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“O homem não é bom nem mal – é triste e humano”

- Manuel Bandeira -
1. Quem somos nós, vitimas? – a negação da identidade e as razões do esquecimento;
“Mais tarde tivemos que ser desinfetados. Neste lugar, aparavam nossas cabeças. Tínhamos que nos
despir. Faziam-nos passar por torturas humilhantes. Nossas roupas foram levadas e tínhamos que nos
vestir de uma pilha de traposMais tarde fomos levadas para o C Lager (campo C). Permanecemos fora.
Uma kapo (isto é, uma prisioneira feitora, designada para supervisionar um determinado grupo de
trabalho de prisioneiras) veio falar conosco. Nos disse o seu nome, Toska. Acredito que fosse uma garota
polonesa. Parecia ser muito honesta. Perguntou se tínhamos alguma pergunta. Muitas pessoas fizeram a
mesma pergunta, “quando nos reuniremos com os membros de nossas famílias?” Com lágrimas nos
olhos, apontou para o crematório. Passou um momento difícil ao falar. Depois de recuperar a
compostura, continuou: “como vocês, fui trazida aqui com minha família, mas agora, estou sozinha”. Nos
alertou para ficarmos alertas; não seria fácil ficar vivas. Depois disso, fomos arrebanhadas para dentro do
barracão. Ali estava outra Kapo; seu nome era Éva. Era malvada. Uma garota judia bem apessoada, se
comportava de forma desavergonhada, usando um pau para controlar as pessoas [...].
A injustiça era tão horrenda. Aqui estava eu, trabalhando como uma escrava. Por quê? Não tinha feito
nada de errado. Tinham nascido na fé cristã. Por acaso, eu nascera na fé judaica. Tinham tudo que
possuíam. Tudo tinha-nos sido confiscado. Tinham sua família viva. Não sei o que aconteceu com a
minha. Como se podia permitir que todos esses crimes acontecessem no século XX, sem que nem uma só
nação tentasse nos salvar? Onde estava Deus? Teria Ele dormido? Estava perdendo minha fé na
humanidade. Questionava a existência de Deus. Afinal de tudo, tinha visto o crematório soltando fumaça
o dia todo em Auschwitz. As crueldades sádicas que testemunhara davam-me razões para acreditar que
havia muito poucas chances de que veria todos de minha família de novo”.
Veronika Schwartz, Montreal, 1994
2. A linguagem como vigia da angústia: o discurso
e o silêncio nas memórias marginalizadas;
 "Meu avô francês foi feito prisioneiro pelos prussianos em 1870; meu pai alemão foi
feito prisioneiro pelos franceses em 1918; eu, francês, fui feito prisioneiro pelos
alemães em junho de 1940, e depois, recrutado a força pela Wehrmacht em 1943,
fui feito prisioneiro pelos russos em 1945. Veja o senhor que nós temos um
sentido da história muito particular. Estamos sempre do lado errado da história,
sistematicamente: sempre acabamos as guerras com o uniforme do prisioneiro, o
nosso único uniforme permanente.“
Memórias de um mineiro loreno colhidas por Jean Hurtel, citadas em G. Herberich-Marx, F. Raphael

3. O “enquadramento da memória” e o mal do


passado: a reconstrução da identidade;
  
 

Prisioneiro de si próprio?
 
Entrevista com o marechal Albert Kesselring
 
Por Enzo Biagi   

O jornalista Enzo Biagi relembra suas entrevistas com o marechal de campo alemão após seu cativeiro e falecimento:

"Sou um marechal alemão" dizia Kesselring freqüentemente, e endireitava o talo de um crisântemo, ou tocava uma
folha, explicando-me, sorrindo, que um marechal alemão permanece como tal, "bis zum letzten Tag", até o último dia;
que um marechal alemão não pode ter dúvidas; que a Disziplin (disciplina) é um dever; que não pode sentir
arrependimentos, temores; não pode conhecer nossas fraquezas, as fraquezas humanas; deve sorrir, mesmo sob o
fogo inimigo, mesmo quando lhe dizem: "A forca o espera".

“Parece-me prisioneiro de si próprio, de um sonho angustiante de que não soube se libertar: falava insistentemente
em capacetes de aço, capacetes com pregos, capacetes com a suástica. Falava nisso com orgulho, com altivez.
Podemos ver ainda esses capacetes, enferrujados, em nossos cemitérios, nos campos italianos, colocados entre as
cruzes cinzentas que recordam, entre os mortos do país, alguns pobres Hans, ou alguns pobres Rudolph, mortos sob
as ordens do Fuehrer e do marechal Kesselring, nas terras da Itália”.

Não era o pesadelo dos enganos cometidos que o afligia, mas o senso do prestígio perdido.
Guernica. óleo s/tela. 760 x 350 cm. 1937. Museu Reina Sofia

A prece dos mortos, pintura surrealista do artista


polonês Bronislaw Linke, onde a figura de um judeu
chora entre os escombros de Varsóvia.

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