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paz da alma
| Edições Louva-a-Deus |
Dom Lorenzo Scúpoli
O Combate Espiritual
E o tratado sobre a paz da alma
Este livro, então, é dedicado a você, caro leitor, que foi chamado a fazer
parte deste grande exército, e inserir-se nesta luta.
Edições Louva-a-Deus
©Direitos para a língua Portuguesa:
COMUNIDADE EMANUEL
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Brasil
Capa
Patrick Veloso Sabino
S44c
Scúpoli, Lorenzo, 1530-1640
O combate espiritual / Lourenço Scúpoli.
- - Rio de Janeiro: Edições Louva a Deus, 1996
152p.
Tradução de The Espiritual Combat
1. Bem e mal. 2.Guerra espiritual. I.Titulo.
ISBN: 85-337-130-6
96-0189
CDY 233.7
CDU 234.9
Índice
Apresentação
Preparando-se para a Batalha
As quatro armas do adestramento individual
Primeira arma
Desconfiança de nós mesmos
Da confiança em Deus, a mais eficiente de todas as armas
Ainda o cuidado no uso das armas da desconfiança de si mesmo e da
confiança em Deus
Efeitos da queda dos que confundiram a sua presunção com a desconfiança
em si mesmos
Do adestramento no manejo das armas da desconfiança de nós mesmos e da
confiança em Deus
Terceira arma
Do exercício da inteligência e da vontade
Aperfeiçoamento do exercício da inteligência: o discernimento
De outra precaução que a inteligência deve tomar para ter discernimento
claro
Do exercício da vontade. Aqui o combatente se adestra dentro do combate.
Finalidade deste livro
Do exercício da vontade. Algumas considerações sobre o capítulo anterior
Do combate
I - A luta das vontades diversas que existem no homem
II - Do modo de combater contra os apetites dos sentidos. Atos que a
vontade deve fazer para adquirir os hábitos da virtude
III - Momento de perigo: o que devemos fazer quando a vontade superior
parece vencida e completamente sufocada pelos inimigos
Do modo de combater
I - Alguns conselhos a respeito do modo de combater e, especialmente,
contra o que, e com que
II - O soldado se deve apresentar ao campo de luta logo nas primeiras horas
do dia
III - Da ordem que se deve guardar no combate às nossas paixões viciosas
IV - Como resistir à pressão das paixões ou dos impulsos
V - Contra o vício da carne
VI - A negligência
Fortalecimento espiritual
I - A razão da existência dos sentidos
II - Como regrarmos os nossos sentidos, fazendo uso das coisas do mundo
III - O terceiro exercício1
Dos males da loquacidade e do modo de pôr freio à língua
Das virtudes
I - Como vencer as paixões viciosas e adquirir novas virtudes
II - Descrição no uso das virtudes e busca de uma só de cada vez
III - Dos meios de progredir numa virtude e de fortalecê-la
IV - Na escalada das virtudes, parar é o mesmo que voltar atrás
1
Texto adaptado à atenção dos leitores leigos e mais jovens. Para maior fluidez do texto, preponderância
da sonoridade sobre a rigidez gráfica, no uso alternado da 2º e 3º pessoa, no final do capítulo.
V - Não se deve fugir das ocasiões de adquirir as virtudes. Agarre a
oportunidade. O tempo é: agora.
VI - Do amor às ocasiões de exercitar a virtude
VII - Como ocasiões diversas nos servirão para exercitarmos uma mesma
virtude
VIII - Como cada virtude tem seu tempo, e dos sinais pelos quais
conheceremos nossa virtude
Da paciência
Da tentação de indiscrição
Do Juízo Temerário
Da oração2
I - A Quarta arma
II - Da oração mental
III - Do modo de orar por meio da meditação
IV - De outra maneira de orar meditando
V - Da oração por meio da meditação sobre a Virgem Maria
VI - Como devemos recorrer com fé e confiança à Virgem Maria
VII - Do modo de meditar e orar, pensando nos Anjos e Santos
VIII - Sobre o modo de excitar nossos afetos, meditando sobre a paixão de
Cristo
2
Confirma-se, nesta série de nove capítulos sobre a Oração o que foi dito na Introdução deste livro sobre
o vigor dos conceitos do autor, que dispensam modernização. O pensamento mais recente da Igreja sobre
esta matéria encontra-se explanado nas Seções I e II da PARTE IV do Catecismo da Igreja Católica,
recentemente publicado, de onde extraímos as seguintes referências: nº 2559: “A humildade é o
fundamento da oração”. nº 2565: “É o coração que reza”. nº 2643: “A Eucaristia contém e exprime todas
as formas de oração”. nº 2716: “As palavras na oração não são discursos, mas gravetos que alimentam o
fogo do amor”. nº 2725: O combate espiritual da vida nova do cristão é inseparável do combate da
oração”.
Outras referências para consulta: nº 2560; Sto. Agostinho — “Deus tem sede de que nós tenhamos sede
dele”.
2610/11 — Oração de fé; 2629: oração de súplica; 2634: oração de intercessão; 2639: oração de louvor;
2709: oração mental; 2705: meditação; 2742: Orai sem cessar”; 2746/51: A oração da hora de Jesus.
IX - Dos proveitos que tiraremos da meditação e imitação de Jesus
crucificado
Da comunhão sacramental
Da Comunhão Espiritual
Da Ação de Graças
Do oferecimento
Do exame de consciência
Para que não haja dúvida sobre o tratamento que é dado ao tema forte, de
luta de combate, que o título indica, a Apresentação, nas duas edições,
inclui a transcrição de conhecidos trechos bíblicos, além das palavras do
próprio autor, que aborda o tema em diversas ocasiões com total clareza e
objetividade.
3
A modernização da linguagem, no nosso idioma, inclui o uso coloquial deliberado dos pronomes
possessivos, de forma a facilitar a compreensão do texto, evitando que o leitor, quando chamado de você,
se confunda com uma terceira pessoa. Por este motivo, em entendimento com os nossos revisores, a
Editora autorizou o emprego preferencial da terceira pessoa, mas com exclusividade. Quando necessário à
maior clareza, fluidez ou expressividade do texto, serão também utilizados os pronomes possessivos teu o
tua. O leitor notará, todavia, que a modernização da linguagem não se estende aos conceitos, onde é
guardada fidelidade à terminologia do autor, evitando-se ao máximo o uso de palavras oriundas do léxico
das ciências que, como a psicologia e a sociologia, são posteriores à época em que viveu o Padre
Lourenço Scúpoli. Foram mantidas as palavras do texto original, evitando substituições, mas
acrescentando-se outras, quando necessário para a compreensão do texto pelo leitor. For mantida, por
exemplo, a palavra vício no texto, mas, em algumas frases foram empregadas no seu lugar, as palavras
defeito o deficiência, que lhe dão o sentido atual. Da mesma forma as paixões, que devem ser entendidas
como inclinações ou atrações da vontade, por vezes, oriundas dos sentidos, ou seja, sensuais. Quando
inevitável o uso de palavras de uso recente, como por exemplo, mídia, dos veículos de comunicação
social, foram estas comentadas em NOTAS no final do capítulo.
seus partidários terrestres, que pretendem conservar o domínio deste mundo
e criar obstáculos ao progresso do Reino de Deus”.
A Armadura de Deus
Por isso deveis vestir a armadura de Deus, para poderdes resistir no dia
mau e sair firmes de todos os combates.
Do teu lado direito estará o teu vitorioso general, Jesus Cristo, com muitos
batalhões de anjos e santos e, particularmente, São Miguel Arcanjo. Do
lado esquerdo, o Demônio com os seus asseclas, prontos para te vencer,
excitando as tuas paixões, instigando-te a ceder, para te darem a morte”.
É que a batalha, de todos e de cada um, só acaba com a morte, e por esta
razão, não podemos deixar de entrar na luta. Quem não combate será logo
aprisionado ou morto. E prisão, nas mãos do Príncipe da Morte, é morte
certa.
Termina, porém, a citação com uma palavra de estímulo para todos nós:
“Não se assuste com a sua força e o seu número, pois nesta batalha só é
vencido quem quer. Toda a força dos inimigos pode ser neutralizada pelo
nosso Comandante, por cuja honra combatemos. Ele não permitirá que a
luta supere as tuas forças, virá em teu auxílio te dará a vitória se combateres
virilmente confiando no seu poder e na sua bondade”.
Preparando-se para a Batalha
As quatro armas do adestramento individual
Com a ajuda divina, algo diremos, sucintamente, sobre estes assuntos, nos
capítulos subsequentes.
Estas pessoas seguem com grande abnegação, e com sua cruz às costas, o
Filho de Deus, frequentam os santos sacramentos, para glória de sua divina
Majestade, para mais se unirem com Deus e para adquirirem novas forças
contra o inimigo.
Se, porém, põem todo o fundamento de sua virtude nas ações exteriores,
estas ações, não por serem defeituosas, pois são santíssimas, mas pelo
defeito de quem as usa, serão às vezes, mais do que os próprios pecados, a
causa de sua ruína. Pois estas almas que apenas prestam atenção às suas
ações, largam o coração às suas inclinações naturais e ao demônio oculto.
Este, reparando que já está aquela alma transviada, fora do caminho, deixa
que ela continue deleitando-se naquele comportamento enganoso, e até
mesmo a estimula, embalando-a com o pensamento das delícias do paraíso.
A alma logo se persuade de estar no coro dos anjos e de possuir Deus
dentro de si.
Estes estão em grave perigo de cair, porque têm o olhar interno obscurecido.
É com esse olhar que contemplam a si mesmos e suas obras externas boas,
atribuindo-se muitos graus de perfeição. E com soberba, julgam os outros.
Por fim: querer e fazer tudo isto para glória de Deus, para seu agrado, e
porque ele quer e merece ser amado e servido.
Esta é a lei do amor, impressa pela mão de Deus nos corações de seus
servos queridos e fiéis.
Esta é a negação de nós mesmos, que ele, como Pai e Criador amantíssimo,
nos pede, para o nosso bem. Este é o jugo suave de que falava Jesus, a
obediência a que o nosso divino Redentor e Mestre nos chama, com sua
voz e seu exemplo.
Este combate é difícil, mais que nenhum outro, pois combatemos contra
nós mesmos. Por maior, porém, que seja a batalha, mais gloriosa e mais
cara aos olhos de Deus, será a vitória.
Você viu no capítulo anterior que se você cuidar de sufocar os seus apetites
desordenados, os seus desejos e suas vontades, mesmo que muito pequenos,
estará fazendo maior serviço a Deus do que se você se flagelar até o sangue,
se jejuar, mortificando- se mais do que o faziam os antigos eremitas, ou, até
mesmo, se você conseguir converter milhares de almas, porém guardando
vivos e intactos alguns daqueles apetites e desejos não sufocados.
É claro que o Senhor aprecia e regozija-se mais com a conversão das almas
do que com a mortificação de uma pequenina vontade. Apesar disto, você
não deve querer nem levantar a mão para fazer qualquer outra coisa sendo
aquilo que o Senhor estritamente quer que você faça. Ele mais se compraz
que você se canse em vencer as suas paixões e as suas vontades
desordenadas do que em lhe servir praticando algum trabalho, por grande e
necessário que seja, guardando dentro da tua alma e viva dentro de ti,
alguma paixão, voluntária e conscientemente.
Guarde bem isto na mente: nós presumimos muito de nossas próprias forças,
porque somos inclinados pela nossa natureza corrompida, a uma falsa
avaliação de nós mesmos. Nada somos, porém sempre queremos achar que
somos muita coisa.
Toda a virtude nos vem de Deus, que é a fonte de todo o bem. Com ele,
podemos ser tudo. Por nós mesmos, nenhuma coisa: nem sequer um bom
pensamento podemos ter.
Esta presunção que nos leva a nos avaliarmos acima das nossas próprias
forças é um defeito muito difícil de ser reconhecido e admitido por quem se
encontra em erro, e desagrada muito a Deus, que nos ama e quer em nós o
conhecimento de que toda a graça e todos os nossos dons provém dele.
Entretanto, ela, somente, não basta. Porque, se, além disto, não pusermos
toda a nossa confiança em Deus, esperando dele, e somente dele, os
auxílios necessários e a vitória, cedo nos poremos em fuga e seremos
vencidos por nossos inimigos.
Para ele nada é difícil ou impossível. Ele é a bondade sem medida, e está
sempre disposto a nos dar, a cada hora e a cada momento, tudo aquilo que
nossa vida espiritual necessita para a nossa vitória final.
Basta que a ele recorramos com confiança, pois é grande o seu desejo de
que lhe peçamos tudo, como filhos que somos.
Você deverá agir da seguinte forma: quando você desejar realizar alguma
coisa, ou iniciar alguma batalha, ou então você sentir que precisa obter uma
vitória sobre si mesmo, medite um pouco, antes de começar, sobre a sua
fraqueza. Quando você tiver uma noção clara da sua situação, sentindo a
sua falta de poder, comece a pensar sobre o poder, a sabedoria e a bondade
divina.
O equívoco pode ocorrer, ainda que pareça que não, pois a presunção que
temos de nós mesmos é tão sutil e enganadora que é muito difícil separá-la
da desconfiança que parecemos ter de nós mesmos e da confiança que
julgamos depositar em Deus.
Aprenda, portanto, a fugir dessa presunção, e a viver em uma completa e
permanente desconfiança de si mesmo e, em contrapartida, crescente
confiança em Deus. Basta, para isso, que você tenha sempre em mente a
avaliação da sua fraqueza humana perante a grandeza e a onipotência de
Deus, e que ambas estas considerações antecedam sempre os teus atos.
Observe, com atenção, o sentimento que nascer na sua alma após a queda:
se você sentir uma inquietação, como que uma tristeza e um
desapontamento que leva ao desânimo e pode chegar à desesperança, é
sinal certo de que você estava confiando na sua pessoa, e não em Deus.
Sabe que foi ele mesmo que abriu ocasiões para a sua queda, com os seus
defeitos e desregramentos, e não se assusta, nem se inquieta. Sente um
arrependimento sincero, mas calmo e pacifico, por ter contrariado o seu
Comandante, e continua sua rota, perseguindo os inimigos, com energia e
resolução, até feridos de morte.
Destas duas virtudes nascem quase toda a força de que necessitamos para
vencermos os nossos inimigos. Mas não é fácil o manejo destas duas armas
que só conseguimos receber e utilizar com o auxílio divino.
Eis a razão pela qual nós temos que agarrar com crescente firmeza e
determinação a arma que nos é dada da desconfiança de nós mesmos.
Durante toda a nossa vida, portanto, todos os dias, a todas as horas e, até
mesmo, em todos os minutos devemos estar atentos e firmes na resolução
de jamais, de modo nenhum e em nenhuma hipótese, confiarmos em nós
mesmos.
Pode ter tentado, por todos os meios e todas as formas deixar o pecado e ter
fracassado.
Ter procurado levar vida correta e não ter conseguido nem um pontozinho
de bem.
É exatamente este soldado que, apesar de tudo, não pode se deixar perder a
confiança em Deus, nem deixar as armas e os exercícios de adestramento
espiritual.
É exatamente este o soldado que importa que combata.
Pois é preciso que se tenha em mente que nesta batalha espiritual nunca
perde quem ainda combate e ainda confia em Deus.
E o auxílio divino nunca falta, mesmo que os combatentes sejam, por vezes,
feridos.
Com o exercício, devemos tornar a mente clara e lúcida, para que possa ver
e discernir bem. O discernimento cresce na proporção em que é exercitado
e, por este motivo, a sua aquisição pelo combatente é um fator decisivo
para a obtenção da vitória final individual e coletiva.
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O papel da informação aqui é adaptado aos meios mais modernos de comunicação do pensamento,
englobados na palavra mídia. O problema da curiosidade que o autor considera distração da mente, é
examinado, extensamente, no nono capítulo.
mais poderosa de todas, como será demonstrado mais adiante, nos capítulos
44 a 50.
Para ver se somos bons ou maus, não será levada em conta a aparência boa
ou má dos nossos atos, nem o juízo dos nossos sentidos, mas sim o juízo do
Espírito Santo. É aquilo que a “cultura” mundana consagrou, deve ser
repelido como sendo muito pouco aos olhos do Espírito Santo, por este,
sendo eterno, é totalmente imune aos modismos da mídia, e suas variações,
que são tão superficiais como caprichosas.
Ele nos mostra que mais vale desprezar o mundo que possuí-lo todo inteiro.
Mas, para alcançá-lo, temos que disciplinar a mente, limpando-a dos seus
obscurecimentos.
Guarda-te pois, filha (e filho...) com toda a tua vigilância, de qualquer afeto
desordenado, seja por que causa for. Após examinar bem o objeto, tenha o
trabalho mental de apurar cuidadosamente aquilo que a coisa é, com toda a
luz da tua inteligência e com o auxílio da graça, e da oração, para que
venha em tua ajuda o grande professor que é o Espírito Santo.
Na luta contra o erro, o que deve estar sempre sujeito à observação são as
boas obras que você tenha feito. Pois nestas, justamente por serem boas e
agradáveis a Deus, há mais perigo de engano e de tentação.
A perdição, como a serpente, vem rastejando pelo chão, mas sobe pelas
árvores e pelas nossas pernas. E nem sempre é uma serpente grande. Pode
multiplicar-se em centenas de cobrinhas à procura de qualquer brecha para
entrar.
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OBS. - Este capítulo foi reescrito com a inserção de terminologia atualizada e conceitos igualmente
adaptados à nossa época.
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O tratamento mais atualizado do tema da curiosidade implicaria numa longa investigação sobre o efeito
dos meios de comunicação de massa, inclusive sobre o fenômeno do publicidade, onde a curiosidade é
utilizada como instrumento de captação da atenção para a venda de produtos. Ainda que tenha variado, no
tempo, o diagnóstico, são perfeitamente atuais os remédios indicados pelo autor, tendo sido guardada
fidelidade ao texto original tocante aos seus conselhos e recomendações.
pouco tempo a fortaleza da sua inteligência estará toda minada pelo inimigo.
E aí será o momento em que as portas e janelas começarão a ser abertas de
dentro para fora para dar entrada à enxurrada dos pensamentos viciosos,
doentios e dissolventes, elaborados na cozinha do demônio com aquele
cuidado que só ele tem.
Não procure saber todos os dias e a cada instante, das notícias e das
novidades do mundo, que te são servidas de forma planejada, como
produtos de consumo, para atrair e orientar o teu interesse para os mais
baratos, que são os mais rendosos.
Nesse jogo, cada um está na sua, e ninguém está ligando para a morte da
tua alma.
Por isso, atenção para o alerta: qualquer outra novidade ou pergunta, ainda
que disfarçada de investigação intelectual das coisas de Deus, é laço do
demônio para te prender e trucidar, utilizando a tua ingênua vaidade e tola
soberba.
Não precisam ser levadas. Vão por si sós, enganadas pelas suas próprias
ilusões. Cristais, pirâmides do Egito, pedrinhas mágicas, superstições,
números, astros, respiração, tudo serve para entrar no grande desfile das
almas sonâmbulas, embriagadas pela sua própria sabedoria, que vão
descendo, suavemente, a ladeira, que as leva, para baixo, para baixo, lá pra
baixo...
O conselho é, pois: opõe-te à tão perigosa soberba, antes que ela tome
posse de ti, inteiramente. Estanque a inundação dos conceitos malignos,
cortando o fluxo da comunicação excessiva e perniciosa. E não confies no
aparente “brilhantismo” da tua inteligência; escuta o parecer dos outros,
principalmente daqueles que te querem bem.
E, como São Paulo, mais do que pela tua vã sabedoria, enamora-te pela
loucura do amor de Deus, que te fará mais sábio que Salomão.
Outro exercício que você precisa praticar e que também diz respeito à
inteligência é o de fazer com que a vontade não se torne escrava dos seus
desejos.
Quanto melhor nos parecer a coisa desejada, maior será o nosso engano.
Para nos guardarmos contra este laço que nos impede de caminhar para a
perfeição devemos adotar o seguinte estratagema: quando lhe aparecer
alguma coisa que você sabe que é agradável a Deus, antes de colocar sobre
ela o seu desejo, levante o seu pensamento a Deus, procurando saber se é
da divina vontade que você queira aquela coisa.
Já conhecemos, a esta altura, alguns dos laços de que ele se utiliza para nos
caçar, e um deles é fazer a gente confundir a nossa vontade imperfeita e no
mais das vezes, errônea, como se fosse a vontade de Deus, e a nossa
opinião, quase sempre egoística e falha, como se fosse a palavra de Deus.
Vê-se, assim, cada vez mais nitidamente, que a busca da vontade divina é a
solução mais inteligente, além de ser a mais conveniente.
Se, examinando as disposições da sua alma, você vai verificar que os seus
objetivos são egoísticos, não se preocupe, pois a vontade de Deus, naquele
caso em particular, pode ser a de que você atinja aqueles objetivos.
No começo, não será fácil para você adquirir o hábito de agir em tudo com
o fim de agradar somente a Deus. Você será auxiliado, porém, pelas tropas
em que se alinhou, pois passou a ser um amigo muito íntimo do
Comandante-em-Chefe. E, à medida em que for praticando muitos atos de
desejo divino, vai ficando cada vez mais fácil e mais agradável servir ao
Criador, amando-o sobre todas as coisas.
Antes de que pudéssemos honrá-lo e louvá-lo, ele já nos amava, pois nos
havia tirado do nada. Num ato de criação que, como ato de amor é
inigualável, deu-nos existência, modelando-nos iguais a si mesmo, e
deixando em cada criatura uma partícula da sua divindade, da sua
harmoniosa beleza, da sua perfeição em todos os sentidos, da sua bondade e
generosidade, da sua fortaleza, da sua sabedoria, da sua justiça e, sobretudo,
do seu amor.
Morreu por nós, em lenta e penosa agonia, única retribuição que lhe deram
os homens em troca de uma vida inteira dedicada a ensinar-nos como viver
neste mundo.
Ninguém até hoje conseguiu entender como e por que uma tão grande
Majestade nos tem em tão alta conta, a nós, vermezinhos miseráveis, tão
cheios de falhas. Só por isto, deveríamos ter-lhe gratidão eterna,
independentemente de tudo aquilo que fez por nós e continua fazendo, em
todos os minutos da nossa existência.
Que deveremos fazer para agradar ao Supremo Rei do Universo, por seu
amor vigilante e por tudo o que fez e continua fazendo por nós?
Tenha em mente que o nosso Criador, por tudo isto, merece infinitamente
ser honrado e servido por todos nós e, particularmente, por você, que é seu
filho querido, para quem estão abertas todas as portas do céu.
Do Combate
I - A luta das vontades diversas que existem no homem
7
A palavra vício é aqui empregada no sentido de “o que é o oposto virtude”, assim como a palavra
vicioso para designar o oposto de virtuoso.
Como resultado, pode ocorrer que pratiquemos atos bons e corretos, porém
com frieza e pouca motivação, enquanto que tudo o que é feito é
acompanhado de interesses e imperfeições ocultas, e de uma certa estima
de nós mesmos, com o desejo de sermos apreciados pelo mundo.
Os que assim fazem, não sabem que estão correndo o risco de cair nos erros
antigos, pois sem saber, estão-se afastando da proteção divina, como
soldados distraídos que não cuidam de suas armas.
Outro engano, muito perigoso, e bem pouco advertido, é o que ocorre com
aqueles que mais se amam a si mesmos, um amor que já é enganador, pois
não é verdadeiro. Escolhem eles as coisas que mais condizem com o
próprio gosto e deixam de lado outras que desagradam às suas inclinações
naturais e aos seus apetites sensuais, quando precisavam que, justamente
contra estes apetites se voltasse todo o esforço da batalha.
E tanto mais facilmente e tanto mais perto estará a vitória quanto com mais
vontade você aceitar as dificuldades que a virtude apresenta aos
principiantes.
Porque se você amar a dificuldade e o combate que leva à vitória e à
virtude, cedo conquistará ambas as coisas.
Você já viu que a sua vontade racional, colocada no meio entre a vontade
divina e a dos sentidos, é solicitada por ambas e tentada a se sujeitar a uma
delas.
Cada qual deve vencer. Mas é preciso que vença a vontade divina, e por
este motivo você tem que se exercitar permanentemente.
Esta será a mais dura das batalhas, tendo por objetivo obter o
consentimento da tua vontade forte. Mas esta vencerá no final, se por tua
perseverança na luta, a batalha prosseguir até o fim, só terminando quando
o inimigo se der por vencido.
É por este motivo que é preciso empenhar um segundo combate depois que
você tenha resistido ao primeiro assalto. Os pensamentos que lhe causaram
aquela impaciência frustrada devem ser chamados de novo à memória,
como fazem aqueles lutadores confiantes, que desafiam os seus inimigos
para o corpo a corpo. Excitando em você mesmo aqueles pensamentos que
lhe causaram impaciência, de modo a que você se sinta movido na sua parte
sensitiva, você reprimirá com força de vontade e esforço ainda maior do
que antes, os apetites chamados a combate.
Mas não basta esta segunda vitória. Lembre-se que o demônio é uma fera
insaciável, que não está aí para lutar batalhas com você. Ele está a fim de
estraçalhar você, como fazem leões e os tigres.8
8
Sobre o Demônio, em perfeita consonância com o pensamento atual da Igreja, atual da Igreja, expresso
no Catecismo recentemente publicado (1993), veja a próxima nota deste capítulo.
sentir repugnância por aquelas coisas que lhe atraiam. Repugnância por
aqueles movimentos dos sentidos, que é acrescida de desprezo e,
finalmente, ódio e abominação. Aí, sim, só então, que o demônio estará
vencido, e irá rondar outras vítimas para matar e comer, mas longe de você.
É por isto que é preciso um segundo e um terceiro combate, para que você
afaste de si, de uma vez por todas, esses apetites e paixões desordenados e
comece a construir sobre o terreno conquistado, aperfeiçoando a sua alma e
embelezando-a com os hábitos da virtude.
Para começar, será necessário que você pratique atos interiores contrários
às suas paixões desenfreadas de outrora. Um bom hábito para ser adquirido
nessa fase de consolidação da vitória é o da paciência. Para consegui-lo,
você procederá da seguinte maneira: digamos que uma pessoa lhe provoque
impaciência, por mostrar pouco apreço por você. Não basta que você
combata a impaciência até vencê-la na forma aqui sugerida. Você terá que
fazer um esforço maior e mais difícil: o de aceitar e até mesmo receber bem
o desprezo recebido. Não deve, em hipótese alguma, pretender modificar a
opinião da pessoa que o despreza, pois isto seria fazer exatamente o que o
diabo quer. Para dobrá-lo e botá-lo pra correr, tem que ficar comprovada a
derrota dele, pois a verdadeira intenção dele não é a de fazer que você seja
desprezado, e sim que você sofra com o desprezo alheio. Quanto menos
você sofrer, mais derrotado será o diabo e se você não sofrer absolutamente
nada, a derrota dele será completa.
A razão pela qual tais atos contrários são necessários para que nos
aperfeiçoemos nas virtudes, é que os outros atos, por muitos e fortes que
sejam, não são suficientes para extirpar as raízes dos nossos erros. Por isso,
se não fizermos esforço quando somos desprezados, conforme o exemplo,
no sentido de até chegar a gostar do desprezo, não poderemos nos livrar
nunca daquela impaciência com que reagimos, devido à inclinação que têm
as pessoas para amar a sua reputação e o conceito dos outros sobre si.
Digo ainda mais. Para adquirir um hábito virtuoso, são necessários atos
bons em número superior aos atos ruins formadores do hábito vicioso.
Por que razão? Porque os hábitos maus são ajudados por nossa natureza,
que é facilmente corruptível.
A luta deve ser frequente e contínua, mesmo que, em alguma ocasião lhe
pareça árida, e você sinta que os atos virtuosos são praticados com uma
certa frieza, como se estivessem sendo praticados contra a vontade. Se
assim te parecer, não te incomodes. Siga em frente, praticando os atos
porque, por fracos que fossem — e não são — seriam eles que te tornariam
seguro na batalha e te levariam à estrada da vitória.
Outra coisa: cuide de combater não somente os desejos grandes, mas
também os pequeninos apetites de qualquer paixão, porque estes abrem o
caminho para os grandes, gerando-se, então os hábitos viciosos.
d) Conclusão
Filha e filho:
Falo com grande clareza: se você quer, mesmo vencer este combate
espiritual, conseguirá reformar e vencer a si mesmo, tomando a peito estes
exercícios e conceitos de que lhe venho falando neste livrinho.
Asseguro-lhe que em pouco tempo, você avançará no caminho da virtude,
deixando de ser vítima dos apetites estimulados pelo demônio, para vir a
ser um ente espiritual repleto do espírito divino, pois o Espírito já habita no
teu interior.
Pois, como já falei no primeiro capítulo, a virtude não consiste nem nasce
das coisas agradáveis à nossa natureza, mas daquelas que consistem no
sacrifício dos prazeres ilusórios que a nossa natureza comanda.
Pois assim como nossa vontade jamais será viciosa e terrena, a não ser
quando ceder, também não estará ela unida a Deus e não será virtuosa a não
ser quando, com atos internos, atendermos à voz da graça e praticarmos os
atos externos que forem necessários.
É bom você saber o seguinte, quando pensar na sua fraqueza: nesta batalha
os resultados operam de uma forma diferente. Se você não desistir do
combate, será vitorioso. O que conta é você resistir, é não ceder, porque o
inimigo está pouco ligando para a batalha: o que ele quer é você. É ver
você derrotado, caído, ou parado, cansado de lutar.
Por exemplo:
Primeiro:
Quem sabe, você merece o mal por que está passando. Se for assim, medite
sobre a conveniência de que você suporte pacientemente a ferida que você
mesmo fez em si, com a sua própria mão.
Segundo:
Terceiro:
Quarto:
Não existe nenhum outro caminho para a salvação a não ser o da cruz. E
ainda que houvesse um outro caminho, pela lei do amor que prende você a
Deus, você não iria desejar receber um tratamento mais privilegiado do que
o nosso modelo, que é Jesus Cristo, e o de todos os Santos que sofreram por
você.
Quinto:
Se você meditar sobre a vontade de Deus, verá que, pelo amor que tem a
você, ele gosta de vê-lo lutando como um valente soldado, mesmo que seja
em meio à mortificação. Ele quer que o seu fiel e generoso guerreiro
corresponda ao seu amor.
Em qualquer circunstância, tenha sempre por certo que tanto maior será a
alegria do Senhor quanto maiores forem as tuas tarefas, e que estas serão
brilhantemente executadas. Quaisquer que sejam as dificuldades e
obstáculos, ele te ajudará a transpor, pois mesmo nas coisas mais
desordenadas em si mesmas, o Senhor cumpre a sua divina vontade, pois
tem seus planos perfeitíssimos em tudo o que acontece, por desregrado que
seja.
Do modo de combater
I - Alguns conselhos a respeito do modo de combater e,
especialmente, contra o que, e com que
Você viu que é preciso combater a si mesmo para vencer o próprio ego e
ganhar a coroa de louros da virtude. Para alcançar com maior pressa e
facilidade a vitória contra os inimigo você deverá, porém, combater com
ânimo todos os dias, particularmente o amor próprio. Neste combate, você
terá como aliados os desgostos e os desprezos que o mundo te possa dar,
conforme já foi explicado nos capítulos anteriores.9
Assim como também já foi dito que as vitórias nesta luta são difíceis, raras,
imperfeitos e, em muitas ocasiões, passageiras.
Você já sabe, também, que o combate deve ser empenhado com grande
fortaleza, e que esta não lhe será negada, se for pedida a Deus.
Por outro lado, a força do inimigo é enorme, e feroz o seu ódio, que cresce
ainda mais quando se prolonga a resistência. Mas você sabe que a vontade
de Deus e o amor que ele nos dedica superam tudo, pois são infinitamente
maiores do que tudo o que está no mundo. E muito mais poderosos são
ainda, com o reforço dos anjos do céu e das orações dos santos, que
combatem do nosso lado.
9
Empregamos deliberadamente o termo freudiano ego, desconhecido do autor, por mais adequar-se ao
contexto. Feita a ressalva, por ser um emprego excepcional à regra de fidelidade à terminologia aqui
adotada.
saber que todo o poder e a força dos nossos inimigos podem ser contidos
nas mãos do nosso divino Comandante. Nós combatemos por sua honra e,
se foi ele mesmo que nos chamou à batalha e nos ama desmedidamente,
não permitirá que a luta seja forte demais para as tuas forças. Ele combaterá
pessoalmente, por ti, a teu lado e te fará vitorioso.
E tanto maior será a tua recompensa quanto mais tempo durar o combate,
mesmo que dure toda a tua vida.
Finalmente, para que você combata com valor, é preciso ter sempre em
mente que esta luta é fatal, e que não nos podemos furtar a ela, pois é a
sobrevivência da nossa alma que está em jogo. E que quem não combate, já
está, desde logo, entregue ao Príncipe da Morte e seu bando de chacais, de
quem será pasto e alimento. Cedo será ferido e morto.
Inimigos de tal espécie e tão cheios de ódio e gana assassino, de quem não
se pode jamais esperar paz e trégua, têm que ser guerreados com energia e
sem cessar, até a vitória final, que já nos está assegurada.
Quando você se levantar, a primeira coisa que os seus olhos devem ver é
você mesmo, na arena da luta, com esta lei: ou o combate ou a morte
eterna.
Você, então, imaginará que uma voz, como que a do seu anjo da guarda,
esteja falando a você desta forma:
“Hoje deves combater contra estes e outros inimigos teus. Que o teu
coração não tema. Não desanimes. Não cedas por temor ou por respeito,
porque o Senhor nosso e teu General está aqui, junto de ti, com todos estes
gloriosos batalhões. Todos combaterão contra os teus inimigos, e não
permitirão que te assaltos com demasiada ferocidade. Resiste, pois, mesmo
que tenhas que praticar violências a ti mesmo e suportar as penas que
padecerás, ao empunhar esta batalha. Grita, no íntimo do teu coração, e
invoca o teu Senhor, implora o auxílio da sua Mãe Santíssima e de todos os
santos e assim, sem dúvida, vencerás.
Como foi aqui também dito, você chamará à batalha os seus inimigos e as
inclinações más que tanto mal fazem a você, e estará pronto para vencer
estes vícios com os atos das virtudes que lhes são contrárias. Agradará,
assim, ao Senhor que contempla a batalha, com toda a Igreja Triunfante.
Também é preciso que você não se esqueça de que mesmo tendo uma vida
pacífica, afastada dos combates de que trata este livro, e entregue à vida
mundana e às delícias da carne, estaria a sua vida cheia de contrariedades e,
muitas vezes, você ficaria com o coração numa angústia de morte.
É importante saber a ordem que se deve guardar no combate, para que não
façamos como muitos, que combatem ao acaso, sofrendo grande dano.
Você deve olhar dentro do seu coração e fazer um minucioso exame dos
pensamentos que se agitam dentro da sua alma, das paixões más que a
oprimem.
Em primeiro lugar, você tem que estar com o ânimo preparado para receber
o choque do impacto das injúrias inesperadas, ou qualquer outra coisa que
te contrarie, que te pegue de surpresa.
Por exemplo: se você constatar que o afeto que tem por alguma coisa está
influindo demasiadamente no seu ânimo a ponto de alterá-lo, quando a
coisa mortifica, o modo de livrar-se dessas situações é procurar livrar-se do
afeto.
Mas, se a alteração procede, não da coisa, mas da pessoa, cujas ações, por
pequenas e insignificantes que sejam, enraivecem, o remédio será outro:
cuide de inclinar a sua vontade superior a amar aquela pessoa. Ela é uma
criatura tanto quanto você, criada pela mesma mão divina, resgatada pelo
mesmo divino sangue. Deus está ensejando a você uma ocasião rara e
preciosa de assemelhar-se a ele, prodigalizando, como o faz o Senhor, um
amor bendito e benigno para com todos.
Se você vem lidando com a pessoa há longos anos sem sentir os estímulos
da carne, não se fie nisso. O instinto faz, às vezes, em uma hora, o que não
fez em muitos anos. Como bom caçador que é, o diabo sabe esconder muito
bem as suas armadilhas no meio da mata ou em campo aberto. E o jogo do
sexo é um dos seus prediletos, pelos males que pode causar.
Segundo: cuidado com o ócio, que é o ponto de partida para muitos maus
atos. Esteja sempre vigilante, ocupando o tempo com trabalhos que
garantam a sua segurança, em vez de perdê-la. O ócio, nas terras de clima
quente, é pejado de sensualidade, e excita os castos.
Deus costuma corrigir aqueles que estão sempre dispostos a julgar os seus
semelhantes e a desprezar os pecadores, permitindo que caiam no mesmo
defeito, a fim de que se corrijam, à sua própria custa e adquiram horror à
soberba. E, se depois disto tudo, você não mudar os seus pensamentos,
muito será de desconfiar do estado da sua alma.
A curiosidade dos olhos e dos ouvidos é satisfeita, tendenciosamente, pelos meios de comunicação, que
utilizam a sensualidade e a perversão dos sentidos como o seu melhor e mais eficaz instrumento de
marketing num círculo vicioso de tentação e remuneração.
11
Quanto à retidão e ao recato, o pensamento do autor está perfeitamente sintonizado com o da ciência
médica e antropológica mais recentes. O Criador não faz nada sem razão: a pureza e a retidão no uso dos
sentidos é condição essencial para a virtude e para a perfeição espiritual, para a saúde física individual e
coletiva e para o equilíbrio emocional do homem e dos grupos sociais.
12
O Catecismo da Igreja Católica oferece sobre esta matéria os seguintes ensinamentos:
nº 2338 - “A pessoa casta mantém a integridade das forças vitais e de amor depositadas nela. Esta
integridade garante a unidade da pessoa e se opõe a todo comportamento que venha a feri-la; não tolera
nem a vida dupla nem a linguagem dupla”.
nº 2339 - “A castidade comporta uma aprendizagem do domínio de si, que é uma pedagogia da liberdade
humana. A alternativa é clara: Ou o homem comanda suas paixões e obtém a paz, ou se deixa subjugar
Para o corpo, a disciplina é a mortificação, mais ou menos eficaz, na
proporção da sua intensidade e dos meios utilizados: jejuns, penitências,
vigílias, etc.
por elas e se torna infeliz” (Cf. Eclo 1,22). A dignidade do homem exige que ele possa agir de acordo com
uma opção consciente e livre, isto é, movido e levado por convicção pessoal e não por força de um
impulso cego ou debaixo de mera coação externa”.
nº 2341 - “A virtude da castidade deve ser comandada pela virtude cardeal da temperança, que tem em
vista impregnar de razão as paixões e os apetites da sensibilidade humana”.
nº 2342 - “O domínio de si mesmo é um trabalho a longo prazo. Nunca deve ser considerado
definitivamente adquirido. Supõe um esforço a ser retomado em todas as idades da vida”.
Se meditação houver, você a fará, tendo como tema e núcleo central a vida
e a paixão de Cristo Crucificado, ressaltando a pureza e a castidade da sua
vida e a sua resistência a todas as tentações.
c) Passada a tentação, o que restará a você fazer, por mais seguro (ou
segura) que você pense estar, é afastar da mente aqueles objetos que
ocasionavam a tentação. Até aí, o demônio estará presente, iludindo,
enganando, fazendo que, até mesmo por desejo de virtude, você seja
inclinado a voltar a pensar sobre o seu desvio. É por isto que o combate tem
de ser permanente.
Porque uma das grandes fraudes da nossa natureza viciosa e um dos laços
do nosso sagaz adversário é transformar-se em anjo de luz, para nos cobrir
de trevas.
VI - A negligência
Soldado negligente, cai nas mãos do inimigo, se não perecer antes. Para que
você não se torne escravo (ou escrava) deste pecado, deverá afastar-se de
três tentações que são as que abrem caminho para este tipo de perdição: a
curiosidade, o apego demasiado aos bens e prazeres terrenos e as ocupações
inconvenientes, ou malignas.13
Veja você, portanto, que a negligência tem o vasto alcance de atingir toda a
nossa alma. Seu veneno infeccionará a vontade, fazendo-nos perder o gosto
pelo trabalho e alcançará a inteligência, obcecando-a de modo tal que não
conseguirá distinguir a inutilidade dos nossos vãos propósitos de resistir à
tentação.
Sim, porque pode vir a ser uma finíssima forma de negligência fazer o
trabalho antes do tempo. E, pior ainda, fazê-lo apressadamente e sem
cuidado, com os olhos fitos no descanso que poderemos desfrutar depois. O
fato de ter sido efetuado no seu tempo certo acresce o valor do trabalho.
Aos soldados novos, mais vulneráveis ao pecado da negligência, estes erros
acarretam grande mal à alma, porque não é considerado, em favor do
executante, o valor que tem uma obra boa, feita no seu tempo. Por isso,
você deve enfrentar com ânimo resoluto a fadiga e os dificuldades que o
vício da negligência apresenta sempre dos menos preparados, confiando na
ajuda do seu Comandante, que está sempre presente, a seu lado.
Os diligentes vão, assim, acumulando graças para que suas almas subam,
cada vez mais, para perto de Deus. São oportunidades que vamos perdendo,
à medida que, afundados na preguiça, nada fazemos para conseguir vitórias
sobre nós mesmos.
Pode acontecer que você, no início da batalha, sinta que não tem energia
para reagir vigorosamente contra a fadiga. Nessas ocasiões, o que você
deve fazer é lutar com as forças que tenha, e esconder dos outros as suas
dificuldades, para que pareçam menores do que dizem delas os negligentes.
Não se inquiete diante dos casos e das situações mais difíceis. Às vezes,
você terá que praticar muitos e muitos atos para conquistar uma virtude,
desgastando-se com esforços grandes seguidos. Estando cansado, os
inimigos parecerão a você mais fortes do que são, na realidade. Também
nesses casos, você deverá minimizar as dificuldades. Siga adiante na luta
como se não fosse importância aos obstáculos, imaginando que é por pouco
tempo que você estará sofrendo a fadiga do combate. E pense que está
lutando contra um só inimigo, como se não restassem outros vencidos.
E tenha sempre, em tudo, uma total confiança no auxílio que Deus te dará,
muito mais forte do que o poder dos inimigos.
Veja o esforço a ser despendido nas orações mais longas. Se, de início, elas
te tomem uma hora e isto te pareça pesado à tua negligência, comece a
rezar considerando que a duração da oração passará de 1/8 (um oitavo de
hora, ou seja 7 minutos e meio). Você que passou facilmente do primeiro
oitavo ao segundo, sentir, e depois do segundo ao terceiro, e assim por
diante.
Este recurso, que é divino, pela via do Espírito Santo, também se aplica aos
trabalhos manuais e ao estudo dos alunos que têm de se preparar para
provas escritas ou orais, ou em todos os casos, em que: você tiver que fazer
muitas coisas que pareçam trabalhosas demais.
Esta é a sensação de vitória que sentem os vencedores, que sabem onde está
a verdadeira batalha e o verdadeiro desafio: em nós mesmos.
Faça como eles, pois se você deixar a negligência tomar conta, viverá
sempre assustado pela fadiga que irá sentir sempre que tiver que exercitar a
virtude, e apavorado pelas crescentes dificuldades e sacrifícios que advirão
dos trabalhos futuros. Viverás sempre ansioso, temendo os futuros assaltos
do inimigo e receando a todo momento que alguém te venha impor alguma
coisa desagradável. Será infeliz.
Vigia, portanto, reza, e pratica o bem, mas sempre de olhos bem abertos, e
procurando manter-se em constante atividade, a fim de que os teus
intervalos de descanso sejam verdadeiros, e nos momentos de entrega à
suave sensação de torpor sensual que caracteriza a molície, e a preguiça
corporal e espiritual.
É preciso que entendamos bem o que significa para nós termos sido criados
à própria imagem de Deus, a fim de que nos conheçamos melhor, de corpo
e alma.
Você tem que impedir que os seus sentidos andem por onde queiram, e só
sejam utilizados quando você é movido, exclusivamente, pelo desejo de
deleitar-se no prazer.
E quando moveres as mãos para fazeres algo, recorda-te que Deus é a causa
primeira daquela operação e tu nada mais, és que seu instrumento vivo.
Comendo e bebendo, considera que é Deus que dá gosto às coisas. Se te
agrada o odor de ah: algum perfume, não se atenha meramente ao prazer do
olfato, mas volte o seu pensamento ao Senhor que é a causa daquele: aroma
agradável, como se você dissesse: “Faz, Senhor, com que, assim como me
alegra saber que procede de ti esta suavidade, assim também a minha alma,
desprendida de qualquer prazer terreno, se eleve e tenha um odor que te
seja agradável”.
“Quanto me alegro, Senhor e Deus meu, por tuas infinitas perfeições que
dentro de ti, já são harmonias celestiais e que, juntamente com os anjos
formam um maravilhoso concerto em todas as criaturas”.
Medite sobre esta lista dos sofrimentos de uma só pessoa, recebidos quase
que todos de uma vez, porém separados, na sequência do tempo, para
aumentar a dor.
Para concluir o exercício, como bom aluno, medite você sozinho sobre o
final da lista. Depois da morte, a treva, as rochas fendidas, o terremoto, o
véu do templo, e veja como as coisas terrenas estão impregnadas da
presença divina.
Foi isto que eu quis mostrar a você, filho meu, e a você, filha minha, neste
capítulo, para o seu fortalecimento espiritual.
Além disto, serão úteis não somente às pessoas simples, mas ainda aos de
inteligência elevada e mais avançados na vida do espírito, os quais nem
sempre estão dispostos a especulações mais altas e mais complexas do que
as deste nosso simples jogo de ideias.
14
Texto adaptado à atenção dos leitores leigos e mais jovens. Para maior fluidez do texto, preponderância
da sonoridade sobre a rigidez gráfica, no uso alternado da 2º e 3º pessoa, no final do capítulo.
Comecemos, pois, tomando como ponto de partida as imagens seguintes:
sol, céu, pássaros voando, mãe, cruz, construção, uma pessoa lendo,
gorjeios dos pássaros, beleza das criaturas, passos de alguém caminhando,
um objeto que hoje te alegra, água escorrendo, criança descalça.
O exercício pode ser feito oralmente ou por escrito, por você sozinho, ou
em companhia de outra pessoa, ou em grupo. Não há vencedor ou
vencedores, porque todos chegarão às metas espirituais no final do
exercício.
Veja você agora um dos caminhos por onde a meditação pode conduzir.
São inúmeros os caminhos, uns mais longos, outros mais curtos, uns mais
objetivos, outros mais elaborados. Faça o seu próprio roteiro.
Voltando tua vista para o sol, lembra-te de que tua alma é ainda mais lúcida
e brilhante, se está na graça do Senhor. Medita na beleza fulgurante de uma
alma pura iluminada pelos raios de sol do Espírito Santo. E veja que
milagre admirável é este que se repete todos os dias: o sol envia seus raios
através de milhões de quilômetros e os raios nos tocam, fisicamente, como
se fossem as pontas dos dedos de uma pessoa viva.
Assim é o Espírito Santo, em sua ação diuturna por nós, para nós, sempre
cuidando de nós, curando-nos o corpo, que ele alcança fisicamente, como o
sol, e aquecendo com o seu calor a nossa alma, onde penetra para nos
ensinar, estimular e alertar, como a luz do sol que vai vasculhar aqueles
cantinhos obscuros onde os defeitos gostam de se esconder.
Você tem, agora, na mente, o esquema do jogo intelectual que lhe irá
conduzir para as coisas do alto. Água escorrendo, tempo que se esvai;
criança descalça, nossa simplicidade; opressão, dor, melancolia, aceitação
da vontade divina; Deus que nos ama; pensamento bom, agradecimento a
ele; vacilação, ajuda do Espírito Santo; elogios, cuidado com a vanglória,
está na hora de tomar a pílula da humildade...
Quando você lê, veja debaixo daquelas palavras o Senhor e receba-as como
se estivessem saindo da sua própria boca.
Para concluir, meu filho, ou minha filha, vou lhe dar algumas das mais
gratas reflexões que alegram a nossa alma religiosa, por se referirem às
pessoas mais queridas, que tanto nos amam.
Quando te cair sob os olhos uma imagem da Virgem, volta teu coração
àquela rainha do paraíso, louvando-a pela docilidade com que sempre
obedeceu à vontade de seu Deus. Agradeça-lhe, ainda, o ter dado à luz,
alimentado e nutrido com seu leito o Redentor do mundo, e os favores e
auxílios que ela não cessa de te dispensar neste combate espiritual.
As imagens dos santos, que façam você recordar-se dos heróis que lutam
valorosamente e de todos aqueles que abriram para você a estrada por onde
caminha. Lembre-se que você será, como eles, coroado de perpétua glória.
Vendo uma igreja, grande ou pequena, seja uma capela ou uma catedral,
pense que tua alma é o templo de Deus que deves conservar, sempre puro e
limpo.
É devido a uma certa forma de soberba que, na maioria dos casos, somos
levados a falar muito. Este mesmo orgulho nos leva a persuadirmos a nós
mesmos de que sabemos muito, a nos comprazermos com as nossas
opiniões e a procurarmos que os outros as aceitem, para que tenhamos
autoridade sobre eles, como se todos precisassem aprender de nós.
Infelizmente, não podemos, aqui, com poucas palavras, falar do mal que
provém das muitas palavras.
Mas o fato é que as muitas palavras dão força às paixões viciosas e estas,
por sua vez, incitam, depois, à língua a que continue na sua loquacidade
indiscreta.
Por isto mesmo, fuja de falar com ardor e voz alta, porque ambas as coisas
são odiosas, pois são indício de presunção e vaidade.
À não ser por uma necessidade especial, não fale da sua pessoa, dos seus
atos e dos seus amigos ou parentes. Se parecer a você que outros falam de
si mesmos em demasia, esforce-se para não fazer mau juízo deles, mas não
os imite, pois suas palavras são uma acusação do seu modo de ser e podem
conduzi-los a situações em que se sintam humilhados.
Uma boa proteção para que não falemos mal das outras pessoas é pensar o
menos possível sobre elas e sobre as coisas que lhes pertencem ou que eles
façam. Se tiver que falar, que fales sempre bem deles.
De boa vontade, fale somente sobre Deus e seu amor por nós. Mas, mesmo
assim, tenha sempre receio de poder, eventualmente, cometer algum erro.
Mal cheguem aos seus ouvidos as vozes de outras pessoas, eleve o seu
pensamento até o céu, onde habita o nosso Deus, e pense na grandeza das
coisas eternas comparada à pequenez da nossa condição humana.
Antes de falar sobre as coisas que entram em teu coração, pense, primeiro.
Porque, mais tarde, você desejará que não tivesse falado. Muitas coisas que
hoje achamos ser bom que se diga, melhor seria que as tivéssemos deixado
sepultadas no silêncio. Você poderá vir a admitir este fato, quando pensar
sobre o assunto, mais tarde, depois de passada a ocasião do primeiro
raciocínio.
E tanto quanto mais você ame o silêncio, odeie a tagarelice, esta filha da
futilidade e irmã da maledicência e da intriga, causadoras de tantas
lágrimas e desavenças.
Para isso, ser-te-á útil fugir das conversações vazias. Você perderá, sim, um
pouco da companhia dos homens, mas terá a dos anjos, dos santos, e do
próprio Deus, que, no silêncio, dizem tudo.
Finalmente, recorde-se da tarefa que tem em suas mãos, para executar. E ao
ver quanto ainda resta por fazer, você não terá vontade para conversar em
demasia...
O que para os maus é castigo, para os bons pode vir a ser ocasião de
aperfeiçoamento da virtude. Assim devemos receber os grandes males, os
acontecimentos graves, como as enfermidades, os ferimentos ou o
falecimento de nossos companheiros, ou pestes, guerras, incêndios e males
semelhantes, que são incêndios à nossa natureza e, por isso, não aceitos
pela nossa inteligência. Mas devemos pensar, com sabedoria, que tudo
aquilo que venha a contribuir para a nossa salvação, por via da graça, deve
ser bem-vindo e até mesmo, desejado. Sabendo que Deus está conosco,
atravessaremos todas as atribulações com paz no coração e suportaremos,
com a alma tranquila, todas as amarguras e contrariedades desta vida.
Pai extremoso, a Deus desagrada toda inquietação nossa, porque esta vem,
quase sempre, acompanhada de alguma imperfeição, e procede de alguma
raiz de amor próprio.
O cuidado que você deve tomar é o seguinte: mal você perceba que alguma
coisa começa a inquietar, não se demore a tomar armas para a defesa. O
primeiro pensamento deve ser o de que aqueles males e muitos outros
semelhantes, embora tenham aparência de mal, não são verdadeiramente
males, e deles se pode tirar valiosas lições e seguro aperfeiçoamento. O
segundo pensamento é o de que se Deus lhe envia estas coisas ou se
permite que você as sofra, é com uma finalidade, que, sem dúvida é boa
para você, pois os seus propósitos são, sempre. Justíssimos e santíssimos,
de acordo com o bem essencial, que constitui a sua natureza divina.
De outro modo, tudo o que você fizer será sempre pouco, ou nada frutuoso.
Além disso, quem tem o coração inquieto está exposto a diversos golpes
dos inimigos, e não poderá, naquele estado, ver bem qual é o verdadeiro
caminho da virtude.
Mas, o embuste pode ser reconhecido, não somente pelos sinais que já
aprendemos a distinguir, como pela inquietação que traz ao nosso coração,
que é indício da malícia de Satanás.
Para você fugir do perigo, a defesa está no exame minucioso de cada novo
desejo, começando pela sentinela da atenção, que deve estar sempre alerta
nas portas da nossa cidadela. Quando vier o desejo, não lhe abras a entrada
do coração sem primeiro levá-lo a Deus, antes de que se tenha formado
qualquer vontade. Peça a Deus, com insistência, que te ilumine e te faça ver
se o novo desejo vem dele ou do adversário.
Mesmo provado que o desejo vem de Deus, mortifique um pouco a tua
vivacidade antes de atender-lhe. Essa mortificação agradará a Deus, que
está sempre desejando que você afaste de si os desejos maus, e só siga os
bons, depois de haver reprimido os movimentos naturais. Este é o caminho
que lhe dará a paz e a calma, num coração que terá fortaleza de rocha.
Não podemos deixar que prosperem essas empulhações do diabo, pois não
se pode dar a menor guarida a quem nos quer matar. Temos que distinguir e
eliminar todas as suas tentativas.
Deus, que te ama, lastima as tuas quedas, mas exulta de alegria quando te
vê levantar-te valentemente, depois da queda, e empunhar a arma para
voltar a combater.
Por isto, não desanimes nem te inquietes quando fores ferido por teres
caído devido à fraqueza diante de alguma tentação. O que o Senhor gosta
de ouvir é: “Meu Deus, me perdoe, mas eu agi segundo o que sou; mas eu
vou mudar, porque se continuar assim não se poderá esperar de mim outra
coisa senão quedas”.
A partir daí, não se ponha a pensar se Deus te perdoou ou não, pois isto,
sob a capa de diversos pretextos bons, nada é senão soberba, inquietação da
inteligência, perda de tempo e engano do demônio.
Lembre-se do que foi dito no princípio deste capítulo sobre a queda. Para
Deus, o que importa é o levantar-se depois. Mesmo que tornemos a cair
uma, duas ou muitas vezes por dia, façamos sempre do mesmo modo,
confiando em Deus e nos dirigindo a ele em oração. Arrependimento,
esforço crescente para termos maior cautela, e ódio ao pecado.
Este exercício desagrada muito ao demônio, porque ele sabe que não leva
nada de quem assim se comporta, e odeia ver que estamos dando grande
alegria a Deus. E fica rosnando, todo confundido, ao se ver vencido por
quem ele, antes, vencera.
Por causa disto, a tua reação deverá ser sempre vigorosa. Quanto maiores
as dificuldades encontradas, mais duras as mortificações que temos que
fazer a nós mesmos. E, mesmo que você tenha caído uma única vez, repita
muitas vezes o exercício de negar alguma coisa a si mesmo, para recuperar
a paz, a tranquilidade de coração e a autoconfiança. Em posse destas armas,
volte-se para o Senhor, pois a inquietação que você sentiu, lembrando-se do
pecado praticado, não é causada pela ofensa a Deus, mas pelo dano sofrido.
Tua paz interior estará assim assegurada, para resistires às novas investidas
do nosso inimigo.
Das manhas do demônio
I - Contra os virtuosos e contra os pecadores
O demônio tem por meta a nossa perdição, e não combate contra todos de
uma só maneira.
II - Contra os pecadores
O Senhor te tirará das trevas para a luz se pedires, gritando do íntimo do teu
coração: “Ajuda-me, Senhor, vem depressa socorrer-me! Não me deixes
nestas trevas do pecado!” Este pedido deve ser repetido, insistentemente.
E lembre-se que você, sendo batizado, tem toda a Igreja em seu auxílio.
Procure o padre da sua paróquia, pedindo-lhe a ajuda e o conselho de que
você necessitará para livrar-se do inimigo. E, antes mesmo de falar com ele,
se você não puder fazê-lo imediatamente, dirija-se a Jesus com toda a sua
alma e com o rosto curvado até ao chão e peça misericórdia. Implore
também a intercessão de Nossa Senhora para que esteja ao seu lado, pois
seu bondoso coração maternal dará a você não só o auxílio como o alívio
de que também estará necessitando.
Mas, faça isto com a máxima urgência, pois da tua pronta ação dependerá a
vitória, como verás no capítulo seguinte.
Deus virá sempre em auxílio dos que reconhecem a sua vida má e querem
sair dela.
Mas, às vezes, os nossos propósitos não surtem efeito. É preciso saber por
que, a fim de mudarmos essa situação.
O demônio tem em seu laboratório infernal fórmulas e esquemas especiais
para lidar com os que querem escapar de suas garras. Uma das mais usadas
é o “depois... depois”. “Cras... cras”... como grita o corvo.
Os que querem fugir do assassino são por ele enganados e vencidos com
esta simples artimanha: estimular a sua negligência, fazendo com que
queiram primeiro resolver e despachar este ou aquele negócio, para só
depois cuidar, com maior sossego, da sua alma. Ou, então, aos mais tolos, o
simples adiamento: deixar para amanhã o que podes fazer hoje, ou, melhor:
agora.
Este é o laço simplíssimo, elementar, que prende, até hoje, muita gente que
se julga esperta, e que já conduziu milhões para o inferno. Tudo devido ao
nosso descuido e negligência, que não deixa ver que, em negócio como este,
você está jogando a salvação da sua alma e a honra de Deus.
Amanhã, por que? Hoje, hoje! Por que razão somente “cras”?
Pense bem: seria por acaso alguma vitória sobre si mesmo deixar-se cair no
precipício para depois tentar sair dele?
São enganos, névoas de ilusão, com que joga o demônio, que, como
covarde que é, gosta de divertir-se com os fracos a caminho do inferno,
como faz o gato, brincando com os ratinhos aturdidos que tentam fugir
correndo, para serem agarrados mais adiante, até à morte nos dentes do
felino.
Deus, em sua bondade, permite, às vezes, que caiamos para nos corrigirmos
sozinhos. Por isso, a desconfiança em nós mesmos deve vir sempre
acompanhada de uma forte confiança em Deus.
Uma outra razão pela qual são falhos os nossos propósitos é a seguinte:
quando nos movemos para levar adiante algum propósito, olhamos para a
beleza e o valor da virtude e esta, então, atrai a nossa vontade, por débil e
fraca que seja. Chegando, porém a dificuldade, que sempre surge no
caminho da a vontade, por ser fraca e falha, desfalece e volta atrás.
Seja um único o teu pedido, em perfeito acordo com o teu desejo: que Deus
te socorra, dando-te a fortaleza necessária para se suportes toda a
adversidade, sem manchar a honra e sem deixar que desfaleça a virtude.
IV - Na estrada da perfeição
Aqui o demônio atua com o máximo da sua malícia, pois sabe que está
lidando com pessoas virtuosas, que não são incautas nem despreocupadas
com os pecadores caídos. Pessoas que, de uma forma e de outra, trabalham
a sua alma e o seu espírito. Pessoas que trilhavam os caminhos que
conduzem à perfeição e que se encontram protegidas pelas legiões de anjos
e pelos santos.
A primeira carga do Príncipe das Trevas neste combate que é contra Deus,
tendo a nós como campo de batalha, é fazer com que concentremos a nossa
atenção nos desejos e propósitos referentes a outras virtudes.
Ele consegue o que pretendia, que era desviarmo-nos das nossas próprias
mazelas, estando continuamente feridos e sem viciar das nossas chagas.
Para evitar esse engano, limite o seu combate somente contra os inimigos
que fazem guerra direta a você, de perto, pois este é que é, realmente, o
caminho da virtude. Concentre os propósitos unicamente neste combate.
Mas não te aconselho a que empenhes batalha contra inimigos que nem
mesmo sabes se te combatem, a não ser quando existem fortes indícios de
que eles virão em breve te atacar. Se assim for, será lícito que você faça não
só os seus propósitos, como todos os preparativos para a luta.
Mesmo que você se tenha exercitado nos virtudes por algum tempo e de
maneira justa e correta, não julgue que estará garantido quanto ao
cumprimento de todos os seus propósitos. Assuma uma atitude humilde
quanto a este ponto e esteja sempre cauteloso em relação à sua própria
pessoa. Confie no Senhor e recorra a ele frequentemente, pedindo-lhe que
lhe dê forças e o guarde dos perigos, particularmente o da presunção e o da
confiança em si mesmo.
E assim, embora você não vença alguns defeitozinhos que o Senhor permite
que você mantenha como proteção contra a soberba, já poderá pensar em
novos propósitos, voltados para o alcance de níveis mais altos de perfeição.
Vai, assim, como um intrigante faz, ferindo a alma da vítima à medida que
crescem os desejos nela plantados e, por fim, a alma se desassossega por
ver que não pode realizar os seus projetos, como desejava.
Não te deves impacientar no sofrimento, provenha ele donde quer que seja.
As almas bem orientadas dificilmente se afastam de Deus. Por isso mesmo
o diabo as cerca como animal faminto, lambendo os beiços, e não poupa
nenhuma de suas manhas e de seus laços e ardis para agarrá-las. As horas
de sofrimento são por ele utilizadas para penetrar nas nossas defesas
abaladas. Entregar a Deus estes momentos é como colocar um selo de
proteção contra o demônio em todas as nossas portas e janelas.
Muitos outros exemplos poderiam ser aqui trazidos dentro do mesmo tema
da soberba, da vanglória e do amor próprio que são tão comuns à condição
humana, como o é a aversão que sentimos às coisas que são contrárias à
nossa vontade.
Disse, e repito agora, pois não há nada mais triste de se ver do que a ruína
de uma virtude penosamente construída.
Ela vem tentar você com seus enganos, mesmo naquelas virtudes que você
já adquiriu, onde se sente mais seguro.
Pense, por exemplo, no tempo que existiu desde a Criação até o dia do seu
nascimento. Você verá como foi um puro nada em todo este abismo da
eternidade, e que você nada fez, nem havia nada que pudesse fazer para
obter a sua existência.
É, portanto, muito claro que, por aquilo que você é por si mesmo, não há
razão para ter-se em alta conta, nem para esperar que os outros lhe
considerem valioso.
Mesmo em relação às suas boas ações e agrado a Deus, você teria condição
de fazer qualquer coisa boa e meritória por si mesmo se a sua pessoa
natural não fosse auxiliada por Deus?
É óbvio que ao considerar estas coisas, o juízo que você fizer de si mesmo
deve ser justo, pois de outra forma o levará ao engano, o que vale dizer,
diretamente aos braços do Demônio.
Creio que você terá compreendido agora, por que motivo bato tanto nesta
tecla, para que você se faça agradável a Deus e que os seus inimigos sejam
afastados de vez, através do reconhecimento da tua vileza, pequenez,
malícia e insignificância.
Mas... cuidado, porque é uma certa presunção e não bem conhecida soberba
considerar como sem valor, ainda que sob bons pretextos, as opiniões dos
outros. É uma fácil tentação da serpente das ilusões considerarmos que o
juízo dos outros nada vale, por ter sido ocasionado por nossa própria
iniciativa, visando o nosso rebaixamento, num exercício espiritual
semelhante àqueles que são sugeridos neste livrinho, para fortalecimento da
alma.
Depois de haver realizado alguma coisa boa, você vai sentir uma crescente
vontade de aperfeiçoá-la, ou de fazer uma outra ainda melhor. Este é um
dom que Deus dá de presente a todos os realizadores. Nossos olhos nos
dizem que somos capazes de fazer mais e melhor, pois todas as obras que
fizemos jamais corresponderam aos dons e às graças que nos permitiram
realizá-las e executá-las e que nos foram concedidas para que fizéssemos a
obra de Deus. Nossos olhos também nos dizem que o nosso trabalho foi
imperfeito, por estar muito longe da pureza de intenções, do fervor, da fé e
da diligência de que deveria estar acompanhado.
Quem assim pensa, está imunizado contra a vanglória, pois é uma grande
verdade este pensamento: recebemos de Deus graças puras e perfeitas e, ao
executá-las, as manchamos com nossas imperfeições.
Compare as suas obras com as dos santos e outros servos de Deus cujo
trabalho é conhecido e louvado. Você logo compreenderá com clareza que
as suas realizações, as maiores e as melhores, são pequenas e de pouco
valor.
E se você quiser ir um pouco mais adiante, compare o que fez com a obra
de Cristo, pensando no que ele realizou nos embates de sua vida dura e
difícil e nos seus contínuos sofrimentos.
Não existíamos, quando Deus nos criou do nada. Agora, que existimos, ele
quer basear toda a edificação espiritual sobre o nosso conhecimento de que
nada somos. Quanto mais nos aprofundarmos neste conhecimento, tanto
mais alto será o nosso edifício. Quanto mais formos desentulhando do solo
o lixo das nossas misérias, tanto mais pedras firmíssimas aí colocará o
divino arquiteto para prosseguir na construção.
Nunca me cansarei de falar a você sobre isto: se você quer louvar a Deus,
acuse-se a si mesmo e procure ser acusado pelo: outros. Humilha-te com
todos e perante todos, se queres exaltar o Senhor na tua pessoa e exaltar-te
no Senhor.
Depois de todo este esforço, atenção e cautelas, ainda haverá risco de queda
por astúcias do demônio. Nossa ingenuidade, ignorância e nossas más
inclinações podem ainda prevalecer em nós, de modo que pensamentos de
orgulho e vanglória não deixassem de nos sobreviver.
Primeiro: não existem regras de tempo na luta pela conquista das virtudes.
Evite métodos espirituais jungidos aos dias da semana. Você verá adiante
por que motivo os parâmetros temporais não ajudam neste tipo de escalada.
Portanto, nada de delimitar os dias da semana, um para cada virtude.
A ordem a seguir deve ser a seguinte: guerrear os paixões que têm sempre
feito mal a você, e ainda lhe assaltam e continuam fazendo mal, e adquirir
as virtudes contrárias àqueles vícios.
As virtudes estão sempre encadeadas entre si. Por isso, basta conseguir uma
virtude para que facilmente e com poucos atos você alcance logo todas as
outras, pois ocasião para isso não faltará. Quem conseguiu plenamente o
domínio de uma virtude já se encontra disposto favoravelmente para
conquistar todas as demais.15
Segundo: não determinar o tempo para a conquista das virtudes, nem dias,
nem semanas, nem anos. O combate tem quiser permanente, e, portanto,
sem qualquer condicionamento de tempo.
15
São virtudes teologais a fé, a esperança e a caridade, e virtudes cardeais a prudência, a justiça, a
fortaleza e a temperança. Quando o autor diz que as virtudes estão sempre encadeadas entre si está-se
referindo aos atributos virtuosos que, como elos de uma corrente, unem as virtudes umas às outras. A
paciência é atributo dos justos e dos fortes. A sabedoria é atributo da prudência e da justiça. Presidem
sobre todas as demais, transmitindo-lhes energia espiritual, a fé, a esperança e a caridade.
São as virtudes, no pensamento do autor, a contrapartida dos vícios, ou imperfeições. É aqui muito
referida a virtude da humildade, que se contrapõe ao vício da soberba, a da diligência, contrária à
negligência. Como forma de combate a um defeito, o autor recomenda o cultivo da virtude que lhe é
oposta.
A regra é: combata-se, sempre, como se agora tivéssemos nascido. E com
postura de soldados novos, batalhando como o exige a grandeza das
perfeições que queremos atingir.
Não perder a mínima ocasião de virtude é outra regra decisiva, que deve ser
diligenciada com o máximo ardor e solicitude.
Como já foi dito nos capítulos anteriores, é preciso que você aprenda a
amar as ocorrências que levam à virtude, sabendo, desde já, que elas são,
geralmente, desagradáveis. Afinal, a batalha para a conquista da virtude é
uma batalha, não um piquenique. E a principal razão pela qual você deve
receber bem as dificuldades e os desprazeres da luta é que os atos que se
praticam para superar as dificuldades, mais depressa, e com mais fortes
raízes, criam os hábitos. E a formação de hábitos virtuosos é a nossa meta.
Por isso, você deve agradecer, no seu íntimo àqueles que lhe oferecem,
ocasionalmente a oportunidade de aperfeiçoar-se. Mas, atenção: fuja,
depressa, e a passos largos, daqueles que te poderiam levar à tentação da
carne.
Melhor será que te entregues às outras virtudes mais autênticos, por serem
totalmente internas, como o amor a Deus, o desprezo do mundo e de si
mesmo, o ódio às paixões viciosas e ao pecado, a paciência, a mansidão, o
amor para com todos, mesmo para com quem te ofende. Estas virtudes
todas, não é preciso que sejam adquiridas pouco a pouco e de degrau em
degrau. Esforce-se por praticar cada ato destas virtudes com o máximo grau
de perfeição que você puder.
Por isso, você terá sempre em mente esta sentença divina: “quem ama sua
vida a perde e quem odeia a sua vida neste mundo guardá-la-á para a vida
eterna.” (Jo, 12.25) “Irmãos, somos devedores não à carne, para vivermos
segundo a carne. Pois se viveres segundo a carne, morrereis, mas, se, pelo
Espírito, fizerdes morrer as obras do corpo, vivereis” (Rm 8,12).
Sexto: advirto-lhe ainda, que muito bom seria e, talvez, mesmo necessário
que, antes de iniciar a luta, e cada combate, você fizesse uma confissão
geral, para que você mais se se assegure de que estará na graça do Senhor,
pois dele, somente, devemos esperar as graças e a atuação, do Espírito
Santo em nosso auxílio.
Grande força têm as razões que expus neste capítulo, pois certo é que quem
se exercita bem em uma virtude aprende a exercitar as outras. Quando uma
cresce, crescem as outras, devido à inseparável união que as virtudes têm
entre si, pois são raios procedentes da mesma luz divina.
Além disto, importa que tenhamos inclinação para a prática das virtudes, a
fim de adquirirmos crescente afeição por elas.
De nada adianta alcançar uma virtude para coroar-se com ela e ficar
sentado num trono imaginário. Pior do que isto, só será não alcançá-la e,
assim mesmo, coroar-se e ficar também sentado de braços cruzados. O
demônio gosta destes candidatos a seus futuros hóspedes.
Aconselho a você que adote a seguinte prática: faça cada manhã o firme
propósito de aproveitar de todas as ocasiões que se apresentarem no resto
do dia para exercitar-se numa só virtude, aquela em que você decidiu
fortalecer-se. E, durante o dia, faça, de vez em quando, um exame para ver
se está cumprindo os seus propósitos. Aproveite para renovar, reforçar ou
rememorar os seus propósitos. Não custa nada e não toma tempo. Em
alguns segundos, você pode fazer isto pela manhã, pela tarde, e à noite,
antes de dormir.
Uma outra prática que é essencial, como será examinada extensamente nos
capítulos 44 a 52, é a do oração.
Este é também um outro bom exercício: note e anote quantos atos bons e
contrários à sua índole ou aos seus hábitos antigos estão sendo praticados.
Quanto mais atos e quanto mais estes forem contrários à nossa índole ou
hábitos antigos, mais depressa nossa alma alcançará o hábito bom.
e) “Corramos com paciência para o certame que nos é proposto” (Hb 12,1).
— “Como é possível, meu Deus, que por tua glória eu não viva contente,
mesmo nesta angústia?”;
Entre as coisas mais necessárias para que você adquira uma virtude, a
disposição de marchar sem parar é a mais decisiva. Para chegar ao fim que
nos propusemos, é preciso marchar sempre. Parar é o mesmo que voltar
atrás.
É por este motivo que a luta não pode parar, além do fato de que somos
privados de muitas graças e dons que teríamos recebido do Senhor, se
tivéssemos continuado combatendo.
Prosseguindo a marcha sem interrupção, à parte inferior da nossa alma
tende a arrefecer o seu ritmo com o prosseguimento dos exercícios
virtuosos e vai-se cada vez mais debilitando. Com a parte superior ocorre
exatamente o inverso: esta cada vez mais se firma e se fortifica com o
prosseguimento da marcha.
Vimos, no capítulo 33, que não existem regras de tempo na luta para a
conquista das virtudes, pois à recomendação é uma só: caminhar sempre
para a frente e nunca parar na marcha que vai ter à perfeição. Pode ser que
não cheguemos a esta meta suprema, que exigiria a perfeita realização de
todos as virtudes. Mas, com total segurança podemos saber que somos
capazes de derrotar todos os vícios, ou seja, as imperfeições que são a
contraparte de cada virtude.
Erram, portanto, aqueles que fogem das coisas que lhes desagradam, ou que
sejam contrárias ao seu gosto, pois são exatamente as que lhes poderiam
servir, na conquista das virtudes, que é a meta final da nossa batalha. Em
vez de se afastarem, deveriam, pelo contrário, agarrar estas oportunidades
que se apresentam.
Uma cautela, porém, como já foi dito anteriormente: estes conselhos não se
aplicam aos vícios e às paixões da carne.
Escute este conselho de combate que lhe dou especialmente, para seu uso:
nas ocasiões dificultosas. Os nossos atos são sempre mais generosos e mais
fortes. É nas batalhas difíceis que se destacam os grandes generais. E no
nosso modesto combate, os nossos atos serão considerados mais nobres e
mais valiosos na proporção das dificuldades que tenham sido vencidas, e
dos obstáculos que tenham sido ultrapassados.
- Mal o Senhor descobre, filha, (e filho meu) o nosso desejo vivo de assim
trabalhar e dedicar-nos a tão gloriosa empresa, ele nos apresenta o cálice
das tentações fortes e de duríssimas provas, a fim de que nos exercitemos
para enfrentar o produto da malícia do mundo, instilada pelas forças
infernais.
Esta é a prova do soldado, este homem e esta mulher que vieram ao mundo
leais a seu Pai e Criador e, assim, desejam se manter.
Poderá acontecer que, várias vezes por dia, ou mesmo por hora, façamos
ações boas, mas, devido a elas, os outros murmurarão de nós. Ou então, que
nos neguem algum favor que peçamos, ou qualquer coisa pequenina. Ou
que suspeitem de nós sem motivo. Ou que nos advenha alguma dor
corporal. Ou que nos imponham algum trabalhinho incômodo. Ou que nos
deem a comer alimentos mal preparados. Ou outras coisas mais importantes
e mais duros de tolerar, coisas todas de que está cheia a miserável vida
humana.
Mas o proveito espiritual pode ser obtido, também, quando a ocasião para o
exercício da virtude seja uma só, porém demorada, como em caso de
enfermidade ou de algum trabalho de longa duração. Da mesma forma,
nesses casos poderemos praticar atos que conduzam ao engrandecimento
daquelas virtudes, em que nós estejamos exercitando.
VIII - Como cada virtude tem seu tempo, e dos sinais pelos
quais conheceremos nossa virtude
Mas, para só ter uma ideia, posso dizer que se alguém se esforçasse
verdadeiramente, com toda a solicitude e disposição de ânimo, em poucas
semanas alcançaria grande progresso.
E, como já foi examinado nos capítulos iniciais deste livro, a soberba não
nos permite ver que aquilo que nos parece virtude, não passa de vício. '
Você, então, minha filha (ou meu filho), como novel guerreira, ainda
criança no combate espiritual, pois nasceste agora mesmo para combater,
recomece sempre os exercícios, como se nada tivesse feito, ainda. Nesta
fase inicial, a marcha para frente nas virtudes supera, em necessidade, tudo
o mais.
O nosso Pai, Deus, Senhor dos nossos corações e seu único juiz, pode fazer
com que alguns conheçam as próprias virtudes, conforme ele entenda que o
conhecimento possa trazer humildade, ou orgulho. Como Pai bondoso, livra
alguns do perigo ao mesmo tempo em que lança outros no meio da batalha
para que tenham ocasião de crescerem na virtude.
Devemos, porém, continuar com ânimo total em nosso exercício, ainda que
Deus não nos tenha concedido o conhecimento de seu progresso, pois
chegará o dia radioso e iluminado em que a alma verá o seu próprio
andamento, quando aprouver ao Senhor.
Da paciência
Se você está sofrendo com paciência qualquer coisa penosa, cuidado! O
demônio sabe que a paciência, às vezes, desaparece de súbito, ou se esgota
num só jato, e trabalha em você para conseguir que você se perca, num
momento de irritação. Ou, então, estimula o seu amor próprio para que
você tenha vontade de ver-se livre da amolação, o que é meio caminho para
a impaciência.
Eis a razão pela qual é conveniente para você impedir que a sua paciência
se tome defeituosa, pois a recompensa de Deus é para a virtude, e não para
a hesitação. Mas, em compensação, se você se tiver entregado
decididamente à divina bondade e aturado pacientemente o sofrimento,
mesmo que este durasse menos de uma hora, o Senhor lhe haveria de
recompensar por ter sido servido durante todo o tempo, mesmo que você
não tenha sido molestado. Pois, como já tive ocasião de dizer antes, Deus
não está preocupado com os eventos, e sim com a tua pessoa, com as tuas
reações positivas, com o teu aperfeiçoamento, com a tua vitória no
combate.
Devemos suportar com paciência aquela parte dos sofrimentos da qual não
pudermos fugir, após termos lançado mão dos meios lícitos para nos
libertarmos, pois isto mostra que é da vontade divina que os suportemos.
É por este motivo que, a solução mais sensata e a mais habilidosa é sempre
aquela que corresponde ao desejo do nosso Pai.
Da tentação de indiscrição
Uma das características marcantes do demônio é a de sermão perdedor.
Quando percebes que os nossos desejos são sólidos e bem-estruturados, fica
furioso em sua gana de nos conduzir à perdição, e é capaz de tudo, até de
transfigurar-se em anjo de luz.16
16
Acrescentamos algumas linhas, no início do capítulo, ao texto original com o propósito de familiarizar
os leitores um pouco mais com o conceito do autor sobre o demônio, o qual é expresso com coerência nos
demais capítulos, e não é uma imagem literária ou uma abstração, mas um ser real. Este conceito sobre a
“voz sedutora que se opõe a Deus” está perfeitamente conforme com o posicionamento mais moderno da
Igreja Católica, em seu Catecismo recentemente publicado, do qual transcreveremos, abaixo, os itens 391,
395 e 2.851.
Aquela “voz sedutora” que nos engana, não somente pelos ouvidos, mas por todos os nossos sentidos e
pensamentos, é uma criatura, uma pessoa, ainda que não humana, mas espiritual, e, por isso mesmo,
dotada de poderes, que utiliza para enganar, seduzir, ludibriar e destruir o homem desavisado ou ingênuo,
levando-o à perdição e à morte. As manhas, armadilhas, fantasias e ilusões do demônio assemelham-se às
da Maya enganadora da filosofia hindu, ilusões das quais podemos escapar facilmente com o uso da
inteligência, num abrir das nossas pálpebras, como quem desperta de um sonho, mas que podem enredar e
destruir aqueles que têm inclinação para criar, espontaneamente, as suas próprias ilusões, facilitando o
trabalho do diabo.
Quanto aos nomes e atributos do Demônio de acordo com o pensamento da Igreja Católica,
transcreveremos a seguir os itens acima referidos do Catecismo:
391: “Por trás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais há uma voz sedutora, que se opõe a
Deus e que, por inveja, os faz cair na morte. A Escritura e a Tradição da Igreja veem neste ser um anjo
destronado chamado Satanás ou Diabo”.
395: “Contudo, o poder de Satanás não é infinito. Ele não passa de uma criatura, poderosa pelo fato de ser
puro espírito, mas sempre criatura”.
2.851: “Neste pedido (livra-nos do mal, do Pai-nosso) o mal não é uma abstração, mas designa uma
pessoa, Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus”. Para concluir a denominação e a definição do
nosso inimigo, feitas diretamente por Jesus Cristo segundo João 8,44: “Vós sois do diabo, vosso pai, e
quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade,
porque nele não há verdade: quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da
mentira”.
Quando o inteligente demônio encontra na alma das suas vítimas os ilusões
já ali residindo, por si mesmas implantadas, já tem a seu dispor o palco
ideal para o seu elenco de mentiras, vestidas com um número inesgotável
de fantasias e de disfarces, utilizadas para enganar ainda mais o enganado.
A um ponto, é difícil distinguir entre as fantasias da pessoa e as do demônio,
e nem é preciso que as distingamos, pois muitas pessoas são mais
inclinados a ver as tentações como fraquezas da alma humana, sem a
presença, necessária, da pessoa asquerosa do diabo.
Ou, então, o fim do tentador será que nos sobrevenha uma doença e, por
causa disso, não mais nos possamos dedicar às nossas obras boas, ou então
que, enfermos, nos seja difícil o exercício espiritual devido à fadiga.
De uma forma ou outra, e ainda por um dos outros tantos ardis do diabo,
somos induzidos a ir enfraquecendo a marcha no caminho das virtudes e a
nos irmos entregando aos passatempos e deleites terrenos.
Dentre tantos erros, o da indiscrição parece ser o menor, mas, nestes casos,
é a razão de tudo, atuando numa linha direta de quedas: indiscrição no trato
das coisas íntimas da alma, imprudência, não prevendo o risco de cair na
tentação da presunção que conduz à soberba.
A prudência ensina àqueles que não podem seguir os santos, nesta aspereza
de nossa vida, outras maneiras de imitá-los, seguindo o exemplo da sua
força de vontade e do seu fervor na oração, desejando receber, por
merecimento, as gloriosas coroas dos que verdadeiramente combateram ao
lado do nosso Comandante Jesus Cristo.
Não será com gestos visíveis de zelo religioso, de efeito externo, que
imitarão os santos, mas sim com seus sentimentos mais íntimos de desprezo
por si mesmos e pelas coisas do mundo, recolhendo-se no pudor do silêncio
e da solidão, ninhos de amor que Deus fez com suas próprias mãos para o
recato das nossas almas. Imitarão os santos, sendo humildes e mansos,
suportando os males que o próximo lhes trouxer, como sempre traz, e
fazendo o bem a todos, principalmente aos mais adversos e difíceis.
Mas a falta é grave, pois não pode ter nenhum amor ao próximo quem o
calunia, propagando fatos, juízos e conceitos que lhe são desfavoráveis, e
que contribuem para que venha a ser julgado, levianamente, pelos seus
semelhantes. Peca, portanto, contra a virtude da caridade quem assim
procede, mesmo que não tenha sido movido, diabolicamente, pela inveja.
Este defeito tem origem na soberba, característica que se faz muito presente
nas pessoas humanas, e que muito agrada a Satanás, pois abre muitas portas
para ele entrar nas almas.
Sem saber, esses “julgadores” dos seus irmãos estão a serviço do diabo,
pois fazem um importante trabalho de destruição da reputação, que é tarefa
auxiliar complementar da atividade demoníaca.
Mas, se o teu inimigo vigia para tua perda, filha minha (ou filho meu),
cuida em não cair nos seus laços, não te prestando a praticares a
maledicência que ele quer.
Tão logo percebas que ele está apontando alguma falha de teu próximo,
deixe de pensar naquilo imediatamente.
Pode ser que por tua própria conta, ou por instigação do diabo, te venha um
desejo de voltar a fazer juízo sobre aquela pessoa. Não se deixe levar,
mesmo que você esteja gostando de apontar a falha, e diga a você mesmo,
severamente que não lhe compete julgar. E que, mesmo que você estivesse
autorizado a fazê-lo, não conseguiria formar um juízo reto enquanto
estivesse agitado pelas paixões e pela inclinação de pensar mal dos outros,
sem razão suficiente.
Quando você pensa mal do seu próximo, esteja certo de que existe no teu
coração qualquer raiz do mesmo mal.
Por isso, quando lhe venha o desejo de julgar os outros por qualquer defeito,
pense que você mesmo é o culpado e diga à sua alma: “Como ousaria
levantar a cabeça para ver e julgar os defeitos dos outros, estando eu
coberto destes mesmos defeitos, e de outros?” E assim, a arma com que
feria o seu próximo e que se virava contra você mesmo, transforme-a em
remédio para os seus males e defeitos, virando-a, deliberadamente você
mesmo, contra si.
Para concluir: tenha como coisa certa que, todo o bem e contentamento que
sentimos a respeito do nosso próximo é obra do Espírito Santo. E, em
contrapartida, todo o desprezo e juízo temerário vem do demônio, que cria
e estimula a malícia. A regra mais recomendável, portanto, é a seguinte: se
causou alguma impressão em você qualquer imperfeição de outrem, cuide
logo de sanar o mal e buscar o corretivo do teu próprio defeito, arrancando
depressa do teu coração todo o sentimento daninho que tenha sido nele
produzido.
Da oração17
I - A Quarta arma
A oração, filha minha e filho meu, é o instrumento com que você vai obter
da divina fonte de bondade e amor, todas as graças.
Quanto mais árdua a batalha, quanto mais difícil se faça o combate, se você
souber servir-se bem da arma da oração, será como se tivesse posto a sua
espada nas mãos de Deus para que combata e vença a batalha por você.
Esta é a força da oração.
Há, porém, sete pontos essenciais para o seu êxito no uso da oração, aos
quais você deverá estar afeito ao empunhe esta poderosíssima arma:
17
Confirma-se, nesta série de nove capítulos sobre a Oração o que foi dito na Introdução deste livro sobre
o vigor dos conceitos do autor, que dispensam modernização. O pensamento mais recente da Igreja sobre
esta matéria encontra-se explanado nas Seções I e II da PARTE IV do Catecismo da Igreja Católica,
recentemente publicado, de onde extraímos as seguintes referências: nº 2559: “A humildade é o
fundamento da oração”. nº 2565: “É o coração que reza”. nº 2643: “A Eucaristia contém e exprime todas
as formas de oração”. nº 2716: “As palavras na oração não são discursos, mas gravetos que alimentam o
fogo do amor”. nº 2725: O combate espiritual da vida nova do cristão é inseparável do combate da
oração”.
Outras referências para consulta: nº 2560; Sto. Agostinho — “Deus tem sede de que nós tenhamos sede
dele”.
2610/11 — Oração de fé; 2629: oração de súplica; 2634: oração de intercessão; 2639: oração de louvor;
2709: oração mental; 2705: meditação; 2742: Orai sem cessar”; 2746/51: A oração da hora de Jesus.
Primeiro: você deve estar sempre imbuído de um verdadeiro desejo de
servir, em tudo, à Divina Majestade, da maneira que mais lhe agradar.
Mantenha aceso este desejo, considerando:
— que ele esteve durante trinta anos a teu serviço direto, tratou e curou-te
de tuas fétidas chagas envenenadas pelo pecado, e sarou-as, não com óleo,
vinho e tiras de pano, mas com líquido precioso que saiu de suas
sacratíssimas veias e com sua carne puríssima, dilacerada pelos açoites,
pelos espinhos e pelos pregos.
Medite, além disso, que servindo e honrando ao Senhor, você assume a sua
verdadeira e nobilíssima posição de filho de Deus, e de senhor de si mesmo,
superior a todos os embates da vida e ao demônio com todas as suas
maldades.
O Senhor não nos negará a sua graça, pois foi ele mesmo que nos ordenou
que a pedíssemos, e nos prometeu o envio do Espírito Santo, se o
solicitássemos com fé e perseverança.
A vontade divina quer e merece ser seguida e obedecida por todos. Por isso,
devemos pedir, sempre, coisas que sejam do divino agrado, pois este é o
roteiro mais seguro para o pedir. Quando você tiver dúvida e não souber se
alguma coisa deve ou não deve ser pedida, peça desta forma: somente você
a desejará, se o Senhor quer que a alcance. Já quando você souber ao certo
que é uma coisa do agrado de Deus, como por exemplo, qualquer uma das
virtudes, peça com vigor e incondicionalmente, acrescentando, ainda, que o
foz com o propósito de lhe agradar.
Sexto: use e abuse do amor do Pai pelo Filho e do amor de ambos por você,
ao pedir, se o seu pedido for justo. Não faz mal se você invocar a sua
bondade e misericórdia, a louvar os méritos da vida e da Paixão de Jesus
Cristo, relembrando a promessa que ele nos fez de atender ao que lhe
pedíssemos. Conclua com uma jaculatória, de que já te falei em capítulo
anterior, dirigida ao Pai ou ao Filho, pedindo pelos méritos de cada um, ou
da Santíssima Trindade, da Virgem Maria ou de outros santos, inclusive
algum que seja de tua especial predileção. Todos os santos são poderosos
junto de Deus, que muito os honra, pois, durante sua vida eles, honraram a
divina Majestade.
Para concluir: tenha a certeza de que você obterá tudo o que pedir por meio
de oração, se esta não for imperfeita. Tudo o que você pedir, e tudo que for
útil para você.
E quanto mais você constatar que foi atendido, mais humilde deve se sentir,
porque humilhando-se, com suas culpas, perante a piedade divina, o filho
de Deus aumenta a sua confiança no Pai, e se esta se mantiver viva, tanto
mais agradará ao Senhor quanto mais for combatida.
“Eis, Senhor, a tua criatura, formada pelas mãos de tua bondade, e remida
com teu sangue. Eis o teu inimigo que tenta afastar-me de ti, para me
devorar. A ti, Senhor meu, eu recorro, somente em ti confio, porque és
onipotente e bom, e vês a minha impotência, e vês como logo cederei ao
inimigo, se não for sustentado pelo teu auxílio. Ajuda-me, portanto,
esperança minha e fortaleza de minha alma”.
Há, ainda, uma outra espécie de oração, mais restrita, e que fazemos com
um simples olhar da mente a Deus, para que o Senhor nos socorra. Este
olhar é uma lembrança tácita da graça que antes havíamos pedido.
Aprenda bem esta espécie de oração e repita sempre o seu uso, pois a
experiência mostrará a você que ela é uma pequena arma de grande eficácia,
que você poderá ter à mão facilmente, em qualquer ocasião e momento, e
que tem um valor maior do que se supõe.
Quando você for rezar, seja durante quinze minutos, meia hora, ou mais
tempo, poderá acrescentar alguns minutos daquela meditação, procurando
sempre relacionar os fatos sobre os quais medita com as virtudes que queira
adquirir.
Terceiro: como suas mãos inocentes, que tanto bem fizeram aos seus
semelhantes, foram amarradas na coluna com cordas molhadas, que lhe
cortaram a pele dos pulsos.
Quarto: como o seu corpo foi dilacerado pelos flagelos, chegando o seu
sangue a molhar o chão.
O pedido da graça que você deseja será feito em seguida, em virtude destas
duas coisas, cuja consideração você apresentará à Divina Majestade.
Isto você poderá fazer meditando não somente sobre cada mistério da
Paixão do Senhor, mas sobre cada ato interior ou exterior que em cada
mistério ele praticava.
Não somente o seu prazer pelas virtudes da Virgem, em sua passagem pelo
mundo, mas, também, elevando a tua mente para além das coisas terrenas,
quando considerares o que seja a mente de Deus e as delícias que ele sentia
em si mesmo, pensando em Virgem Maria, antes de todo o tempo, antes
mesmo da Criação.
E pede, então, que te seja dado gozares tudo aquilo em que pensas, e que
ele te dê graças e forças para destruíres teus inimigos, particularmente
aquele que agora te combate.
Volte, depois, a sua mente para o Filho de Deus que durante nove meses
habitou no corpo de Maria, uma virgem escolhida por Deus para ser a sua
Mãe. Tente imaginar a profundidade daquele amor cheio de reverência com
que a Virgem o adorou quando ele nasceu. Como ela o recebeu,
reconhecendo-o como verdadeiro Homem e verdadeiro Deus, por ser Filho
do Deus Criador de todas as coisas.
Recorda-lhe, além disso, esta verdade que cada vez mais se escreve e se
testemunha a seu respeito: tantos têm sido os fatos miraculosos, conhecidos,
que não é exagero dizer-se que ninguém jamais a invocou com piedade e
verdadeira fé, que não fosse atendido.
Assim, também, quem está junto de um grande fogo guarda calor por muito
tempo, mesmo quando se tiver afastado do fogo.
De que fogo de caridade, entretanto, de que misericórdia e piedade
poderemos imaginar que estejam acesas as entranhas de Maria Santíssima?
E tanto mais assim será, quanto mais vezes e com maior fé se acorrer a
Nossa Senhora.
Segundo: — Nenhuma criatura amou tanto a Jesus Cristo, nem foi tão
submissa à sua vontade como sua Mãe Santíssima.
O próprio Filho de Deus, que dedicou toda a sua vida e sua própria pessoa a
nós, pobres pecadores, nos deu sua Mãe por nossa Mãe e advogada, a fim
de que nos proteja e seja, depois dele, o instrumento de nossa salvação.
Como poderá faltar-nos então, ou tornar-se rebelde à vontade do Filho, esta
Mãe e Advogada?
Os Anjos do céu são soldados, como nós, que participam nos combates ao
nosso lado e, nas grandes batalhas, ao lado do nosso General Comandante.
Você pode pedir e obter que os Anjos e Santos do céu lhe auxiliem nesta
batalha, formulando dois pedidos:
Em tua oração, medite, também sobre as muitas graças que eles receberam
e ainda recebem do Criador, pelo muito que os ama com imenso amor, a
cada um deles. Excite em ti uma viva alegria e um grande amor para com
eles, como se fossem tuas as riquezas de dons que eles possuem. Como o
Pai, eles são perdulários de amor e de graças, que não guardam consigo,
senão para dá-las a nós.
Em cada dia da semana, enquanto durar a crise, você rezará para cada
grupo que virá em seu auxílio, utilizando as orações mais adequadas à sua
situação e às suas necessidades:
Mas, neste tratamento de choque, você terá que não poupar esforços, não
deixando de recorrer muitas vezes à Virgem Maria, Rainha de Todos os
Santos, ao seu anjo da guarda, a São Miguel Arcanjo e a todos os santos
protetores que você tiver.
Peça todos os dias à Virgem Maria e seu Filho, e ao Pai Celeste, que te
concedam a grande graça de te darem como advogado e protetor a São José,
esposo da Virgem. Tendo-o, recorra rapidamente a este Santo, com grande
confiança e peça que o acolha debaixo da sua proteção.
Quanto, então, não é de crer que estime a São José, cujos pedidos lhe
valham na proporção do seu amor a este Santo, a quem o próprio Deus quis
submeter-se, tendo-o como pai?
O que foi dantes exposto sobre a Paixão serve para se orar e meditar,
quando se tem alguma coisa a pedir. Acrescento agora, o modo de
excitarmos afetos em nosso coração por intermédio da meditação.
Para reforçar a tua confiança e avivar a tua esperança, basta que medites
sobre o estado de destruição a que se reduziu um tão grande Senhor, para
pagar os nossos pecados, para nos livrar dos laços do demônio e de nossas
culpas particulares, para tornar o Pai Eterno mais propício aos homens, e
para te infundir a confiança de recorreres a ele em todas as tuas
necessidades.
Para fazer crescer em você o ódio aos seus próprios pecados, pense neles,
enquanto estiver meditando sobre os sofrimentos da Paixão de Cristo, como
se o Senhor não tivesse passado por eles a não ser para infundir em você o
ódio às más inclinações, principalmente àquelas que mais força têm sobre
você e, por isso mesmo, mais desagradam à sua divina bondade.
Para acender em você uma grande admiração, medite assim: que coisa mais
poderia espantar a você, e a qualquer pessoa, do que ver o Criador do
Universo, que dá vida a todas as coisas, ser perseguido e morto por aqueles
que ele criou? Ver assim desrespeitada e aviltada a Majestade suprema?
Ver condenada a própria Justiça eterna? Maculada a Beleza, que é de Deus?
Odiado o Amor, que é a essência do nosso Pai? Reduzida, aquela luz eterna
e inacessível, ao poder das trevas? A própria glória e felicidade reputadas
como vergonha e desonra, abismados diante da extrema miséria, a do Filho
de Deus pregado na cruz do suplício?
Pense sobre isto; a alma de Cristo contemplava a essência divina como hoje
a vê no céu. Ele sabia que Deus é infinitamente digno de toda honra e de
toda a reverência, e em seu amor pelo Criador e pelas criaturas, desejava
que estas servissem a Deus com todas as suas forças, e virtudes.
Nunca poderemos avaliar a grandeza deste amor e deste desejo. E, por isso,
jamais chegaremos a saber quão acerba e grave foi a aflição interna do
Senhor crucificado.
Além disto, ele amava todas as criaturas com um amor que é indescritível, e
sofria por seus pecados na proporção em que as amava, pois o pecado o
separa das almas. E todo o pecado mortal que tinham cometido ou
cometeriam os homens, que existiram e que existirão, separavam as almas
dos pecadores, da alma de Jesus. E tantas vezes isto aconteceria quantas
vezes os homens pecassem.
A alma — puro espírito, mais nobre e mais perfeito do que o corpo — era
mais capaz de sofrimentos do que o corpo. Por isso, esta sua separação dos
pecadores é mais dolorosa do que a separação dos membros do corpo
quando se deslocam e saem do seu lugar natural.
Quando você bem considerar e compreender, meu filho (ou minha filha) a
causa de todas as dores que o nosso Crucificado, Redentor e Senhor
padeceu, não verá outra que não o pecado.
Por isso, a verdadeira e principal compaixão e o agradecimento que ele
pede de nós e que, sem dúvida alguma, lhe devemos, é que odiemos, por
sou amor, o pecado, e que combatamos generosamente contra todos os
inimigos de Deus e contra nossas más inclinações.
Muitos proveitos nos advirão desta meditação santa. Um deles, será que
você se arrependerá de seus pecados passados. Você se afligirá,
lembrando-se de que ainda existem dentro de você aquelas paixões
desregradas que crucificaram o nosso Senhor.
O terceiro proveito será que daí em diante você perseguirá as suas más
inclinações até matá-las, por pequenas que sejam. Para isto, você irá
esforçar-se enormemente para imitar as virtudes do Salvador, que sofreu
tanto, não só para te salvar, redimindo os teus e os nossos pecados, mas
também para te dar o exemplo, que você se esforçará por imitar.
Vejamos, agora, uma outra nova maneira de meditar, que proponho a você:
se você deseja adquirir, por exemplo, o hábito da paciência, considere
como pontos de imitação de Cristo os seguintes:
Quarto. Depois de tudo isto, contempla o teu Jesus que, voltando sobre ti
os seus olhos piedosos, te diz: “Eis, filho, o estado em que me deixaram os
teus desejos imoderados, porque não te quiseste fazer um pouco de
violência. Eis quanto sofro. Mas peço-te, por todas as dores que padeço
com alegria por ti, para te dar exemplo, que leves de boa mente tua cruz e
qualquer outra que eu te envie, mesmo se eu te deixar nas mãos de todos os
teus perseguidores, por mais vis e cruéis que sejam contra teu corpo e tua
honra. Ó, se soubesses as consolações que me darias nesse momento... Mas
tu podes avaliá-lo por estas feridas que, como se fossem doçuras eu quis
sofrer, para amar de preciosas virtudes tua pobre alma, que eu amo muito
mais do que pensas. E se eu me reduzi a tal estado, por que razão, meu filho
querido, não quererás tu sofrer um pouco, para redimir os teus próprios
pecados e satisfazer o teu coração, pondo um pouco de bálsamo nestas
chagas causadas pela tua impaciência que me aflige mais amargamente do
que a própria chaga?”
Quinto. Medite bem sobre a pessoa que assim te fala: é o Rei da Glória, o
Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Considere a grandeza e a
violência dos seus tormentos e injúrias recebidas, que encheriam de
vergonha os mais infames ladrões do mundo. Veja como ele suporta tantas
ignomínias, não somente com paciência e resignação, mas com alegria, que
provém de sua fé na vitória que virá por fim.
E assim, como com um pouco de água o fogo aumenta, assim também, com
o aumento das dores, que eram pouca causa para a sua imensa caridade,
mais cresciam os seus tormentos nas mãos dos homens-demônios que o
supliciavam e mais crescia e a sua caridade.
Este Senhor crucificado, filha (ou filho), poderá ser o modelo achado de
todas as virtudes. É o livro da vida e não somente age sobre a nossa
inteligência, inflamando-a com o exemplo.
O mundo está cheio de livros e, no entanto, todos eles juntos não ensinarão
tão perfeitamente o modo de adquirir todas as virtudes.
Que coisa será tão estulta e errada, como mirar, qual lúcido espelho, as
virtudes do Senhor, amá-las e venerá-las, e depois se esquecer de tudo, ou
não se incomodar quando se apresenta a ocasião de imitar aquelas virtudes?
Já apresentei a você, meu filho, (ou minha filha) as quatro armas de que
necessita para vencer os seus inimigos. Ensinei-lhe, também, a usar estas
armas.
Este sacramento está acima de todos os outros e, assim sendo, esta arma
também é a mais forte de todas.
Nos capítulos anteriores, vimos o valor dos méritos e da graça que nos
mereceu o sangue de Cristo. Agora, esta última arma é o próprio sangue e a
própria carne de Cristo, com sua alma e sua divindade.
Pois quem come da carne de Cristo e bebe do sangue de Cristo, está com
ele em si.
Você pode usar esta poderosíssima arma, de duas maneiras: pela comunhão
espiritual a toda hora e todo o momento. Você não deve deixar de,
comungar sacramentalmente, quando isto lhe for permitido.
Da comunhão sacramental
Antes da Comunhão, seja qual for o fim pelo qual a queremos receber, é
necessário que, com o sacramento da penitência, nos purifiquemos das
manchas do pecado mortal, se acaso cometemos algum. Importa, ainda que,
com todo o afeto de nosso coração, nos entreguemos a Jesus Cristo com
todas as nossas forças e todas as nossas potências. Mas não só a Jesus
Cristo, pois devemos fazer tudo o que lhe agrada, já que, neste sacramento
santíssimo ele nos dá o seu sangue e a sua alma com sua divindade e seus
méritos.
Pouca coisa ou quase nada é o que oferecemos. Por isso, nosso desejo será
que tivéssemos tudo aquilo que, através dos tempos, lhe ofereceram todas
as criaturas humanas e celestes, para o podermos oferecer também à Divina
Majestade.
Se você quer receber o seu corpo, para que ele vença, em você os seus
inimigos, que são os mesmos dele, faça, na véspera do dia da Comunhão,
uma meditação concentrada no desejo que o Filho de Deus tem de que lhe
dê entrada no seu coração com este Santíssimo Sacramento. O Senhor quer
unir-se com você a ajudá-lo a vencer todas as paixões viciosas que você
tenha ou venha a ter.
1º - o prazer inefável que Deus tem de estar conosco, pois que nisto se
delicia.
2º - o ódio que ele tem ao pecado, que ele detesta por ser um obstáculo à
sua união conosco e, sobretudo, por ser o oposto das suas divinas
perfeições.
Dizem os mais doutos que, para anular em nós toda culpa, pequenina que
seja, ele estaria pronto a se expor novamente a mil mortes, se necessário.
Por aí você pode ver, ainda que imperfeitamente, o grande desejo que o
Senhor tem de entrar no seu coração e destruir os seus inimigos juntamente
com os inimigos dele, que, via de regra, são os mesmos. Ora, se existe este
desejo por parte de Deus, que é que tem você a fazer? Para início, incitar
em si mesmo, um vivo desejo de recebê-lo com o mesmo intuito.
Você dará um lugar digníssimo e cada vez mais amplo na sua alma ao
Senhor Deus, à medida em que você se for livrando dos afetos e paixões
indignos de convivência com a pureza, e substituindo-os pelas virtudes que
tanto agrado lhe darão. Quanto às coisas terrenas, feche as portas da alma
ao mundano corruptível, para que não entre aí ninguém que não seja o
nosso Senhor.
Quando você tiver comungado, retire-se para o silêncio do seu coração.
Adore com humildade e reverência o Senhor, assim rezando:
“Estás vendo, único bem meu, como te ofendo facilmente e como são fortes
minhas paixões, das quais não me posso livrar por minhas próprias forças.
Mas esta batalha é mais tua que minha. De ti espero a vitória, embora me
seja ainda preciso combater”.
Segundo: todos os outros amores, por grandes que sejam, têm algum fim,
nem podem crescer sem medida. Mas o amor do nosso Deus é infinito.
Por isso, querendo satisfazer inteiramente o seu amor desmesurado, nos deu
o seu Filho, que é igual a ele em majestade infinita, na substância e na
natureza.
Tal o amor, qual o dom ofertado. E tal dom ofertado, qual o amor. E ambos
são de grandeza tal que nenhuma inteligência poderá imaginar grandeza
maior.
Terceiro: não foi nenhuma necessidade ou força que levou o Senhor a nos
amar, senão a sua bondade natural e intrínseca. Somente esta o moveu a nos
amar de tal maneira, e tanto. A bondade natural de quem é Pai e Criador, o
seu amor por aqueles que ele criou do nada e deu ser, na forma que quis, a
mais bela e generosa de todas: à sua imagem.
Quarto: nenhuma obra ou mérito nosso precedeu o seu amor, ou levou-o a
ter tal excesso de caridade para conosco.
Foi somente por sua liberdade que Ele se deu inteiramente a nós,
indigníssimas criaturas suas.
Quinto: se você pensar na pureza deste amor, verá que ele em nada se
parece com os amores mundanos, onde sempre entra algum interesse.
“Por que tão sublime Senhor foi pôr o seu coração em uma tão baixa
criatura?
Teu grande amor por mim me faz ver claramente, na luz de tua ardente
caridade, que te deste a mim em alimento, para que eu me converta
inteiramente em ti.
Não porque tenhas necessidade de mim, mas para que, vivendo tu em mim
e eu em ti, nesta amorosa união, eu me transforme em ti, e a vileza de meu
coração terreno faça, com o teu coração, um só coração”.
Com seu amor onipotente, ele não quer de ti outra coisa que cobrir-te com o
seu amor, tirando do teu coração todo o apego pelas coisas criadas e depois,
tirando-te a ti mesmo de lá, pois também és criatura. Vendo-se tão amado e
querido por Deus, você terá uma alegre surpresa e, na sua felicidade, terá o
desejo de oferecer-se por inteiro a Deus, para que daqui por diante somente
o amor e o agrado divino te movam a inteligência, a vontade, à memória e
os sentidos.
Nada neste mundo pode produzir estes efeitos em você, a não ser a Santa
Comunhão. Receba-a, portanto, com alegria e com a dignidade devida a tão
importante acontecimento.
É aquele que, sendo imaculado, aceitou fazer-se verme da terra por amor a
você, para ser flagelado, pisoteado, cuspido, traído, atormentado e
crucificado pela malícia e iniquidade do mundo.
É Deus que tu vais receber, o mesmo Deus que tem em suas mãos a vida e
a morte de todo o Universo!
E você, que vai receber esta graça e esta grande honra, o que é?
Por teus pecados e por tua malícia, um frágil idiota, capaz de ser
confundido e enganado por todos os demônios do inferno. E que, quando
caído em tentação, torna-se, pelo pecado, inferior a qualquer vilíssima e
imunda criatura irracional.
Em paga das honras e benefícios de que ele lhe cumula desde que o criou à
sua própria imagem, você só retribuiu com negligências e caprichos,
desprezando um Senhor tão bom, magnânimo e generoso, que verteu seu
sangue por você.
Apesar disto tudo, ele, com seu amor paternal e, mais do que este amor, o
de quem criou você do nada, já o perdoou, na sua caridade perpétua e
imutável bondade, e agora convida você à sua divina mesa. Mais do que te
convida, te obriga à comunhão com ele, ameaçando-te com a morte eterna.
Ele não te fecha a porta, mesmo que, pelos teus atos, mereças que te volte
as costas.
Somente uma coisa ele pede de você: que você se arrependa de o ter
ofendido, desprezando-o, e que você tenha um grande ódio ao pecado, tanto
aos grandes como aos pequenos.
Confortado pelo Amor dos que te amam, você irá receber a hóstia sagrada,
dizendo:
— “Senhor, eu não sou digno de te receber porque ainda não vive em mim
suficiente ódio e repelência pelos meus pecados veniais”
— “Ó altíssimo Rei do Céu, por que razão entraste no peito desta criatura
miserável, torpe e cega?”
E ele te responderá:
— “Porque te amava”.
E ele responderá:
— “Somente amor.”18
Nem outra coisa desejo que arda no altar do teu coração e em teus
sacrifícios, em tuas oblações, em tuas obras. Basta o fogo da caridade, cujas
18
Conforme assinalado nas páginas finais do capítulo, após a pergunta feita a Deus “que coisa queres de
mim?”, cumpre registrar uma pequena alteração feita no texto original do autor, com base na tradução
inglesa, adaptando-o ao público em geral, ao qual é dirigida esta edição.
Contudo, a beleza da resposta àquela pergunta, que parece ter sido dirigida a Deus por uma noviça, devido
à referência às “vestes nupciais” feita em outro capítulo, será aqui reproduzida, a seguir, com a fidelidade
devida: “E ele responderá”:
“Somente o amor. Nem outra coisa desejo que arda no altar do teu coração e em teus sacrifícios e em
todas as tuas obras. Basta o fogo do meu amor, que consumirá todo outro amor e toda a tua vontade
própria e fará arder em teu coração fogo que me será suavíssimo. Isso eu o peço e sempre pedirei, porque
quero ser todo teu e quero que sejas toda minha.
Isto, porém, não acontecerá, enquanto não tiveres aquela resignação que tanto me agrada e enquanto não
estiveres livro do amor do ti mesma, do teu próprio parecer e de toda a tua vontade e apego à reputação.
Quero que tenhas ódio a ti mesma, para eu te dar o meu amor. Quero o teu coração, para que ele se una
com o meu, pois foi para este fim que, na cruz, me abriram o peito. E quero que sejas toda minha, para
que eu seja todo teu. Vês que sou de um preço incomparável e, no entanto, por minha bondade, faço-me
do mesmo valor que tu! Compra-me, portanto, alma dieta, dando-te toda a mim”.
chamas ardentes consumirão os fulgores impuros da paixão e farão arder
em teu coração um fogo suavíssimo que muito me agrada.
Isto eu sempre desejei: que a tua alma seja toda minha, para que eu seja
totalmente dela. Mas, para que isto aconteça, é preciso que tenhas a
resignação do despojamento que tanto me agrada ver nos meus filhos
queridos, e que estejas libertado das cadeias do amor a ti mesmo e do apego
vaidoso à tua vontade e às tuas próprias determinações.
Saiba, então, que eu desejo que os meus filhos morram para o mundo, para
que possam viver para mim. Para este fim foi que na cruz o meu peito foi
aberto, para que o meu coração seja todo de vocês, e meu o teu coração.
Minha a tua alma e tua a minha alma. Teu o meu Espírito e meu o teu
Espírito.
Nada queiras, nada penses, nada procures a não ser o que já tens.
Da Comunhão Espiritual
Esforce-se, então, para que fique aceso em sua alma um grande desejo de
recebê-lo, para lhe dar contentamento.
Diga-lhe, então:
“Não me foi concedido, Senhor, que te recebesse hoje. Peço-te, então, que
venhas a mim espiritualmente, para que eu, perdoado de minhas faltas, a
cada hora e todo o dia, adquira novas forças contra os inimigos,
principalmente este que tanto combato, para poder dar prazer ao meu Pai,
dizendo-lhe que o venci”.
Da Ação de Graças
Quanto ao desapego que devemos ter pelas coisas do mundo, faça uma
análise geral, para ver se a sua vontade tem apego a qualquer coisa. E veja,
se esse afeto está ligado a alguma virtude ou se é puramente gratuito. Se for
um afeto sem qualquer mérito, trata logo de te livrares dele.
Recorra a Deus para que, com o seu auxílio, você possa oferecer-se à divina
Majestade livre de qualquer apego terreno.
Mas, veja bem, pois este ponto é muito importante: se você oferecer-se a
Deus com a alma cheia de apego és coisas que foram criadas, não estará
oferecendo coisa sua, mas dos outros.
Seja, portanto, o teu oferecimento feito sem qualquer apego à tua vontade
própria. Não tenhas em mira nem os bens terrenos nem os bens celestes,
mas tão somente a vontade e à Providência Divina. A ela, você deve
submeter-se inteiramente, fazendo de si um holocausto permanente.
Desprezando todas as coisas criadas, pense assim:
“Eis que ponho em tuas mãos, Senhor e Criador meu, todas e cada uma de
minhas vontades. Faz de mim o que te apraz, na vida e na morte, depois da
morte, no tempo e na eternidade”.
Você saberá claramente se diz estas palavras com sinceridade, quando algo
adverso acontecer a você. A sua força será, porém, muito grande se você
tiver falado lealmente, pois você passará do plano terreno e material para o
de Deus, e você será de Deus e Deus será seu. O Senhor é sempre daqueles
que desprezam as coisas criadas e a si mesmos, e tudo sacrificam por seu
amor à Divina Majestade.
Você vê, então, meu filho (ou minha filha), um modo poderosíssimo de
vencer os seus inimigos: se você fizer esse oferecimento, unir-se-á de tal
forma com Deus que você será dele e ele inteiramente seu. E que inimigo,
que poder, terá força então, sobre você?
Quando você quiser oferecer algum ato seu ao Senhor, como jejuns,
orações, atos de paciência e outras coisas boas, relembre primeiro o
oferecimento que Cristo fazia ao Pai, de seus jejuns, orações e outras obras.
Se você, assim pensando, aumentar a sua confiança no valor e na virtude
destas dádivas de Cristo, oferecerá também com crescente confiança as
suas obras.
Se você quiser oferecer a Deus, por suas culpas, as ações de Cristo, poderá
agir da seguinte maneira:
Se ela não induz a uma vida melhor, seguramente não provêm da graça
divina, que sempre produz o bem, e nunca o mal.
Pode ser que você não descubra a causa da aridez. Não se preocupe, pois
estando voltado para Deus, o cumprimento da vontade divina substituirá em
sua alma a devoção sensível.
Deus meu, todos os que te servem, sabem que se forem afligidos em sua
vida pelas tribulações, serão premiados; se pela opressão, serão libertados e
se castigados pela tua justiça, podem esperar a tua misericórdia. Porque não
te comprazes com a nossa perdição. Tu envias a paz após a tempestade, e a
alegria após o lamento. Ó Deus de Israel, seja o teu nome bendito através
dos séculos (Tb 3).
Não compreendem a graça recebida de Deus, que lhes permitiu que fossem
assaltadas por aquelas tentações. Nem percebem que o Senhor assim dispôs,
a fim de que elas melhor se pudessem conhecer a si mesmas e, devido à
necessidade de auxílio que haveriam de sentir, recorressem a ele.
E por isso, aqueles lamentos são uma verdadeira ingratidão, cinda que não
compreendida por elas, que não percebem que dever-se-iam mostrar
agradecidos perante a infinita bondade.
O que você deverá fazer, se isto suceder a você algum dia, é procurar
conhecer bem a sua inclinação perversa. Deus quer, para o seu bem, que
você saiba, conscientemente, que as suas tendências más estão sempre
prontas para fazer qualquer mal.
Ele quer também que você salva que sem o seu socorro, logo cairá no
abismo.
Tenha, portanto, total e serena confiança. Ele virá ajudá-lo, fará você ver o
perigo onde hoje não vê, e lhe livrará, se você pedir. E por ele ser assim,
que nós devemos render-lhe muitas graças, todos os dias.
Do exame de consciência
A respeito das faltas que ocasionam quedas, você já foi instruído como
deve lutar, nos capítulos iniciais deste livro.
Quanto às ocasiões de queda, você cuidará de fugir delas. Para isto, e para
que você adquira as virtudes, fortificará a sua vontade com a confiança em
Deus, com a oração, com muitos atos contra aquele vício e com muitos
desejos ardentes da virtude contrária.
Mas, como já foi aqui alertado: não confie nas vitórias que você já
conseguiu e nas boas obras que você já efetuou. Você não deve considerar
muito estes atos virtuosos, devido ao grande perigo que você corre de cair
no pecado da soberba, pelo caminho da vaidade e da vanglória.
Deixa os teus méritos nas mãos de Deus como se fossem de Deus as tuas
obras, e volta depressa o teu pensamento para o muito que alindo resta a
fazer.
Quanto à ação de graças pelos dons e favores que o Senhor fez a você
naquele dia, reconheça-o como o autor de todo o Bem e agradeça a ele de
ter livrado você dos inimigos manifestos e ocultos que tinha, e por haver
dado a você os pensamentos bons e os ocasiões de virtude de que
necessitava.
A batalha só acaba com a morte, e, assim, não podemos nunca nos furtar à
peleja. Quem não combate, será logo aprisionado ou morto.
Além disso, nossos inimigos nos votam um ódio sem tréguas. Por isso, não
podemos esperar um só instante de paz, ou descansar a atenção, pois
mesmo os que se fazem seus amigos, eles cruelmente os trucidam.
Mas não te assustes com a sua força e o seu número, pois, nesta batalha, só
é vencido quem o quer. Toda a força dos inimigos está nas mãos do nosso
Comandante, por cuja honra combatemos. Ele não permitirá que a luta
supere tuas forças, e virá em teu auxílio e — mais poderoso do que todos os
adversários — te dará a vitória, se combateres virilmente e confiares, não
em ti, mas em seu poder e bondade.
E mesmo que o Senhor tardasse a lhe conceder a vitória, nem por isso, você
deveria desanimar. O seguinte pensamento confortará você: o que Deus
quer, como seu Pai e Criador, é que você se mostre um fiel e corajoso
combatente. Se você fizer isto, todas as coisas que lhe molestarem, sejam
quais forem elas e, por mais que pareçam pôr em perigo a sua vitória, todas
elas se converterão em benefício e vantagem para você.
Siga, portanto, filho, o seu celeste general que, por amor a você veio ao
mundo e deu-se a uma morte ignominiosa.
Embora nossa vida inteira seja uma contínua guerra, a principal batalha
ocorre no momento de nossa passagem para a outra vida.
O que você deve fazer, a fim de estar preparado para esta hora, é combater
virilmente durante o tempo que lhe é concedido.
Quem lutou bem, durante sua vida, pelo hábito bom já adquirido,
facilmente obterá vitórias na hora da morte.
Além disso, a morte é um tema sobre o qual você deve pensar seriamente.
Assim, você temerá menos quando ela chegar, e a inteligência estará lúcida
e pronta para a batalha.
Este combate só se tem uma vez, e, por isso, é preciso cuidar muito em não
cometer erros, que seriam irremediáveis.
III - Da tentação contra a fé, uma das quatro armas com que
na hora da morte o inimigo nos assalta
E não te ponhas a pensar muito sobre a fé, porque estes pensamentos, por
bons que te pareçam, podem ter sido suscitados pelo demônio, para
começar a luta.
Mas se não for possível afastar da mente estas considerações, tenha cuidado
em não ceder a nenhum raciocínio, a nenhuma aparente autoridade da
Escritura, que o inimigo alegue.
Tudo o que ele disser estará errado, ou mal citado, ou mal interpretado,
embora parecesse que aqueles raciocínios fossem claros e evidentes.
Será esta a hora de você voltar o seu coração para o Crucificado e pedir:
“Deus meu, Criador e Salvador meu, vem depressa me socorrer e não te
afastes de mim, para que não me afaste da tua santa fé. Nasci nesta fé, por
tua graça e faz com que, por tua glória, nela eu termine esta vida mortal”.
IV - Do desespero
Como, neste caso, trata-se de uma tentação do demônio, você tem que
repelir, rapidamente, a tentação e entregar-se, com humilde confiança, ao
protetor nosso Pai, que nos criou e nos quer ver brilhando como luzes
eternas.
Não há dúvida de que você deve arrepender-se sempre que lhe vier à
memória algum pecado praticado. Mas, você pedirá perdão ao Senhor sem
perder, nunca, a confiança que tem nos méritos da Paixão.
“Tens muita razão em me condenares por meus pecados, Senhor meu. Mas
tenho muita confiança em tua piedade e confio em que haverá de me
perdoar. Por isso, peço-te que salves esta mesquinha criatura tua,
condenada pela sua própria malícia; mas, redimida pelo Redentor meu, eu
quero me salvar e, confiante em tua imensa misericórdia, entrego-me, toda
inteira, em tuas mãos. Faz de mim o que te agradar, porque és o meu único
Senhor. E mesmo se me ferisses de morte, ainda assim, eu guardaria viva a
esperança em ti.
V - Da vanglória
O seu obstinado inimigo não quer soltar os dentes que tem cravados em
você, como estes insetos repelentes que se prendem na nossa pele até serem
mortos. Você já sabe que ele combaterá até o fim, e que poderá chegar ao
extremo de utilizar-se de falsas aparições e até mesmo transfigurar-se em
anjo de luz.
“Vai-te, infeliz, para as tuas trevas, porque eu sei que não mereço visões.
De nada, preciso a não ser da misericórdia do meu Jesus e da proteção da
Santa Virgem Maria e dos Santos!”
Não há nenhum motivo para que você sinta temor de desagradar ao Senhor,
porque se a visão for celeste, Deus saberá fazer que, como aconteceu com
tantos outros de que nos conta a Escritura, você acabe entendendo que está
nas mãos dele, e não do diabo. Pois quem dá a graça aos homens não a
tirará unicamente, porque o homem agiu com humildade, por não se
considerar merecedor daquela graça.
Além disso, você já sabe, agora, e está alertado de que estas são as armas
mais comuns de que o inimigo se utiliza contra nós, neste último passo.
Editor: Anônimo
Edição: 3ª
Deo Gratias