portugal e no exílio, ao hálito perfumoso da saudade, infiltrara-se-lhe um patriotismo profundo e casto. A Pát ria aparecia-lhe suave e virginal, envolta em um nimbo vago e puro, como a memória de um ente amado, que não tornamos a ver, e pelos campos em que brincara, pelas matas, a cuja sombra, se acolhera, pelos céus, sob cuja cúpula abrira os olhos à luz da existência, eram as suas mais ternas e mais cordiais aspirações. A essas aspirações veio dar nova força a campan ha que fez sob as ordens do Duque de Bragança, o herói legendário que a seus olhos de férvido realista simbolizava a alma da Pátria. O estudo das ciências físicas que então cursava, não conseguiu conc entrar em si o pensamento que, inquieto, almejava por outros objetos. Persistente, como já então nos
85 Publicado originalmente no Jornal do Commercio, de 16 e 20 de Dezembro de 1878,
e reproduzido em Apenso à Historia Geral do Brasil, de Varnhagen, tomo 1.°, ps. 502/508, 4. ed., 1927; ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos: crítica e his- tória, 1. série. Rio de Janeiro: Livraria Briguiet, 1931; ABREU, João Capistrano de. Ensaios e estudos: crítica e história, 1. série, 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Bra- sileira; Brasília: INL, 1975. Aqui, utilizamos o texto da primeira edição dos Ensaios e estudos, 1931, com grafia atualizada. Agradecemos a Ítala Byanca Morais da Silva pelas informações sobre Capistrano de Abreu e o Necrológio.
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aparece, dominado pelo respeito do que considerava dever, pôde levar a termo o tirocínio acadêmico; porém, no cultivo das ciências, não era o esmero das observações, a beleza do método e das experiências, a força e o alcance das teorias e generalizações, que lhe despertavam o interesse ou incitavam a atividade; era a aplicação que de seus conhecimentos po- dia fazer à Pátria, o dia que projetava sobre as coisas nacionais. Um livro existia, vasto como uma enciclopédia, interessante como um romance, fértil como um punhado de verdades, roteiro, corografia, história natural, crônica. Longo tempo inédito, fora afinal public ado pela Academia das Ciências, porém mutilado, anônimo, inçado de erros, eiva- do de incorreções. Varnhagen determinou as posições geográficas, identificou as es- pécies biológicas, corrigiu os erros dos copistas e do escritor, provou a autenticidade do escrito de modo irrefragável, ao mesmo tempo que des cobriu o nome do autor – Gabriel Soares de Sousa. Grande parte das Reflexões críticas sobre o livro deste – o primeiro trabalho que imprimiu – perderam a atualidade em consequência de no- vos estudos posteriores, em que ninguém entrou com capital maior que o dele. Quando foram publicadas produziram o efeito de uma revelação, abriram um mundo novo às investigações de todos aqueles que se ocupa- vam de nossos anais. Essa obra e a que de colaboração escreveu sobre a Corografia ca- boverdiana mostram-no indeciso, flutuando entre as ciências positivas e a história. À história pertencem todas as outras publicações suas; a contar do Diário da navegação de Martim Afonso, preito rendido a São Paulo, na pessoa do povoador e primeiro donatário da capitania. Depois, embarca para o Brasil, e durante o tempo que aqui demora, comunica ao Instituto o fogo que o abrasava. Percorre a Província do seu nascimento, mas não é só o sentimentalismo que lhe guia os passos na peregrinação: é a sina do futuro historiador que investiga os cartórios, compulsa as bibliotecas dos most eiros, examina os padrões das outras eras, colhe glossários e tradições, e nas localidades comenta e verifica os dizeres de Taques e Frei Gaspar da Madre de Deus. Voltando a Portugal, nomeado adido à nossa legação, não arrefece um só instante. Na Revista do instituto pululam as memórias que envia, como os documentos que oferece, e quase não há sessão em que seu nome não apareça. De frente com essas ocupações, que satisfariam outros me- nos ambiciosos, ou fatigariam outros menos diligentes, leva os encargos de editor: reimprime o Caramurú e o Uruguai, e publica a até então des- conhecida Narrativa de Fernão Cardim, o provincial jovial, bonachão e viveur, tão familiar aos leitores das Minas de prata de José de Alencar.
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Aos tempos que passou em Lisboa ou aos que de perto se seguem, prendem-se duas obras importantes: O florilégio da poesia brasileira, com um esboço de história literária, onde têm ido beber – muitas vezes sem confessá-lo – todos os que se têm ocupado com o assunto, e a edição do Roteiro do Brasil, de Gabriel Soares, um dos seus maiores e melhores títulos à grat idão do porvir. Em Madri, para onde mais tarde foi removido, possui-o o mes- mo espírito febril, e a ideia, que se tornara fixa, da história pátria. Em Simancas, como em Sevilha, na Biblioteca Columbiana, como na do Es corial, colige a messe opulenta que ninguém ainda teve tão completa, e, quando enfim saiu à luz a sua História, podia gabar-se de que um só fato não existia que não tivesse pessoalmente examinado, ao passo que os fatos materiais por ele descobertos, ou retificados, igualavam, se não excediam, aos que todos os seus predecessores tinham aduzido. Esgotada a primeira edição da História, com uma rapidez de que entre nós há poucos exemplos, não se dá pressa em reimprimi-la; enfei- xa novos dados, visita as províncias; explora todos os lugares históricos, sobe o rio da Prata, tendo à mão o roteiro de Pero Lopes; imprime ou reimprime manuscritos raros ou curiosos. Do Paraguai traz as obras de Montoya, hoje tão accessíveis e úteis graças a ele e a Platzmann. No Chile discute os diários de Colombo e pro- cura fixar a posição da verdadeira Guanahani. No Peru, em Venezuela, em Cuba, como em São Petersburgo, Estocolmo e Rio de Janeiro, em to- dos os lugares que habita, ou atravessa, levado pelos deveres de diploma- ta ou capricho de touriste, principalmente em Viena, onde ultimamente residia deixa traços fulgurantes de sua passagem em páginas inspiradas pelo amor do futuro da Pátria e dominados pela preocupação constante de seu passado. Se a história do Brasil ocupa as suas faculdades, não as ocupa ex- clusivamente: aqui publica o Livro das trovas e cantares, o Cancioneiro do Conde de Barcelos, o Cancioneiro da Vaticana, que tanto concorreram para o conhecimento da poesia portuguesa antiga. Ali edita as obras de Vespúcio, escreve-lhe a biografia, comenta-o, defende-o, sustenta os seus direitos à descoberta do continente que guarda seu nome. Além vulgari- za a obra de Garcia da Orta, rara tanto como preciosa, ou a carta de Co- lombo, escrita ao voltar da primeira viagem. Hoje bate-se com D’Avezac, Major e Netscher; mais tarde disserta sobre as novelas e livros de cava- laria portuguesa, e afirma a origem turânia dos povos americanos. Por fim entrega-se aos trabal hos de pura fantasia: na Lenda de Sumé celebra a trad ição encontrada pelos primeiros exploradores de um homem que ensinara aos indígenas a agricultura e os rudimentos de civilização que
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possuíam; no drama de Amador Bueno mostra-nos a literatura nacional como a compreende, e introduz-nos na sociedade dos tempos coloniais. Sempre e sempre perseguia-o a ideia da história pátria. Enquanto não publicava a nova edição, ou antes a refusão e remodelo da obra, es- creveu um dos mais nobres capítulos, a História das lutas holandesas, em cuja confecção empregou documentos abundantíssimos, descobertos nos exames a que procedeu nos arquivos de Amsterdã e Haia. Depois de constantes revisões que lhe levaram mais de vinte anos, publicou de novo a História geral do Brasil, e, para tornar o preço menos elevado, cede ao editor a propriedade da edição sem retribuição alguma. Como coroa de seus cabelos brancos, sonha uma terc eira edição para que desde então começou a preparar-se, e prometeu-nos a História da Independência, infelizmente destinada talvez a não ver a luz. 86 Em se guida abandona a posição cômoda e brilhante de nosso ministro em Vie- na, para, nos confins de nossos sertões, procurar um lugar pela posição defensável, pela situação central, pelas condições higiênicas, próprio a servir de capital a esta pátria, que tanto amava e que não mais devia ver. Enquanto demorou nesta cidade examinou os panfletos, jornais e memó- rias contemporâneos do primeiro reinado que ia agora historiar; publica na Revista do instituto o texto mais completo e fiel que possuímos da carta encantadora de Vaz de Caminha. De passagem por Porto Seguro, reconhece as localidades que viu Cabral na sua viagem afortunada. Ape- nas chega a Viena, envia-nos o folheto retificando um erro que deixara escapar quando conf undiu em um dois botânicos brasileiros. Pouco antes de morrer, quando a enfermidade mortal o obrigava a guardar o leito, escrevendo a um amigo, o Dr. Ramiz Galvão, mui- to digno diretor da Biblioteca Nacional, quase nem alude às dores que o conservam prostrado e impotente: sobre questões de história pátria, sobre pontos obscuros que deseja esclarecidos, sobre manuscritos, cuja existência deseja con hecer, é que rola toda a carta. Nobre e tocante vida votada ao trabalho e ao dever! Grande exem- plo a seguir e a venerar!
II
Descoberto este continente, aqueles mesmos que tinham chama-
do a Colombo visionário foram os primeiros a achar facílima a empresa e a gabar-se de poder executá-la. Depois que Varnhagen publicou sua
86 A História da Independência acabou publicada postumamente, na Revista do IHGB,
Tomo LXXIX, 1916.
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História, e apresentou a massa ciclópica de materiais que acumulara, muitos se julgaram aptos a erguer um monumento mais considerável, e atiraram-lhe censuras e diatribes que profundamente nos pungiram. Também ele tinha muitos pontos vulneráveis. Era dos homens inteiri- ços, que não apoiam sem quebrar, não tocam sem ferir, e matam mos- cas a pedradas, como o urso do fabulista. Em muitos pontos em que sua opinião não era necessária, ele a expun ha complacentemente, com tanto maior complacência quanto mais se afastava da opinião comum. Suas reflexões às vezes provocam um movimento de impaciência que obriga a voltar a página ou a fechar o volume. Muitos assuntos sem importância, ou de importância secundária, só o ocupam por serem desc obertas suas. A polêmica com João Lisboa, em que tinha talvez razão, porém em que teve a habilidade de por todo o odioso de seu lado, converteu em inimigos seus os numerosos admiradores do grande ma- ranhense. Homem de estudo e meditação, desconhecia ou desden hava muitas das tiranias que se impõem com o nome de conveniências. Sen- sível ao vitupério como ao louvor, se respirava com delícias a atmosfera em que este lhe era queimado, retribuía aquele com expressões nada menos que moderadas. Essas feições são as que geralmente se associam no espírito do leitor brasileiro ao nome do Visconde de Porto Seguro. Ninguém procura sob as aparências rudes o homem verdadeiro – o trabalhador possante, o explorador infatigável, o mergulhador que muitas vezes surgia exausto e ensanguentado, trazendo nas mãos pérolas e corais. Parece que nos domina a fat alidade de perceber os objetos sob os aspectos mais desfa- voráveis; uma idiossincrasia tinge tudo de negro ou amarelo: cedemos a uma predisposição pessimista, niilista, anárquica, talvez bebida com as águas, ou inspirada com as nossas brisas, talvez herdada dos Tupis que, segregados por lutas intestinas e rivalidades perpetuamente renas- centes, não conseguiram fundar um estabelecimento análogo ao que se encontrou no México e no Peru. Entretanto, é difícil exagerar os serviços prestados pelo Viscon- de de Porto Seguro à história nacional, assim como os esforços que fez para elevar-lhe o tipo. Não se limitou a dar o rol dos reis, governadores, capitães-móres e generais; a lista das batalhas, a crônica das questiún- culas e intrigas que referviam no período colonial. Atendeu sem dúvida a estes aspectos, a uns porque dão meio útil e empírico de grupar os acontecimentos, a outros, porque rememoram datas que são doces ao orgulho nacional, ou melhor esclarecem as molas que atuam sob dife- rentes ações. Fez mais. As explorações do território, a cruzada cruenta contra os Tupis, o aumento da população, os começos da indústria, as
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descobertas das minas, as obras e associaç ões literárias, as comunica- ções com outras nações, assumem lugar importante em sua obra. A sua opinião sobre os Tupis tem encontrado geral desfavor: julga que a compressão exercida sobre eles era mais que necessária, era indis- pensável, e aos seus olhos as bandeiras que os paulistas levaram até as missões jesuíticas eram a solução mais natural que se podia imaginar. Sem querer defendê-lo, pode-se em todo caso chamar a atenção para cir- cunstâncias atenuantes. Ele não colocou o debate no terreno abstrato e absoluto da justiça, porém no da conveniência e da utilidade. Na tragé- dia que se desenrolava nas veigas platinas, ou nos campos amazônicos, não via a braços a liberdade e a escravidão, porém, jesuítas que queriam isolar os caboclos para convertê-los em instrumento de manejos políti- cos, e patriotas que queriam incorporá-los à civilização transformada em forças vivas do progresso. Quem comparar o estado de São Paulo com a calma podre daquele cemitério de um povo que se chama Para- guai; quem não esquecer que nesses dois lugares funcionaram o sistema que ele defende e o que combate, hesitará certamente antes de conde- nar o historiador. Além disso, o exagero a que depois levou uma ideia justificável, se não justa, a princípio não existia: brotou de contradições veementes e polêmicas irritantes. Acresce enfim que espír ito introspec- tante, natureza subjetiva, determinada antes por impulsos íntimos que influências extrínsecas, Varnhagen não primava pelo espírito compre- ensivo e simpático, que, imbuindo o historiador dos sentimentos e situ- ações que atravessa – o torna contemporâneo e confidente dos homens e acontecimentos. A falta de espírito plástico e simpático – eis o maior defeito do Vis- conde de Porto Seguro. A Histór ia do Brasil não se lhe afigurava um todo solidário e coerente. Os pródromos da nossa emancipação polít ica, os ensaios de afirmação nacional que por vezes percorriam as fibras po- pulares, encontram-no severo e até prevenido. Para ele, – a Conjuração Mineira é uma cabeçada e um conluio; a Conjuração Baiana de João de Deus, um cataclisma de que rende graças à Providência por nos ter li- vrado; a Revolução Pernambucana de 1817, uma grande calamidade, um crime em que só tomaram parte homens de inteligência estreita, ou de caráter pouco elevado. Sem D. Pedro a independência seria ilegal, ilegíti- ma, subversiva, digna da forca ou do fuzil. Juiz de Tiradentes e Gonzaga, ele não teria hesitado em assinar a mesma sentença que o desembarga- dor Diniz e seus colegas. Mesmo assim a obra de Varnhagen se impõe ao nosso respeito e exige a nossa gratidão, e mostra um grande progresso na maneira de conceber a história pátria. Já não é a concepção de Gândavo e Gabriel
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Soares, em que o Brasil é considerado simples apêndice de Portugal, e a história um meio de chamar a emigração, e pedir a atenção do governo para o estado pouco defensável do país, sujeito a insultos de inimigos, contra os quais se reclama proteção. Não é a concepção dos cronistas ecclesiásticos, que vêem simplesmente uma província, onde a respectiva Congregaç ão prestou serviços, que procuram realçar. Não é a de Rocha Pita, atormentado pelo prurido de fazer est ilo, imitar Tito Lívio e achar no solo americano cenas que relembrem as que passaram na Europa. Não é a de Southey, atormentado ao contrário pela impaciência de fugir às sociedades do Velho Mundo, visitar países pouco conhecidos, saciar a sede de aspectos originais e perspectivas pitorescas, a que cedem todos os poetas transatlânticos, desde os autores de Atala e do Corsário até os das Orientaes e Clara Gazul... Não. Varnhagen atende somente ao Bra- sil, e no correr de sua obra procurou sempre, e muitas vezes conseguiu colocar-se sob o verdadeiro ponto de vista nacional. É pena que ignorasse ou desdenhasse o corpo de doutrinas cria- doras que nos últimos anos se constituíram em ciência sob o nome de sociologia. Sem esse facho luminoso, ele não podia ver o modo por que se elabora a vida social. Sem ele as relações que ligam os momentos su- cessivos da vida de um povo não pod iam desenhar-se em seu espírito de modo a esclarecer as diferentes feições e fatores reciprocamente. Ele poderia escavar documentos, demonstrar-lhes a aut enticidade, solver enigmas, desvendar mistérios, nada deixar que fazer a seus sucessores no terreno dos fatos: compreender, porém, tais fatos em suas origens, em sua ligação com fatos mais amplos e radicais de que dimanam; genera- lizar as acções e formular-lhes teoria; representá-las como consequên- cias e demonstração de duas ou três leis basilares, não conseguiu, nem consegui-lo-ia. Fa-lo-á alguém? Esperemos que sim. Esperemos que alguém, ini- ciado no movimento do pensar contemporâneo, conhecedor dos méto- dos novos e dos instrumentos poderosos que a ciência põe à disposição de seus adeptos, eleve o edifício, cujos elementos reuniu o Visconde de Porto Seguro. Sinais de renascimento nos estudos históricos já se podem per- ceber. Publicações periódicas vulgarizam velhos escritos curiosos, ou memórias interessantes esclarecem pontos obscuros. Muitas províncias compõem as respectivas histórias. Períodos particulares, como a Revolu- ção de 1817, a Conjuração Mineira, a Independência, o Primeiro Reinado, a Regência, são tratados em interessantes monografias. Por toda parte pululam materiais e operários; não tardará talvez o arquiteto.
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Que venha, e escreva uma história da nossa pátria digna do sé- culo de Comte e Herbert Spencer. Inspirado pela teoria da evolução, mostre a unidade que ata os três séculos que vivemos. Guiado pela lei do consensus, mostre-nos o rationale de nossa civilização, aponte-nos a interdependência orgânica dos fenômenos, e esclareça uns pelos outros. Arranque das ent ranhas do passado o segredo angustioso do presente, e liberte-nos do empirismo crasso em que tripudiamos. Mas, ah! bem pouco digno serás de tua missão, oh! nobre pensador, se não sentires a gratidão inundar-te o peito, se não sentires o respeito e a veneração dominarem-te a alma, se não ajoelhares fervoroso e recolhido ante o tú- mulo de um grande combatente, que jamais abandonou o campo – Fran- cisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro.