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A Estratégia e o Poder Aéreo

Cel John A. Warden III, USAF, Reformado

Q
UANDO SURGE nova tecnologia declarou que “não existe motivo algum para
comercial ou bélica, as vantagens, se ter um computador em casa.”1
em custo e eficiência – de início, Na esfera militar, o poder aéreo – qualquer
embora marginais – às vezes já fi- objeto guiado que se movimenta pelo ar ou
cam aparentes no momento em que ela entra espaço, tripulado ou remotamente pilotado –
em cena. Por outro lado, décadas ou até encontrou o mesmo problema, como indica o
mesmo séculos podem passar antes de che- Marechal Ferdinand Foch, quando lecionava
garmos à conclusão de que o novo compo- estratégia na École Supérieure de Guerre da
nente não substitui o antigo, mas sugere a França, antes da Primeira Guerra Mundial:
possibilidade de movimento rumo à nova di- “Os aeroplanos são brinquedos interessantes,
mensão, antes não disponível ou nem mesmo mas sem valor militar.”2 Sem dúvida, agora,
imaginável. Essa perspectiva miópica faz com poucos classificariam o poder aéreo de brin-
que observadores competentes, em diferentes quedo. Por outro lado, nem muitos compre-
circunstâncias, menosprezem o potencial do endem que ele pode e deve mudar a própria
novo dispositivo. Dois exemplos vêm à mente: natureza da guerra.
em 1876 a Western Union observou que “este Faz um século que o aeroplano foi empre-
telefone possui muitas deficiências para que gado em combate pela primeira vez. O fato
possa seriamente ser considerado um meio de ocorreu na Líbia, durante a Guerra Italo-Turca
comunicação. O dispositivo, para nós, não de 1911.3 Nos anos que seguiram, seu alcance,
possui valor inerente”; em 1977 Ken Olsen velocidade, carga útil e precisão foram aperfei-

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çoados. Desde seu emprego em grande escala As operações terrestres tanto dominaram o
durante a Primeira Guerra, vem contribuindo estudo da guerra que veio a ser definida,
à solução de todo tipo de conflito. Apesar do quase que exclusivamente, como o embate
antigo sucesso, a tendência é continuar a entre exércitos opostos. Os conflitos, as bata-
considerá-lo como meio de aperfeiçoar ou lhas tornaram-se, não só o critério fundamen-
facilitar os antigos métodos bélicos e não tal do sucesso, mas também algo a desejar.
como portal de entrada à diversificação revo- Como disse Clausewitz:
lucionária, de imensa relevância aos Estados O combate é a única força eficaz na guerra; sua
Unidos. meta é destruir as forças inimigas como meio
Independente do potencial, jamais conse- para se chegar a outro fim . . . A conclusão é que
guirá alcançar a verdadeira capacidade se con- a destruição das forças inimigas influencia todas
tinuar restrito à perspectiva e nomenclatura as ações militares; todos os planos são, em
anacrônicas da guerra. Além do mais, para última análise, nela baseados, apoiando-se na
mesma como arco de ponte em seu estribo . . .
que consiga atingir a verdadeira maturidade
A decisão por intermédio de armas é, para todas
deverá seguir o conceito moderno da mesma, as operações maiores e menores de guerra, o
que associa o uso de força aos objetivos estra- que o pagamento em dinheiro significa para o
tégicos da etapa final do jogo, da forma mais comércio . . .
direta possível e não com a ação (lutar). Para Assim, é evidente que a destruição das forças
que isso aconteça, os protagonistas devem inimigas é sempre o meio prevalente, mais efi-
compreender, acreditar e ensinar a estratégia caz, com o qual os outros não podem competir.4
da etapa final como a raison d’être de tal poder.
Caso contrário, será subutilizado, fazendo Nosso propósito não é criticar Clausewitz
com que os administradores sejam impossibili- (em muitos aspectos, o pontiff maximus dos
tados de empregar a capacidade de forma se- exércitos ocidentais há um século e meio),
riamente distinta, para alcançar os objetivos mas sim empregá-lo como escritor ainda bas-
nacionais com prontidão e mínimo custo. tante lido e exemplo de como a maioria das
pessoas, inclusive chefes de nações e oficiais
Para triunfar, as autoridades competentes de-
líderes raciocinam acerca da guerra. Para eles
vem cessar de utilizá-lo como substituto aos
é, inevitavelmente, o embate de armas. Para
antigos precursores militares. O que devem
reiterar, “a destruição das forças inimigas in-
fazer é conectá-lo, diretamente, à etapa final
fluencia todas as ações militares” . . . “é sem-
dos jogos estratégicos, adotando nova termi- pre o meio prevalente, mais eficaz, com o
nologia que corresponda à promessa da tec- qual os outros não podem competir.” É im-
nologia, promovendo, seriamente, não o ma- pressionante como esta idéia continua enrai-
quinário, mas sim a noção. O conhecimento zada em nossa mente e cultura, especialmente
plausível de detalhes bélicos que possuímos em vista de uma série de exemplos históricos
abrange somente alguns milhares de anos. de guerras que triunfaram ou foram influen-
Apesar disso, a guerra parece ser componente ciadas, em grande parte, por outros meios. Os
essencial à condição humana. A maioria dos leitores não necessitam de lembrete de que
antigos embates ocorreu entre forças terres- um dos maiores impérios do globo foi edifi-
tres opostas. O raciocínio e os registros históri- cado com o respaldo de uma Marinha Real
cos concentram-se nos aspectos terrestres do que frequentemente ganhou “guerras” ou
conflito. O poder marítimo que, no mínimo, impediu-as, pela mera presença.
desde a Grécia Antiga desempenha função Os defensores da obra Da Guerra, em sua
essencial, recebeu atenção menor ainda. maioria, ignoram o fato de que até mesmo
A fim de comprovar o que pode muito bem Clausewitz disse que “sua meta é destruir as
ser obsessão, citaremos o livro de Carl von forças inimigas como meio para se chegar a
Clausewitz, Da Guerra [Vom Kriege], no qual o outro fim”. Então, devido a uma série de mo-
papel da Marinha na derrota de Napoleão é tivos, ele e seus adeptos concentraram o racio-
conspícuo pela sua ausência. cínio, a palavra escrita e a luta, em luta! E eis
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o problema que nos encara: tratam do “outro odo. Fazemos o impossível para evitar a
fim” somente da boca para fora, continuando seleção de táticas – bomba, bala ou tor-
obcecados com a batalha. pedo – até compreendermos, muito
Aqui, então, está a proposta: adotar a reso- bem, tudo o mais.
lução de expurgar os termos luta, batalha, 4. Saída. Como seguimos avante, após
moldar o campo de batalha, arena de guerra e guer- triunfo ou derrota? Às vezes, empreendi-
reiro do nosso vocabulário; relegar os “meios”
mentos tão complexos e perigosos,
de guerra ao final da lista; e colocar o “fim”
como guerras, levam ao sucesso de um
no alto do pedestal de nossa consideração.
dos antagonistas. Seguir avante após o
Em outras palavras, enterrar os milhares de
triunfo, contudo, não é fácil. Devemos
anos de registros de batalhas sangrentas, he-
dar ao evento o mesmo cuidado dedi-
róicas que fossem, e começar a ver a guerra e,
eventualmente o poder aéreo, sob o nosso cado à futura tela e à decisão de travar
ponto de vista, que pela definição significa, da guerra. Ainda mais perigoso é a possibi-
perspectiva estratégica. lidade, muito mais provável, de cometer-
A estratégia pode ser complexa, mas para o mos grandes erros ao longo do caminho.
presente propósito podemos simplificá-la. Em A falta de plano, caso derrota, resulta em
seu nível mais elementar, dirige-se a quatro alta probabilidade de desastre.
temas: Onde, Que, Como e Saída: Se pudermos criar uma futura tela para
1. Onde queremos estar no futuro? Ou nós e para o inimigo, as duas questões de rele-
seja, que aparência desejamos para nós vância direta ao tópico de poder aéreo e estra-
(e para o inimigo) em certo ponto fu- tégia levam a outro (Que?) e a outro (Como?).
turo específico (pós-guerra)? Vamos Contudo, a retirada (Saída) de guerra domi-
denominá-la de futura tela. nada pelo poder aéreo, com desfecho positivo
ou negativo é bem mais fácil do que a retirada
2. Contra o Que colocaremos os recursos, a de força terrestre.
fim de criar condições que permitam Obviamente, se quisermos que a realidade
alcançar o futuro que acabamos de des- (futura tela) atual seja distinta, algo deve mu-
crever? No primeiro estágio da análise,
dar. Em esfera geopolítica, se possuímos uma
iniciamos o processo ao identificar os
futura tela (objetivo estratégico) para o ini-
sistemas que devem mudar, para que
migo (quer seja nação, grupo, como o al-Qaeda,
possamos criar essa futura tela. Naquele
ou tribo), aquele adversário deve mudar, de
que segue, continuamos a identificar as
certa forma, para refletir tal quadro. Uma vez
fontes de poder [center of gravity, em ter-
mos militares, significa a fonte de poder que que é provável que o adversário não deseje
providencia a força moral ou física, liberdade mudar, devemos fazer algo para forçá-lo.
de ação, ou determinação de agir. Assim, Os adversários são complicados, com mui-
traduzimos center of gravity como fonte de tas peças móveis e estáticas. No entanto, pode-
poder e não como ponto de equilíbrio] contra mos simplificar a análise percebendo-os como
os quais devemos empregar recursos um sistema, o que significa que funcionam de
concretos para forçar a necessária mu- maneira razoavelmente conectada. Os siste-
dança de sistemas.5 mas existem para um propósito. Neste caso,
para fazer algo que não queremos (talvez
3. Como e em que período de tempo pode- nada mais que sobreviver). Para alcançar um
mos afetar aquilo contra o que estamos objetivo, a nação ou grupo utiliza os compo-
empregando os recursos? Nesse estágio, nentes internos.”
cedo ou tarde, tomaremos as decisões Por exemplo, se dado país desejasse atacar
táticas. Entretanto, iniciaremos com de- outro, seguiria os passos abaixo ou similares:
cisões acerca do tempo que podemos
gastar e a sequência de ataque contra as 1. Um ou mais indivíduos (líderes com ou
fontes de poder dentro daquele perí- sem pasta) defendem a ideia, buscam o
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apoio de outros, suprimem aqueles con- 5. Finalmente, envia algumas das forças de
trários. campo, quase sempre pequena parte da
2. Desenvolve ou coloca em andamento os população (pelo menos desde o tempo
processos necessários para obter o apoio dos mongóis) para levar a efeito o ata-
que designado.
do maior número de membros, adqui-
rindo recursos, como armas e munição Deve-se notar que o destacamento de for-
para a tentativa; coloca outros processos ças de investida é o último passo do processo
em trâmite para recrutar, treinar e equi- simplificado, [subentendendo-se] que o país
par as forças necessárias para a investida; provavelmente possui a habilidade de enviar
e nutre os processos necessários para a maior número de forças, caso o primeiro
sobrevivência do país, tais como comuni- grupo enfrente problemas. Ver Fig 1, abaixo.
cações, produção de víveres e sua distri- Ao invertermos a sequência que acabamos
buição, financiamento e manufatura. de descrever (i.e., indo dos círculos externos
em direção aos internos) vemos que o país
3. Assegura que as estradas e outras infra-
provavelmente perderia toda a força que aca-
estruturas são adequadas à sobrevivên-
bara de destacar. Contudo, se tudo o mais
cia e apoio às operações. permanecesse constante [et coeteris paribus],
4. Toma passos para assegurar o apoio ade- continuaria sendo uma organização comple-
quado da população e suprime a oposição. tamente capaz (manter em mente a pronta

1. Líderes

2. Processos

3. Infraestrutura

4. População

5. Forças em
Campo
Figura 1. O inimigo como sistema – os cinco círculos
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recuperação das perdas britânicas em trar as fontes de poder corretas. Notem os se-
Yorktown em 1781 e as perdas dos britânicos e guintes exemplos simplificados:
das Nações Independentes Britânicas [British
1. Líderes (círculo um). Se líderes podero-
Commonwealth] em Cingapura em 1941).
sos como Átila, Napoleão, Bismarck, Hi-
Por outro lado, se: os líderes já não mais tler ou bin Laden levam o adversário à
existissem; tivessem perdido o interesse no determinada direção, sua remoção (e
conflito; a comunicação fosse limitada; a pro- talvez a de associados íntimos) normal-
dução e distribuição de víveres fosse inter- mente resultaria em reviravolta ou
rompida; o movimento fosse difícil, ou mesmo grande desaceleração. Se for o que dese-
impossível, o país (ou grupo) não mais po- jarmos, a remoção ou conversão de líder
deria funcionar ao mesmo nível. Na ver- (via força, persuasão ou mesmo su-
dade, estaria fadado ao fracasso dentro de borno) seria ação estratégica direta,
certo período de tempo. Lembrem-se da Ale- uma vez que a mudança de fonte de po-
manha e do Japão em 1945. Apesar de gran- der está diretamente associada ao obje-
des perdas em tropas de ataque, as forças ja- tivo estratégico.
ponesas, bastante grandes, continuavam a
2. Processos (círculo dois). Se o adversário
lutar até o momento em que se renderam.
recusa-se a concordar com os termos
Esse fato sugere que o momento para come-
desejados, podemos colocá-lo em tal po-
çar a pensar em como atingir os objetivos ge- sição que seria impossível a persecução
opolíticos não é quando estamos face a face de objetivos que entrassem em conflito
com as forças armadas do adversário (quer com a futura tela. Durante a Primeira
sejam pilotos altamente treinados ou suicidas Guerra Mundial, os Aliados levaram a
com cinturão de explosivos). Seria o pior ce- efeito um bloqueio contra a Alemanha
nário imaginável. O raciocínio deve sempre para evitar a distribuição de víveres, o
proceder dos círculos internos aos externos, que B. H. Liddell Hart considerava “fun-
nunca ao contrário. damental” ao resultado da guerra. Preci-
Se conseguirmos perceber o inimigo como samente, a continuação do bloqueio em
um sistema, primeiramente determinamos 1919 forçou seu governo pós-guerra a
que aparência deve possuir, para que possa- aceitar os termos cáusticos do Tratado
mos formular sua futura tela. Em um dos ex- de Versailles.6 A Alemanha não podia
tremos, Roma visualizava o desaparecimento sobreviver em face de bloqueio com efei-
de Cártago no final da Terceira Guerra Pú- tos estratégicos diretos.
nica. Para isso necessitava destruir aquele sis- 3. Infrastructure (círculo três). Uma nação
tema. Em outro, durante a Guerra do Golfo, a ou grupo necessita de certa quantidade
fim de obter o objetivo principal norteameri- de infraestrutura para funcionar.
cano, que era a estabilidade regional, signifi- Mesmo que pertença a outrem, necessi-
cava que o Iraque não poderia continuar tamos, ainda hoje, de manter um local
sendo ameaça estratégica às nações vizinhas. para exercer atividades profissionais ou
Para isso era necessário enfraquecer, mas não comerciais. Na atual guerra do Afega-
destruir o Iraque (sistema) para que pudesse nistão, causamos o efeito inicial e im-
funcionar e defender-se mas não empreender portante, privando o al-Qaeda da infra-
novas aventuras no exterior. estrutura que servira tão bem de base de
Uma vez que as autoridades optam pelo operações, campos de treinamento e
efeito geral desejado para o sistema, o pró- difusão de doutrina. Esta perda não des-
ximo passo é encontrar as fontes de poder truiu o grupo, mas profundamente
cuja alteração criará a mudança desejada de complicou sua habilidade de exercer as
forma tão direta (estrategicamente) quanto atividades. É um exemplo de outro tipo
possível. Iniciamos com o círculo central, pas- de fonte de poder, intimamente vincu-
sando em direção ao externo, a fim de encon- lado a efeito estratégico necessário, em-
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bora por si só, não conseguisse reduzir o sário e é imprevisível. Raramente ocor-
grupo a nivel controlável. rem resultados estratégicos diretos com
4. População (círculo quatro). As nações e a mudança da fonte de poder das forças
grupos necessitam de elementos solidá- em campo. Afetar as forças em campo
rios e prestativos dentro da população normalmente é aquele meio difícil para
(grupos demográficos). Durante a um fim nebuloso e distante.
Emergência Malaia, o Reino Unido iso- Não é necessário pensar muito para notar
lou a minoria étnica chinesa, o âmago que nem todas as fontes de poder nos cinco
do problema. Dessa forma conseguiu círculos possuem o mesmo valor, em termos
manter a situação sob controle. 7 Na- de retorno pelo investimento requerido. Nor-
quele caso, o enfoque na fonte de poder malmente conseguimos retorno muito maior
representada pela população ajudou a em investimentos (quer sejam bombas, balas
direcionar os resultados estratégicos – o ou oro) para afetar os círculos internos do
fim da emergência. que os externos (fig. 2). Isso não quer dizer
5. Forças Destacadas (círculo cinco). Se for- que podemos ou devemos sempre ignorar os
mos fiéis a Clausewitz, as forças inimigas círculos externos. Significa, contudo, que po-
em campo (as forças armadas) serão demos esperar que o custo de solucionar os
nosso enfoque – algo a engajar e a der- círculos exteriores será bem alto, quando
rotar em batalha. É o normal. Quando comparado ao retorno.
uma nação ou grupo perde certa parte Na metodologia estratégica que acabamos
de suas forças em campo, existem três de descrever, primeiro identificamos os obje-
probabilidades: organiza-se e envia mais tivos estratégicos, o nosso “onde”, que é a fu-
(forças); entabula diálogo para conse- tura tela para o adversário. (Na verdade deve-
guir mais tempo ou aguarda algo posi- mos primeiro estabelecê-la para nós mesmos,
tivo; ou concorda com os termos de paz mas isso é outro tema.) Ao vermos o adversá-
oferecidos, quando parecem ser mais rio como sistema, encontramos as fontes de
atraentes do que continuar lutando. poder que, quando afetadas, possuirão o
Notem que a opção depende do adver- maior efeito direto na realização dos objetivos
Alto
Retorno sobre o Investimento

1. Líderes 2. Processos 3. Infraestrutura 4. População 5. Forças em


Campo
Baixo

Círculos
Figura 2. O retorno em investimentos para afetar os diferentes círculos
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estratégicos. Em certos casos, perceberemos Se acabarmos selecionando o uso de força


que somente uma ou duas serão suficientes, como meio principal ou complementar para
mas na maioria devemos influenciar várias em alcançar os objetivos estratégicos, a metodolo-
período de tempo relativamente limitado. gia que acabamos de descrever (ou algo simi-
Deve-se notar que até mesmo em grandes sis- lar) é vital à exploração eficaz do poder aéreo.
temas, tais como os Estados Unidos e a China, Esta metodologia permite-nos selecionar as
o número de alvos associados às fontes de po- fontes de poder mais apropriadas, a fim de
der é bem pequeno. Provavelmente menos de empregar o poder aéreo (caso apropriado)
1.000. para produzir resultados estratégicos diretos.
Se for necessário dispor de forças inimigas É um meio de ignorar o canto da sereia que
em campo, de um ou outro modo, podemos e chama à “batalha”; evitar o início com os
devemos empregar exatamente a mesma me- “meios”, à la Clausewitz; dar, ao mesmo
todologia utilizada durante a fase estratégica. tempo, um discreto aceno aos “outros fins”
Em primeiro lugar, identificamos o objetivo: sem, na verdade, ter idéia clara até onde o
destruição; imobilização; ou recrutamento. “meio” irá nos levar. As autoridades adminis-
Em seguida, analisamos a força em campo trativas da nação compreendem esta metodo-
(sistema) e encontramos as fontes de poder logia até certo ponto. E é exatamente até
relevantes, principiando do centro. Neste onde compreendem o valor do poder aéreo.
caso, em geral, o número de fontes de poder Daí em diante tornam-se vítimas de milhares
relevantes resultará em menor quantidade de de anos de histórico tático, já quase sem rele-
alvos do que em abordagem tradicional de vância. Outro componente essencial à estraté-
guerra de atrição contra tropas e equipa- gia, em geral ignorado, acentua ainda mais a
mento. O número de alvos associados às fon- importância do poder aéreo – o tempo, em si.
tes de poder durante a fase de operação é Os líderes de qualquer empreendimento
surpreendentemente pequeno, mesmo em competitivo, inclusive os líderes de nações
caso de grande força em campo. Provavel- (ou de quaisquer outros grupos), devem com-
mente alguns milhares na pior das hipóteses. preender a importância do tempo, pois é ele-
Caso em pauta, o Exército iraquiano em mento vital e mesmo assim quase sempre mal
Kuwait em 1991. gerenciado. Como Sun Tzu disse há dois mil
Após identificar as fontes de poder, decidi- anos: “Por essas razões, já ouvimos falar de
mos que curso de ação tomar: destruir; isolar; guerras rápidas, torpes e eficazes, mas nunca
converter; paralisar; avaliar o sucesso; etc. So- de uma guerra longa que fosse inteligente . . .
mente bem no final decidimos a metodologia Nunca houve guerra longa que fosse benéfica
(táticas) a empregar. Notem que se iniciar- para qualquer um dos reinos envolvidos” 8
mos com o último passo – seleção de tática, tal Esta declaração é tão pertinente hoje como
como ataque terrestre – subverteremos todo o quando ele a redigiu – com a exceção de que
processo e provavelmente nada que fizermos naquela época longa ou prolongada, provavel-
terá sentido e muito menos será a melhor op- mente, queria dizer muitos meses. Hoje, no
ção. A abordagem estratégica proporciona a entanto, traduz-se à horas ou dias. Em simples
liberdade de levar em consideração e mesclar termos, rápida é categoricamente boa, e longa
todos os meios concebíveis para alterar a é categoricamente perigosa e ruim, devido ao
fonte de poder – um suborno, uma bomba que denominamos de “valor do tempo de
aérea, um invasor de rede (informática), uma ação”. A origem do termo é o fenômeno cau-
guerra via procuração, uma conferência, um sado pelos efeitos de choque produzidos por
prêmio, fundos de financiamento ou cente- ataques concentrados e paralelos às fontes de
nas de outras possibilidades. É interessante poder. Durante o ataque em série – oposto ao
notar que ataque terrestre contra um exército paralelo – as forças tentam incapacitar uma
seria uma das últimas opções adicionada à ou pequeno número de fontes de poder, em
lista. sequência, ao longo do tempo.
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Para que a futura tela venha a ser reali- siderável e forçassem os alemães a realocar os
dade, devemos alterar o sistema do adversá- recursos para defesa e reparos, o país, como
rio. Para isso atingimos uma ou mais fontes de sistema, estava funcionando bem ao término
poder. O impacto resultante depende da rapi- do ano. Devido ao mau tempo e aos bombar-
dez com que as fontes de poder são afetadas. deiros empregados para desviar a atenção em
Se agirmos com demasiada lentidão (em sé- apoio à invasão planejada para o Dia-D, a in-
rie) o sistema provavelmente encontrará tensidade do ataque eficazmente transferiu as
meios de auto-recuperação, protegendo-se operações de, em série, à paralelas, somente
contra outros ataques, iniciando operações no final de 1944. Ao final da guerra, em maio
próprias contra os sistemas do adversário. Por de 1945, o emprego adaptado do poder aéreo
outro lado, se incapacitarmos número sufi- foi o fator principal da paralisação na Alema-
ciente de fontes de poder com a necessária nha, porque número demasiado de coisas es-
rapidez (em paralelo), o sistema ficará parali- tava quebrado para permitir conserto eficaz,
sado, impedindo a auto-recuperação e os defesa ou contra-ataque competente.
meios de proteção contra futuros ataques, Um fenômeno similar ocorreu durante a
bem como investidas competentes contra os Operação Allied Force contra a Yugoslávia (Sér-
sistemas inimigos. Durante aproximadamente via) em 1999. Durante o primeiro mês, os
a metade do último século observamos vários ataques em série foram, em sua maioria, dire-
exemplos de abordagens paralelas e em série. cionados contra as forças em campo. As forças
Durante a Segunda Guerra Mundial, em do líder sérvio, Slobodan Milošović, opera-
1943, os Estados Unidos levaram a efeito ata- vam eficazmente sob esta metodologia de
ques aéreos em série contra alvos alemães.9 A ataque, até mesmo escalando as operações
Oitava Força Aérea dos EUA, por exemplo,
em Kosovo. Durante o segundo mês, após os
atingiu somente cerca de 11 áreas considera-
ataques passarem a ser paralelos, envolvendo
das “fontes de poder”. Seis foram direta ou
as fontes diretas de poder (liderança direta e
indiretamente investidas contra forças em
processos), a dissensão interna nos mais altos
campo (aeronaves e navios). Das cinco restan-
níveis do governo surgiu dentro de uma se-
tes, somente as investidas contra instalações
de triagem e de petróleo sintético (três inves- mana. A Yugoslávia declarou que estava reti-
tidas ao total contra dois locais) e, até certo rando as forças de Kosovo duas semanas de-
ponto, fábricas de rolamentos aproximavam- pois. Na oitava semana após a mudança em
se ao calibre de fontes de poder do segundo metodologia, a Yugoslávia, em essência, capi-
círculo (processos) que poderiam ter tido im- tulou, declarando que aceitava os “princípios
pacto geral na Alemanha, como um todo. para um tratado de paz” do Grupo Europeu
Notem que não ocorreram investidas contra a dos Oito.”11 [O Grupo dos Oito (G8), criado pela
liderança (círculo um) ou alvos importantes França em 1975 para os governos das sete maiores
do círculo dois (processos) tais como eletrici- economias de então: Canadá, França, Alemanha,
dade, comunicações de comando e controle, Itália, Japão, Reino Unido e os Estados Unidos. Em
energia, transporte, víveres, finanças ou trans- 1997 adicionaram a Rússia. A União Européia
missões de rádio, para citar apenas alguns também está representada, mas não podia ser hós-
exemplos. Exceções foram o petróleo e insta- pede ou presidir].
lações ferroviárias de triagem. Naquela época, Passar do domínio paralelo ao em série faz
o ataque a essas fontes de poder estava além com que a probabilidade de sucesso decresça
da tecnologia disponível. Além do mais, segui- de forma dramática.12 Tomar demasiado
mos uma escala de incursões muito bem cal- tempo reduz muito a chance de vitória. Não é
culada: nenhuma (que envolvesse mais de 10 impossível ganhar uma longa guerra, mas a
aeronaves) tomaram lugar durante as 21 se- probabilidade é bem baixa. Aplica-se a ambos
manas do ano, e a média de ataques por se- os lados, apesar de grandes diferenças em fon-
mana para o ano inteiro foi somente de um.10 tes de poder. Uma vez que a boa estratégia
Embora essas investidas causassem dano con- depende muito em compreender as probabili-
A ESTRATÉGIA E O PODER AÉREO   11

dades, embarcar, deliberadamente, em longa tas anomalias possíveis, à medida que dado
guerra em série não tem lá muito sentido. protagonista transita rumo ao domínio em
À medida que procedemos a domínio em série. Também ilustra a taxa média para o
série ocorre outro fenômeno, tanto em custo de operações.
guerra, quanto em negócios. Na guerra o Em simples palavras, em guerra ou negó-
custo de operações sobe, de forma dramática, cios, a abordagem do elemento tempo é com-
para ambos os lados: vida, dinheiro e equipa- pletamente contrária à normal, i.e., pergunta-
mento. Por outro lado e às vezes de forma mos quanto tempo algo vai durar, em vez de
contraditória, uma investida paralela é menos decidirmos quanto tempo deveria durar para
dispendiosa para ambos, embora o compro- criar os efeitos paralelos e triunfar, dentro de
metimento inicial e os gastos possam ser mais orçamento aceitável. Tão importante é este
altos do que para o ataque em série. Em negó- conceito que podemos utilizá-lo para deter-
cios, os gastos incluem: tempo para atingir o minar se queremos ou não travar guerra. Se
mercado; emprego ineficiente de pessoas e não podemos ou não operamos em domínio
dependências; e falta de dados estratégicos. A paralelo, devemos, em primeiro lugar, buscar
enorme diferença manifesta-se quando anali- meios de evitá-la (na maioria das vezes, um
samos o custo, do início à conclusão. Além do curso razoável de ação).
mais, as despesas associadas à operação em Iniciamos sugerindo que nosso vocabulá-
domínio paralelo ficam razoavelmente claras, rio e conceitos bélicos estão fora de moda e
em parte porque as predições a curto prazo mal-ajustados e que continuamos a seguir o
são bem mais fáceis. O cálculo de custo de conceito antigo de Clausewitz e seu enfoque
operações em série é extraordinariamente em batalha. As velhas ideias possuíam certo
difícil. As despesas concretas quase sempre valor prático no passado, quando as forças
superam as estimativas. Os exemplos abun- militares disponíveis a qualquer nação ou or-
dam, inclusive as estimativas para projetos fe- ganismo eram pequenas e contavam com ve-
derais de aquisição e aquelas para as despesas locidade e alcance limitados. Por um lado, se
de guerra. uma organização derrotasse as forças armadas
A Figura 3 capta o conceito do valor do de outra, normalmente nada jazia entre o vi-
tempo de ação, demonstrando algumas das mui- torioso e a razão real da guerra – apoderar-se

Adversário começa a reagir eficazmente


Alto

s
çõe
Adversário realoca os recursos para tomar conta eo pera
to d
do ataque e inicia contra-ataques Cus
Probabilidade de Sucesso

Plano ideal: Adversário emprega novas abordagens


Dentro do período
de reação do
adversário, Disputa transforma-se em guerra de atrição
altamente
comprimido
e paralelo Ambientes externos mudam

Domínio Adversário incapaz de manter o enfoque


em série
Domínio paralelo
(dentro do período
de reação eficaz
do adversário Possibilidade de alcance de objetivos
Baixo

Muito curto Muito longo


Período para afetar centros de poder relevantes
Figura 3. O valor do tempo de ação
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de riqueza, quer seja em forma de colheita, posta é simples. Para obter algo que de outra
terra, ouro ou escravos. Por outro, a falha em forma não conseguiríamos. Isso porque outra
superar as forças armadas inimigas deixava nação ou grupo não cederia, voluntaria-
sua própria riqueza exposta à confiscação e mente o que desejamos. Assim, a guerra é,
destruição. Assim, a maior parte de nosso con- claramente, um meio para se chegar a um fim
ceito e operações procedia, na verdade, da – e, por esse motivo, não é um ponto de iní-
capacidade extremamente limitada das forças cio estratégico. Sem dúvida, isso sempre irá
disponíveis. Assim, não possuíamos motivos acontecer. Assim, aquilo que desejamos é o
válidos para pensar além da batalha. Imagi- objetivo estratégico. Após determiná-lo co-
nem, contudo, que os exércitos da antiguidade meçamos a busca de meios para atingi-lo. As
podiam, de forma instantânea, transportar-se opções percorrem toda a gama, de guerra
aos ricos centros do adversário onde o saque sangrenta e destrutiva a uma forma ou outra
estaria a sua disposição. Será que todo o con- de adulação. Entre essas duas encontra-se
ceito de guerra teria sido bem diferente? algo (ainda não identificado) que faz com
Além do mais, as forças armadas raramente que seja fisicamente impossível ao possuidor
podiam atacar mais de um local ao mesmo daquilo que desejamos continuar a reter,
tempo. Assim, eram obrigados a proceder em mas conduz a pouco ou a nenhum derrama-
série. Somente durante os últimos 75 anos foi mento de sangue e destruição. Para facilitar o
que o poder aéreo tornou possível a investida debate, vamos denominá-la de “força sem
contra múltiplas fontes de poder, de modo sangue.” Se estivesse disponível, a custo razo-
paralelo. Será que existe qualquer dúvida de ável, provavelmente seria a opção adotada,
que é premente reavaliar a guerra? toda vez que fracassasse a adulação e quando
O poder aéreo capacita-nos a pensar em fosse impossível justificar o conflito armado,
conflito de perspectiva que vai além do futuro como primeira opção. Isso nos leva, uma vez
[e vice-versa] e em primeiro-a-etapa-final e não mais, àquela frequente objeção à força sem
em ponto de vista baseado na obsessão de sangue, ou seja, os políticos fariam uso da
Clausewitz e seus discípulos pela batalha. mesma com demasiada frequência.
Também possibilita a conjectura que evoca È impossível saber se isso ocorreria com
grandes emoções: conflitos com pouco ou maior frequência ou não. Na verdade, nossa
sem qualquer destruição ou derramamento habilidade em predizer o que fariam os políti-
de sangue não planejado. cos em dada circunstância é quase zero. O
Sempre pensamos em guerra como pura argumento seria válido se houvesse longo re-
batalha, derramamento de sangue e destrui- gistro histórico, comprovando que políticos
ção. De fato, com as ferramentas de guerra evitam guerra. Contudo, esse não é o caso. O
previamente disponíveis as opções eram pou- derramamento de sangue e a destruição da
cas. No entanto, se tivéssemos outro meio de guerra parece ter tido pouco efeito em abran-
travar guerra, sem destruição ou derrama- dar os políticos através dos séculos (talvez
mento de sangue não planejado, será que se- ocorreu o oposto). Assim, não existem moti-
ria rejeitado ou acolhido? Rapidamente, al- vos para pensar que haveria maior número de
guns optariam pelo primeiro, enquanto casos de reação física contra adversários.
outros selecionariam o último. Quando tomamos parte em conflito, o ob-
Aqueles que rejeitariam a guerra relativa- jetivo estratégico deveria sempre ser o prelú-
mente sem derramamento de sangue alegam dio de paz mais satisfatória. Normalmente,
que sem sangue e destruição a guerra não se- com esse tipo de paz, o vencido não possui tal
ria guerra e que, de qualquer modo, possuiria ódio do vitorioso, a ponto de fazer com que
demasiado apelo político. Vamos supor, por outro embate seja inevitável. Um meio de re-
um momento que, por definição, o derrama- duzir o antagonismo após o conflito é reduzir
mento de sangue e a destruição sejam com- o sofrimento e o período de recuperação do
ponentes necessários à guerra. A pergunta vencido. Geralmente, as guerras possuem
então seria: Por que travamos guerra? A res- efeitos negativos e de longa duração. No en-
A ESTRATÉGIA E O PODER AÉREO   13

tanto, talvez o poder aéreo consiga, um dia, em sistema e não em batalha, a fim de seguir-
oferecer alternativa. mos rumo à abordagem mais eficiente e efi-
Certas pessoas concordariam de que uma caz, sem enfoque em morte e destruição.
força verdadeiramente sem sangue seria exce- Com respeito à estratégia e poder aéreo:
lente, mas tecnologicamente impraticável.
Pode ser que sim – atualmente. Amanhã, con- •  A estratégia é a estrutura para encontrar
tudo, é outra história. Já alcançamos grande o melhor meio de atingir os objetivos.
progresso, como comprovado pelas guerras •  Se quisermos mudar o adversário, como
dos anos 90, nas quais as potências altamente sistema, para que esteja de acordo com
tecnológicas representavam um dos campos nossos objetivos, a abordagem mais di-
combatentes. Devido ao fato de que o poder reta é afetar as fontes de poder intima-
aéreo possui a capacidade de empregar a mente relacionadas aos objetivos.
força com grande exatidão (precisão de im-
pacto), até mesmo agora fazemos com que as •  A rápida ação e breves conflitos são in-
armas consigam atingir os alvos selecionados, dispensáveis e muito menos dispendio-
na maioria das vezes. O próximo passo exige sos do que os lentos e longos.
grande progresso em alcançar precisão real •  À medida que consideramos o conflito,
de efeito, onde a energia lançada faz somente devemos explorar, com muito cuidado,
aquilo que desejamos que faça. As novas bom-
as opções de força sem derramamento
bas de pequeno diâmetro representam outro
de sangue, antes de retroceder à guerra
passo na direção certa. Com precisão de
e batalha tradicionais.
efeito, combinada à precisão de impacto, a
guerra sem sangue torna-se realidade. •  A “batalha”, na melhor das hipóteses, é
Por conseguinte, tentamos defender a pre- um meio caro e arriscado para se chegar
missa de que o poder aéreo só conseguirá a um fim distante. Quase sempre deve-
atingir o potencial de levar-nos à nova esfera mos evitá-la.
bélica se estiver intimamente vinculado à es-
tratégia além-do-futuro, fim-de- jogo que re- Se assimilarmos esses pontos, começaremos a
jeita idéias anacrônicas de guerra. Especifica- encontrar os meios para levá-los a efeito.
mente: Nossas opções, em amplo sentido, incluem
poder terrestre, marítimo e aéreo. No en-
•  A melhor abordagem estratégica inicia tanto, antes de examiná-los, vale à pena certa
com futura tela; determina os sistemas e elaboração. Na realidade, exércitos e mari-
fontes de poder que devemos mudar nhas possuem poder aéreo, enquanto que as
para alcançá-la; leva em consideração o forças aéreas, normalmente, contam com
impacto do tempo; e prepara uma saída. bem pouco poder terrestre, além daquele ne-
•  Devemos manter o enfoque em fontes cessário para leve segurança. Para simplificar,
de poder, diretas e estratégicas, tanto não mencionaremos as forças armadas atuais.
quanto possível. Assim, o poder terrestre é tudo aquilo essen-
•  O vocabulário bélico foi cunhado na an- cialmente “atrelado” diretamente ao solo, in-
tiguidade, restringindo-nos, física e men- clusive, pessoas, tanques e artilharia. O marí-
talmente a conceitos que não mais tem timo é tudo aquilo que opera na ou sob a
sentido. Por conseguinte, a terminologia água, sem incluir aeronaves ou mísseis lança-
deve mudar. dos de navios. O aéreo é tudo aquilo guiado
que voa pelo ar e espaço, não importa o pro-
•  O objetivo bélico é realizar a futura tela, prietário ou plataforma de lançamento. Se
não matar e destruir.
quisermos evitar discussões bairristas que só
A última tarefa, talvez a mais fácil, é ver se confundem a avaliação das opções, devemos
podemos empregar o poder aéreo eficaz- manter as definições acima. Após alcançar as
mente para beneficiar a estratégia centrada conclusões, podemos decidir quais as organi-
14  AIR & SPACE POWER JOURNAL

zações que terão direito à posse e operação membros das três forças armadas recebam
dos três tipos de poder. tratamente igualitário.
O poder terrestre, o instrumento de con- A tecnologia é espetacular. No entanto,
flito mais antigo e historicamente mais preva- devemos emular o comércio, que há muito
lente é lento e normalmente afeta somente as aprendeu que a venda de produto é muito
forças em campo – o quinto círculo exterior, mais do que alardear as vantagens técnicas. O
raramente conectado, de forma direta, a obje- consumidor adquire o produto porque per-
tivo estratégico. O poder terrestre possui habi- cebe a grande lacuna preenchida em sua vida.
lidade mínima de levar a cabo operações para- O desempenho dos patrocinadores do poder
lelas, por conta própria, ou operar sem grande aéreo não foi muito bom nesse sentido. Se a
destruição e derramamento de sangue. potência aérea for, de certa forma, distinta,
O poder marítimo pode investir contra fon- devemos realçar as diferenças e demonstrar,
tes de poder, direta ou intimamente relaciona- de modo convincente, que preenche necessi-
das a objetivos estratégicos somente se forem dade vital.
acessíveis do mar [ou grande sistema hidro- Tudo isso conduz, uma vez mais, à estraté-
gráfico], o que corresponde à grande parte do gia. A comercialização do poder aéreo, que,
mundo, mas não à toda superfície terrestre. queira ou não, deve preceder seu emprego
Até mesmo a maioria das nações e organiza- inteligente – deve principiar vinculando-o, de
ções com litoral possui grande número de forma exclusiva, à nova abordagem para al-
fontes de poder à grande distância do litoral. cançar o sucesso em conflitos. Se for aceita, é
O poder marítimo pode movimentar-se com a óbvia solução. Se fracassar, somos apenas
maior rapidez do que o terrestre e consegue mais um bando de camelôs, à venda de bugi-
colocar maior número de fontes de poder ganga. Dessa forma, a propaganda é a priori-
sob ataque. No entanto, na maioria, não con- dade número um para o poder aéreo, embora
segue executar operações paralelas. Pode le- muitos não se sintam lá muito confortáveis
var a efeito operações com muito menos des- com isso. Tampouco possuem o conheci-
truição e derramamento de sangue do que as mento necessário para a tarefa.
operações terrestres. O alvo deve ser o contribuinte do Imposto
O poder aéreo consegue operar, virtual- de Renda, bem como as autoridades compe-
mente, contra todas as fontes de poder, dire- tentes em geral. De fato, devemos tentar solu-
tamente relacionadas a objetivos estratégicos, cionar o problema do mesmo modo que farí-
não importa onde estejam. Porque pode fazer amos com outras situações, como por exemplo
muitas investidas em períodos reduzidos de a invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990. Isso
tempo é especialmente indicado à operações quer dizer: estabelecer uma futura tela para o
paralelas. Finalmente, o poder aéreo produz poder aéreo; compreender a necessidade de
efeitos apropriados com pouca destruição e transformar nosso próprio sistema; empregar
derramamento de sangue, se desejado. as tentativas contra as fontes de poder dentro
A potência avassaladora do poder aéreo de nosso próprio sistema; e procurar operar
em mudança de jogo deve estar bem clara. No em [sistema] paralelo, oferecendo, a nós mes-
entanto, não parece ser o caso com a maioria mos, a máxima probabilidade de sucesso ao
das autoridades governamentais e oficiais mi- mais baixo custo possível. Se não adotarmos
litares, inclusive muitos que operam certas fa- essa abordagem, estaremos relegados a tentar
cetas da capacidade aérea. No entanto, para convencer os patrocinadores das forças terres-
assegurar que recurso tão valioso seja utili- tre e marítima a concordar com algo que pen-
zado de modo apropriado, nós, os Militares sam estar contrário aos seus interesses.
da Força Aérea devemos parar de pensar que O sucesso que obtivemos durante o século
podemos fazê-lo com as duas metodologias passado foi devido, principalmente, a nova
principais empregadas durante os últimos abordagem exclusiva para alcançar sucesso
anos: anunciar, ao som de trombetas, a tecno- bélico. Quando o público e os líderes civis
logia espetacular; simplesmente pedir que os governamentais compreenderam o valor do
A ESTRATÉGIA E O PODER AÉREO   15

poder aéreo, inclusive o custo de depender ciar com a suposição de que pode levar a cabo
de outros meios, os planos para a aplicação qualquer tarefa militar. Caso contrário, acaba-
inovadora ganharam aceite, como compro- mos profetizando a realidade, sem mesmo
vado pelo: uso britânico do poder aéreo na examinarmos as possibilidades, porque “todo
década de 20 na Mesopotâmia; ênfase em po- o mundo já está careca de saber” que sempre
der aéreo durante a década de 30, à medida usamos baionetas guiadas por seres humanos,
que outra guerra européia surgia no hori- como o dispositivo preferido e isso “jamais
zonte; ataque aéreo à longa distância na Ale- mudará.” De improviso, só uma coisa vem à
manha e Japão como parte principal do em- mente que o poder aéreo não pode fazer e
preendimento da Segunda Guerra Mundial; que outra forma de poder militar pode: fisica-
o enorme investimento em poder aéreo como mente prender pessoas. Mas, se agora não
arma e dissuasão durante a primeira metade podemos, que tal amanhã?
da Guerra Fria; e o uso do poder aéreo du- Após considerar o problema com muito
rante a década de 90. Nenhum deles teria cuidado, pode ser que a decisão seja que o
ocorrido se tivessem dependido de voto da poder aéreo não vai funcionar. Aceitamos a
“equipe conjunta.” Em outras palavras, o po- resposta – por enquanto.
der aéreo obteve sucesso, quando participou
É claro que defender o conceito ilimitado
naquilo que denominaríamos de jogo de fora
do poder aéreo expõe o indivíduo à acusações
e muito menos sucesso quando tentou jogar
de fanatismo, incapacidade de trabalhar “em
com o time.
conjunto” e outros tipos de rotulagem nega-
Os patrocinadores do poder aéreo, não só
necessitam direta conexão com a estratégia, tiva. Mas devemos ter suficiente confiança
comercializando muito bem o produto, mas para dar de ombros. Houve época em que os
devem também começar a ter fé no mesmo. Militares da Força Aérea resistiram às tentati-
Aqueles que entabulam debate, notando que vas de marginalização e acabaram fazendo o
o poder aéreo “não pode fazer tudo” prejudi- impossível, uma vez atrás da outra. Se quiser-
cam a si mesmos e a audiência. O que querem mos uma força mais capaz amanhã e um fu-
dizer é que o poder das forças armadas não turo mais promissor, acessível, eficaz, com
consegue fazer tudo ou preencher certos ob- menor risco, devemos então recuperar a cora-
jetivos – uma declaração completamente ver- gem e confiança dos antecessores. Se o fizer-
dadeira. Se, contudo, um problema for apto à mos, estabeleceremos a capacidade aérea,
solução militar, por que desqualificar o poder uma vez mais, como conceito inestimável à
aéreo de qualquer um de seus aspectos? Por nação e à civilização – aquela que proporcio-
que começar com “o poder aéreo é limitado”, nará enormes dividendos em investimento
em vez de “o poder aéreo não possui limites”? humano e monetário necessários para atingir
Em outras palavras, devemos, no mínimo, ini- sua extraordinária promessa.  ❏

Notas

1.  A citação da Western Union é amplamente atribuída a 4.  Carl von Clausewitz, On War, rev. ed., ed. e versão
memorando interno de empresa datado 1876. Ver, por ao Inglês de Michael Howard e Peter Paret (Princeton,
exemplo, All Great Quotes, http://www.allgreatquotes NJ: Princeton University Press, 1984), 97.
.com/stupid_quotes124.shtml. Para a citação de Olsen, ver 5.  Duas ou mais pessoas em cooperação constituem
Jonathan Gatlin, Bill Gates: The Path to the Future (New York: um sistema.
Avon Books, 1999), 39. 6.  Sir B. H. Liddell Hart, Strategy (New York: Meri-
2.  Ver Great-Quotes.com, http://www.great-quotes.com dian, 1991), 204.
/quote/861686. 7.  Uma das partes principais do Plano Briggs Britâ-
3.  Encyclopedia Britannica, academic ed., s.v. “Military nico [British Briggs Plan] para derrotar a insurgência exi-
Aircraft: Early History,” acessado em 23 novembro 2010, gia isolar os insurgentes daqueles que os apoiavam entre
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/382295 a população étnica chinesa da Malaia. O plano requeria a
/military-aircraft/57483/Early-history?anchor=ref521642. transferência forçada, de cerca de 500.000 membros da
16  AIR & SPACE POWER JOURNAL

população rural, inclusive 400.000 chineses, de áreas in- nos de 10 aeronaves, 29 atingiram áreas industriais não
vadidas a acampamentos recém construídos, sob guarda, definidas e 30 acabaram por atingir alvos indefinidos de
denominados New Villages projetados para manter os ha- improviso (em 1943 o último geralmente significava qual-
bitantes encerrados e os guerrilheiros fora dos mesmos. quer alvo alternativo, selecionado a esmo, quando a aero-
Muitas pessoas transferidas ficaram contentes com a me- nave não conseguia encontrar os alvos designados, de-
lhor condição de vida nas vilas. Ver Wikipedia: The Free vido a mau tempo). As 11 categorias de alvos atingidos
Encyclopedia, s.v. “Malayan Emergency,” acessado em 28 no- em 1943 são as seguintes (o número entre parênteses in-
vembro 2010, http://en.wikipedia.org/wiki/Malayan dica o círculo no qual creio que o alvo se encaixaria,
_Emergency. usando o sistema de cinco círculos): fabricação de aero-
8.  Sun Tzu, Sun Tzu A Arte da Guerra – Os Treze Capítu- naves (cinco); rolamentos (dois); áreas industriais (três
los Originais, tradução do chinês Sun Zi Bing Fa de André ou quatro); áreas de triagem (dois); refinarias de petró-
da Silva Bueno (São Paulo: Jardim dos Livros, 2010), 35. leo sintético (dois); áreas portuárias (cinco); transporte
9.  O Comando de Bombardeiros da [RAF Bomber Com- marítimo (cinco); aço (dois); borracha (dois); pneus
mand] foi bem ativo em 1943, mas direcionou virtual- (cinco); e estaleiros de submarinos (cinco). À parte, se
mente todos os ataques contra cidades, à noite, com o estivesse planejando investida contra adversário similar
objetivo principal de “baixar a moral e destruir as casas na época atual, não atingiria fábricas de aço, borracha ou
dos trabalhadores.” Ver Richard G. Davis, Bombing the Eu- outras áreas industriais, porque não causam impacto ge-
ropean Axis Powers: A Historical Digest of the Combined Bomber ral ao adversário ou sistema. Assim, na realidade não per-
Offensive, 1939–1945 (Maxwell AFB, AL: Air University tencem aos alvos do círculo dois.
Press, April 2006). Extraí os dados do CD do livro, que 11.  “Operation Allied Force,” GlobalSecurity.org, aces-
incluía os arquivos “1943.xls” e “I Sheet Key.pdf.” A cita- sado 28 novembro 2010, http://www.globalsecurity.org
ção acima foi extraída da pág. 6 do último arquivo [ci- /military/ops/allied_force.htm.
tado acima] da seção intitulada “General Information.” 12.  Emprego o vocábulo domínio neste contexto, a
10.  Ibid. Dados extraídos dos arquivos do CD “1943. fim de ilustrar a diferença dramática entre o mundo de
xls” e “I Sheet Key.pdf.” Para essa análise, contei como ataques em série e paralelos. A Força Aérea dos EUA não
“ataque” somente as missões que começaram com 10 ou se refere a domínios em série ou paralelos. Emprega a
mais aeronaves. Das aproximadamente 72 missões de me- palavra domínio em relação ao ar, espaço e ciberespaço.

Coronel John A. Warden III, USAF, Reformado Formando da Academia da


Força Aérea dos Estados Unidos [United States Air Force Academy – USAFA]. Mes-
trado da Texas Tech University. Comandante Reformado da Escola de Comando
e Estado-Maior da Força Aérea dos Estados Unidos, Base Aérea Maxwell, Ala-
bama, junho de 1995. Durante a ativa obteve extensa experiência de voo, Co-
mando e Estado-Maior. Conta com mais de 3.000 horas de voo em uma série de
aeronaves, inclusive o F-4, OV-10 e F-15. Cumpriu com mais de 250 missões de
combate no Vietnã: Controle Aéreo Avançado. Foi o Comandante da 36ª Ala de
Caças Táticos [36th Tactical Fighter Wing] na Alemanha. Outros postos consistem
de dois turnos no Estado-Maior da Aeronáutica. O segundo deles foi como Di-
retor Adjunto de Combate. Nesta capacidade liderou o planejamento para de-
senvolver a campanha aérea estratégica (originalmente denominada Instant
Thunder) durante a Primeira Guerra do Golfo. Após a guerra, foi o Adjunto
Especial ao Vice-Presidente dos Estados Unidos, com enfoque em questões de
competitividade. Após ingressar à vida civil, fundou Venturist Incorporated, cuja
especialização é assessoria à grande variedade de empresas, aperfeiçoando re-
sultados, através de execução e raciocínio estratégicos. Participou em grande
número de programas de televisão e é o autor de dois livros: The Air Campaign
e Winning in FastTime. Formando da Escola de Oficiais de Esquadrão [Squadron
Officer School] (correspondência), Escola de Comando e Estado-Maior (semi-
nário) e da Escola Superior de Guerra Nacional. As condecorações recebidas
incluem a Distinguished Service Medal, Defense Superior Service Medal, Legion of
Merit, Distinguished Flying Cross e Air Medal with 10 oak leaf clusters.

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