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CAPÍTULO I

OS CONCEITOS DE GUERRA

A guerra pode ter para povos diferentes significações distintas. Para uns,
é uma praga que precisa ser eliminada; para alguns, um erro que deve ser
evitado; para outros, um crime que deve ser punido e finalmente para muitos
um anacronismo que já não tem nenhuma finalidade. Por outro lado, existem
algumas pessoas que têm mais receptividade em relação à guerra e conside­
ram-na uma aventura que pode ser interessante, um instrumento que pode ser
útil, um procedimento que pode ser legítimo e apropriado, ou uma circuns­
tância da vida para a qual se deve estar preparado. Para as pessoas que se
enquadram neste último tipo a guerra não é problema. Elas a admitem como
certa, seja com impaciência, complacência ou preocupação. As peculiaridades
dela podem ser surpreendentes ou desagradáveis, mas não são interpretadas
como apresentando um problema de guerra em geral. Podem ser tratadas
satisfatoriamente por historiadores profissionais, diplomatas, juristas interna­
cionais ou estrategistas. Para o primeiro grupo, entretanto, a guerra em geral é
um problema, e não há dúvida de que este grupo aumentou no último século,
especialmente nos últimos vinte e cinco anos, até vir a se constituir na maioria
da raça humana, muito embora em alguns países e regiões possa constituir
minoria.
1. A Guerra Como Problema
O desenvolvimento da opinião de que a guerra é um problema pode ser
atribuído a quatro tipos de mudanças: (a) a redução nas distâncias no mun­
do; (b) a aceleração da História; (c) o progresso nas invenções bélicas e (d) o
advento da democracia.
a) A redução nas distâncias no mundo.
— A moderna tecnologia reduziu os tempos que se gastam hoje em
transportes em âmbito mundial em relação ao que se gastava na Europa ou
nos Estados Unidos, em 1790 e tomou mais rápidas as comunicações do que
eram ou são na Câmara dos Comuns ou no Salão da Independência. O resulta­
do foi que os povos de todos os quadrantes ficaram com a economia, a
cultura e a política interdependentes. Tomaram mais conhecimento e ficaram
mais afetados pelas guerras em geral, mesmo as mais distantes. Outrora os
conflitos passavam desapercebidos ao homem comum, a não ser que fossem
muito próximos. Hoje em dia qualquer guerra interfere no ritmo de vida de
quase todos.
b) A aceleração da História.
— O progresso da ciência, as invenções e o rápido intercâmbio de idéias
e de técnicas contribuíram para acelerar o ritmo das mudanças sociais. Antiga­
mente uma pessoa podia admitir que a técnica e as práticas econômicas, os
códigos sociais e morais e o esquema de valores que herdara de seus pais
durariam por toda a vida; hoje em dia cada um destes aspectos pode mudar
várias vezes durante uma existência. A educação enfatiza mais os processos de
aprendizagem e de vida do que as técnicas e dogmas tradicionais. Mas mesmo
com a educação moderna as rápidas e radicais mudanças exigidas são difíceis,
tanto para as pessoas quanto para os indivíduos. As mutações divergem entre
regiões, classes e grupos, gerando tensões maiores e mais guerras e conflitos do
que em séculos mais tranqüilos.
c) O progresso nas invenções bélicas.
— A introdução no mundo moderno, a partir do século XVIII do servi­
ço militar universal, de eficiente propaganda nacional, de governos com totali­
tarismo centralizado e também a industrialização de equipamentos e transpor­
tes militares e a invenção de submarinos, aviões, mísseis e artefatos nucleares
tornaram o comércio, a indústria e a população dos diversos países, de uma
maneira geral, mais vulneráveis a ataques, dando à guerra um caráter totali­
tário sem precedentes na História. Em conseqüência desta alteração na nature­
za da guerra e da crescente interdependência econômica dos povos, a guerra
tende a se propagar mais rapidamente, a destruir em maior amplitude a vida e
a propriedade e a desorganizar a economia dos estados em maior extensão do
que outrora. Também a preparação, a condução e a recuperação da guerra
tendem a dominar a vida política, econômica e social dos povos.

d) O advento da democracia.
- O desenvolvimento das comunicações, o aumento da alfabetização e
a melhoria no nível de vida, em geral, propiciam o surgimento de uma cons­
ciência nacional entre os diversos povos. Isto tem significado que uma opinião
pública favorável tomou-se uma condição necessária a uma política externa
bem sucedida e que se tem insistido bastante numa crescente participação
popular no governo. A política externa e a guerra deixaram de ser mistérios e
se tomaram atividades em que o povo pode influir e até mesmo controlar.
Embora seja difícil precisar a responsabilidade por sua eclosão, a guerra é
comumente vista como uma atividade desencadeada pelos homens, mais do
que um castigo de Deus ou uma obra do diabo. A democracia tem estimulado
a vontade do povo em eliminar a guerra, embora não tenha ainda dado lucidez
suficiente para encontrar os meios de bani-la.
Já que o mundo tem-se tomado menor, já que as mudanças ocorrem
com mais rapidez, já que as guerras são mais destruidoras e já que os povos
têm mais consciência da responsabilidade humana sobre a guerra, a ocorrência
dos conflitos bélicos tomou-se um problema para um número maior de pes­
soas, das quais uma proporção crescente acredita que a eliminação da guerra
das relações internacionais é não apenas desejável como também possível.

2. As Definições De Guerra
No sentido mais amplo a guerra é um contacto violento de entidades
distintas mas semelhantes. Nesta concepção, uma colisão de estrelas, uma luta
entre um leão e um tigre, o entrechoque de duas tribos primitivas e as hostili­
dades entre duas nações modernas — seriam todas uma forma de guerra. Esta
definição abrangente foi elaborada para finalidades profissionais por juristas,
diplomatas e militares e para efeito de discussão científica por sociólogos e
psicólogos.
Os juristas internacionais e os diplomatas em geral aceitam a concepção
de Grotius na qual a guerra é “a condição dos que se enfrentam por meio da
força”, embora tenham com freqüência excluído da concepção os duelos
individuais e as insurreições, as agressões e outras condições de contenção
violenta entre entidades jurídicas desiguais. Além disso, eles insistem que
“força” se refere a força militar, naval ou aérea, ou seja, “força armada”,
excluindo assim da definição contendas que envolvam apenas forças morais,
legais ou econômicas. Grotius criticou a definição de guerra de Cícero, “uma
contestação pela força”, porque, disse ele, a guerra era “não uma contestação
mas uma condição”. Os dicionários modernos, entretanto, seguem Cícero e os
sociólogos têm aceito a mesma concepção popular com o esclarecimento de
que uma contenda violenta não pode ser chamada guerra a não ser que envol­
va conflito real e constitua uma forma ou costume socialmente reconhecido
na sociedade em que ocorre. Do ponto de vista sociológico a guerra é, portan­
to, uma forma socialmente reconhecida de conflito entre grupos, envolvendo
violência.
As definições legal e sociológica sugerem que os “estados de guerra” se
distinguem por posições bem definidas no tempo dos “estados de paz” que os
precedem e que se seguem a eles. Os juristas internacionais têm tentado
elaborar critérios precisos para determinar o momento em que a guerra come­
ça e termina, mas não têm obtido sucesso completo e, além disso, têm sido
obrigados a reconhecer a existência de intervenções, agressões, represálias,
expedições defensivas, sanções, neutralidade armada, insurreições, rebeliões,
violência popular, pirataria e banditismo intercalando-se em posições inter­
mediárias entre guerra e paz no sentido em que estes termos são ,em geral
entendidos. O reconhecimento de tais situações lança dúvida sobre a realidade
de uma distinção perfeita entre guerra e paz e sugere a conveniência de buscar
uma variável para a qual guerra e paz seriam posições extremas. Esta variável
pode ser encontrada nas formas externas ou na substância interna 'das relações
internacionais.
Os escritores militares com tendência filosófica têm procurado a variá­
vel nas formas externas, dando ênfase aos graus em que os métodos militares j

são empregados. Assim, Clausewitz definiu a guerra como “um ato de violên­
cia destinado a obrigar os adversários a satisfazer nossa vontade” e noutra
passagem ele enfatizou a continuidade da violência com outros métodos polí­
ticos. “A guerra”, escreveu ele, “não é senão a continuação das ações políticas
com o acréscimo de outros meios”.
Os psicólogos, ignorando a forma, encontram a substância da guerra na
graduação de hostilidade no relacionamento entre estados. Assim, Hobbes
comparava as oscilações de guerra e paz às condições meteorológicas: “Como
o mau tempo não se define numa ou duas precipitações atmosféricas mas sim
na tendência observada em vários dias consecutivos, assim também a guerra
consiste não na luta momentânea mas sim na disposição manifesta de lutar de
forma contínua e sem reversão”. Assim como as condições atmosféricas po­
dem apresentar diferentes graus de bom tempo e de mau tempo, também as
relações entre estados podem ser cordiais, amigáveis, corretas, tensas, suspen­
sas, hostis ou assumir formas intermediárias nesta escala.
Pode-se assim conceber as relações entre dois estados como em contí- .
nua variação, podendo, eventualmente, chegar a uma situação que possa ser
descrita «pelo termo “guerra”, embora outros estados possam ou não reconhe­
cer a situação juridicamente como estado de guerra e tenha ou não se configu­
rado a forma precisa de conflito que os sociólogos enquadram como guerra.
Subjetivamente pode haver guerra, sem que de forma objetiva ela exista.
Seja qual for a concepção escolhida, a guerra aparece como a espécie de
um gênero mais abrangente. A guerra é apenas uma das muitas situações legais
anômalas. É somente uma das numerosas formas de conflito. Não é senão um
caso extremo em atitudes de grupo. É tão-somente um recurso à violência, em
larga escala. Um estudo de cada uma destas categorias mais amplas quando
aplicado a características específicas da guerra — situações legais de exceção
entre partes, conflitos entre grupos sociais, atitudes hostis de grande intensi­
dade e violência intencional através do emprego da força armada — podem
esclarecer o fenômeno da guerra, embora a guerra em si não exista senão
quando a hostilidade e a violência, ao mesmo tempo, passam além de um
patamar, configurando uma nova situação que a lei e o consenso reconhecem
como guerra.
Combinando os quatro pontos de vista, a guerra pode ser vista como um
estado legal e uma forma de conflito envolvendo um alto grau de paridade
legal, de hostilidade e de violência nas relações de grupos humanos organiza­
dos ou, de forma mais simples, como a condição legal que permite igualmente
a dois ou mais grupos hostis empreenderem um conflito através de força
armada.
Convém notar que esta definição subentende uma solidariedade social
na comunidade de nações na qual ambos os beligerantes e os neutros são
membros para se permitir um reconhecimento geral das atitudes e padrões
apropriados à situação de guerra. Embora a guerra revele a fraqueza da comu­
nidade de nações, evidencia também a existência dessa comunidade.
2. Técnicas
Através de sua longa história a guerra tem visto o desenvolvimento
progressivo das técnicas militares. A invenção de instrumentos de defesa em
geral tem seguido de perto a invenção de armas ofensivas. O equilíbrio de
tecnologia tem contribuído para o equilíbrio de poder, mas o equilíbrio não
tem levado a uma crescente estabilidade. Em conseqüência, os efeitos polí­
ticos das invenções militares não têm sido contínuos. Em certos períodos, as
invenções têm proporcionado vantagens à ação ofensiva e os conquistadores
têm podido superar as defesas de seus vizinhos e organizar imensos impérios.
Em outras oportunidades o curso das invenções e da arte da guerra tem
favorecido a ação defensiva. Algumas comunidades restritas têm resistido a
opressão e a revolta e têm logrado impedir a conquista. Alguns impérios
têm-se desintegrado, certas liberdades localizadas têm-se ampliado e, em con­
seqüência, a anarquia tem-se estabelecido, por vezes.
Durante os últimos cinco séculos as invenções militares têm-se sucedido
num ritmo nunca visto anteriormente. Têm-se desenvolvido importantes alter­
nativas no aproveitamento destas invenções. Em geral, as invenções têm favo­
recido as ações ofensivas e tem havido uma tendência de expansão das unida­
des políticas. Esta tendência, entretanto, foi contida durante grande parte do
século XIX por descobertas que deram vantagem aos dispositivos defensivos e
muitos movimentos de autodeterminação lograram sucesso. A despeito das
tremendas (e provavelmente permanentes) vantagens obtidas pela ofensiva

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com o advento das armas nucleares, a autodeterminação de novos estados tem
prosseguido com incrível rapidez. O efeito suicida de uma ofensiva com armas
atômicas contra um oponente que disponha do mesmo tipo de armamento
criou um impasse semelhante ao estabelecido pelas vantagens defensivas no
passado.
a) Desenvolvimento da técnica militar moderna. — “Até os últimos
anos”, escreveu o Contra-almirante Bradley A. Fiske em 1920, “a mais impor­
tante transformação nas circunstâncias e métodos de guerra de que se tem
registro na História foi provocada pela invenção do canhão; mas agora pode­
mos ver que mudanças ainda maiores certámente virão com a invenção do
avião”. A civilização moderna começou no século XV com a utilização da
primeira dessas invenções e tem testemunhado o permanente aperfeiçoamento
do canhão através da precisão e da velocidade de tiro; através das caracterís­
ticas de penetração e explosão dos projetis; através da presteza, velocidade e
segurança do veículo que o transporta, por via terrestre ou marítima, em
direção ao inimigo; e também da adaptação das organizações militares, tendo
em vista seu melhor emprego.
O avião deu continuidade a este desenvolvimento proporcionando um
meio ainda mais rápido para transportar o canhão e introduziu também a
terceira dimensão na guerra. Tornou possível o uso da força da gravidade no
lançamento de cargas explosivas, o reconhecimento em maior amplitude e
com mais precisão e as ações militares além da linha de contacto, sobre áreas
mais amplas e por cima de todos os obstáculos terrestres. Ambas as invenções,
depois de perfeitamente entendida a significação, aumentaram em muito o
poder ofensivo, embora, no caso do canhão, a defensiva tenha imediatamente
começado a se beneficiar e a tendência da guerra entre beligerantes igualmen­
te equipados foi para a criação de um impasse. Uma tendência semelhante
pode ser observada no caso da bomba nuclear e do míssil, embora o impasse
se tenha desenvolvido não da invenção de meios de defesa mas da destruição
inaceitável que pode ser gerada pela guerra nuclear.
Estas invenções são apenas as de mais impacto entre as numerosas apli­
cações bélicas dos avanços tecnológicos característicos da civilização moder­
na. Nas civilizações históricas os homens e os animais forneciam a força
necessária aos deslocamentos militares e à propulsão de projetis. Na época
moderna, o vento e a vela, o carvão e a máquina a vapor, o petróleo e o motor
de combustão interna, a propulsão a jato e os mísseis revolucionaram os
deslocamentos navais, terrestres e aéreos, assim como a pólvora, a pólvora sem
fumaça, os altos explosivos e as bombas nucleares, sucessivamente, revolucio­
naram a potência de arrebentamento. A história das técnicas militares moder­
nas se divide em quatro períodos, cada um deles iniciado por determinada
invenção física ou aperfeiçoamento social e conduzindo a certas consequên­ cias
políticas e militares:

(1) Adaptação das armas de fogo (1450-1648). - Durante o período das descobertas e das
guerras religiosas, a armadura medieval começou a ser

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abandonada; os lanceiros, os alabardeiros e a cavalaria pesada estavam desapa­
recendo. A organização da infantaria janízara turca, disciplinada e equipada
com alfanje e arco de mão, apoiada por cavalaria ligeira e artilharia leve,t
estava sendo adotada em toda a Europa. A artilharia pesada havia começado a
subjugar os castelos feudais no início do século XV e o “Wagenburg” revolu­
cionou os princípios táticos. As armas de fogo portáteis empregadas inicial­
mente por espanhóis, hussitas e suíços no século XV foram adotadas por
todos nas guerras do início do século XVI. A Guerra dos Trinta Anos con­
cluiu esté período de adaptação experimental das armas de fogo pelos exér­
citos mercenários e os exércitos modernos começaram a surgir.
A construção naval melhorou muito neste período. Os desgraciosos
galeões da Armada Espanhola, que diferiam pouco dos de Colombo um século
atrás e se assemelhavam às galeras a remo da Idade Média, foram substituídos,
em meados do século XVII, por “couraçados artilhados”, maiores, mais rápi­
dos e dispondo de armamento mais pesado, que pouco diferiam dos de Nel­
son, quase dois séculos mais tarde. .,
Dispondo das novas técnicas proporcionadas pelas armas de fogo, os
europeus ocuparam pontos estratégicos na América, na África e na Ásia subju­
gando os nativos que encontraram. A tendência desta nova iniciativa era de
integração política interna e de expansão além do continente europeu.
(2) Profissionalização dos exércitos (1648-1789). — Os séculos XVII e
XVIII testemunharam o desenvolvimento dos exércitos profissionais leais aos
soberanos e prontos a sufocar as rebeliões internas ou a combater em guerras
externas, desde que fossem pagos de imediato e que os oficiais fossem distin­
guidos com condecorações e recebessem gratificações pelas vitórias obtidas.
Luís XIV e Cromwell contribuíram muito para o desenvolvimento deste tipo
de exército que, entretanto, no século XVIII parecia estar mais preocupado
com a segurança e com a pilhagem do que com a vitória. Em çonseqüência, as
pesquisas militares visavam mais às técnicas defensivas e às fortificações. A
arte da guerra continha normas muito minuciosas sobre estratégia e execução
de operações de cerco. Havia também normas que regulavam o tratamento de
prisioneiros de guerra, as rendições, as honras militares e os direitos dos civis.
O Exército prussiano, com disciplina rigorosa, muita agressividade e com
novas idéias estratégicas, sob a liderançà de Frederico, o Grande, até certo
ponto ultrapassou as técnicas defensivas vigentes e levou o novo tipo de
organização militar ao fastígio.
A capacidade de destruição da guerra era limitada pela abstenção geral
das atividades bélicas por parte da burguesia e dos camponeses, que consti­
tuíam o grosso da população. A burguesia era antimilitarista e tinha pouca
influência política na maioria dos estados. Os monarcas preferiam deixar
burgueses e camponeses empenhados em atividades produtivas, desde que
pagassem as taxas, e recrutar suas forças armadas entre a ralé improdutiva,
enquadrada pelos oficiais que procediam da nobreza e em cuja lealdade era
possível confiar. Com as técnicas vigentes os exércitos não podiam, com

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facilidade, atacar as classes médias inimigas, a não ser que o adversário fosse
previamente destruído e as fortificações arrasadas. Neste caso, a pressão sobre
as classes médias era desnecessária porque elas em geral aceitavam qualquer
paz que fosse imposta. Sem patriotismo e sem nacionalismo elas pouco se
preocupavam se o território em que viviam teria ou não um novo soberano,
desde que pudessem reter as suas propriedades.
Os vasos de guerra atingiram o limite das dimensões compatíveis com as
estruturas em madeira no século XVII e sofreram poucas modificações até
que o aço fosse empregado nas construções navais duzentos e cinquenta anos
mais tarde. O problema das matérias-primas apropriadas para a indústria béli­
ca apresentou-se de forma bem definida na Ingleterra durante a última parte
deste período, caracterizado pela escassez de carvalho para o cavername e de
grandes troncos de pinheiro para os mastros. Os Estados Unidos obtiveram
êxito na Revolução ao bloquear o acesso dos ingleses às fontes de madeiras
para mastros, no Canadá. Os ingleses nunca tinham enfrentado este problema
em face da política perseverante de reflorestamento até o término das guerras
napoleônicas quando as mudas de carvalho foram plantadas tardiamente para
serem aproveitadas, já que a madeira foi substituída pelo aço na construção
naval.
Esta negligência, entretanto, não revelou falta de interesse naval na
Grã-Bretanha durante este período. A crescente importância do comércio, a
vulnerabilidade das Ilhas Britânicas aos bloqueios e a invulnerabilidade a ata­
ques terrestres induziram a Inglaterra a adotar uma política de superioridade
naval e a confiar no domínio marítimo como o fator mais importante na
guerra. Através desse controle, numa época em que o transporte terrestre
feito por carros por estradas ruins era muito deficiente, os suprimentos milita­
res e as matérias-primas para produzi-los podiam ser negados às forças inimi­
gas, os sítios podiam ser suplementados por bloqueios marítimos, e a burgue­
sia, até onde ia sua influência, podia ser induzida a exercer sua ação em favor
da paz, de forma a escapar da perda das propriedades e dos lucros. Os ingleses
lideraram a reivindicação do direito de abordar e vistoriar qualquer navio
mercante e de capturar e condenar todas as tripulações de embarcações inimi­
gas e neutras, assim como se apropriar dos bens, desde que estivessem prestan­
do auxílio ao adversário. Estavam, entretanto, prontos a suspender estas ativi­
dades com as salvaguardas judiciais do tribunal de presas que não só preserva­
va a parte da Coroa nos apresamentos como também impedia que as ações de
corso degenerassem em pirataria e de que estas iniciativas arbitrárias sobre os
neutros acabassem por transformá-los em inimigos.
(3) Capitalização da guerra (1789-1914). — O período revolucionário
francês e o período napoleônico difundiram a idéia da “nação em armas”, por
meio do entusiasmo revolucionário e da conscrição de exércitos de grandes
eletivos. O conceito de guerra totalitária foi desenvolvido através das obras de
Clausewitz, que racionalizou os métodos napoleônicos. Depois destas guerras,
as opções entre o exército profissional, com tempo de serviço militar prolon-

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gado e com oficiais procedentes da aristocracia e o exército democrático,
organizado com conscritos de serviço militar limitado, foram debatidas na
Europa, com a tendência geral de adoção da primeira opção durante o longo
período de paz da era de Metternich. O advento do nacionalismo, da demo­
cracia, da industrialização e da mecanização da guerra em meados do século
restabeleceram a tendência para os princípios da nação em armas e guerra
totalitária.
O emprego do vapor nos transportes militares terrestres e marítimos foi
incrementado na primeira metade do século XIX e teve a primeira experiência
importante na Guerra Civil Americana. Moltke apreciava o valor militar destas
invenções e seu gênio no emprego das ferrovias para obter rapidez nas grandes
mobilizações possibilitou a Bismarck ganhar três guerras com muita exiguidade
de tempo, contra a Dinamarca, a Áustria e a França. As couraças e o material
bélico pesado naval foram também testados na Guerra Civil Americana. A era
da mecanização militar e das armas de fogo de longo alcance e precisão
avançou rapidamente aumentando muito dos orçamentos militares e navais,
evidenciando a importância-da economia nacional e da indústria, durante a
guerra. Os novos métodos foram testados novamente nas Guerras Hispano-
americana, dos Bôeres e Russo-japonesa.
As grandeç invenções navais do século XIX — o aproveitamento do
vapor, a hélice, os navios com couraça, os vasos de guerra com carcaça de aço,
o material bélico pesado — foram a princípio favoráveis ao domínio marítimo
britânico porque os ingleses dispunham de muito boas reservas de minério de
ferro e de carvão e de uma indústria pesada bem desenvolvida, aspectos mais
salientes do que reservas florestais e construção naval em madeira. Mas estas
vantagens não tiveram prosseguimento. Os novos couraçados eram mais vulne­
ráveis do que os navios de madeira porque a potência das armas de fogo
venceu a disputa contra as blindagens e os reparos no mar eram impossíveis.
Além do mais, as minas, os torpedos, os submarinos e os aviões apresentaram
novos riscos ao material flutuante, especialmente nas proximidades das bases
domésticas inimigas. Os navios de guerra, portanto, tornaram-se mais depen­
dentes de bases bem equipadas e seguras, para reabastecimento e reparos e a
aproximação mesmo de adversários mais fracos tomou-se perigosa. Com a
industrialização de outras potências e seu desenvolvimento da força naval, a
Inglaterra foi encontrando, progressivamente, mais dificuldade em manter
uma superioridade três ou mesmo duas vezes maior em belonaves e suas bases
mais distantes tornaram-se menos seguras.
A Inglaterra renunciou ao domínio do Caribe depois da controvérsia da
Venezuela com os Estados Unidos em 1896, aquiesceu com a tomada pelos
americanos das ilhas espanholas e concordou com a fortificação do Canal do
Panamá pelos Estados Unidos. Ela concordou também com a aquisição ameri­
cana das Filipinas em 1902 e fez uma aliança com o Japão, revelando sua
incapacidade de manter sua posição no Extremo Oriente, apenas com suas
forças. Seus acordos com a França deixaram claro que os interesses britânicos

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no Mediterrâneo já não podiam ser defendidos de forma isolada.
A Inglaterra então reconheceu que o desenvolvimento das técnicas na­
vais tinha levado a uma regionalização do poder e, em conseqüência, reduziu
seus compromissos de controle marítimo unilateral dos sete mares a compro­
missos marítimos controláveis de bases em ilhas britânicas e portuguesas e a
partir de Gibraltar, Suez e Cingapura. O vasto Império Britânico e as rotas do
Mediterrâneo, do Caribe, do Mar da China e do Pacífico já nao podiam ser
defendidos apenas pela Marinha britânica. Eles precisavam ser defendidos
pelos próprios domínios britânicos e por alianças e tratados de amizade,
especialmente com os Estados Unidos, a França e talvez o Japão. Estava claro
que a capacidade inglesa de manter uma ordem razoável, o respeito pela lei e
as obrigações comerciais, e de localizar as guerras pela manutenção do equilí­
brio de poder na Europa tinham sido grandemente reduzidos. As invenções
navais e a difusão da industrialização tinham dado fim à Pax Britannica.
As potências continentais entenderam esta situação. Incrementaram
seus exércitos e marinhas de forma progressiva depois da Guerra Russo-japo­
nesa e depois do fracasso da Conferência de Haia em obter o desarmamento.
Dedicaram particular atenção às potencialidades do fuzil aperfeiçoado, da
metralhadora e da artilharia, assim também como revelaram interesse pelas
técnicas de entrincheiramento. As possibilidades das minas, dos torpedos e
dos submarinos foram desenvolvidas, especialmente pela França que indicou o
caminho da utilização dessas armas pelos alemães na I Guerra Mundial. Ini­
ciou-se, particularmente pela França e Alemanha, a adaptação do avião e do
dirigível para fins militares. Vieram a se concretizar as previsões do banqueiro
polonês Ivan Bloch feitas em seu livro publicado em 1898. A guerra desem­
bocou em impasses nas trincheiras guarnecidas de metralhadoras e nos mares
infestados de submarinos, durante o primeiro conflito mundial. O impasse
não foi rompido até que o atrito desgastou todos os beligerantes iniciais e que
novos recrutas e recursos para os aliados provindos dos Estados Unidos torna­
ram irremediável a situação das Potências Centrais.
(4) A totalização da guerra (1914-...). — O advento da guerra aéfea
no século XX terminou com a relativa invulnerabilidade das Ilhas Britânicas às
invasões. O enfraquecimento do controle dos mares pelo emprego de minas,
submarinos e aviões piorou ainda mais a situação da Inglaterra que, na década
de 20, aceitou a tese de que a integridade do Império dependia da segurança
coletiva. As possibilidades do avião e do carro-de-combate, não exploradas
totalmente durante a I Guerra Mundial, alimentavam as esperanças de uns e os
temores de outros de que a ofensiva ganharia novo impulso, de que a mobili­
dade seria restabelecida e de que o impasse seria rompido.
Estas possibilidades encorajaram as agressões do Japão, da Itália e da
Alemanha, depois de 1930. A insatisfação com as conseqüências políticas da I
Guerra Mundial , o ressentimento contra a política econômica das
democracias , o grande aviltamento das classes médias e a divulgação de
ideologias revolucionárias geradas pelos custos da guerra e pelo alastramento
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zado do desemprego resultante da grande depressão de 1929 proporcionaram
os motivos para as agressões; mas se a segurança coletiva tivesse sido melhor
organizada e não tivessem sido inventados o avião e o carro-de-combate, as
demais condições teriam sido insuficientes para deflagrar as ações. De forma
que o sucesso inicial do Japão na Manchúria, da Alemanha na Renânia e da
Itália na Etiópia encorajaram estes países a estabelecer uma aliança e de
continuar a agressao em áreas mais fracas, utilizando a aviação com grande
sucesso, enquanto todos os segmentos do poder nacional se mobilizavam para
a guerra total.
Assim como o aperfeiçoamento do canhão pelas grandes potências euro­
péias nos séculos XVI e XVII ampliou seu controle imperial sobre nações de
ultramar a que se seguiu a imitação por parte destas nações da mesma técnica
e de revoltas eventuais, assim também o aperfeiçoamento do avião pelos
estados totalitários no século XX de início ampliou seus impérios e então
compeliu as democracias a adotar providências. Assim as grandes potências,
quer com tradição democrática ou autocrática, quer, confiando nas forças
terrestres ou nas forças navais, quer situadas na Europa, na América ou na
Ásia, sentiram-se obrigadas a seguir, num mundo sem organização, a potência
líder do seu grupo, mais avançada na arte da guerra.
A tendência para a militarização geral iniciada com o advento do ca­
nhão foi obstada nos séculos XVIII e XIX pelo desenvolvimento marítimo,
comercial, industrial e financeiro de uma Inglaterra relativamente liberal e
antimilitarista; pela crescente capacidade de destruição e incapacidade de che­
gar a conclusões; pela profissionalização das forças armadas e pela filosofia
antimilitarista da emergente burguesia. É possível que o medo universal da
guerra nuclear, o senso de solidariedade humana através dos meios de comuni­
cação em massa de todo o mundo e a organização para a paz e para a
cooperação internacional das Nações Unidas possa ter uma influência seme­
lhante, na parte final do século XX.
b) Características da técnica militar moderna. (1) Mecanização. - A
característica relevante que distingue a guerra moderna de todas as outras
formas anteriores de guerra é a mecanização das forças. O emprego de armas
de longo alcance (o fuzil, a metralhadora, a artilharia, os gases de combate),
de meios de transporte acionados por motor (trens, veículos automotores,
vasos de guerra, carros-de-combate e aviões) e de pesada proteção (blindagens
em fortes, carros-de-combate e navios de guerra) significa que a indústria
bélica adquiriu importância fundamental. Nas civilizações históricas o soldado
providenciava seu próprio equipamento que, via de regra, durava tanto quanto
ele. Hoje em dia, dezenas de pessoas precisam estar empenhadas na produção
e no transporte na retaguarda para manter o combatente suprido.
(2) Aumento dos efetivos. - Uma segunda mudança importante ocor­
reu no efetivo das forças armadas, tanto em números absolutos quanto em
relação à população. Pode parecer que como cada combatente precisa de
muita atividade de apoio à retaguarda, haveria uma diminuição no número de

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soldados . Mas isto não se revelou verdadeiro . O transporte impulsionado por
força motriz e as comunicações efetuadas por meios elétricos possibilitaram a
mobilização e o controle centralizados de contingentes muito mais numerosos
do que no passado . Os militares podem ser transportados rapidamente pOr
ferrovia , por viaturas motorizadas ou por via aérea e os alimentos enlatados
podem chegar até eles. Enquanto antigamente 1% da população era um efeti­ vo
numeroso para mobilizar, agora mais de 10% podem ser mobilizados, dos quais
uma quarta parte pode chegar à linha de frente a curto prazo. Mas a mobilização
de 10 % exige que o restante da população adulta proporcione os meios
essenciais para o prosseguimento das operações. Desta forma, ao invés de se ter
1% engajado em combate e o restante empenhado em atividades pacíficas ,
comerciais ou agrícolas , precisa -se agora que toda a força de traba ­ lho se
dedique inteiramente às atividades vinculadas à guerra , de forma direta ou
indireta.
(3) Militarização da população. — Uma terceira transformação, resul­
tante da segunda, foi a estruturação militar de toda a nação. As forças arma­
das deixaram de ser um segmento destacado da população em geral. Os com­
batentes de terra, mar e ar são recrutados nas áreas em que podem ser substi­
tuídos de imediato por mulheres, crianças e idosos. Os técnicos em transporte
e serviços industriais devem ser dispensados, na maior parte, de forma que
possam dar continuidade às suas tarefas “civis” que, no contexto moderno,
são essenciais à guerra. O engajamento nas atividades militares dos segmentos
da população dedicados às atividades agrícolas, industriais e profissionais exi­
ge que toda a população sofra um enquadramento militar. Como o condicio­
namento a uma organização desta natureza é impossível após a eclosão da
guerra, as características da situação de tempo de guerra têm cada vez mais se
mesclado com as características do tempo de paz. O enquadramento militar
de toda a população em tempo de paz tomou-se necessário como uma prepa­
ração para a guerra, notadamente no período de guerra fria, após a II Guerra
Mundial.
Esta militarização da população não deve ser confundida com o sistema
de preparação militar vigente na Suíça. Neste sistema, a obrigação do serviço
militar, embora considerada uma sobrecarga inerente à cidadania, é cumprida
apenas por um treinamento limitado que não afasta os indivíduos de suas
atividades civis normais, por longos períodos. Além do mais, no sistema vigen­
te na Suíça as atividades civis são sempre consideradas normais e as militares
anormais. Ambos os sistemas podem ser chamados de “nação em armas”, mas
enquanto o primeiro envolve a militarização de toda a população, o segundo
representa o apaisanamento das atividades militares. A diferença depende do
grau de ascendência dos militares sobre o governo civil em tempo de paz, do
grau em que o treinamento militar se sobrepõe à atividade civil na vida do
indivíduo e do grau em que a preparação para a guerra prevalece, na política
nacional, sobre o bem-estar da comunidade.
Deve-se distinguir estes dois sistemas de defesa do sistema de forças

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profissionais que é característico dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha e que
foi empregado pela maioria dos estados europeus no século XVIII. Neste
sistema o exército é organizado para atividades prolongadas e dispõe de orga­
nização própria, disciplina, normas e padrões profissionais inteiramente distin­
tos da população civil. Em face da ênfase dada à qualificação profissional,
seus efetivos não têm sido aumentados grandemente em tempo de guerra,
embora quando ocorram emergências o recrutamento voluntário cede a vez à
conscrição e à pressão sobre as massas.
Embora tenham os três sistemas contribuído com sua parte na história
da maioria dos estados modernos, o desenvolvimento das técnicas militares
modernas tem conduzido para a militarização de todos os estados.
(4) Nacionalização do esforço de guerra. — Uma quarta mudança, ca­
racterística das técnicas militares modernas, é o controle do governo sobre a
economia e a opinião pública. O estado militar tem tendência em se transfor­
mar no estado totalitário. É verdade que outros impulsos da vida moderna
tem revelado uma tendência semelhante. A democracia, sob a influência do
nacionalismo, tem induzido o indivíduo a identificar todas as fases de sua vida
com o estado, enquanto que o socialismo estatal, sob a influência da depres­
são, tem induzido o estado a intervir em todas as fases da vida do indivíduo,
mas as necessidades da guerra moderna têm conduzido e acelerado o processo.
A guerra moderna tem exigido propaganda e programas de defesa para a
sustentação do moral entre a população civil, que já não pode esperar ser
poupada dos ataques adversários. A guerra moderna também tem exigido um
ajustamento da economia do país às suas necessidades. O sistema de livre
comércio, alicerçado nos lucros, provou .ser menos adequado do que as medi­
das militares para a redução do consumo privado e para o direcionamento das
atividades e da energia produtiva para as exigências da guerra. Como a transi­
ção da economia de livre mercado para a economia controlada se torna difícil
durante a guerra, a preparação para as hostilidades enseja a mudança, ainda
em tempo de paz. Além disso, a autocracia se faz necessária na defesa contra
bloqueios. Os controles necessários para orientar a vida econômica da nação
para as áreas em que os recursos e os mercados estarão disponíveis em tempo
de guerra, devem ser aplicados antes das hostilidades. A técnica moderna de
guerra, portanto, atuou sobre o advento de estados totalitários autocráticos e
prejudicou a livre economia e o entendimento direto entre todos os estados.
(5) Guerra total. — Uma quinta mudança, característica da técnica da
guerra moderna, é a capacidade de destruição, grandemente ampliada, de
todas as armas modernas e o desaparecimento da distinção entre forças arma­
das e população civil, nas operações militares. A identificação moral do indiví­
duo com o estado deu ao poder nacional primazia sobre as considerações
humanitárias. O moral civil e a indústria estimulam o poder nacional. Por isso,
a população civil e os centros industriais e de transportes tomaram-se alvos
militares. Os bombardeios aéreos e os bloqueios para impedir a passagem de
suprimentos tomaram possível atingir esses objetivos ultrapassando as forças

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militares e as fortificações; em conseqüência, o princípio da necessidade mili­
tar tende a ser interpretado ao arrepio das normas tradicionais de guerra, para
a proteção da vida da população civil e preservação da propriedade.
Os escritores do século XVII sobre normas internacionais embora admi­
tissem que toda a população inimiga estava sujeita, sob a forma da lei, aos
adversários, mesmo que houvesse combatentes e não-combatentes, reconhe-,
ciam que a praxe em geral aceita era isentar estes últimos das hostilidades.
Com o progresso da técnica militar moderna no século XIX, as forças arma­
das” passaram a incluir numerosos não-combatentes, como trabalhadores em
transporte e cavadores de trincheira, mas os civis não pertencentes às forças
armadas ficavam em geral isentos dos ataques diretos, embora os meios flu­
tuantes que dispusessem e, em áreas ocupadas, tanto os indivíduos quanto
suas propriedades ficavam sujeitos à requisição. As práticas militares e as
normas de guerra eram também, até certo ponto, influenciadas pela distinção
geral entre a vida política e econômica do estado, uma distinção que se
desenvolveu particularmente como resultado das escolas de economia fisiocrá-
tica e clássica e da crescente influência dos neutros. A propriedade privada em
terra era geralmente considerada isenta de captura e havia um movimento
expressivo, especialmente nos Estados Unidos, para estender esta isenção às
propriedades privadas marítimas — tendência que foi aceita em 1856, com
relação a navios neutros. Embora a isenção total das atividades da vida econô­
mica de um estado dos rigores da guerra não fosse aceita, em face da oposição
da Inglaterra e de outras potências navais, a idéia de que a guerra deveria ser
dirigida somente contra as atividades militares e políticas do estado tiveram
considerável influência durante o século XIX, especialmente em países como
a Alemanha, vulnerável a bloqueios.
Embora estas distinções sobre isenções amplas com relação a não-com­
batentes (população civil) e a economia nacional possam ainda ser defendidas
à luz de normas internacionais, especialmente a Convenção de Genebra de
1941, as práticas de guerra tendem para o totalitarismo.
O apelo à inanição, aos bombardeios, ao confisco de bens e ao terroris­
mo, envolvendo a destruição de cidades inteiras, foi aplicado na II Guerra
Mundial contra o território e contra toda a população inimiga. O perigo de
represálias e o desejo de utilizar a população das áreas ocupadas eram as
únicas inibições. Todas as atividades da vida de um estado inimigo vieram a
ser objeto da ação adversária. A doutrina de conquista foi até ampliada por
alguns estados, incluindo a eliminação de populações e de seus direitos de
propriedade, de forma a ocupar o espaço com outros contingentes populacio­
nais. As perspectivas de guerra nuclear com mísseis intercontinentais, se falhar
a dissuasão, apresentam a possibilidade de destruição de todos os beligerantes,
se não de toda a raça humana, pela precipitação radioativa.
(6) Intensificação de operações. - Uma sexta característica da técnica
militar moderna é constituída pelo aumento significativo na freqüência das
operações militares e no seu desdobramento espacial.

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Nas operações militares se procura sempre concentrar maiores meios do
que o inimigo num determinado ponto, julgado decisivo. Tais pontos podem
ser posições fortificadas, centros governamentais ou comerciais, entroncamen­
tos em vias de transporte e nós em sistemas de comunicações, local de comba­
te selecionado pelo inimigo ou para o qual deva ser ele atraído. O beligerante
com inferioridade de forças tenta retardar as ações enquanto concentra reser­
vas e melhora as posições defensivas; o que consegue obter superioridade
indiscutível, num determinado momento, em geral toma a iniciativa nas ope­
rações. O episódio terminaria em retirada ou 'rendição por um dos contendo­
res depois de um dia ou, no caso de sítio, depois de vários meses, e seria
seguido por outros períodos em que haveria manobras até que um novo local
importante viesse a se revelar, acarretando nova concentração de meios e novo
encontro ou sítio. As campanhas seriam assim fragmentadas em episódios
distintos e separados; entretanto» em vista do retardo nas comunicações e das
dificuldades da luta durante o inverno, as campanhas em áreas separadas ou
em épocas diferentes ficariam, em grande parte, isoladas umas das outras. A
guerra consistia tipicamente de diversas batalhas e campanhas distintas, sepa­
radas por amplos espaços e por longos períodos de relativa paz.
Os aperfeiçoamentos na mecanização e na mobilidade das forças, a
mobilização de toda a população e o aumento no número de óbjetivos impor­
tantes a serem atacados tornaram possível a concentração de grandes forças,
num determinado ponto, o deslocamento de reservas e a continuação da ação
ofensiva ou da resistência numa certa área, por um período muito mais longo,
o aumento no número de objetivos a atacar simultaneamente, a ampliação do
teatro de operações pelas tendências mútuas de flanqueamento e a coordena­
ção de operações em todas as frentes e em todas as estações do ano, em todo
curso da guerra. O resultado foi que a I Guerra Mundial apresentou a tendên­
cia de se tornar uma campanha simples e contínua, e a campanha em se tomar
uma longa batalha ou uma série de batalhas que se recobriam e que se prolon­
gavam, tornando-se muito difícil distingui-las. A representação da guerra, ao
invés da marcação de pontos em um mapa tornou-se uma grande mancha
preta de tinta que se espalhou rapidamente até que todo o mapa escureceu.
Embora esta mesma configuração não se tenha de início repetido nas hostili­
dades que começaram em 1931, a tática da guerra relâmpago e a èstratégia de
ocupação, bloqueio e bombardeio da II Guerra Mundial resultaram numa
intensa e contínua batalha ao longo de toda a frente.
Estas seis características da técnica militar moderna em conjunto favo­
recem a organização militar completa dos beligerantes e as operações militares
de maior amplitude durante a guerra. Embora esta tendência tenha começado
no século XVI, foi mais enfatizada no século XX, com unja aceleração mais
pronunciada a partir da década de 30.
Estas mudanças foram mais sentidas nas características das armas,.me­
nos pronunciadas na organização e nas operações e de significação duvidosa
nos campos político e estratégico. O emprego de forças melhor preparadas, a

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reputação de crueldade e as ameaças de guerra para a obtenção de vitórias sem
hita, utilizadas na guerra fria, são tão velhas quanto a História e foram expos­
tas por Maquiavel. Estas técnicas, entretanto, militam contra a estabilidade
através da dissuasão mútua que estas mesmas potências alegam favorecer.
Alguns escritores que tratam da estratégia moderna acreditam que, caso
venham a ocorrer guerras, ainda podem ser aproveitadas as lições das campa­
nhas de Aníbal, César, Frederico e Napoleão; outros porém acreditam que
houve alterações nos princípios estratégicos básicos. O objetivo geral da guer­
ra, dizem eles, já não é o desarmamento do inimigo, pela destruição ou
captura das fortificações e forças armadas, mas sim esquivar-se delas e atacar
diretamente os centros governamentais e econômicos, assim como o moral
adversário. Os adeptos da “dissuasão limitada” que ameaça as cidades adversá­
rias e da “estratégia do contragolpe” que ameaça apenas suas possibilidades de
retaliação argumentam com os mesmos aspectos nucleares, mas com a diferen­
ça de que o objetivo é a dissuasão da guerra ao invés da vitória na guerra.
A dissuasão limitada, argumenta-se, na verdade irá dissuadir porque a
população de cada país representará um refém nas mãos do outro se ambos
têm possibilidades de um segundo ataque eficaz, enquanto que a estratégia do
contragolpe é perigosa porque sugere a intenção de desferir um primeiro
golpe, destruindo a capacidade de retaliação do inimigo, induzindo-o assim a
desencadear um primeiro golpe preventivo. Por outro lado, a estratégia do
contragolpe é considerada mais humana, tem condições de preservar a credi­
bilidade da ameaça nuclear como instrumento político e torna exequível a
vitória.

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