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AVVAALLIIAAÇÇÃÃOO DDEE COONNTTRROOLLEE II

Artigo de Opinião

Operações de Amplo Espectro: guerra híbrida à moda


brasileira

Aluno Viviane Rosa de Oliveira


9853 – B2

2019
Guerra Híbrida
Segundo o Relatório da Conferência de Segurança de Munique, realizada em
2015, o conceito de Guerra Híbrida era tópico de estudo apenas para experientes
militares estrategistas. Após a anexação da Criméia, por parte da Rússia, indícios que
apontam o envolvimento do antigo país soviético na desestabilização sócio-política da
Ucrânia, como forma de facilitar essa incorporação, evidenciam o modo híbrido de
guerrear. A partir de então, essa nova doutrina é discutida de modo mais amplo,
sobretudo por países da OTAN e pela Rússia. É nesse cenário que Guerra Híbrida é
conceituada pelo Relatório da Conferência de Segurança de Munique (Munich Security
Report 2015, p. 34 - tradução do autor) como: “combinação de múltiplas ferramentas
de guerra convencional e não convencional”1, dentre essas ferramentas são citadas as
seguintes: “forças militares regulares, forças especiais, forças irregulares, apoio à
agitação local, guerra de informação e propaganda, diplomacia, ataques cibernéticos e
guerra econômica”2 (Munich Security Report 2015, p.34).
Por conta da relativa atualidade do tema, ainda não há consenso na comunidade
internacional, ligada à assunto de Defesa, sobre o que de fato conceitua Guerra Híbrida.
Além disso, há, também, divergências sobre quando e por quem o termo foi utilizado
originalmente. Exemplifica essa não convergência de conceitos o entendimento norte
americano e o russo sobre o assunto. De acordo com a Estratégia Nacional Militar
norte-americana de 2015, os conflitos híbridos podem consistir em ações de forças
militares que assumem uma identidade não-estatal, ou envolver capacidades
combinadas das organizações extremistas violentas. Por outro lado, o General Valery
Gerasimov, atual comandante das Forças Armadas da Rússia, descreve guerra híbrida
como a concentração do emprego militar combinado de métodos diplomáticos,
econômicos, políticos e outros métodos não militares. O ponto de consonância entre
esses dois pensamentos e o Relatório da Conferência de Munique é de que a Guerra
Hibrida é marcada pelo trabalho em conjunto de agentes militares e não militares.

1
“Hybrid warfare = Combination of multiple conventional and unconventional tools of
warfare”.

2
“Regulrar military forces, special forces, irregular forces, support of local unrest,
information warfare and propaganda, diplomacy, cyber attacks, economic warfare”
Enquanto essas correntes divergem no modo como o Estado e as forças militares
regulares participam dos conflitos nessa nova doutrina. É nesse ponto que a falta de
consenso conceitual abre margem para que ações governamentais, contrárias ao Direito
Internacional dos Conflitos Armados (DICA), sejam também classificadas como guerra
híbrida.
No Brasil, esse assunto de relevância internacional é pouco estudado e há
escassez de obras acadêmicas, em português, discorrendo considerações sobre esse
modo de guerrear. Pode-se analisar, porém, que o modelo de operações adotado pelo
Exército Brasileiro – Operações no Amplo Espectro – tem princípios que se adequam ao
conceito de Guerra Híbrida proposto pelo Relatório de Conferência de Segurança de
Munique (2015). Cabendo ressalvas no que tange as ações cometidas ou permitidas pelo
governo e/ou pela Força Terrestre, a fim de que o DICA não seja desconsiderado, haja
vista o Brasil ser país signatário desse instrumento normativo. O modo híbrido de lutar é
visto, sobretudo, na fiscalização das fronteiras nacionais e no combate ao crime
organizado, já que a resolução desses problemas é tida como questão de segurança
nacional. A forma como o Exército Brasileiro atua nesse cenário em contexto conjunto
em ambiente interagências é a combinação das ferramentas de guerra convencional e
não convencional abordada pelo relatório.
Operações no Amplo Espectro
As mudanças sociais e tecnológicas, ocorridas no Brasil e no mundo, alteraram a
configuração geopolítica nacional e internacional. A nova configuração ocasionou o
ingresso de atores não estatais e ambientes complexos no contexto dos conflitos. Essa
situação, que altera as relações de poder e causa instabilidade social, política e
econômica, aumentou a importância de elementos não militares nas resoluções de
dissidências internas e externas. Pois, é visto que, atualmente a força militar por si
mesma não é capaz de restaurar ou manter a paz, sendo assim:
2.1.7 As operações militares devem ser consideradas prioritariamente
em um ambiente conjunto, excluindo raras situações em que
elementos da F Ter conduzem operações terrestres de forma singular.
Deve-se ter presente que, normalmente, a F Ter irá atuar em um
contexto conjunto ou conjunto-combinado e, na quase totalidade, em
ambiente Interagências. (Manual de Campanha Operações, 2017, p. 2-
1)
Além disso, o novo contexto dos conflitos, complexo e volátil, trouxe a necessidade de
atualizar o modo operativo da Força Terrestre. Por isso, a fim de estar em consonância
com o cenário apresentado, a doutrina de combate do Exército Brasileiro é pautada hoje
no conceito de Operações no Amplo Espectro. Este, segundo o Manual de Operações
(2017), é definido:
2.9.1 [...] pela forma de atuação da Força Terrestre no amplo espectro
dos conflitos, tendo como premissa maior a combinação, simultânea
ou sucessiva, de operações ofensivas, defensivas e de cooperação e
coordenação com agências, ocorrendo em situação de guerra e de não
guerra. [...]. O conceito é abrangente e busca orientar as operações
terrestres de curto e médio prazo. Caracteriza-se ainda pela
flexibilidade, isto é, pode ser aplicado a qualquer situação no território
nacional e/ou no exterior (Manual de Campanha de Operações, 2017,
p. 2-16)
No manual, ‘agências’ é conceituada genericamente como todo órgão ou
instituição governamental ou não, civil ou militar, público ou privado, nacional ou
internacional. As operações que contextualizam a cooperação entre Exército Brasileiro e
essas agências são aquelas que comumente ocorrem em situações de não guerra. Essas
operações são caracterizadas pelo: “a) o uso limitado da força; [...]; c) a execução de
tarefas atípicas; d) a combinação de esforços políticos, militares, econômicos,
ambientais, humanitários, sociais, científicos e tecnológicos; [...]; i) influências de
atores não oficiais e de indivíduos sobre as operações; e j) ambiente complexo” (Manual
de Operações, 2017, p. 3-15). Por conta dessas características especiais que o
planejamento operacional se vale do esforço da Força Terrestre em conjunto com outros
órgãos e instituições. São ações realizadas com a finalidade de obter eficiência, eficácia
e efetividade sem a duplicidade de ações e dispersão de recursos na solução dos
embargos a segurança e soberania nacionais. Essa combinação de esforços é pensada
para melhor se adequar a cada operação e é limitada por norma legal que autoriza o uso
da Força, portanto esse emprego é “episódico, limitado no tempo e no espaço” (Manual
de Operações, 2017, p. 3-14).
A flexibilidade de ações e a multiplicidade de ferramentas informacionais,
econômicas e políticas que surgem como consequência dessa combinação de esforços
viabiliza a conquista de objetivos estratégicos e a dissuasão de inimigos nos combates,
na manutenção da paz e na garantia da soberania nacional. É nessa forma de agir que se
coloca o centro do conceito de Guerra Hibrida. Haja visto que, ao se valer dos
conhecimentos da Agência Brasileira de Inteligência, da Receita Federal, do
Departamento de Operações de Fronteiras e de outras agências, por exemplo, a Força
Terrestre utiliza meios não convencionais de guerrear. No presente, essa situação é
aplicada, sobretudo, no combate ao narcotráfico e ao crime organizado. Tanto no
controle das fronteiras, quanto na intervenção federal no Rio de Janeiro.
Operações interagências no combate às drogas – a guerra híbrida no
amplo espectro do conflito
O combate ao tráfico de drogas e armas no Brasil atualmente é tratado como
tópico de segurança nacional. Isso porque essa questão não só aumenta a criminalidade
urbana, mas também se associa a casos de corrupção de políticos e juristas, além de
colaborar para o enfraquecimento das fronteiras brasileiras. Haja visto ser os 15.735 km
de fronteira a principal porta de entrada do comércio clandestino de narcóticos e armas.
O somatório desses fatores causa instabilidade social, acarreta o declínio de instituições
democráticas e abala a soberania nacional. No entanto, a posição do governo brasileiro,
até 1999, era de que o crime organizado e seus efeitos eram casos de segurança pública
e deveriam, portanto, ser combatidos pelas forças regionais. A medida que a
intensificação do narcotráfico ocorreu no território brasileiro, ao se consolidar nas
fronteiras e dominar as grandes metrópoles, o governo nacional mudou o
posicionamento que era contrário, principalmente, a participação das Forças Armadas
no combate ao crime organizado e na apreensão de materiais ilícitos nas fronteiras. Com
isso, o processo de emprego da Força Terrestre nesse combate teve início em 1999 com
a Lei Complementar nº 97:
Art. 15. § 2º A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da
ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais,
ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da
República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
relacionados no art. 144 da Constituição Federal. (BRASIL, 1999, art.
15-§2º)
No que diz respeito, principalmente, ao Exército Brasileiro, a fim de aumentar o poder
de atuação dessa Força, nas operações nas fronteiras e Garantia da Lei e da Ordem, a
Lei Complementar nº 117 de 2004 acresceu o poder de polícia à Força Terrestre:
Art. 17-A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como
atribuições subsidiárias particulares: [...]
IV - atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de
fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais,
isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder
Executivo, executando, dentre outras, as ações de:
a) patrulhamento;
b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de
aeronaves; e
c) prisões em flagrante delito. (BRASIL, 2004, art. 17-A)
No âmbito das áreas de fronteira, segundo a Estratégia Nacional de Defesa
(END), a região amazônica representa um dos focos de maior interesse para a defesa do
país. Segundo esse documento, a manutenção da soberania brasileira sobre a região:
“[...] passa pelo trinômio monitoramento/controle mobilidade e presença” (Estratégia
Nacional de Defesa, 2012, p. 54). A fim de executar essa missão, estando de acordo com
normas legais, o Exército Brasileiro conta com informações e meios estratégicos
viabilizados por órgãos governamentais. É nesse cenário que o Centro Gestor e
Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM) atua integradamente
com as Forças Armadas, com o objetivo de: “fortalecer o monitoramento, o
planejamento, o controle, a logística, a mobilidade e a presença na Amazônia brasileira”
(Estratégia Nacional de Defesa, 2012, p. 54). Nas outras fronteiras do território
brasileiro, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) opera no
sensoriamento de emissões eletromagnéticas de interesse da Agência Nacional de
Telecomunicações (ANATEL), esta que procede como agência fiscalizadora.
As operações em conjunto nos limites territoriais do país buscam desenvolver a
flexibilidade necessária para atingir o trinômio requisitado pelo END na extensa
fronteira brasileira. Já no que diz respeito às operações de Garantia da Lei e da Ordem
(GLO) em ambiente urbano, sobretudo na Intervenção Federal no Rio de Janeiro, além
da flexibilidade de ações, os esforços mobilizados pelo Exército no ambiente
interagências deve também buscar outras características.
Com o aumento da criminalidade no estado do Rio de Janeiro e com o
esgotamento de medidas cabíveis realizadas pela polícia militar carioca, o governo
brasileiro decretou a Intervenção Federal na segurança pública no estado em 2018. Foi
esse um cenário em que a Força Terrestre atuou através de operações de GLO. O
ambiente urbano que contextualizou as ações é marcado pela complexidade,
volatilidade, constante presença de civis não envolvidos no conflito e grande mídia.
Esta última tem a capacidade de propagar notícias e dados sobre as condutas e
procedimentos tomados nas operações, no entanto é principalmente nos confrontos
híbridos que a informação se torna uma “arma” capaz de desarticular forças, poder de
combate e desmontar missões. Por isso, é de suma importância para o bom andamento
das ações a conquista da opinião pública favorável. A busca por essa conquista deve
ocorrer desde o planejamento político até o tático da operação. Isso pode ser obtido
através da legitimidade da operação e do o uso comedido da força, sendo aplicado
apenas o necessário, em circunstâncias especiais, para o cumprimento da missão, sem
perdas ou danos para a população civil. Essa necessidade se dá porque a opinião pública
está menos predisposta a aceitar as soluções que implicam somente no uso da força para
situações de crise. O gerenciamento desse cenário foge, portanto, dos aspectos
essencialmente militares e por isso faz-se necessário a combinação do Exército
Brasileiro com agências na resolução do embargo.
O começo do planejamento operativo da Intervenção Federal no Rio já contou
com coordenações nas áreas jurídicas, orçamentárias e financeiras. O interventor
federal, General de Exército Walter Souza Braga Netto, ainda estabeleceu assessorias de
Comunicação Social, Jurídica e de Controle Interno. Para organizar as atividades da
intervenção foi criado um Gabinete de Intervenção Federal, este buscava a integração
dos efetivos das Forças Armadas envolvidos nas operações e os demais órgãos estaduais
ligados à segurança, administração e finanças. Foram, também, determinadas ações
coordenadas com a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Força Nacional de
Segurança Pública, a Agência Brasileira de Inteligência e as Guardas Municipais do
Estado do Rio de Janeiro. Com essas combinações pode-se observar o trato da operação
no amplo espectro do conflito, a partir da combinação simultânea de atitudes ofensivas e
defensivas, coordenadas com agências envolvidas na Intervenção. A operação encaixa-
se, além disso, no conceito de guerra híbrida por utilizar não só o aspecto militar, mas
também econômico, político, social e logístico para viabilizar de modo mais eficaz o
combate à criminalidade no estado do Rio. Cabe ressaltar que o emprego das Forças
Armadas e demais órgãos foram realizados observando os princípios da legalidade, da
razoabilidade, da proporcionalidade e desencadearam ações dentro dos limites do
Estado. O que prova a atenção dada pelas forças de segurança às leis brasileiras e,
consequentemente, ao DICA.
Considerações finais
O Exército Brasileiro, ao se adequar às mudanças geopolíticas atuais, necessitou
de reformulações doutrinárias no modo de combater e de se relacionar com outros
órgãos, civis ou militares, ligados diretamente à Defesa ou não. Nesse contexto foi
criado o conceito operativo de Operações no Amplo Espectro, as quais, em suma,
buscam a composição de força flexível e modular para se adaptar às mudanças dos
ambientes operacionais. Para viabilizar e aumentar a eficácia dessa composição são
necessárias combinações de operações, coordenações e cooperações em ambiente
interagências. Nesse sentido, é preconizado por esse conceito: “a máxima integração
entre vetores militares e civis, que buscam a unidade de esforços no ambiente
interagências, em uma escala variável de violência” (Manual de Operações, 2017, p. 2-
4).
A atuação no amplo espectro do conflito, promovendo a atuação da Força
Terrestre em situações de não guerra em áreas não somente bélicas, além da integração
dos vetores, militares e civis, para a resolução de questões de Segurança Nacional, o que
antes era assunto estritamente militar, pode ser classificado como uma forma de Guerra
Híbrida. Haja vista a conceituação desse termo estar pautada na combinação de
ferramentas de guerra convencional e não convencional, segundo o Relatório da
Conferência de Segurança de Munique. No entanto, a forma brasileira se afasta das
atitudes supostamente tomadas pela Rússia no que diz respeito a anexação da Criméia
em 2014. Já que nem as forças de segurança brasileiras, tampouco o governo federal,
apoiam agitações locais que perturbam a ordem do país ou de outra nação para atingir
objetivos estratégicos.
É, portanto, possível inferir que, apesar do assunto ser pouco estudado no Brasil
atualmente, o entendimento de Guerra Híbrida proposto em Munique em 2015 está
presente na defesa de pontos estratégicos para o país e nas ações de Segurança
Nacional. Isso porque, mesmo sem utilizar a nomenclatura conceitual presente no
Relatório visto, o Estado brasileiro e as Forças Armadas se adequaram à nova
geopolítica e às novas necessidades socioeconômicas nacionais e globais. Cabe, porém,
o pensamento de que o aumento das discussões e pesquisas, tanto na área miliar, quanto
no âmbito acadêmico civil ligado à Defesa e Estratégia, sobre conflitos híbridos,
doutrina operacional e defesa nacional pode promover o aperfeiçoamento do modelo
brasileiro e maior inserção no cenário internacional, ao colocar a participação do país de
modo mais efetivo em questões que envolvem potências militares mundiais.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>, acesso em 05
nov. 2019.

BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia nacional de defesa. Brasília, DF:


Ministério da Defesa, 2012b.

BRASIL. Ministério da Defesa. Manual de campanha: operações (EB70-MC-10.223).


5. ed. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2017b.

MUNICH Security Conference Foundation. The Munich Security Report 2015.


Munique, 2015. Disponível em:
<http://www.eventanizer.com/MSC2015/MunichSecurityReport2015.pdf> Acesso em:
24 out. 2019.

RAMOS, C. E. de F.; SILVA, A de O; SANTOS, L S. Plano Estratégico do Gabinete


de Intervenção Federal. Disponível em:
<http://www2.planalto.gov.br/mandatomicheltemer/acompanhe-
planalto/noticias/2018/06/plano-estrategico-gif.pdf>, acesso em 07 nov. 2019.

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