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CLAUSEWITZ, Carl Von. A interdependência dos elementos da guerra, Livro 8, Cp.3.

in. ___. Da Guerra.

- “Na forma absoluta de guerra, onde tudo decorre de causas necessárias e onde um
combate afeta rapidamente o outro, não existe, se é que podemos empregar esta
expressão, qualquer vazio neutro interveniente. Como a guerra contém um grande
número de interações, como todos os engajamentos estão, rigorosamente falando,
ligados uns aos outros, como em toda vitória existe um ponto culminante além do qual
encontra-se o reino das perdas e das derrotas – considerado todas estas características
intrínsecas da guerra, dizemos que somente um resultado importa: a vitória final. Até lá,
nada está decidido, nada está ganho e nada está perdido. Nesta forma de guerra devemos
ter sempre em mente que é o fim que coroa o trabalho. Dentro do conceito de guerra
absoluta, portanto, a guerra é indivisível e as suas partes componentes (as vitórias
isoladas) só tem valor pela sua relação com o todo” (690)

- “Contrastando com esta visão extrema da ligação existente entre os êxitos na guerra,
existe outra visão, não menos radical, que sustenta que a guerra consiste em êxitos
isolados, cada um deles sem qualquer relação com o próximo, como num jogo
consistindo em diversos períodos” (690)

- “Tudo que importa é o resultado final, e cada resultado isolado dá a sua contribuição
para este total” (690)

- “[...] assim como a guerra absoluta nunca foi de fato alcançada , nunca acharemos uma
guerra na qual o segundo conceito seja tão predominante que o primeiro possa ser
totalmente desprezado” (690)

- “A teoria faz a sua distinção quanto a aplicação dos dois conceitos: toda ação deve
basear-se no primeiro, uma vez que este é o conceito fundamental. O último só pode ser
utilizado como uma modificação justificada pelas circunstancias” (691)

- “No XVIII, nos dias das campanhas silesianas, a guerra ainda era um assunto só para
os governos, e o papel das populações era simplesmente o de um instrumento. No inicio
do Sec. XIX, as próprias populações estavam na balança, de um lado ou do outro” (691)
- “Quanto mais firmemente estas probabilidades políticas levarem a guerra na direção
do absoluto, quanto mais os Estados beligerantes estiverem envolvidos e forem
arrastados para o seu redemoinho, mais claro parecerá ser o vínculo existente entre as
suas ações separadas e mais imperativa será a necessidade de dar o primeiro passo sem
pensar no último” (692)

b) A dimensão do propósito militar e do esforço a ser realizado

- “A intensidade da força que deverá ser empregada contra o inimigo dependerá da


dimensão das exigências políticas de cada um dos lados” (692)

- “Igualmente díspares são a força de vontade dos governos, o seu caráter e a sua
capacidade” (693)

- “Estas três considerações introduzem incertezas que tornam difícil avaliar o grau da
resistência a ser enfrentado e, consequentemente, os meios necessários e os propósitos a
ser estabelecidos” (693)

- “Neste ponto, portanto, a atividade intelectual deixa o campo das ciências exatas, da
lógica e da matemática. Torna-se então uma arte, no sentido mais amplo do termo – a
faculdade de utiliza o discernimento para detectar os elementos mais importantes e
decisivos na vasta série de fatos e de situações” (693)

- “Para verificar o quanto dos nossos recursos deve ser mobilizado para a guerra,
devemos examinar primeiro o nosso propósito político e o do inimigo. Devemos avaliar
a força e a situação do Estado oponente. Devemos avaliar a força de caráter e as
possibilidades do seu governo e do seu povo, e fazer o mesmo com relação ao nosso.
Finalmente, devemos avaliar as simpatias de outros Estados e o efeito que a guerra pode
exercer sobre eles” (693)

- “Dominar toda esta massa complexa de puro exame teórico é obviamente impossível”
(694)

- “Devemos reconhecer também que a conclusão a que chegamos não pode ser mais
totalmente objetiva do que qualquer outra a que se chegue na guerra, mas será moldada
pelas qualidades da mento e do caráter dos homens que estão tomando a decisão – dos
governantes, políticos e comandantes, estejam ou não estas funções unificadas num
único indivíduo” (694)
- “Um tratamento mais genérico e mais teórico da questão poderá ser viável, se
considerarmos a natureza dos Estados e das sociedades, uma vez que eles são
determinados pela sua época e pelas condições predominantes” (694)

- “Assim como as características das instituições militares dos Estados europeus fora
diferentes nos vários períodos, todas as outras condições também o foram” (696)

- “O fim do século XVII, a era de Luiz XIV, pode ser considerada como sendo o
momento da história em que o exército permanente, sob a forma conhecida no século
XVIII, atingiu a sua maioridade. Esta organização militar baseava-se no dinheiro e no
recrutamento” (697)

- “Graças aos avanços culturais e a uma administração progressivamente mais


sofisticada, o seu poder era muito grande comparado aos dias anteriores. A França
colocou diversas de milhares de soldados regulares no campo e outros Estados podiam
fazer o mesmo, proporcionalmente às suas populações” (697)

- “Domesticamente, quase todos os Estados haviam sido reduzidos a uma monarquia


absoluta. Os privilégios e a influencia dos Estados haviam desaparecido gradualmente”
(698)

- “Mas, se a guerra ganhou em termos de poder e de eficácia, perdeu com relação a


outros aspectos” (698)

- “Os exércitos eram pagos pelo tesouro, cujas regras tratavam a quase todos como se
fossem a sua lista civil, ou pelo menos propriedade do governo, não do povo” (698)

- “A guerra tornou-se assim a única preocupação do governo, na medida em que os


governos haviam afastado-se dos seus povos e agiam como se eles próprios fossem o
Estado. Os seus meios de travar guerras passaram a consistir no dinheiro existente em
seus cofres e em tantos vagabundos ociosos quanto pudessem pegar, em seu próprio
país ou no exterior” (698)

- “Os recursos financeiros do inimigo, o seu tesouro e o seu crédito, eram todos mais ou
menos conhecidos, bem como o tamanho das suas forças combatentes. Não era possível
realizar qualquer expansão ao ser deflagrada a guerra” (699)
- “Se o exército fosse pulverizado ele não poderia formar outro, e depois o exército não
havia mais nada. Isto impunha a maior prudência a todas as operações. O precioso
instrumento só poderia ser empregado se parecesse possível obter uma vantagem
decisiva, e levar as coisas àquele ponto era um feito da mais alta habilidade” (699)

- “A condução da guerra tornou-se assim um verdadeiro jogo no qual as cartas eram


dadas pelo tempo e pelo acaso. Com relação ao seu efeito, era uma forma um pouco
mais vigorosa de diplomacia, um método de negociação mais convincente, no qual as
batalhas e as operações de sítio eram as principais notas trocadas” (699)

- “Mas agora que os Estados eram maiores e os seus centros estavam mais afastados uns
dos outros, os interesses amplamente dispersos que possuíam tornaram-se o fator
limitador do seu crescimento. As relações politicas, com as suas afinidades e antipatias,
tornaram-se um vínculo tão sensível que nenhum canhão poderia ser disparado na
Europa sem que todos os governos sentissem que os interesses estavam sendo afetados”
(700)

- “Não apenas com relação aos seus meios, portanto, mas também aos seus propósitos, a
guerra tornou-se cada vez mais restrita à força combatente propriamente dita. Os
exércitos, com as suas fortificações e posições preparadas, vieram a formar um estado
dentro do Estado, no qual a violência desapareceu gradualmente” (700)

- “Apesar disto, este avanço beneficiou aos povos da Europa, embora não haja como
negar que transformou ainda mais a guerra numa preocupação exclusiva dos governos e
afastou-a ainda mais dos interesses do povo. Naquela época, o plano de guerra normal
de um agressor era tomar uma ou duas província. O plano do defensor era simplesmente
impedir que ele fizesse isto” (700)

- “Nunca procurava-se o combate, a menos que fosse indispensável para aquela


finalidade” (700)

- “Toda a campanha transformava-se na manutenção de determinadas posições e de


determinados depósitos e na exploração sistemática de certas áreas” (701)

- “Esta era a situação quando foi deflagrada a Revolução Francesa. A Áustria e a Prússia
tentaram enfrenta-la com o tipo de guerra diplomática que apresentamos. Logo
descobriram a sua inadequabilidade” (701)
- “Subitamente a guerra tornou-se uma atividade do povo – um povo de trinta milhões,
todos considerando-se cidadãos. Não precisamos estudar em detalhes as circunstancias
que acompanharam esta tremenda evolução. Só precisamos observar os efeitos que são
pertinentes à nossa análise. O povo passou a tomar parte nas guerras. Em vez dos
governos e dos exércitos, como até então, todo o peso da nação foi jogado na balança”
(701)

- “Nada obstruía agora o vigor com que a guerra podia ser travada e, consequentemente,
as oponentes da França enfrentavam o maior perigo” (701)

- “Os efeitos desta novidade não tornaram-se evidentes, nem foram totalmente
sentidos até o fim das guerras revolucionárias” (701)

- “[...] em direção à conclusão definitiva: a destruição das monarquias europeias. Aqui e


ali os exércitos alemães ainda eram capazes de resistir a elas e deter o curso da vitória.
Mas tudo isto era de fato devido apenas a imperfeições técnicas que dificultavam os
franceses e que tornaram-se evidentes, primeiro nas praças e em seguidas nos seus
Generais e, sob o governo do Diretório, no próprio governo” (702)

- “Tendo sido estas imperfeições corrigidas por Bonaparte, este monstro sagrado da
guerra, com base na força de toda a população, iniciou a sua trajetória demolidora
através da Europa. Ele movimentava-se com tal confiança e certeza que sempre que era
enfrentado por exércitos do tipo tradicional não poderia jamais haver um único minuto
de dúvida quanto ao resultado” (702)

- “Na Alemanha, a Prússia foi a primeira a levantar-se. Ela fez da guerra uma
preocupação do povo e, com a metade da sua população anterior, sem dinheiro e sem
crédito, mobilizou uma força duas vezes maior do que a tinha em 1806” (702)

- “O resultado foi que em 1813 e em 1814 a Alemanha e a Rússia puseram cerca de um


milhão de homens no campo contra a França – contando todos os que lutaram e que
tombaram nas duas campanhas” (702)

- “Nestas condições, a guerra era travada com uma diferente intensidade de vigor.
Embora nem sempre se igualassem aos franceses em intensidades, e fossem algumas
vezes até mesmo marcadas pela timidez, as campanhas eram totalmente conduzidas de
uma nova maneira, não na que era utilizada no passado” (702)
- “Desde Bonaparte, portanto, a guerra, primeiro entre os franceses e depois entre
os seus inimigos, voltou novamente a dizer respeito ao povo como um todo,
assumiu características totalmente diferentes, ou melhor, aproximou-se mais da
sua verdadeira característica, da sua perfeição absoluta” (702)

- “Desapareceram todos os limites com relação ao vigor do entusiasmo demonstrado


pelos governos e pelos seus súditos” (702)

- “A guerra, livre de qualquer restrição convencional, irrompeu com toda a sua poderosa
fúria. Isto foi devido à nova participação do povo nestes importantes assuntos de
Estado, e esta participação resultou, por sua vez, em parte do impacto causado pelo
Revolução nas condições internas de todos os Estados e em parte do perigo que a
França representava para todos” (703)

- “Será sempre assim no futuro? A partir de agora, serão todas as guerras na Europa
travadas utilizando todos os recursos do Estado e só terão que ser travadas, portanto, em
torno de questões importantes que afetem o povo? Ou veremos novamente um
afastamento gradual entre o governo e o povo? É difícil responder a estas perguntas, e
somo o último a ousar responde-las” (703)

- “Quisemos mostrar como cada era teve o seu próprio tipo de guerra, as suas próprias
condições limitadoras e as suas próprias predisposições peculiares” (703)

- “À época em que este postulado, este elemento universalmente válido, foi mais
intenso, foi na mais recente, quando a guerra atingiu a violência absoluta” (703)

- “Uma teoria, portanto, que trate exclusivamente da guerra absoluta, teria que ignorar
qualquer caso em que a natureza da guerra tenha sido alterada devido a uma influencia
externa, ou então teria que descartar todos estes casos por considera-los como tendo
sido interpretado incorretamente” (703-704)

- “A sua finalidade é demonstrar o que é a guerra na prática, na qual deveria ser a sua
natureza ideal. Assim, o teórico deve examinar minuciosamente todos os dados com um
olho indagador, perspicaz e classificador” (704)

- “Só podemos dizer, portanto, que os propósitos que um beligerante adota e os recursos
que emprega devem ser regidos por características especificas da sua própria situação,
mas também de acordo com o espírito da época” (704)

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