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18/09/23, 07:22 Os espiões de Israel que caçavam e assassinavam nazistas ao redor do mundo - BBC News Brasil

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Os espiões de Israel que caçavam e


assassinavam nazistas ao redor do mundo
4 dezembro 2022

CENTRAL PRESS/GETTY IMAGES

Adolf Eichmann, conhecido como 'arquiteto do Holocausto', foi capturado pelo Mossad e julgado
em Jerusalém por crimes de guerra

A fotografia em preto e branco mostra um homem idoso ajoelhado. Suas mãos estão
erguidas para o alto, seus olhos, cheios de terror. Em pé, sorrindo, dois oficiais da Gestapo
apontam seus rifles na direção do homem.

Durante anos, essa foto ficou pendurada na parede do escritório de Meir Dagan, antigo
diretor do Mossad - o serviço de inteligência de Israel.

"Olhe para esta pessoa. Este homem é o meu avô, Erlich Sloshny, no gueto polonês de
Lukow, em junho de 1942, segundos antes de ser morto por esses bárbaros da Gestapo."

"Nós estamos aqui, e eu estou aqui, para garantir que isso nunca mais aconteça. Os judeus

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nunca mais vão se ajoelhar e nunca haverá um segundo aniquilamento."

O nazista que viveu por 20 anos no Brasil e foi executado no Uruguai por agentes do
Mossad

Os espiões adolescentes recrutados pela polícia secreta alemã na Guerra Fria

É assim que o jornalista e escritor israelense Ronen Bergman descreve, no livro Rise Up and
Kill First - The Secret History of Israel's Targeted Assassinations (em tradução livre,
"Levante-se e Mate Primeiro - A História Secreta dos Assassinatos Planejados por Israel"), a
experiência dos que visitavam o escritório de Dagan.

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Os dilemas dos judeus que servem ao Exército alemão

Com base em mais de mil depoimentos, vários deles pelos próprios agentes do temido
serviço secreto israelense, o livro de Bergman conta em detalhes algumas das mais
audaciosas (e por vezes ilegais) operações do Mossad - entre elas, o sequestro do fugitivo
nazista alemão Adolph Eichmann na Argentina, o assassinato do oficial letão Herberts
Cukurs no Uruguai e assassinatos de cientistas nucleares alemães.

Em entrevista ao programa Start the Week, da Rádio 4 da BBC, o jornalista falou sobre o
livro. E contou como convenceu os agentes de uma organização cercada de mistério a revelar
alguns de seus segredos.

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No mesmo programa, o advogado e escritor Philippe Sands, especialista em direito


internacional, advertiu contra a glorificação do que a lei qualifica como "assassinatos extra-
judiciais" e reafirmou a importância do caminho legal na busca de justiça.

Ele destacou, em particular, o legado "revolucionário" do Tribunal de Nuremberg, onde


nazistas finalmente responderam por seus crimes diante da lei, e onde surgiram conceitos
jurídicos como "genocídio" e "crimes contra a humanidade".

A BBC News Brasil destaca, a seguir, alguns trechos do programa. E para dar contexto à
discussão, inserimos aqui uma breve explicação sobre o que foi o Tribunal de Nuremberg.

GETTY IMAGES

Hermann Göring (canto inferior esq., de óculos escuros,), seguido por Rudolf Hess, os réus mais
notórios: julgamentos de Nuremberg começaram em 20 de novembro de 1945

Formado após a Segunda Guerra Mundial por acordo entre a então URSS, Estados Unidos,
Grã-Bretanha e França, o Tribunal Internacional Militar de Nuremberg (nome da cidade
alemã que o sediou) julgou membros do Partido Nazista, militares e colaboradores do
nazismo. Os julgamentos ocorreram entre 1945 e 1949.

No banco dos réus estavam, por exemplo, figuras como Herman Goering, braço direito de
Adolph Hitler.

Goering foi condenado à morte, mas cometeu suicídio antes de ser executado.

Adolph Eichmann, 'o arquiteto do Holocausto'

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Anos depois, um outro julgamento, este realizado em Jerusalém, em 1961, chamou a


atenção do mundo. Nele, o tenente coronel nazista Adolph Eichmann, tido como o arquiteto
do Holocausto, foi condenado à morte por enforcamento.

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Eichmann foi sequestrado em Buenos Aires e levado pelo Mossad para Israel, onde foi julgado

Eichmann chegou à Justiça por uma intervenção do Mossad, que, em uma operação atípica,
optou por sequestrar o nazista em Buenos Aires para que ele fosse julgado em Israel.

"Foi algo muito raro", comenta Bergman.

"A maior parte do que o Mossad fazia não tinha nada a ver com trazer criminosos de guerra
para a Justiça. O que o Mossad fazia naquela época, e ainda faz hoje, é lidar com os desafios
do agora."

A decisão do então primeiro-ministro de Israel, David Ben Gurion, de autorizar uma operação
"altamente arriscada, e ilegal", de sequestrar uma pessoa em um Estado soberano - a
Argentina - em vez de solicitar uma extradição - que a promotoria acreditava, não seria

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concedida - foi tomada porque os israelenses viam em Eichmann uma oportunidade única,
ele explica.

"Eichmann era o centro desse plano maligno", diz o escritor.

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Judeus acompanharam o julgamento de Eichmann pelo rádio em Jerusalém

"Ele era o cérebro por trás de grande parte do Holocausto e oferecia uma grande
oportunidade não apenas de julgá-lo e fazer justiça, mas também de trazer ao mundo, pela
primeira vez, a história do Holocausto. E contar ao povo de Israel - que, de certa forma, não
queria ouvir os sobreviventes - o que tinha acontecido na Europa naqueles seis anos."

Eichmann foi executado no dia 30 de maio de 1962.

Herberts Cukurs - sentenciado sem julgamento

Uma outra operação detalhada no livro de Bergman levou os agentes do Mossad ao Brasil e
ao Uruguai.

Trata-se do assassinato do oficial da Força Aérea da Letônia Herberts Cukurs, um caso que
repercutiu de forma bastante negativa para Israel e para o Mossad.

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KEYSTONE-FRANCE/GAMMA-RAPHO VIA GETTY IMAGES

O aviador letão Herberts Cukurs chegou ao Brasil no dia 4 de março de 1946

Cukurs desembarcou no Rio de Janeiro com sua família em 1946 e viveu 20 anos no Brasil
antes de ser morto.

Em seu país, era tido como um herói aviador, mas no Brasil tornou-se empresário. De início,
abriu uma empresa de aluguel de pedalinhos na lagoa Rodrigo de Freitas.

Em 1950, foi acusado pela Federação das Sociedades Israelitas do Rio de Janeiro de ser um
criminoso de guerra.

Durante a ocupação nazista da Letônia, iniciada em 1941, Cukurs integrara o Comando Arãjs,
um dos principais grupos colaboracionistas do país. Entre o início da ocupação e o final da
guerra, em 1945, a comunidade judaica letã, composta por cerca de 80 mil pessoas, tinha
sido praticamente extinta.

Como eram as rotas de fuga pelas quais muitos nazistas escaparam para a América do
Sul após a 2ª Guerra

A segunda morte de Josef Mengele no Brasil

Depois da guerra, Cukurs foi acusado por sobreviventes de executar, muitas vezes de
maneira sádica, milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças. Também teria praticado

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tortura e estupros. Ele admitiu ter integrado um grupo colaboracionista, mas sempre negou
as acusações.

Assediado pela imprensa, mudou-se para São Paulo.

Atraído por um agente do Mossad posando como homem de negócios, Cukurs viajou para
um balneário próximo a Montevidéu, no Uruguai, para inspecionar uma propriedade que
pretendia comprar.

Ao chegar, no dia 23 de fevereiro de 1965, foi emboscado pelos israelenses. O plano,


segundo depoimento de um dos agentes, era imobilizá-lo, ler para ele sua "sentença" e
depois executá-lo.

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ARQUIVO NACIONAL

O criminoso nazista viveu por 20 anos no Brasil e foi executado no Uruguai por agentes do
Mossad

Mas Cukurs reagiu e acabou sendo morto a marteladas e tiros.

Seu corpo só foi encontrado no dia 6 de março, dentro de um baú. Junto, um bilhete dizia:
"Considerando a gravidade dos crimes de que é acusado Herberts Cukurs, especialmente o
assassinato de 30 mil homens, mulheres e crianças, nós o condenamos à morte."

Assinavam o bilhete "aqueles que não esquecerão".

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Uma oportunidade perdida?

Uma das razões oferecidas na época para a


operação contra Cukurs seria a de que um
assassinato conduzido de forma espetacular
obrigaria o mundo a se lembrar de que, 20
anos após o final da guerra, ainda havia
nazistas impunes e à solta.

Na realidade, pela forma como foi conduzida, a


operação foi desastrosa para o serviço secreto
de Israel, comenta Bergman.

Registros oficiais sobre a missão nunca foram


publicados, mas com base em suas entrevistas,
o jornalista relata a seguinte cena, ocorrida
durante uma reunião de chefes do Mossad
para falar sobre fugitivos nazistas:
Brasil Partido
"Quando o oficial que chefiava o escritório de João Fellet tenta entender como brasileiros
inteligência (que coletava informações sobre chegaram ao grau atual de divisão.
os nazistas) leu a lista (de fugitivos), e leu o Episódios
nome de Herberts Cukurs, o chefe de
inteligência desmaiou", conta Bergman.

"Quando ele voltou a si, disse que Cukurs era a pessoa que tinha queimado sua família na
Letônia."

Embora Cukurs não fosse alemão e não fosse um oficial de alto escalão, em sinal de apreço
pelo colega, e em ato simbólico de uma vingança pessoal, o chefe do Mossad "deu ordens
para que se fizesse um esforço especial para pegar Cukurs", diz.

O jornalista prossegue:

"Cukurs foi escolhido porque era tão vívido ver esse general desmaiar e dizer, 'ele queimou
minha família, vamos matá-lo', que eles foram lá e fizeram isso."

Por ter sido um piloto famoso antes da guerra, Cukurs teria sido facilmente identificado por
suas vítimas e pelos sobreviventes. No entanto, o fato de não ter respondido pelas acusações
em vida, diante de um tribunal, deixa margem para dúvidas.

Cukurs foi alvo de uma investigação criminal póstuma na Letônia. Nela, seu envolvimento em
crimes do Holocausto foi questionado e, na ausência de muitas das testemunhas, então
falecidas, várias das evidências dos crimes que o piloto teria cometido foram invalidadas.

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A caça aos cientistas nucleares alemães

Rise Up and Kill First também descreve campanhas do Mossad na década de 1960 para
matar e intimidar cientistas alemães previamente envolvidos em programas nazistas para
desenvolver armas. Após a guerra, tinham ido trabalhar para o governo egípcio.

"O Mossad descobriu muito tarde que Nasser (Gamal Nasser, presidente do Egito entre 1954
e 1970) tinha contratado cientistas e engenheiros alemães que tinham trabalhado para a SS
(tropa paramilitar ligada ao Partido Nazista)", conta Bergman.

Durante a guerra, os cientistas tinham construído as bombas voadoras V-1 e os mísseis de


longa distância V-2, as chamadas "armas da Vingança", para Adolph Hitler. Mas com o fim do
conflito, haviam ficado desempregados, explica o jornalista.

"Receberam ofertas generosas para ir para o Egito construir para o Nasser uma esquadrilha
de mísseis com a qual, ele dizia, iria destruir todos os alvos ao sul de Beirute."

Ronan Bergman descreve o clima em Israel no início da década de 1960 quando os planos do
governo egípcio foram revelados aos israelenses:

"Imagine a histeria em Israel, em 1962, antes da Guerra dos Seis Dias, antes de que Israel se
tornasse um superpoder e tivesse armas nucleares, as ruas cheias de sobreviventes do
Holocausto com números (tatuados) nas palmas de suas mãos", diz.

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ULLSTEIN BILD/ULLSTEIN BILD VIA GETTY IMAGES)

Otto Skorzeny, membro das forças especiais alemãs, foi recrutado como espião do serviço secreto
israelense

"Agora, ficam sabendo que os mesmos cientistas que tinham trabalhado na construção da
'arma do apocalipse' para Adolph Hitler estão trabalhando para Nasser, que Ben Gurion
chamava de o 'segundo Hitler."

Foi nesse contexto que o Mossad iniciou uma ofensiva e "começou a matar os cientistas", diz
Bergman. Alguns, ele conta, foram sequestrados na Alemanha.

"Um deles, chamado Heinz Krug, simplesmente desapareceu. A filha e o filho dele nunca
souberam o que tinha acontecido. Fui eu, 50 anos mais tarde, que contei a eles."

Segundo relatos de Bergman a outros veículos, Krug teria sido levado para Israel e
submetido a violentos interrogatórios antes de ser morto.

O jornalista conta, no entanto, que depois de um tempo os agentes israelenses concluíram


que teriam de mudar de estratégia. Matar os cientistas não colocaria fim ao projeto de
Nasser porque ele simplesmente oferecia um monte de dinheiro aos sobreviventes.

"Eles só tinham um caminho: contratar alguém que fosse muito próximo dos cientistas. E
esse alguém era o chefe de operações especiais de Hitler, o general da SS Otto Skorzeny", diz

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o escritor.

Skorzeny tinha sido um nazista dedicado. Incendiara sinagogas e matara judeus. Procurado
pelo Tribunal de Nuremberg, Skorzeni tinha fugido para a Espanha.

Dois anos após a execução de Adolph Eichmann, o Mossad procurou Skorzeni e ofereceu a
ele algo que ninguém mais poderia lhe proporcionar, prossegue Bergman. "Uma vida sem
medo."

CENTRAL PRESS/HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES

Skorzeni tinha fugido para a Espanha quando foi procurado pelo Tribunal de Nuremberg

O general aceitou trabalhar para os israelenses em troca de um passaporte novo, dinheiro e


uma carta de imunidade do primeiro-ministro de Israel.

"Skorzeny tornou-se um importante ativo do Mossad no início da da década de 60", conta. "E
resolveu o problema dos cientistas alemães trabalhando para Nasser."

Otto Skorzeni morreu de câncer, na Espanha, em 1975. Fotos de seu funeral mostram
pessoas fazendo saudações nazistas. "O pragmatismo prevaleceu. Skorzeny foi recrutado
para resolver questões do presente. Fantasmas do passado foram deixados de lado", diz o
jornalista. Mas ele pergunta:

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"Você pode recrutar o demônio para prevenir outros males?"

A operação que matou o cientista nuclear iraniano Mohsen


Fakhrizadeh

Uma outra questão que os assassinatos de cientistas nucleares levantam é: seria justificável
matar hoje uma pessoa para impedir que ela - possivelmente ou até provavelmente - cometa
atos malignos no futuro?

A resposta do Mossad, ao longo de várias décadas, para essa pergunta, parece ter sido um
sim.

"O modus operandi adotado na década de 1960 para lidar com os cientistas alemães no
Egito continuou a ser usada contra cientistas iraquianos e egípcios nos anos 70 e continua a
ser usado agora contra cientistas iranianos", diz Ronan Bergman.

MINISTÉRIO DA DEFESA DO IRÃ/ANADOLU AGENCY VI

Mohsen Fakhrizadeh, principal cientista do programa nuclear do Irã, foi atacado em uma estrada
nos arredores de Teerã

Segundo o jornalista, a mais importante operação desse tipo em anos recentes foi o
assassinato, em novembro de 2020, do homem que chefiara, nas três décadas até então, o

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programa nuclear iraniano: o professor Mohsen Fakhrizadeh.

Líderes do Irã culparam Israel pelo assassinato do cientista, morto a tiros enquanto dirigia
um carro em uma rodovia nos arredores de Teerã. Israel não confirmou nem negou seu
envolvimento no ataque.

Mas o jornal americano New York Times publicou um relatório detalhado descrevendo como
o ataque foi realizado por Israel.

O ex-chefe do Mossad revelou mais tarde que o cientista havia sido um alvo "por muitos
anos", e que a agência de inteligência israelense estava preocupada com seu conhecimento.

De acordo com Bergman, enquanto planejava o assassinato, o Mossad se deu conta de que o
professor era tão protegido que seria impossível matá-lo sem que os assassinos se
envolvessem em um tiroteio com as forças de segurança iranianas.

"(Fakhrizadeh) era a segunda pessoa mais protegida do Irã depois do supremo líder", explica.

"Alguns (dos agentes) poderiam morrer, e no Mossad existe uma regra fundamental: o
sucesso da operação é tão importante quanto o resgate dos assassinos."

O Mossad decidiu então testar uma tecnologia nova, de última geração, para assassinar o
cientista, escreveu Bergman em uma reportagem publicada no jornal americano New York
Times. Os agentes usaram um robô acoplado a uma metralhadora e dotado de múltiplas
câmeras posicionado em um local estratégico dentro do Irã (uma estrada por onde, o Mossad
sabia, Fakhrizadeh iria passar em seu carro) e controlado por computador. Em frente à tela
do computador estava um "sniper" - um experiente atirador, trabalhando em local não
revelado a mais de mil quilômetros de distância.

Questionamentos

O governo iraniano afirma que seu programa nuclear tem fins pacíficos.

Não há confirmação oficial, pelo governo de Israel, sobre a autoria do assassinato do


Fakhrizadeh, mas a operação foi caracteristicamente eficiente. Bergman conta que a missão
foi realizada com tal precisão que a mulher do cientista, que viajava com ele, escapou ilesa
do atentado.

Em sua entrevista à BBC, Bergman relata, porém, um episódio que pode surpreender muita
gente. O momento em que uma própria agente do Mossad teria questionado a legitimidade
da operação.

"Meu pai trabalha para o comitê atômico de Israel. Se vocês dizem que esse cientista iraniano
é um alvo legítimo, então meu pai também é um alvo legítimo", teria dito a oficial da

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inteligência israelense.

O jornalista diz que a agente não está sozinha. Outros na organização vêm expressando
ambivalência em relação a essas ações - entre eles, o próprio Meir Dagan, tido como o
cérebro por trás do programa de assassinatos do Mossad.

Dagan morreu em 2016. Segundo Bergman, em seus últimos anos de vida, ele teria se dado
conta de que havia um limite para o uso da força.

O ex-diretor do Mossad teria compreendido que "se todas essas operações incríveis,
dramáticas e bem sucedidas, não fossem seguidas por uma estratégia política de
negociações internacionais, não se chegaria a lugar algum".

Ou seja, diz o jornalista: "Não havia outra solução senão o diálogo com o inimigo."

Aqui, fazendo um balanço do que seria para ele a mensagem final de Rise Up and Kill First,
Ronan Bergman diz:

"Por serem capazes de comandar operações em território inimigo com um simples toque dos
dedos, todos os líderes israelenses ao longo dos anos concluíram, erroneamente, que tinham
o poder de mudar a História."

"No final das contas, essa é, também, uma história de falta de compreensão e de um fracasso
estratégico muito perigoso."

E por que, depois de tantos anos de silêncio, tantos dos participantes nessas operações
decidiram contar suas histórias?

A principal lição que o Holocausto deixou na mente das pessoas, verdadeira ou não, é que
"sempre vai haver alguém por aí pronto para fazer o segundo aniquilamento", diz Bergman.

"E quando você se defronta com a possibilidade de extinção, você faz o que precisa ser feito.
Em alguns casos, a resposta é, levante-se e mate primeiro", prossegue o autor, fazendo
referência ao título de seu livro.

"Essas pessoas (os entrevistados) queriam ter certeza de que suas pegadas ficariam gravadas
na História. Queriam se gabar e compartilhar suas experiências, vistas por eles, e pela
maioria da população de Israel, como um mal necessário."

"O que outros países veem como assassinatos e atos ilegais brutais significa, para os
israelenses, manter a guarda, tomar conta e defender Israel."

Em tom mais leve, o jornalista acrescenta:

"E se alguém se recusava a falar, bastava eu dizer que fulano ou ciclano estava levando o

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crédito pela missão dele. Aí sim, me contava tudo!"

Em debate: Queremos uma sociedade sem leis?

Em contraponto à poderosa narrativa do jornalista israelense, o especialista em direito


internacional e direitos humanos Philippe Sands faz um alerta contra a glorificação do que,
no final das contas, são atos ilegais.

"Segundo as leis internacionais, você não pode sair por aí matando as pessoas por acreditar
que representem uma ameaça e existem vários exemplos de gente que foi morta por
engano", diz.

Ele prossegue:

"Me preocupa que (alguns pensem que) esse seja o caminho a ser seguido, que isso possa
trazer Justiça no longo prazo."

Sands reconhece que a lei não alcança todos.

"A justiça criminal só pega alguns", admite. "As famílias dos que não são pegos vão dizer, 'ele
morreu inocente'."

Por isso, no caso da Segunda Guerra Mundial, o advogado disse fazer uma distinção para
assassinatos que são "represálias por atos anteriores".

"Isso era o que se fazia antes de 1945, era legítimo, acontecia e não havia lei contra isso. Mas
a mudança que ocorreu após 45 foi dizer que o poder do Estado não é ilimitado. Você não
pode sair por ai fazendo essas coisas, seres humanos têm direitos e esses direitos são
protegidos segundo as leis domésticas e internacionais."

Esse, ele diz, é o legado de Nuremberg.

"Nuremberg foi um momento singular e revolucionário onde, pela primeira vez, líderes foram
responsabilizados por cometer crimes", explica.

"E os crimes eram, em grande parte, novos. Crimes de guerra já existiam, mas crimes contra a
humanidade e genocídio, e o crime de fazer uma guerra ilegal, foram inventados. Isso mudou
o mundo. Todos esses crimes hoje estão cobertos (por um sistema jurídico)".

Sands diz que esse projeto, ainda em seus primeiros anos, está novamente em discussão por
causa do conflito na Ucrânia.

"Existe um desejo, pelo menos no lado da Ucrânia, de colocar o conflito no contexto legal,
focar nos crimes de guerra, focar nos crimes contra a humanidade. Isso é o momento

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Nuremberg", diz o advogado.

Por outro lado, comenta, "alguns estão falando em matar o presidente da Rússia. No
contexto do que estamos discutindo nesse programa, esse é um caminho que muitas pessoas
achariam atraente", diz.

"Este não é um caminho disponível hoje segundo a lei internacional, e isso é uma
consequência de Nuremberg."

"A questão é, queremos rasgar o momento 1945 e voltar para 'não, que vença o mais forte'?
Ou queremos manter a ideia de que existem limites para o que Estados podem fazer para se
proteger contra atos passados ou futuros? Essa é a questão central, e esse é o debate a
respeito do papel da lei na nossa sociedade."

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63792332

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