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O valor de uma obra de arte é tanto maior quanto é puramente artístico o meio de
manifestar a idéia.
Fernando Pessoa
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A constituição histórica da subjetividade privatizada vai ser importante para analisar a experiência
estética, uma vez que coloca em cena a questão da interpretação pessoal, da maneira, a princípio,
particular como cada um pode interpretar os objetos artísticos.
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Nesse sentido, uma abordagem interdisciplinar sempre é mais pertinente quando se toma como objeto de
estudo a Arte.
um elefante:
Poeta é o que encontra uma moedinha perdida...
Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que
não é palavra. Quando essa não-palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se
escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra
fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que
salva então é escrever distraidamente.
Todo conceito nasce pela igualação do não-igual. Assim como é certo que uma folha
nunca é inteiramente igual a outra, é certo que o conceito de folha é formado pelo
arbitrário abandono dessas diferenças individuais, por um esquecer-se do que é
distintivo, e desperta então a representação, como se na natureza além das folhas
houvesse algo, que fosse a “folha”, uma espécie de folha primordial, segundo a qual
todas as folhas fossem tecidas, desenhadas, recortadas, coloridas, frisadas, pintadas,
mas por mãos inábeis, de tal modo que nenhum exemplar tivesse saído correto e
fidedigno como uma cópia fiel da forma primordial. (p. 56)
O poema vem lembrar, imperiosamente, que tudo é linguagem e que esta engana. Que a
linguagem está o tempo todo fingindo-se de transparente, de prática e de unívoca, e nos
enreda num comércio que nada tem de essencialmente verdadeiro e necessário. (...) Aos
racionalistas incomoda o vago da linguagem poética, sua ausência de sentido imediato,
claro e fixo. Como se isso fosse um luxo indecente, um atentado contra a humanidade,
que necessita de respostas concretas e soluções rápidas. O que esses críticos não vêem
é que a abertura do sentido, na poesia, é um luxo doado a todos os homens, o direito a
todos os futuros, a contra-corrente do sentido único da ética oficial, dos governos e das
finanças.
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Nesse sentido, apesar de fazer parte do cotidiano, a arte pretende ultrapassá-lo, uma vez que não possui
as características que, segundo Heller (1972), o constituem, isto é, a existência de ações não refletidas; o
caráter imediato ou simplesmente funcional dessas ações; a necessidade de respostas imediatas para a
solução de problemas prementes; a tendência para a construção de juízos ultrageneralizadores, entre
outras.
Clarice, surge como um apelo ao deliberado desprezo pelos conceitos já postos, como
exigência metodológica para que a forma artística se constitua, possibilitando o que lhe
é peculiar, isto é, justamente sua estrutura estética. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que
o leitor é também convidado a ler distraidamente, ou seja, que ele, como o produtor de
Arte, fique engravidado dos diferentes estilos que constituem as variadas Artes e, fora
do mundo pensado e programado racionalmente, se deixe adentrar em um outro mundo,
também ele estruturado: o da sensibilidade. Por este motivo é que Cortázar afirma que,
na verdade, a arte, sendo o contrário da realidade cotidiana, é que é a realidade.O poema
de um outro artista pode nos ajudar a entender mais e melhor a concepção genérica de
Arte aqui apresentada. Chico Buarque (1997) escreveu e musicou Mar e Lua:
Pensar a articulação exprimir – conhecer – fazer, rompendo com a atitude isolante, que
opera com positividades, é, através de Pareyson (1984), a maneira de nos
aproximarmos de uma resposta que dê conta da concretude da arte.
Com efeito, a arte é necessariamente expressiva enquanto é forma, isto é, um ser que
“vive por conta própria e contém tudo o que deve conter”. E esta afirmação significa
que “a forma é expressiva enquanto o seu ser é um dizer”. Nesse sentido, ela não tem
significado, mas é um significado. Mas, a partir daí entende-se porque a arte é também
um conhecer, pois ao revelar um sentido das coisas, o faz de modo particular,
ensinando uma nova maneira de perceber a realidade. Esse novo olhar é revelador
porque é construtivo, isto é, formador. Nessa medida, é um olhar que se prolonga no
fazer, “como o olho do pintor cujo ver já é um pintar (Idem, p. 31). Conclusão: a arte é
um fazer. Mas é um fazer específico. Ou seja,“É um tal fazer que, enquanto faz, inventa
o por fazer e o modo de fazer”. (p.17).
Um texto de Lygia Fagundes Telles (1980), que não será aqui
interpretado, justamente para que o leitor o considere como parte de sua experiência
estética, será apresentado a seguir.
O comilão
Gostava de ostras mas tinha preconceito, evitava olhar para essa coisa que ia comendo
apressado, impaciente, a expressão de repugnância mas a boca salivante de prazer.
Exigia as ostras vivas porque então o apetite ficava insuportavelmente excitado ao
imaginá-las se contraindo na morte sob o sumo do limão. Também gostava de putas.
Pode-se sintetizar o que foi explicado, desde a introdução, até aqui, nos
seguintes pontos:
- uma obra de arte pode ser analisada em função do seu produtor, do seu receptor ou
a partir das considerações de seus aspectos internos. Leite (2002) enfatiza tal
possibilidade, embora tal divisão seja, até certo ponto, uma questão didática, uma
vez que a experiência estética se constitui como relação entre estes aspectos;
- esse tipo de linguagem constitui formas simbólicas que, como aponta, entre outros,
Langer (2003) se apresentam à percepção humana como modos de expressão de
sentimentos que, de outra maneira, não poderiam ser ditos;
- a ênfase no sentimento, pois, não retira o valor cognitivo da Arte. Trata-se apenas
de, por exemplo, uma crítica àquilo que Adorno e Horkheimer (1991) chamaram de
razão instrumental, através da qual os homens, sob o capital, têm seus
comportamentos sob controle dos meios e não dos fins; nesse sentido a Arte como
conhecimento pode ser uma denúncia de um mundo alienado e de si mesma, quando
se transforma em mercadoria sob a égide da indústria cultural; a própria oposição
entre razão e sentimento pode ser colocada em questão pela Arte na medida que,
enquanto construção simbólica e forma de expressão e conhecimento, não é possível
dicotomizar essas esferas do comportamento humano.
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Verso inicial da música Cajuína, escrita por Caetano Veloso.