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Estratégia e Diplomacia ou
l. Clausewitz. I. I: p. !j J.
2. Ibidem. p. 5 J.
:t Ibidl'1l1. p. 5:~.
70 Raymond Aron
4. Ihid(JI/I, p. !)~.
:l. Ihidel/l, p. !)4.
(l. Ihidel/l, pp. !)!)-!)().
7. A preparaçél0 para unl encontro único e decisivo levaria à guerra absoluta, segundo
Clausewitz. No século XX, tenle-se que as arnlélS nH>dernas crienl tal silltação, o que
Ilunca ocorreu até o presenle~
Paz e Guerra Entre as Nações 71
H. Ibidnll. p. 65.
9. Ibidnll, p. 67.
72 Raymond Aron
dos, mas que eram tolos demais para perceber isto. Contudo, não se consi
derar vencida era para a Inglaterra a condição prévia do êxito final. Cora
gem ou inconsciência? Pouco importa. O importante era a resistência da
vontade inglesa.
Na guerra'absoluta, na qual a violência levada ao extremo força a des
truição de um dos adversários, o elemento psicológico termina por se des
vanecer. Mas este é um caso extremo. Todas as guerras reais nos mostram
o confronto de coletividades, no qual cada uma delas se une e se manifesta
com uma vontade. Deste ponto de vista, todas as guerras são psicológicas.
dos aliados, o triunfo das armas só acidentalmente será uma vitória autên
tica, isto é, uma vitória política.
ções a Oeste, as forças alenlãs poderiam fazer uma ofensiva no Leste, con
seguindo vantagens que convencessem os Aliados a negociar.
Hindenburg e Ludendorff escolheram o outro termo da alternativa.
Até a primavera de 1918, o exército alemão tentara forçar uma decisão.
Em 1917 a Rússia tinha sido posta fora de combate; as forças norte-ameri
canas chegavam à Europa; a relação de forças, que ainda era favorável aos
Impérios Centrais no início de 1918, deveria tornar-se cada vez mais desfa
vorável. O alto comando alemão tentou alcançar a vitória antes da entrada
em ação do exército norte-americano, ainda intacto e de efetivo inesgotá
vel. Os historiadores, como os estudiosos em geral (antes de todos, H. Del
brück), já se perguntaram se essa estratégia de aniquilamento, antes de
1917, 'não constituía um erro. Os responsáveis pela guerra deveriam talvez
economizar os seus meios, limitando as perdas da Alemanha a fim de
manter o mais longamente possível a esperança de que os Aliados abando
nariam a luta, contentando-se com uma paz negociada. Não querendo im
por uma derrota ao inimigo, a estratégia poderia ter procurado convencê
lo também a renunciar à sua ambição de vitória, por meio de uma série de
êxitos defensivos.
Um exemplo mais marcante desta dialética da vitória e da não-derrota
nos é dado pelo Japão, em 1941. Por que razão o império nipônico, enga
jado havia anos numa guerra interminável contra a China, assaltou todas
as posições européias no Sudeste asiático, desafiando simultaneamente a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos, quando o Japão produzia apenas sete
milhões de toneladas de aço por ano e os Estados Unidos mais de dez vezes
essa quantidade? Qual teria sido o cálculo dos dirigentes japoneses, res
ponsáveis por tão extravagante aventura?
O cálculo era o seguinte: graças ao ataque de surpresa contra Pearl
Harbor, a frota japonesa teria, durante alguns meses, o domínio dos
Olares, pelo Olenos até a Austrália. O exército e a aviação poderiaol con
quistar as Fi1ipinas, a Malásia, a Indonésia e talvez também os postos avan
çados norte-americanos no Pacífico (Guam). Dono de imensa região, rica
nas principais matérias-primas, o Japão poderia se organizar e preparar
sua defesa. Nenhum dos generais ou almirantes mais exaltados imaginava
a entrada de tropas nipônicas em Washington e a imposição soberana da
paz, depois de uma vitória que aniquilasse os Estados Unidos. Os gover
nantes japoneses que assumiram a responsabilidade pela guerra pensa
vam poder resistir à contra-ofensiva norte-americana o tempo suficiente
para cansar a vontade inimiga de vencer (a qual, segundo acreditavam,
devia ser fraca, num país democrático).
A história mostrou que o cálculo era duplamente falso: em quatro
anos, os submarinos e aviões norte-americanos destruíram quase toda a
82 Raymond Aron
des sem armas nas mãos só são irresistíveis quando os donos do poder não
podem ou não querem se defender. No século passado, e neste, o exército
russo restaurou eficazmente a "ordem" em Varsóvia e em Budapeste.
14. Salvo talvez a proposta do general Yamamoto de ir ainda mais longe na aventura
inicial, tentando a ocupação de Pearl Harbor.
Paz e Guerra Entre as Nações 83
franceses, no meio do século XX, seria necessário que não pudessem nem
nlesnlO sonhar conl uma nação argelina, esquecendo as testemunhas
Uq"ue se fizeranl 11latar".
É possível que alguns franceses quisessem isto: a realidade, porém, é
menos lógica e mais humana. O poder colonial concebe várias formas de
retirada, cujas conseqüências não são equivalentes. Algumas dessas for
mas passam a ser consideradas, eventualmente, como preferíveis à manu
tenção pela força. Os interesses metropolitanos serão mais ou menos pre
servados, de acordo com os homens que vão exercer a autoridade na
ex-colônia. Desde logo, o poder colonial não enfrenta um inimigo único,
claramente definido, o nacionalista; na verdade ele deve escolher e delimi
tar o seu inimigo. Na Indochina, por exemplo, a estratégia ocidental pro
vavelmente não deveria ter estabelecido como inimigo o nacionalista hostil
ou indiferente ao comunismo, mas apenas o nacionalista-comunista. Esta
escolha teria significado que a França não considerava a independência
dos Estados associados como fundamentalmente contrária aos seus in
teresses. Teria sido possível talvez ganhar a guerra separando os comunis
tas dos nacionalistas e atendendo as suas reivindicações essenciais.
Nas guerras subversivas, a partir de 1945, a potência colonizadora en
contrava regularmente três tipos de adversários: os comunistas, os nacio
nalistas intransigentes (que queriam a independência) e os nacionalistas
moderados que aceitavam o gradualismo e às vezes se contentavam com a
autonomia. Mesmo entre os intransigentes, havia quem aceitasse a cola
boração com o Estado colonizador. Os extremistas a curto prazo eram al
gumas vezes moderados a longo prazo. De acordo com as alterações da
conjuntura e as intenções dos colonizadores, os três grupos uniam-se ou
separavam-se. Quando a potência colonizadora renunciava à sua sobera
nia, restavam apenas, como inimigos, os comunistas e os nacionalistas que
preconizavam a ruptura com o Ocidente. Assim, o rei Mohammed V,
Burguiba, o Istiqlal e o Neo-Destour podem ser, hoje, líderes políticos de
Estados amigos. Uma vez mais, o inimigo de ontem é o amigo de hoje: não
pode haver uma política razoável sem a capacidade de esquecer.
Difundiu-se a convicção de que a vitória dos nacionalistas estava escri
ta no livro do destino, que seria uma conseqüência do determinismo da
história. Foram muitas as causas que asseguraram a vitória dos revolucio
nários africanos e asiáticos sobre os impérios europeus. Contudo, no plano
da análise formal, uma observação impõe:se: a desiguald'ade de forças ma
teriais. Essa assimetria da vontade, dos interesses e da animosidade no diá
logo belicoso dos colonizadores e dos rebeldes foi a origem última daquilo
que os autores franceses chamaram de "derrotas do Ocidente".
Hoje, bastaria a vontade para deter o progresso dos movimentos
86 Raymond Aron
19. Uma possibilidade teórica que deixou de existir com a ascensão de Hitler.
94 Raymond Aron
recursos num teatro que tinha importância secundária para ela e para o
Ocidente, de modo geral.
Mais justificável, deste ponto de vista, foi a transferência para a Ar
gélia do grosso do exército francês. Não há dúvida de que a coalizão da
OTAN está enfraquecida. Na medida em que não temem o nacionalismo
argelino, os outros Estados ocidentais se inclinam a criticar a França por
não çontribuir para as forças da Organização com os elementos prometi
dos e por comprometer as relações entre o Ocidente e o mundo islâmico.
Mesmo se tais críticas fossem fundadas, do ponto de vista da aliança, isto
não significaria que a decisão francesa fosse um erro. De fato, o enfraque
cimento da OTAN nada acrescenta, de modo sensível, ao perigo de guer
ra na Europa e a transferência do exército francês para a Argélia aumenta
a possibilidade de manter a soberania do país ao sul do Mediterrâneo. Se
esta manutenção da soberania francesa na África tivesse importância vital,
o engajamento do grosso das forças da França na Argélia seriajustificável,
mesmo que desagradasse aos outros membros da Aliança.
O perigo está em que todos os aliados podem repetir esse raciocínio,
terminando por ajudar o inimigo. Tem toda razão o neutro, que deseja
ver um dos campos como vencedor, mas que age na suposição de que os
sacrifícios a fazer com a sua intervenção não acrescentariam substancial
mente às forças do lado para o qual pende. Mas é preciso que esta posição
não faça escola. Senão, restaria apenas um país para assumir o ônus da
ação indispensável: o líder da coalizão, o único a confundir os interesses
coletivos com os seus próprios.
A escolha a ser feita por cada um dos aliados, do tipo e grau de contri
buição a dar à Aliança, tornou-se nos últimos anos ainda mais difícil, de
vido à alternativa das armas atômicas e armas convencionais. Muitos países
querem ingressar no "clube atômico"; com a expansão das armas atômicas
e seus vetores, qual será o papel reservado às armas convencionais? O pró
prio sentido da escolha torna-se equívoco': as armas nucleares protegerão
a França de uma possível agressão, ou de uma possível chantagem
soviética? Reforçarão a posição da França dentro da Aliança Atlântica?
A unidade da política, abrangendo a paz e a guerra, a diplomacia e a
estratégia, exclui a solidariedade total dos aliados. Só um milagre asse
guraria a coincidência de todos os interesses de todos os aliados. A força de
uma coalizão é sempre inferior à soma das forças de que ela teoricamente
dispõe.
O primado da política é uma proposição teórica, não um conselho de
ação. Mas esta proposição teórica tende a fazer mais bem do que mal, se se
admite como desejável a diminuição da violência.
O primado da política permite, de fato, frear a escalada aos extremos,
Paz e Guerra Entre as Nações 97
Poucos cqnceitos são enlpregados de modo tão habitual, sendo tão equívo
cos, como os de poder ou potência (polver, puissance, Macht). Os ingleses evo
caOl a POW" politics e os alemães a Macht Politih, com uma tonalidade de
crítica ou de resignação, de horror ou de admiração. Em francês, a expres
são politique de puissance (política de poder) causa uma impressão estra
nha, como se tivesse sido traduzida de alguma língua estrangeira'. Poucos
autores franceses exaltaram a política de poder, no estilo dos doutrinários
alenlães da Macht Politih; e poucos autores franceses condenaram essa
política como os moralistas norte-anlericanos condenaram a j)o7on·j)olitics.
No sentido mais geral, poder ou potência é a capacidade de fazer, pro
duzir ou destruir. Um explosivo tem unla potência nlensurável, assinl
cOlno a nlaré, o vento e os terrenlotos. O poder de unla pessoa, ou de unla
coletividade, não pode ser nledido rigorosanlent'e, devido à variedade de
objetivos do seu comportanlento e dos nleios de que se utiliza. () blt.O de
que os honlens essencialmente aplicam seu poder sobre outros hOlllens d{l
ao. conceito, na política, seu significado autêntico. O poder de UHl indiví
duo é a capacidade de fazer, mas, antes de tudo, é a capacidade de influir
sobre a conduta ou os sentimentos dos outros indivíduos. No campo das
relações internacionais, poder é a capacidade que tem uma unidade política
de impor sua vontade às demais. Em poucas palavras, o poder político não
é um valor absoluto, mas uma relação entre os homens.
I. () aulf>r discrilllina entre o /Wt/{,f (/WII7. IOIJ), exercido dentro das unidades políticas, ~ (l
éxterna destas últinlas (atrihuto dos atores coleti\"()s qu~ S~-IO os Esta
/m/flll"iu (/JlÚ\,\flll({J)
dos). Em inglês e em alemão a mesma palavra designa os dois conceitos (power e Macht,
respectivalllente). Elll português, o liSO penllite que se atrihua /lOt/{,f aos Estados, alénl
dos indivíduos e grupos internos, e/lo/filOU sú às unidades políticas. Refletindo a Inenor
nit idez que existe, no uso do vernáculo entre a express~lo de unl e out ro ('()nceito, clnpre
galllos aqui os dois ternlOS Ilas acep</>cs possíveis cln port ugut:s. () leitor fica (l<h'ertido.
porénl. da dupla significa<Jlo salientada pelo autor. (N. do 'I'.).
100 Raymond Aron
Esta é unla definição que sugere vc'lrias distinçôes: entre /)o/(Jllria df/fJll
si-lia (a capacidade de unla unidade política de resistir ~l vontade de outra) e
/)o/Pllria f~rellsh'a (a capacidade de ulna unidade política de illlpor a ulna
outra sua vontade); distinção entre os f(Jru,:\,os, ou a/árça uli/i/ar da ro/tJlil1i
r/(ulf, que podenl ser avaliados ol~jetivanlente, e o /)oder, proprianlente,
que, enquanto relação hunléu1a, não depende apenas de Illateriais e de ins
trulllentos; distinçél0 entre /)o/ílira de/fu"Ça e /)o/ilira de l)or/(JI".
Toda política internacional importa úm choque constante de vonta
des, por estar constituída por relaçôes entre Estados soheranos, que pre
tendenl deternlinar livrenlente sua conduta. Enquanto essas unidades
nüo estél0 sl~jeitas a leis 011 a unl úrhitro, elas são rivais, pois cada Ullla é
afetada pela ação das outras, e suspeita inevitavelinente das suas intençôes.
Mas esta contraposiçüo de vontades nüo desencadeia necessarian1ente a
cOlnpetição nlilitar, real.ou potencial. () intercânlhio entre unidades políti
cas nenl selllpre é helicoso; seu relacionalnento pacífico é influenciado
pelas realizaçôes Illilitares, passadas ou futu ras, Inas não é deterlllinado
por elas.
~. Clallst'witz. I I. ~. p. 1:\9.
:~. \'idt' nola sohrc IltH/t'" t·llolhl";a. na prilllcira pÚJ{inál dt-'slt.· ("apíllllo.
do-se capaz de agir f()ra de si 111eSn1a. E não pode atuar C0l110 unidade
política Sel11 a intern1ediação de unl ou de vários hon1ens. ()s que clu Kfllll (lO
J
POdI (para traduzir a expressão alen1ã (111 difl Mur!ttlunnlI1J1ll) são os Kuias, os
J
}"
tal11bén1 os hOllu lls (iR potênrÜl, isto é, os que possuen1 un1a grande capaci
J
2. Os elementos da potência
Muitos autoresjá enunleraranl os elenlentos que constituenl a pot.ência e a
f(>rça, senl que tenhanl senlpre definido se se referelll à força 1l1ilitar ou ~l
Paz e Guerra Entre as Nações 105
9. Clausewitz. I. 3. p. H6.
10. Ibid.. I. 3. p. 101.
11. Ibid.. I I. 2. p. 133.
Paz e Guerra Entre as Nações 107
guerra, a política consente em uma grande incerteza, ela "não cuida nluito
das possibilidades finais, atendo-se às probabilidades inlediatas". Na ver
dade, "nessejogo todos os governos sejulganl Inais hábeis e perspicazes do
que os outros" I:!, nlas nem senlpre os acontecinlentos confirnlanl essa con
fiança.
Imagine-se que o teórico da potência possa elinlinar a incerteza da
guerra e, somando o peso dos diversos elementos, anllncie previanlente o
resultado do combate. Ora, a potência, ou capacidade que tem unla coleti
vidade de impor sua vontade a uma outra, não se confunde com a capaci
dade militar. Porém, se o resultado das batalhas é incerto, isto se deve a
que a f()rça militar não é susceptível de unla nledida exata; e a potência
global o é menos ainda.
Proponho distinguirmos três elementos fundanlentais: enl primeiro
lugar, o espaço (x:upado pelas unidades políticas; depois, os recursos l1UlfR
nflis disponíveis e o conhecimento que pernlite transf()rnlá-Ios enl arnlas, o
núrllRro de homens e a arte de transf()rmá-Ios enl soldados (ou ainda, a qUIlU
tiÓ!Jde e a qUfllidade dos c01nbatentes e dos seus insl rUlllfU los); por finl, a calxui
dadR rIR lJ{ão coletiva, que englobé:! a organização do exército, a disciplina dos
combatentes, a qualidade do comando civil e nlilitar, na guerra e na paz, a
solidariedade dos cidadãos. Esses três elementos, na sua expressão abstra
ta, cobrem o conjunto que devemos considerar, correspondendo à propo
sição seguinte: a potência de unla coletividade depende do cenário da sua
ação e da sua capacidade de empregar os recursos materiais e hunlanos de
que dispôe. Meio, recursos, ação coletiva: tais são, evidentemente - em qual
quer época e quaisquer que s~jam as nlodalidades de competição entre as
unidades políticas - os fatores deternlÍnantes da potência.
Esses três elementos são igualmente válidos na análise da potência enl
todos os níveis, desde o escalão tático das pequenas unidades até o nível
estratégico - onde se entrechocam exércitos de nlilhôes de honlens - e o
nível diplomático, ao qual os Estados mantênl perene rivalidade. A potên
cia de uma companhia francesa do exército regular, diante de uma com
panhia do exército argelino de libertação nacional, depende do terreno,
dos efetivos~ das armas, da disciplina e do conlando das duas tropas. No
nível superior da estratég-ia ou da política, a capacidade de organizar o
exército, de mobilizar a população civil e de treinar os soldados parece ter
se integrado nas forças militares, pertencendo assim ao segundo ele
mento: a conduta dos responsáveis pela guerra, seu talento estraté~co e
diplomático; a resolução do povo parece representar o terceiro etenlento.
Esta classificação não propôe afirmativas válidas universalmente, mas
13. Há dois aspectos na potência defensiva: enl tenlpo de ~uerra, ela se resunle ~l capaci
dade de deter o Invasor; enl tempos de paz, depende dessa capaddade defensiva. nlas
tambénl da coesão de sua unidade.
14. Evitanlos aquI a expressão corrente "pequenas potências" para não introduzinllos
unIa confusão no nosso vocabulário. É facil de enlender o LISO da palavra /Jolrllria para
desiKnar OS próprios atores, enllug-ar da sua capacidade. (:01110 a rivalidade de potência é
intrínseca à vida internacional, podenl-se confundir os atores e sua caparidade de açcio.
estabelecendo-se unla hierarquia dos atores enl função da sua capacidade.
Paz e Guerra Entre as Nações 109
menos, começar pela conquista do seu próprio país, para lhe servir de
base. É preciso ter gosto pela analogia histórica para aproximar a aventura
de Gengis Khan e a do partido bolchevista com Lenin. Gengis Khan era,
antes de mais nada, um gênio militar; Lenin, um gênio político. O primei
ro reuniu um exército ao qual se impôs como chefe, eliminando os rivais; o
segundo era de início um profeta desarmado, que adquiriu meios de coer
ção empregando meios de persuasão.
16. É 1I1na t:ltica que conlporta alglllllas falhas. Elll.illlho de 19(jl. por t'xt'lllplo. BlIrg-lIiha
a aplicou. IDas só para conseguir COI110 resultado 1I111a rt-plica violenta oas for<.;as fran
cesas.
Paz e Guerra Entre as Nações 113
que as massas são também visadas pelos Estados ofensivos. Cada um dos
campos em que o mundo se divide, e cada uma das grandes potências,
procura convencer os governados do outro lado da linha fronteiriça de
que eles estão sendo explorados, oprimidos, abusados. A guerra da propa
ganda marca a permanência do conflito entre os Estados e o recurso aos
meios de pressão. Nesse jogo, a potência não é função só da força militar
ou dos recursos econômicos disponíveis. Certos regimes prestam-se me
lhor à exportação publicitária, ao recrutamento de representantes desin
teressados ou ao emprego do dinheiro para violar as consciências.
Também neste terreno, os fatores da capacidade defensiva são di
ferentes dos da capacidade ofensiva. A condição suprema (quase que
única) da potência defensiva é a coesão da coletividade, a adesão das mas
sas ao regime, a concordância existente a respeito do interesse nacional
eIltre os membros da elite governamental. A Suíça e a Suécia - que não
têm possibilidade ou desejo de influenciar a conduta das outras nações
são pouco vulneráveis às pressões externas.
Além dos meios econômicos e psicopolíticos, em nossos dias os Esta
dos usam cada vez mais a violência em tempos de paz. Cabe distinguir aqui
entre a violência simbólica e a violência clandestina, ou dispersa.
A violência simbólica é a que se manifestava, por exemplo, na "diplo
macia das canhoneiras" (gunboat diplomacy): o envio de um vaso de guerra
ao porto de um país que não pagava suas dívidas, desprezava os compro
missos assumidos ou nacionalizava uma concessão feita a companhia es
trangeira, para simbolizar a capacidade e a decisão de coagir, se necessário
com o emprego das armas. Bastava o símbolo: a passagem à ação nunca
chegava a ser necessária. Chamado à ordem, o país mais fraco cedia. Mas,
desde que a passagem da simbologia à ação arrisca-se a ser normalmente
necessária, a violência simbólica cai em desuso. A expedição franco
britânica a Suez, em 1956, talvez seria explicável racionalmente se no Egito
houvesse um partido oposicionista pronto a derrubar Nasser; se este, no
momento do perigo, perdesse a coragem, ou se encontrasse só e sem qual
quer apoio. O simulacro de violência deve ser suficiente para convencer o
adversário.
Se a violência simbólica pertence ao século XIX, a violência dispersa
ou clandestina é típica deste século. A violência clandestina - os atentados
- é sempre dispersa; mas a vioiência àispersa dos camponeses é Illuitas
vezes praticada a céu aberto. As redes terroristas das cidades são clandesti
nas, as tropas camponesas se dispersam, mas algumas vezes vestem unifor
mes e agem abertamente. Estados que não estão legalmente em guerra
combatem-se por meio de terroristas. O Egito formava grupos de terroris
tas, enviando-os a Israel. Os guerrilheiros argelinos foram treinados no
Paz e Guerra Entre as Nações 115
Talvez não seja inútil considerar um caso particular para precisar os ter
mos menos abstratos em que se projetam as três categorias fundamentais:
ambiente, meios, capacidade de ação coletiva. Tomemos um período histórico
dado: 1919-1939.
No período de entreguerras, a técnica de combate e a organização do
exército tornavam a mobilização geral legítima e possível. .Todos os cida
dãos em estado de combater podiam ser postos em armas, desde que a
indústria os equipasse. Como a regra era a mobilização total, o potencial da
força militar passava por proporcional ao potencial econômico. Esta pro
porcionalidade tinha, contudo, muitas qualificações, de ordem quantita
tiva e qualitativa.
Assim, era difícil determinar o indicador econômico pelo qual se de
veria medir o potencial militar. Quer se escolhesse o produto nacional bru
to, a produção industrial global ou certas estatísticas industriais, o índice
usado implicava sempre um erro. O produto nacional era uma medida
inexata,já que a produção agrícola ou os serviços não podem ser mobiliza
dos para o esforço de guerra, como a indústria siderúrgica ou mecânica. O
mesmo se pode dizer com respeito ao índice de produção industrial, por
que não é possível transferir máquinas e operários da indústria de biscoi
tos para a de aviões, como se faz, no setor automobilístico, para a fabrica
ção de carros de assalto. Se se empregassem apenas os dados referentes à
indústria pesada ou à indústria mecânica, haveria o risco de cometer um
erro em sentido contrário. Havendo tempo, a transferência de operários e
de máquinas pode ir bem longe. O esforço da indústria de guerra na
França, entre 1914 e 1918, foi espantoso, a despeito da ocupação de uma
parte do território nacional pelo inimigo: até o exército norte-americano
estava emprega~do, no fim das hostilidades, canhões e munição fabrica
dos na França. E bem verdade que, naquela época, as armas, e mesmo os
aviões, eram relativamente simples, em comparação com os conhecimen
tos científicos e as possibilidades da técnica.
A passagem do potencial econômico para a força militar depende
também da "capacidade de ação coletiva", sob a forma de capacitação téc
nico-administrativa. J. Plenge (um professor alemão cujo nome caiu no es
Paz e Guerra Entre as Nações 117
assalto se não há combustível?). Por outro lado, o domínio dos mares, com
binado com a disponibilidade de divisas ou empréstimos externos, per
mite aumentar o potencial próprio dos países legalmente neutros. Foi o
que aconteceu com os Estados Unidos da América, entre 1914 e 1917,
com vantagem para os aliados. Mas a experiência da Primeira Guerra
Mundial tinha dado aos franceses e ingleses, em 1939, uma segurança sem
fundamento: eles acreditavam que o tempo lhes traria uma vantagem;
que, a longo prazo, a mobilização dos recursos do mundo ocidental lhes
garantiria a superioridade, dando-lhes a vitória pelo atrito do inimigo.
Para isto era necessário que as derrotas sofridas na primeira fase do confli
to não pusessem o potencial industrial e uma parte da sua coalizão a ser
viço do adversário. Sem a vitória do Mame, em 1914, não teria sido possí
vel a mobilização total do potencial francês. Sem a batalha da Inglaterra,
não teria havido mobilização total do potencial britânico - e depois do
norte-americano, a partir de 1940. Em 1939, o potencial franco-britânico
seria uma série de dados sobre o papel, se as duas democracias não dispu
sessem de tempo e de liberdade nos mares. A França não teve o tempo de
que necessitava; mas a Grã-Bretanha, a despeito de tudo, reteve sua liber
dade de ação no mar.
As forças militares são conhecidas em função do potencial humano e
industrial- com as reservas que indicamos. Resta a questão da qualidade.
Qual seria, em cada fase da guerra, o valor relativo de uma divisão alemã,
francesa, inglesa, italiana, norte-americana? A única medida verdadeira é
o próprio combate. Em tempos de paz, esta avaliação é feita, de forma alea
tória, com base na experiência das batalhas precedentes. Até a Batalha de
lena, o exército prussiano detinha o prestígio das vitórias de Frederico, o
Grande. Até 1940, o exército francês lembrava o de Verdun (1916) ou da
Champagne (1918).
Quando se trata das armas, a mesma indagação pode ser feita: em que
medida sua qualidade reflete a qualidade da indústria? Até que ponto a
eficiência das tropas é a expressão do vigor marcial do povo? Em outras
palavras, pode-se apreciar a força militar a partir do estado da nação? Ou
ela depende sobretudo de fatores próprios do sistema militar?
Hitler não acreditou que os Estados Unidos pudessem, durante as
hostilidades, formar um exército de primeira ordem - pela falta de tradi
ção, de uma classe comparável ao corpo de oficiais que tinha a Alemanha;
devido à atitude fundamentalmente pacífica e comercial do povo norte
americano. Para sua desgraça, e nossa salvação, o Führer se enganou. Fi
cou demonstrado, de modo convincente, que a organização das tropas
não é menos importante hoje do que no século XIX, mas que, no século
XX, ela não exige mais a existência de uma classe social devotada às armas.
Paz e Guerra Entre as Nações 119
setor, tUlla indústria pode ter, enl conjunto, urlla resposta nlais lenta às
necessidades de guerra.
Alérll destes cálculos de f()rça, seria preciso levar enl conta a inteligên
cia do alto cOIlIando, da condução da guerra pelos governantes, benl conlO
a adesão dos povos aos reginles e sua resolução enl tenIpos difíceis.
() povo soviético seria fiel ao Estado e ao partido responsáveis pela
coletivização agrária e pelo grande expurgo? As nlassas alenlãs e italianas
seguiriam com entusiasmo o Führer e o Duce? A população dos países de
mocráticos seria capaz de enfrentar os horrores da guerra? As respostas
não podiam ser dadas antecipadamente.
A resposta dada pelos acontecinlentos fói sobretudo no sentido de re
futar as supostas relaçôes entre o conlportanlento dos povos e a natureza
dos reginles. Os italianos, por exenlplo, nunca se deixaranl convencer de
que a guerra conduzida pelo III Reich alemão fosse sua, justificando por
isso o supremo sacrifício. Os jJartiÁTúlUi que conlhateranl as tropas alerllãs
na Itália setentrional, depois da queda do fascisnlo, tinharll unIa disposi
ção bem diferente da dos soldados (aliás mal-equipados) que lutaranl pelo
f~lscisnIo na Líbia. A população alelllã não desertou o Führer, nIas o aten
tado de 20 de julho contra Hitler tinha extensas ramificações nas classes
dirigentes; na verdade, o reginIe nacional-socialista era, enl últinla análise,
bem nlenos coeso do que a denlocracia britânica ou norte-anlericana.
Na União Soviética, não houve conspiração nos nIeios dirigentes; con
tudo, na primeira fase das hostilidades, urlla parte do povo acolhia os inva
sores sem animosidade, e algunIas tropas conlbatianl senl entusiaslllo. Enl
sunIa, os dois países europeus nos quais o povo se unia ao regirlle, enl
1939, eram a Alemanha nazista e a Inglaterra derllocrática - conl a quali
ficação de que na Inglaterra a unidade nacional pôde resistir às derrotas
nIelhor do que na Alemanha.
Em função destes cálculos, que conlentários pode sugerir a análise pos!
fventUrn dos acontecimentos dos anos trinta? Nos tenlpos de paz os países
totalitários eram, em igualdade de f()rças, Inais poderosos do que os países
democráticos: exibiam uma fachada unida, enquanto que estes últinlos
demonstravam dissensões. A França e a Grã-Bretanha erarll países satura
dos, conservadores, enquanto que a Itália e a Alemanha eranl países rei
vindicantes. Os regimes onde uma só pessoa conlanda, e onde as delibera
çôes são feitas em segredo, são mais capazes de aparentar f()rça e resolução
irresistíveis do que os regimes onde a imprensa é livre e onde o congresso
delibera. No jogo de pôquer diplomático, o Estado totalitário blefa nluitas
vezes, g'dnhando quase sempre - até que o adversário paga para ver o
Jogo.
Assim foi a política italiana entre 1935 e 1941. Quando Mussolini pro
122 Raymond Aron
18. Fórmula que aparece no fim de um relatório redigido emjaneiro de 1940, pelo então
corohel De Gaulle.