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André Fertig1
por Sérgio Resende, que também foi o diretor de outros filmes com temáticas oriundas
da história como, por exemplo, Lamarca (1994), Guerra de Canudos (1997) e Zuzu
Angel (2007). Trata-se de um filme que enfoca a trajetória de um dos mais ilustres
que, em 1854 tornou-se Barão de Mauá e na década de 1870 alcançou o título nobre de
Visconde. Esta nobre titulação já nos sinaliza para um homem que não foi tão apartado
assim do poder imperial, pelo contrário, cresceu também muito devido a suas relações
A película recupera a trajetória de Mauá, sua infância no Rio Grande do Sul, sua
ida a capital do Império para trabalhar como caixeiro do comerciante português Antonio
obsessivamente didático, que gera certo artificialismo na atuação dos atores em diversos
sociais e econômicas pelas quais o Brasil passava na segunda metade do século XIX.
Inglaterra foi fundamental. Coube a ela, desde o seu patrocínio da vinda da família real
1
Doutor em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS e professor do
Departamento de História da UFSM.
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Brasil. Inseridos na “Era do Impérios”, termo cunhado pelo historiador inglês Eric
máximo a questão até 1850, o mesmo não se pode dizer em relação ao projeto de
sociedade urbana e industrial que se pretendia alcançar. Como afirmam Lucia Pereira
atividades produtivas até a Primeira Guerra Mundial, quando começou a ser superada
pelos Estados Unidos”.2 Assim sendo, podemos inferir também que a aproximação de
teoricamente nas princípios liberais e soube, muitas vezes, jogar com o que hoje
chamaríamos “mercado” para acumular e reproduzir o seu capital, sua ligação com a
máquinas e seu sistema de trabalho – o que o filme nos apresenta bem – além de
sucesso de Mauá muito se deveu a está íntima articulação com o capital inglês.
crítica que podemos fazer a obra de Sérgio Rezende é que ela reforça o mito de Mauá
2
NEVES, Lúcia Pereira das e MACHADO, Humberto. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999, p. 307.
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trajetória pessoal. Com esta abordagem o filme idealiza um personagem já muitas vezes
marxismo, como os textos de Caio Prado Junior, além de biografias como a de Jorge
empresário a serviço das transformações burguesas e com “visão de futuro”, visto que,
como disse o seu sócio Sr. Carruthers no filme, “nós os britânicos somos o futuro”.
XIX e que, conforme a historiografia recente, também não estava presente nas ações e
nas idéias de Mauá, que sabia muito bem compatibilizar, por exemplo, liberalismo e
representavam, no Brasil do século XIX, uma falsa contradição, visto que, na defesa de
pois em seu estaleiro Ponta de Areia, adquirida em 1846, após a liquidação da firma
escrava. Segundo o historiador carioca Carlos Gabriel Guimarães, nos dois únicos
estaleiro ou ´negros de ganho´, cativos alugados cujo pagamento em parte era repassado
a seus senhores”.4 Além disso, Irineu Evangelista fez riqueza, como era usual no Brasil
dos oitocentos, através da atividade do tráfico negreiro, pois a firma Carruthers tinha
estreita relação com tal comércio e com muitos negociantes de cativos. Esta atividade,
como sabemos, era altamente rentável e, portanto, atraía muitas firmas inglesas, mesmo
comentado.
sendo muito mais uma representação de sua época, a década de 1990, em que as idéias
liberais voltaram com força à cena política brasileira e foram encaradas, por muitos,
como a única solução para os problemas do Brasil no final do milênio. Assim, o filme
atrapalha seus planos. Como fizemos questão de salientar, não havia contradição entre
Irineu Evangelista de Souza e o Império. Além de ser próximo da Corte, pelos títulos
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GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Mauá por trás do mito. Revista de História da Biblioteca Nacional.
Rio de Janeiro, Ano 1, n. 4, out/2005, p. 74.
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de nobreza obtidos, Mauá também participou de projeto do Estado imperial, como, por
exemplo, quando foi membro da comissão que organizou o Código Comercial de 1850,
José Thomas Nabuco de Araújo, entre outros. Ou seja, ele circulava e era próximo dos
empréstimos, indicando alguém que esteve, senão sempre, pelo menos com bastante
passado, buscarmos a relação deste passado em foco com o presente do historiador ou,
passado, na qual, muitas vezes, além de discutirmos este passado enfocado, devemos
interpretação do passado. Com pertinência afirma o historiador José Carlos Reis sobre
Portanto, estabelecer uma oposição entre Mauá e o Estado imperial reflete muito
5
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p.9
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viveu e na qual foi, como devemos compreendê-lo, um homem de seu tempo, inclusive