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2ª PROPOSTA DE RESUMO

Redija, com suas próprias palavras, um resumo do texto.


Extensão de texto: de 35 a 40 linhas
21/04/2023

Hinos condenados
OS POETAS DA GUERRA
John Shutterland (adaptado)

A guerra e a poesia sempre andaram de mãos dadas. A primeira grande obra de poesia que
chegou até nós, a Ilíada, é sobre nações em conflito. A guerra figura na maior parte das peças de
Shakespeare que não são comédias (e aparece em algumas destas também). Uma das descrições
mais cruas dos “horrores da guerra” (na expressão do artista espanhol Goya) pode ser encontrada
em Júlio César:

Sangue e destruição farão parte da rotina, e objetos os mais pavorosos serão coisas
tão familiares a todos que as mães não terão outra reação que não sorrir quando
enxergarem seus bebês de colo esquartejados pelas mãos da guerra.

Nenhuma guerra, entretanto, produziu maior riqueza de poesia inglesa do que a guerra que
foi chamada de “Grande”, a Primeira Guerra Mundial, de 1914-1918.
Foi a guerra mais sanguinolenta da história britânica. Na Batalha de Passchendaele, em
1917, 250 mil soldados britânicos perderam a vida durante meses de combate na lama funda, tendo
conquistado um terreno de meros oito quilômetros. Dos soldados que saíram das escolas de elite
britânica (muitos deles, direto da sala de aula) para o front, um de cada cinco não retornou;
em vez disso, seus nomes apareceram nas “placas de honra” de suas escolas. Esses jovens eram
especializados tanto como “oficiais” quanto como “escritores de poesia”.
E quase todos os vilarejos da Grã-Bretanha, em algum lugar proeminente haverá um
monumento – hoje, com frequência, coberto de musgo e quase ilegível. Esses monumentos
registram a flor da juventude de cada comunidade, ceifada pelo tenebroso conflito de 1914-1918.
Sob a lista de nomes, se você conseguir lê-la, haverá uma inscrição do tipo “Seus Nomes Vivem
Sempiternos”.
A Grande Guerra foi diferente de outras guerras não apenas em virtude de sua dimensão
inédita e da natureza letal de suas armas (notavelmente a metralhadora, o avião, o gás venenoso e o
tanque), mas porque envolvia o conflito não apenas entre Estados-nações, mas dentro dos Estados-
nações. Em outras palavras, muitos soldados, de ambos os lados, eram levados a se perguntar: “O
inimigo está diante de nós ou atrás de nós?”. Essa é a pergunta feita pelo mais famoso romance
originado da guerra, Nada de novo no front (1929), do autor alemão Erich Maria Remarque.
Remarque lutara e tinha sido ferido nas trincheiras a meros dois quilômetros de distância de
outro sobrevivente famoso, chamado Adolf Hitler.
Os poetas desses quatro anos tenebrosos que mais admiramos tiveram dificuldade para lidar
com o fato de que seu verdadeiro inimigo poderia não ser o kaiser (primo-irmão do próprio rei
britânico, Jorge V) com seus “hunos de coturno”, mas uma sociedade inglesa que, de alguma
forma, perdera o rumo e incorrera no disparate de uma matança totalmente sem sentido de seus
melhores e mais brilhantes, por nenhuma razão válida.
O mais irado dos poetas, Siegfried Sassoon (1886-1967), era um típico inglês
“caçador de raposas”, apesar de seu nome alemão. Ele ilustra essa noção de Inglaterra versus
Inglaterra em seu poema curto “O general”:

O general disse: “Bom dia; bom dia!”,


Na semana passada, em nossa formação.
Aqueles a quem sorriu morreram na maioria,
E agora o chamamos de burro paspalhão.
“Sujeito animado”, Harry a Jack grunhiu
Marchando para Arras com saco e fuzil.
Mas ele os dois liquidou com seu ataque imbecil.

Quem, então, é “o inimigo” nesse poema? Recordemos “The Charge of the Light Brigade”,
de Tennyson. Com um plano de ataque mal feito, um general desse combate causou a morte de
quase metade de seus seiscentos cavalarianos. Mas Tennyson não critica o comandante ou seu
país. Em vez disso, esbanja louvores à bravura dos soldados que cavalgaram para encontrar a morte
(“não lhes cabia perguntar o motivo”) nos canos da artilharia russa. Suas mortes foram “gloriosas”.
Sassoon tem uma atitude diferente e mais complicada. Não havia “glória” alguma em sua
visão das coisas. “O general” foi escrito em 1916 e publicado em 1918, quando a pergunta “Por que
travamos essa guerra” ainda estava incandescente. A covardia (“a pluma branca”, como a
chamavam) não entrava em questão. O próprio Sassoon foi um combatente feroz, apelidado de
“Mad Jack” por seus camaradas (por ironia, “Siegfried” significa “júbilo na vitória” em alemão),
mas seria capaz de dar a própria vida (literalmente) para conseguir entender o sentido da guerra.
Quando foi condecorado com uma Cruz Militar por valentia excepcional, supostamente jogou a
medalha no rio Mersey.
O último soldado britânico sobrevivente a ter lutado na Primeira Guerra Mundial,
Harry Patch, que morreu em 2009, aos 111 anos de idade, concordava. Ao visitar Passchendaele, no
nonagésimo aniversário da batalha, Patch descreveu a guerra como a “matança calculada e
tolerada de seres humanos. Não valia uma única vida”. Ao seu fim, em novembro de 1918, ela
custara mais de três quartos de um milhão de vidas britânicas. Estima-se que mais de nove milhões
de soldados morreram de ambos os lados.
Um poema melhor do que o de Sassoon é “Futilidade”, de seu amigo e companheiro de
armas Wilfred Owen (1893-1918). Oficial condecorado e valente, Owen contempla o cadáver de
um soldado, estirado na neve, para cuja família precisa escrever a carta formal de condolências:

Movei-o para que fique sob o sol –


Em casa os suaves raios o acordavam
(De campos não semeados seu lençol).
Acordavam-no sempre, até na França,
Até esta manhã e esta neve.
E se agora acordá-lo algo deve
Decerto o saberá o sol suave.
Pensai como desperta ele as sementes
E o barro despertou da estrela fria.
Dos membros e do flanco ainda quentes
A rigidez mover conseguiria?
Foi para isso que o barro alçou-se tanto?
O que levou do sol os raios fátuos
A interromper da terra o sono e o encanto?

O poema, revelando a clara influência de Keats, tem um calor emocional que beira o erótico.
O sol vai fazer voltar à vida esse guerreiro desconhecido, como faz com as sementes da terra na
primavera? Não. A morte dele valeu a pena? Não, foi fútil. Um desperdício total.
Owen é um poeta mais experimental do que Sassoon em termos técnicos, e sua raiva
é mais fria. “Futilidade” é um soneto de construção engenhosa, com versos irregulares e meias
rimas (e.g. “once” / “France”). Do início ao fim, são invocados com sutileza os versos
fúnebres tradicionais: “Das cinzas às cinzas, do pó ao pó”. É consenso geral que, tivesse vivido,
Owen teria exercido enorme influência na trajetória da poesia inglesa do século XX. Ele morreu na
última semana da guerra. O telegrama anunciando sua morte foi entregue a sua família
enquanto os sinos da igreja começavam a tocar para a declaração de paz.
Pela altura em que “Futilidade” foi escrito, a guerra havia se degenerado num impasse
sangrento. Como ferimentos mal costurados, linhas de trincheiras e arame farpado se estendiam
através da Europa. Nenhum dos exércitos conseguia irromper, e milhares morriam a cada semana.
O banho de sangue começara com um obscuro crime de rua: o assassinato do imperador Francisco
Ferdinando em Sarajevo, nos Bálcãs. O império austro-húngaro, um vasto conglomerado de
estados, desmoronou quase de imediato. Seguiu-se uma disputa sucessória, e entraram em jogo
complexas alianças internacionais. Os dominós começaram a cair. Por agosto de 1914 (um verão
glorioso na Inglaterra), a guerra era inevitável.
Credulamente, a maioria das pessoas achava que a guerra já estaria terminada antes do
Natal. O espírito da nação ficou condensado na palavra “jingoísmo” (evocada de forma magnífica
na peça musical de 1963 Oh, What a Lovely War!. O poema mais famoso entre os escritos nessa
primeira fase jingoísta foi “O soldado”, de Rupert Brooke (1887-1915):

Se eu tiver de morrer, pensai de mim só isso:


Que há algures no estrangeiro algum canto de campo
Que será para sempre Inglaterra.
Tal rico Torrão abrigará de pó mais rico um tanto;
Pó que Inglaterra criou, formou, tornou consciente,
Com flores para amar, caminhos para andar;
Lavado por seus rios, com a benção do sol quente,
Um corpo de Inglaterra a respirar seu ar.
Pensai que o coração, o mal todo arrancado,
Qual um pulsar no eterno espírito, devolve
Em um lugar qualquer aquelas reflexões
Que lhe deu Inglaterra, e tudo lá sonhado,
O riso pelo amigo ensinado e, lá onde
O céu é inglês, doçura e paz nos corações.

É um sentimento nobre, enobrecido ainda mais por aquilo que sabemos de seu autor. Brooke
era um jovem bissexual muito bonito. Era íntimo de E. M. Forster, Virginia Woolf e outros
“bloomsberries”. Foi um poeta talentoso, mas, comparado com Wilfred Owen, era mais
tradicional na técnica. Também seu patriotismo era tradicional. Ele se alistou como voluntário na
eclosão da guerra, embora um tanto acima da idade, e morreu no primeiro ano do conflito de uma
picada infectada de mosquito, não de uma bala inimiga. Está de fato enterrado num “campo
estrangeiro”, a ilha grega de Esquiro.
O poema de Brooke foi adotado instantaneamente pela máquina da propaganda de guerra.
Foi lido à congregação na Catedral de São Paulo. Clérigos do país todo davam sermões baseados
nele. Alunos pequenos escutavam recitações dele nos agrupamentos matinais, com incentivo aos
estudantes mais velhos para que se alistassem em massa e morressem de forma honrosa nos campos
estrangeiros. Era um dos favoritos de Winston Churchill, primeiro lorde do almirantado. Foi
Churchill quem escreveu o ardoroso obituário de Brooke no Times, o jornal “voz da nação”. No
entanto, três anos e todas as mortes depois, o hino de Brooke ao patriotismo soava muito vazio. A
guerra não era gloriosa ou heroica: era, como muitos combatentes acreditavam, fútil.
Praticamente todos os grandes poetas da guerra eram de classe superior, “oficial”. Mas um
dos absolutamente maiores tinha uma origem bem diferente. Isaac Rosenberg (1890-1918) era
judeu e da classe trabalhadora. Sua família emigrara pouco tempo antes da Rússia, fugindo dos
pogroms do czar. Isaac foi criado no East End de Londres, na época uma espécie de gueto
judeu. Abandonou a escola aos catorze anos para virar aprendiz de gravurista. Desde a infância,
deu mostras de um talento artístico e literário incomum, embora sofresse de problemas crônicos nos
pulmões. Era fisicamente mirrado. Apesar dessas deficiências – e claramente inapto –, alistou-se
como voluntário no exército e “entrou na fila da morte” (como diziam os soldados) em 1915. Foi
morto num combate corpo a corpo em abril de 1918.
O poema mais conhecido de Rosenberg, “Raiar do dia nas trincheiras”, é uma obra do tipo
chamado aubade – um “poema do amanhecer”. Saudar o dia que acabou de raiar costuma ser um
ato alegre, mas não para um soldado na França em 1917. Pelo regulamento militar, os soldados
ficam “de prontidão” no amanhecer, porque essa é a hora do dia mais propícia para os ataques:

A escuridão se esfarela.
É o Tempo druida de sempre,
Mas por minha mão algo passa
Ao colher no parapeito
A papoula para pô-la
Atrás da orelha: sardônico,
Estranho rato.
Seu truão,
Eles em ti atirariam
Se de tuas cosmopolitas
Simpatias soubessem (e Sabe Deus que antipatias).
Agora que tocaste esta
Mão inglesa, em breve farás
O mesmo com uma alemã.
Basta cruzares o verde
A separar-nos...

Os ratos, claro, tiveram uma “guerra adorável” – banqueteando-se com os cadáveres de


ambos os exércitos.
Os quatro poemas que vimos neste capítulo são, inquestionavelmente, obras de
primeira grandeza. Somos afortunados por tê-los. Mas será que valeram três vidas?

SUTHERLAND, John. Hinos condenados. Os poetas da guerra.


In:Uma-breve-história-da-literatura. Porto Alegre: L&PM, 2017. p. 250-258.

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