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CRÉDITOS

Comandante da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronaútica


Maj Brig Ar José Virgílio Guedes de Avellar

Diretor do Instituto de Esducação a Distância (IEAD)


Romero Serra Freire Lobo - Cel Int

Conteudista
Rodrigo Eloy dos Santos - Ten Cel Av
Julio Cesar do Amaral Junior - Ten Cel Inf

Design Educacional
Renata Lopes Machado Romanholi - 2º Ten PED

Web Design & Design Gráfico

Aline Maira de Cássia Pereira - 2º Ten PED


Clovis Da Cruz Oliveira Neto S2 SNE
SUBUNIDADE 7: GUERRA HÍBRIDA

APRESENTAÇÃO
Este E-bookfaz parte da disciplina Poder Militar e foi desenvolvido com os
seguintes objetivos:
 Compreender os conceitos de "zona cinzenta" e "Guerra Híbrida" no
contexto do "Continuum da competição" (Cn);
 Compreender o "enfraquecimento" do modelo binário tradicional "guerra x
paz" e como isso está afetando as fronteiras tradicionais entre as esferas
civis e militares em segurança nacional (Cn);
 Compreender os conceitos de "campanha integrada" e "operações em
múltiplos domínios" e como as FFAA podem aplicar esses conceitos no
ambiente operacional futuro (Cn);
 Identificar ações de guerra híbrida em conflitos contemporâneos (Cn).

Desejamos, portanto, que realize um estudo produtivo, rico em experiências e


reflexões.
Pronto(a) para começar? Então, vamos em frente!
1. INTRODUÇÃO
Teóricos militares analisam a história dos conflitos para estabelecer os
conceitos que guiarão os líderes futuros. Estudando os pensadores clássicos, torna-se evidente
que os alicerces da guerra por eles estabelecidos permanecem os mesmos através dos anos e
seus ensinamentos ainda são relevantes nos dias de hoje. Ainda assim, existem diferenças
entre as guerras atuais e os conflitos do passado, pois as evoluções culturais, as novas
tecnologias, e o surgimento de novos domínios são fatores que influenciam diretamente no
campo de batalha.

Para preencher as lacunas originadas por estas modificações, novas doutrinas


surgem, tornando o ambiente cada vez mais desafiador e complexo aos profissionais da
guerra. Nesse contexto, os conflitos armados das duas últimas décadas são permeados de
ações ambíguas. A linha de distinção entre guerra e paz tornou-se muito tênue e os atos hostis
agora estão na “zona cinzenta”.

O poder militar dos Estados é estruturado para enfrentar essas ameaças e


garantir os interesses nacionais, organizando as forças armadas nos domínios clássicos.
Durante o nosso curso já estudamos dois deles: o terrestre e o marítimo, pois o aeroespacial
será abordado na próxima disciplina.Você já parou para refletir que uma guerra futura talvez
não será decidida nestes domínios?

Essa possibilidade torna-se cada vez mais próxima da realidade porque a


estrutura de planejamento de operações em domínios para o emprego das forças armadas foi
concebida visando sobrepujar o modelo tradicional de guerra, que é baseado no binômio:
guerra ou paz.

Na imagem abaixo, adaptada da Publicação Conjunta 1, a doutrina para as


forças armadas dos Estados Unidos da América, observa-se um encadeamento de ações
militares dentro do chamado “Continuum do conflito”, o qual tem em suas extremidades a paz
e a guerra.
(JOINT PUBLICATION 1, p. I-14, 2017)

Sob este ponto de vista, percebe-se que: “Os líderes podem usar a força militar
como instrumento de poder nacional numa ampla variedade de operações que foram
frequentemente caracterizadas em três grupos.(JOINT CHIEF OF STAFF, 2017). Convém
destacar que o inimigo, nestes casos, geralmente é identificável, bem como assim o são suas
intenções e atitudes, que podem ser enquadradas nesta díade.

Mas o que está fazendo esta perspectiva que norteou o pensamento militar
ocidental por muitos anos, e provou seu valor em combate, ser posta em xeque?

O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia publicou, em 2013,


um artigo sobre novas formas e métodos de conduzir operações de combate. Em seu texto, ele
apresenta uma perspectiva moscovita bem interessante, ao afirmar que “no século XXI,
identifica-se uma tendência ao obscurecimento das linhas entre os estados de guerra e paz. As
guerras não são mais declaradas e, tendo começado, procedem de acordo com um modelo
obscuro.” (GERASIMOV, 2016).

Estamos falando do surgimento de uma ambiguidade que dificulta a


diferenciação entre guerra e paz, modificando as regras da guerra. A guerra tornou-se híbrida
e agora demanda o emprego coordenado de meios não militares para atingir objetivos
políticos e estratégicos ao passo que, gradualmente, os confrontos frontais de grandes
formações de forças tornam-se ultrapassados.
Nesta subunidade, conheceremos um pouco sobre esse conceito que vem se
consolidando na doutrina militar ocidental, bem como identificaremos conflitos recentes que
travaram suas batalhas na zona cinzenta, entre a guerra e paz. A Primavera Árabe, por
exemplo, não foi uma guerra declarada, mas causou uma destruição econômica, social e
política, bem como mortes, similar a uma guerra tradicional declarada.

Para facilitar nossa compreensão sobre o assunto e sermos capazes de


identificar características de guerra híbrida em conflitos contemporâneos, vamos nos
aprofundar um pouco mais nos conceitos até agora citados.

2. GUERRA HÍBRIDA E A ZONA CINZENTA


Ao longo dos anos, novas tecnologias forneceram condições para permitir a
criação de novos domínios, impactando diretamente no caráter da guerra. As guerras do
Peloponeso usaram os domínios da terra e do mar. Naquela época, eles perceberam que a
marinha projetava seu poder em terra, tornando poderoso o dono da marinha forte
(THUCYDIDES; CRAWLEY, 2008). O emprego de um segundo domínio induziu a
adaptações na forma de conduzir as guerras.

Séculos depois, o emprego militar da invenção de Santos Dumont originou o


domínio aéreo, trazendo novas modificações. O avião combatia com maior liberdade de
ação, fora da superfície (terra e mar), passando por cima das tradicionais linhas de defesa
fortificadas, tornando-se uma arma em vez de apenas uma força de apoio ao exército e à
marinha.

Essas evoluções no aspecto da guerra seguem acompanhando os avanços


científicos. Países como Estados Unidos e Rússia ativaram uma força espacial, um novo
domínio que opera interdependente e que pode não vencer guerras sozinho, mas sua falta
pode resultar em consequências trágicas em conflitos. A adaptação dos domínios da guerra é
reflexo das inovações da ciência sobre essa característica do caráter da guerra, e este é um
processo contínuo.
Convém destacar que a velocidade com que essas mudanças ocorrem acelerou
nas últimas décadas, tendo em vista que o ritmo é definido pela rapidez das evoluções
tecnológicas. Nos dias de hoje a consolidação do domínio espacial como ferramenta de
projeção do Poder Nacional, ocorre simultaneamente com os debates sobre o conceito de
Guerra Híbrida.

Buscando chegar à definição de Guerra Híbrida, é necessário lembrar que


cada Nação age no campo das relações internacionais para alcançar seus objetivos
estratégicos, e proteger seus próprios interesses. Para este fim, os países empregam todas as
dimensões de Poder Nacional (Diplomacia, Informação, Militar e Econômico - DIME). Com
o tempo, uma nova perspectiva se apresentou ao mundo contemporâneo, pois a globalização
tornou os países mais próximos interconectados, e por que não dizer, interdependentes.
Assim, um objetivo estratégico passou a ser mais facilmente atingível com o emprego de
uma ação híbrida e muito bem coordenada das expressões do Poder Nacional.

Esta ação mista e sincronizada tornou-se uma nova forma de conduzir


conflitos de interesse que os acadêmicos viriam a batizar de “Guerra Híbrida”. Termo este
que teve suas origens na virada do milênio, referindo-se ao emprego de estratégias de
enfrentamento, não necessariamente fazendo o uso da força militar (PAÚL, 2022). Uma
definição já mais elaborada afirma que se trata “do uso sincronizado de múltiplos
instrumentos de poder, ajustados a vulnerabilidades específicas do espectro de funções da
sociedade, de forma a alcançar efeitos sinérgicos.”

Usando-se de forças convencionais e não convencionais, este tipo de


estratégia opera no limite das sombras. Seus ataques não são declarados abertamente, mas
também não são totalmente encobertos, tornando difícil atribuir sua autoria a alguém. As
operações são conduzidas diretamente contra os limites da detecção, elas acontecem no
limiar entre o legal e o ilegal, dentro do estado de paz e sem iniciar uma guerra, numa região
que não é clara, uma zona cinzenta. Para travar a guerra nesta zona cinzenta, cujo campo de
batalha está entre a paz e a guerra, a informação e as armas cibernéticas estão se tornando
ferramentas essenciais.
Com isso, as próprias “regras da guerra” mudaram. O papel dos meios não-
militares de alcançar objetivos políticos e estratégicos tem crescido e, em muitos casos,
superado o poder da força das armas em sua eficácia (GERASIMOV, 2016). É isso mesmo
que você leu, o poder bélico aparentemente está perdendo seu espaço como fator crítico de
sucesso no desenrolar do conflito.

Considerando essa premissa enquanto observamos os conflitos recentes no


mundo nos faz questionar: em qual (quais) país(es) conseguimos identificar facilmente esse
tipo de conduta?

Para o governo americano, rivais geopolíticos ocidentais como Rússia e China


empregam uma mistura de instrumentos de poder nacional.O fazem a fim de obter vantagens
estratégicas significativas de uma maneira calculada, para não desencadear os limites legais
ou institucionais para iniciar conflitos armados (JOINT CHIEF OF STAFF, 2019). Neste
sentido, teóricos apontam fatores que favorecem, para estes países, a adoção e o
desenvolvimento deste tipo de doutrina como forma de perseguir objetivos estratégicos
nacionais. Conduzir operações nesta zona é perfeito para países como a Rússia, que é mais
fraca militarmente, entretanto não tem as amarras políticas e limites legais como os Estados
Unidos (KILCULLEN, 2020).

Agora que compreendemos o conceito de guerra híbrida sob uma perspectiva


ocidental, é importante conhecer a perspectiva Russa, a qual batiza este tipo de guerra como
controle reflexivo ou doutrina Gerasimov.

3. A DOUTRINA GERASIMOV
A utilização do termo “guerra híbrida” pode ser recente.Entretanto, é possível
encontrar similaridades da definição ocidental com o pensamento militar Russo. Há registros
de que o pensamento estratégico moscovita valoriza a integração de instrumentos militares
com não-militares, bem como a manipulação da informação. Alexander Svechin, teórico
militar russo do início do século XX, registrou que a estratégia decide as questões associadas
ao emprego das forças armadas e de todos os recursos de um país para alcançar os
objetivos finais da guerra (SVECHIN, 1992) (grifo nosso). Alinhadas com esse pensamento,
a teoriae a doutrina russa não trabalham em termos de domínios, mas enxergam os
problemas em termos de instrumentos, efeitos e alvos.

Um dos objetivos da uma guerra é interferir no processo decisório do inimigo,


obtendo uma vantagem militar ou geopolítica. Para atingir tal fim, existem muitos métodos e
estratagemas que podem ser aplicados. O uso da força militar é um destes, e não
necessariamente o principal. Diferenças culturais, ou em capacidade bélica, fazem com que
países tenham perspectivas diversas de como impor sua vontade frente a um conflito de
interesses. Com certeza todos já ouviram a frase de Sun Tzu “A suprema arte da guerra é
derrotar o inimigo sem lutar”.

Como já vimos, o pensamento militar russo considera o emprego de todas as


expressões do poder militar em prol de consolidar seus objetivos. A publicação, durante a
guerra fria, do livro intitulado “Motim, ou o nome da Terceira Guerra Mundial” corrobora
este pensamento russo. Neste livro, o teórico militar Evgeny Messner registra a sua previsão
de que: “a guerra será composta não apenas por elementos tradicionais de guerra aberta, mas
também por elementos de guerra civil: sabotagem, greves, distúrbios e insurgências abalarão
o organismo do Estado… As disputas vão minar o poder de uma nação e envenenar sua
alma…”. Sua estratégia sugere que para vencer as guerras futuras é necessário empregar
pequenas células de terroristas e de forças especiais, as quais vão produzir subversão e
revoluções ao invés de postar tropas em linhas de combate.

Você acha que esta teoria soa similar com as ações de propaganda e subversão
executadas no passado da história mundial?

Alinhado com esse pensamento, nos anos 60, surgiu o conceito de controle
reflexivo, o qual passou a ganhar mais destaque e atenção a partir de 2001, com a criação de
um jornal científico próprio de publicação periódica – “ReflexiveProcessandControl”.
Você deve estar se perguntando, o que é controle reflexivo?

“O controle reflexivo é definido como um meio de transmitir a um parceiro,


ou a um oponente, informações especialmente preparadas para incliná-lo a voluntariamente
tomar a decisão predeterminada, a qual é a desejada pelo emissor da mensagem” (THOMAS,
2004)

Vemos que essa teoria vislumbra utilizar estrategicamente a informação para


atingir objetivos geopolíticos e militares. Em complemento a doutrina Gerasimov reconhece
que os engajamentos frontais de grandes formações de forças no nível estratégico e
operacional estão gradualmente se tornando uma coisa do passado (GERASIMOV, 2016).

Dessa forma, os soviéticos concebem a teoria de controle reflexivo como


sendo sua forma primária de agir, considerando o controle e manipulação da informação e da
percepção como fatores cruciais para o sucesso. É possível perceber que o conceito de
controle reflexivo existe há muito mais tempo do que os conceitos de guerra da informação e
operações de informação (THOMAS, 2004).

Ainda assim, torna-se evidente que os avanços tecnológicos modernos, em


particular a internet, vieram a facilitar o emprego desta teoria por parte dos russos. O
ciberespaço tornou-se um ambiente propício para o emprego de uma força ambígua,
assimétrica e não convencional como forma de modificar a percepção do oponente e
influenciar no processo decisório de uma nação. Isto acontece porque o mundo virtual
possibilita o seu uso para ataques de desinformação, espionagem e sabotagem. Ataques estes
que conseguem ser conduzidos aos moldes de ações de forças especiais, de maneira obscura,
sem que seja simples atribuir a sua autoria a algum oponente em particular.

Analogamente às operações especiais, as operações cibernéticas são


realizadas rompendo com o modelo binário de guerra e paz, pois são realizadas na zona
cinzenta, sem que haja uma declaração formal de guerra. Neste sentido o poder cibernético é
definido como a habilidade na paz e na guerra de manipular as percepções do ambiente
estratégico para sua vantagem e, ao mesmo tempo, degradar a capacidade de um adversário
de compreender esse mesmo ambiente (SANCHEZ; LIN; KORUNKA, 2019).
Em suma, percebe-se que a doutrina Gerasimov enquadra-se perfeitamente
bem dentro do novo modelo de guerra, empregando de maneira coordenada as expressões do
poder nacional ao invés de focar exclusivamente na resolução de conflitos apenas com o
poder militar.

Refletindo sobre esse conceito de guerra moderna surgem os seguintes


questionamentos: as forças armadas devem estar preparadaspara enfrentar que tipo de
ameaça? Qual o papel da Força Aérea neste contexto?

4. OPERAÇÕES EM MÚLTIPLOS DOMÍNIOS


Responder adequadamente à questão levantada no final do capítulo anterior é
imprescindível para determinar os rumos da construção e do desenvolvimento das Forças
Armadas a longo prazo, e, no nosso caso em especial, da Força Aérea.

Como já foi visto, a forma de fazer guerra está em constante evolução. O


inimigo é um sistema adaptativo complexo dentro de uma realidade em evolução, incerta em
constante mudança e imprevisível. Uma nação deve empregar todos os meios possíveis para
fazer frente a esse ambiente ambíguo, complexo e desafiador.

Desta forma, buscando aumentar suas chances de sucesso ao travar uma


guerra, todos os instrumentos do poder nacional devem ser empregados de maneira
orquestrada. Uma campanha integrada, que requer a combinação hábil de cooperação,
competição abaixo do conflito armado e, quando apropriado, conflito armado em conjunto
com esforços diplomáticos, informativos, militares e econômicos (DIME) para alcançar e
sustentar objetivos estratégicos (JOINT CHIEF OF STAFF, 2019).

Para otimizar esse emprego coordenado das expressões nacionais, a forma de


emprego do poder militar também deve ser revista. As forças armadas devem, então, estar
preparadas para enfrentar um inimigo assimétrico e ambíguo que conduz suas ações militares
na zona cinzenta.
Um passo de preparação e adaptação da doutrina militar ocidental para fazer
frente a esse desafio já foi dado com a implementação da doutrina de operações conjuntas.
Doutrina esta que foi implementada inclusive aqui no Brasil. O emprego conjunto das forças
armadas visa potencializar suas capacidades de emprego. Mas, para aumentar a efetividade
dos resultados, as forças armadas americanas combatem hoje empregando o conceito de
Joint All-Domain Operations – Operações conjuntas de múltiplos domínios.

Para entender qual o papel de uma Força Aérea nestas operações, é natural
que se busque esta resposta na doutrina militar americana. A Força Aérea Americana possui
uma publicação doutrinária chamada “O papel da Força Aérea nas operações conjuntas de
múltiplos domínios”. Neste documento está registrado que:

“A capacidade de operação da Força Aérea é desafiada por ameaças como


antiacesso e negação de área, bem como pela rápida proliferação de tecnologias
avançadas que restringem a liberdade de manobra. A Força Aérea não luta sozinha
e as operações conjuntas são cada vez mais interconectadas, interdependentes e
desafiadas. Esse ambiente operacional exige que a Força Aérea e o Departamento
de Defesa examinem como as forças perceberão, planejarão, decidirão e agirão em
conjunto em todos os domínios para obter a liberdade de ação necessária para o
sucesso. O sucesso requer a convergência de efeitos globalmente, em todos os
domínios, para apresentar ao adversário vários dilemas consecutivamente ou
simultaneamente. O emprego sinérgico de capacidades em diferentes domínios
aumenta a eficácia e compensa as vulnerabilidades, criando resultados que não são
facilmente alcançáveis por meio de ações num único domínio. Tais dilemas,
quando apresentados em um ritmo operacional que complica ou nega a resposta ao
adversário, permite que a força conjunta opere dentro do ciclo de decisão do
adversário.”(LE MAY CENTER FOR DOCTRINE DEVELOPMENT AND
EDUCATION, 2021).

Devemos atentar para o fato de que, ao citar operação conjunta em múltiplos


domínios, entende-se que ela envolva dois ou mais dos seguintes campos de batalha:
terrestre, naval, aéreo, espacial e cibernético.

Raciocinando com o emprego da Força Aérea Brasileira em operações


conjuntas, esta é capaz de oferecer a capacidade de explorar o espaço aéreo, o espaço sideral,
o ciberespaço e o espectro eletromagnético.

Sendo importante salientar que nem sempre a importância das capacidades


cibernéticas é adequadamente compreendida e valorizada. Pois, apesar de sua importância,
os líderes, estrategistas e planejadores militares da nação lutam para entender como as
operações do ciberespaço se encaixam como elemento de segurança nacional e instrumento
da política nacional (SANCHEZ; LIN; KORUNKA, 2019).

Agora que já compreendemos o conceito de operações conjuntas em múltiplos


domínios, vamos buscar identificar alguns destes conceitos em conflitos contemporâneos.

5. A GUERRA HÍBRIDA OBSERVADA EM


CONFLITOS CONTEMPORÂNEOS
Ao examinarmos o desenrolar das operações militares e não militares em
alguns conflitos recentes, buscando identificar características dessa nova forma de fazer
guerra, nos conduzirá a consolidação do conceito teórico de Guerra Híbrida. Neste sentido,
os conflitos da “Primavera Árabe”, iniciada no ano de 2010, fornecem um excelente ponto
de partida, evidenciando a importância do ciberespaço no teatro de operações moderno.

Ainda que estes eventos não sejam alusivos a uma guerra entre dois países,
mas problemas internos que levaram a derrocada de regimes, a forma de condução do
conflito permite a identificação de uma característica da guerra híbrida. Num período de dois
anos, diversos países do Oriente Médio e do Norte da África passaram por uma onda
revolucionária de protestos contra governos autoritários e condições socioeconômicas. A
população teve um papel fundamental no desenrolar dos eventos, e o fator chave para
mobilizar as massas em um curto espaço de tempo foi a propagação da informação no
ciberespaço.

Ainda assim, a guerra cibernética já havia demonstrado seu valor antes da


Primavera Árabe. E para falar sobre isso, vamos mudar o palco do teatro de operações para a
Europa, mais precisamente as fronteiras com a Rússia. Com a queda do muro de Berlim, a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas teve sua integridade territorial altamente
questionada por várias proclamações de independência. A consequente aproximação de
muitos desses novos países com a OTAN viria a desferir o mais duro golpe em Moscou.
Agindo para manter sua zona de influência, a Rússia envolveu-se em vários conflitos com os
países limítrofes, tais como a Georgia e a Ucrânia. Para atingir seus objetivos estratégicos, o
governo Russo fez uso de diversos métodos da utilização das diversas expressões do poder
nacional, incluindo o poder militar.

Além do combate físico, a guerra da Rússia na Geórgia envolveu um novo


espaço virtual de manobra: o domínio cibernético e a guerra de informação. Os Russos já
haviam conduzido ciberataques antes, contra a Estônia, em abril de 2007, após uma disputa
sobre um memorial de guerra da era soviética em Tallinn. A campanha da Geórgia foi um
dos primeiros casos em que a atividade cibernética parece ter sido coordenada e conduzida
em apoio direto a operações de combate cinético, algo que poderíamos chamar manobra
“cibercinética” ou “infocinética” (KILCULLEN, 2020).

Vamos verificar os fatos abaixo.Alguns são famosos, outros nem tanto. Se


tiver curiosidade para saber mais sobre algum deles acesse o link.

1 – Morte do Coronel Alexander Litvenko(ex-espião Russo – KGB) na


Inglaterra em 2006;

2 – Voo MH-17 (Malayasian Airlines) abatido em julho de 2014;

3 – Suposta influência russa no Brexit em 2016;

4 – Morte do Coronel Sergei Skripal(ex-espião Russo – GRU) e sua filha


Yulia na Inglaterra em 2018; e

5 – Suposta influência russa na eleição presidencial dos Estados Unidosem


2020.

Com certeza todos estes fatos são perfeitos exemplos de ações de guerra
híbrida nos conflitos modernos. Em todos estes casos paira uma forte suspeita e há grandes
indícios circunstanciais que os ligam ao governo russo. Entretanto, não há uma comprovação
formal da autoria destes, o que é um dos grandes objetivos das operações conduzidas nesta
zona cinzenta. A falta de uma prova irrefutável - e as negações por parte dos líderes em
Moscou – tornam tais eventos e atores limiares (não são declarados, nem totalmente
encobertos), explicam parcialmente por que eles trouxeram pouco revés militar, político e
econômico, para a Rússia (KILCULLEN, 2020).

Percebemos que houve uma nítida mudança na forma de conduzir a guerra.


Os meios empregados nos conflitos modernos não estão limitados aos domínios do poder
militar. Além disso, as operações são conduzidas nos limites de gatilho de eclosão de um
conflito armado tradicional com maiores proporções.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da história militar permite identificar modificações na condução da
guerra e estabelecer teorias basilares para o planejamento de combates futuros. Assim sendo,
a análise dos conflitos contemporâneos permitiu identificar a evolução nos métodos de
combater. O desenvolvimento de novas tecnologias propiciou o surgimento de novos
domínios para a guerra, tais como o espaço sideral e o ciberespaço. Diferenças culturais
entre países também promoveram o surgimento de novas doutrinas militares. Segundo a
doutrina Russa do General Gerasimov, a definição de guerra é bem mais ampla que o
conceito tradicional americano, levando o combate para além da competição entre tropas no
terreno (KILCULLEN, 2020).

Este novo conceito considera o emprego sincronizado das quatro expressões


do poder nacional (DIME), utilizando meios convencionais e não convencionais, o que
moveu o teatro de operações para além das trincheiras. A guerra tornou-se híbrida buscando
efeitos sinérgicos em vulnerabilidades específicas do oponente.

Outro ponto importante de ressaltar é que, além de sincronizado, este emprego


é calculado meticulosamente para que suas ações sejam ambíguas, de difícil
responsabilização. Desta forma as operações ocorrem numa zona cinzenta, comprometendo a
delimitação binária clássica de paz e guerra.
O enfraquecimento das fronteiras entre estes conceitos aumenta a importância
da utilização de todas as expressões do poder nacional para assegurar os interesses
estratégicos da nação. Neste sentido, evidencia-se que a segurança nacional de uma nação
deixa de ser assunto exclusivamente das forças armadas, demandando uma completa
integração das esferas civis e militares.

É possível perceber que o foco dos métodos aplicados num conflito mudou na
direção do amplo uso de recursos políticos, econômicos, informativos, humanitários e outros
não militares, medidas aplicadas em coordenação com o protesto potencial da população.
Tudo isso é complementado por meios militares de caráter oculto, incluindo a realização de
ações de conflito informacional e as ações de operações forças especiais (GERASIMOV,
2016).

Além desta interação civil-militar, as características deste novo ambiente de


ameaças demandam o emprego das forças armadas em operações de amplo espectro. O
modelo clássico de combates em domínios precisa ser substituído por operações conjuntas,
conduzidas simultaneamente em múltiplos domínios. Neste sentido Kilcullen registra que
enquanto os métodos tradicionais são focados em operações terrestres, aéreas e marítimas, as
formas futuras de conflito irão conduzir a guerra simultaneamente em todos os ambientes
físicos e no espaço da informação, com o objetivo de alcançar um “efeito simultâneo em
unidades do Teatro de Operações (forças de combate) e instalações inimigas, em todo a
amplitude e profundidade de seus territórios” (KILCULLEN, 2020).

As Forças armadas devem preparar-se para empregar sinergicamente suas


capacidades em múltiplos domínios, aumentando sua eficácia face as ameaças deste
ambiente ambíguo e desafiador.

Finalmente, a teoria sobre Guerra Híbrida que estudamos até o momento


encontrou o campo da realidade. Observando conflitos recentes no Oriente Médio, no Norte
da África e na Europa, nos permitiu identificar as características teóricas aqui apresentadas.
Em especial, é possível pontuar o uso do ciberespaço bem como a dificuldade de
identificação da origem dos ataques.
Esta nova forma de guerra está se consolidando com o passar dos anos e cabe
a nós, militares, estarmos preparados para defender nossa nação neste ambiente operacional
imprevisível e em constante mutação.
6. REFERÊNCIAS
GERASIMOV, V. S. The Value of Science Is in the Foresight: New Challenges Demand
Rethinking the Forms and Methods of Carrying out Combat Operations. Military review, v.
96, p. 23, 2016.

JOINT CHIEF OF STAFF. Doctrine for the Armed Forces of the United States. JP
1Washington Department of Defense, , 12 jul. 2017. Disponível em:
<https://irp.fas.org/doddir/dod/jp1.pdf>. Acesso em: 1 set. 2022

JOINT CHIEF OF STAFF. Competition Continuum JDN 1-19. [s.l: s.n.].

KILCULLEN, D. The Dragons and the Snakes : How the Rest Learned to Fight the West.
Nova York: Oxford University Press, 2020.

LE MAY CENTER FOR DOCTRINE DEVELOPMENT AND EDUCATION. The


Department of the Air Force role in Joint All-Domain Operations. [s.l: s.n.].
PAÚL, F. Rússia x Ucrânia: entenda “guerra híbrida” que ucranianos acusam Putin de
promover. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-
60304746#:~:text=O%20que%20significa%20uma%20’guerra,um%20combate%20de%20tip
o%20militar>. Acesso em: 8 set. 2022.

SANCHEZ, F. C.; LIN, W.; KORUNKA, K. Applying Irregular Warfare Principles to Cyber
Warfare. JFQ 92, 1st Quarter, 2019.

SVECHIN, A. Strategy. First ed. [s.l: s.n.].

THOMAS, T. Russia’s Reflexive Control Theory and the Military. The Journal of Slavic
Military Studies, v. 17, n. 2, p. 237–256, jun. 2004.

THUCYDIDES; CRAWLEY, R. The Landmark Thucydides. [s.l: s.n.].

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