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Reflexões sobre a expansão das Empresas Militares e de Segurança Privada

Autor: Rui Martins da Mota

A proliferação de Empresas Militares e de Segurança Privada (PMSC) ocorreu


depois do fim da Guerra Fria, como resultado de diversos fatores que permitiram a
expansão do mercado de segurança privada em âmbito nacional e internacional. Dentre
eles destacam-se: o fim da lógica bipolar de segurança, que resultou na mudança do
paradigma de guerra com a substituição dos conflitos regulares entre nações para
conflitos irregulares intra-nações (chamados de conflitos assimétricos de baixa
intensidade ou “novas guerras”), caracterizados por ameaças transnacionais, tais como o
terrorismo internacional e os crimes transnacionais. O fato de inimigos mais fracos
conseguirem ameaçar a segurança das grandes potências militares, impondo custos
políticos e econômicos significativos, alterou a estrutura tradicional dos sistemas de
Defesa.
O Estado se adaptou à nova realidade, além de outras medidas, por meio da
contratação das PMSC, que estimulou o crescimento do mercado de Segurança Privada.
Assim, o Estado e as empresas se articularam para desenvolver um novo “mercado da
força” com o emprego das PMSC como atores de natureza híbrida, associados às
transformações do Estado Neoliberal.
Essa mudança ocasionou a desmobilização massiva dos exércitos regulares,
criando um pool de recrutamento e atuação de profissionais privados de segurança. A
predominância da ideologia neoliberal e o avanço do processo de Globalização, que
privilegiam a expansão do comércio internacional e das empresas transnacionais, bem
como a eficiência presumida da iniciativa privada e da organização empresarial frente às
pesadas e caras estruturas militares estatais, contribuíram para que as corporações
privadas assumissem atividades tradicionalmente desempenhadas pelo Estado-Nação.
Neste sentido, as PMSC têm se estabelecido como atores privilegiados nas áreas da
Segurança e Defesa.
No cenário internacional, observa-se a atuação das PMSC tanto em conflitos
armados conflagrados quanto em processos de resolução de conflitos. Nos conflitos
armados, as PMSC podem ter uma participação direta ou indireta, na condução de
operações de combate, apoio ao combate, apoio logístico, inteligência, apoio humanitário,
consultoria e assessoria de órgãos de governo, capacitação e treinamento de outras
forças e em ações tipicamente policiais e de Defesa Civil. No apoio a processos de
resolução de conflitos, as PMSC prestam serviços secundários em missões de
manutenção da paz e nos processos de reforma do setor de segurança.
Essa tendência se acelerou na primeira década do Século XXI, colocando o
estudo das PMSC como um importante elemento para uma análise holística dos
problemas contemporâneos de segurança, sobretudo, na compreensão das causas da
terceirização das atividades militares e as razões para a utilização destas empresas em
detrimento dos exércitos nacionais, o que traz consigo reflexos para a soberania, uma das
bases do Estado Moderno, desde o estabelecimento da Paz de Vestefália, em 1648.
A contratação de Serviços Militares Privados pode interferir na concepção atual
de Estado, seja de maneira positiva seja com aspectos negativos. As análises sobre as
vantagens e desvantagens da ascensão das PMSC, ainda, demandam aprofundamento
de estudos sobre o fenômeno, mas na atualidade a literatura aponta como possíveis
vantagens a redução dos dispêndios militares, no curto prazo, a mobilização rápida para
o cumprimento das ações e a especialização dos serviços de Segurança e Defesa. Já
quanto aos pontos negativos, observa-se a falta de controle que os contratantes têm sobre
os contratados, a dependência do Estado em relação às PMSC e o peso político e social
que potenciais abusos de direitos humanos por parte de funcionários privados podem
causar à sociedade no seu local de atuação.
Muito dos estudos atuais examinaram o modelo dos Estados Unidos da América
(EUA), onde houve forte expansão das PMSC, de modo que a análise da complexa
relação entre os setores público e privado permite melhor observação dos três principais
fatores que engendram a gênese desse fenômeno: o perfil dos novos conflitos
internacionais, o impacto da onda neoliberal e a redução dos custos políticos propiciada
pela utilização destas empresas em substituição aos soldados regulares.
Os EUA, após os atentados do 11 de Setembro, foram um dos principais
responsáveis pela expansão do mercado de segurança privada pela contratação de
PMSC para atuarem no Afeganistão e no Iraque. O estudo do papel crescente dos atores
privados na estratégia de contraterrorismo na coalização liderada pelos EUA evidencia,
na primeira década do Século XXI, a falta de controle do Estado sobre as atividades das
empresas privadas de segurança, bem como a intenção do governo americano em reduzir
os riscos políticos (legitimidade) das intervenções militares, bem como mascarar as
perdas humanas, consideradas além do que a opinião pública estaria disposta a aceitar.
A estratégia revela-se como um processo de transferência de risco para as organizações
civis de prestação de serviços de defesa, de forma a tornar extremamente difícil apurar e
imputar responsabilidades.
Na Segurança Internacional Humanitária, apesar das dificuldades de regulação
destas empresas sob a ótica do Direito Internacional e as perspectivas limitadas para o
estabelecimento de um regime internacional sobre o assunto, a atuação das PMSC parece
ocorrerem de forma menos polêmica em processos de resolução de conflitos, que não
envolvem o emprego direto da força, mas sim a construção de capacidades visando à
construção de um ambiente de segurança.
Mais concretamente, ao longo dos últimos anos, muitas PMSC assumiram
atividades que se assemelham às operações de peacekeeping, tradicionalmente
conduzidas por forças multinacionais sancionadas pela Organização das Nações Unidas
(ONU). De toda forma, a atuação das PMSC nas ações de estabilização e consolidação
da paz também suscitam desconfiança quanto aos benefícios, levantando em conta os
riscos desta participação.
Desse modo, há de se admitir que a expansão da contratação das PMSC em
atuação no cenário internacional de segurança pode representar risco para o ambiente
democrático, considerando a dificuldade de adequada regulação e de que seu emprego
contorna o processo de tomada de decisão com consultas legislativas, além de significar
menor custo político no que tange à opinião pública. Por outro lado, as PMSC podem
complementar a atuação das forças militares nacionais, ao mesmo tempo em que seu
emprego pode vir a significar maior especialização técnica, rapidez de mobilização e
redução de custos, num cenário em que a tecnologia, a capacitação, a mobilidade e a
tempestividade de emprego das forças se tornaram fatores cruciais para assegurar a
segurança do Estado-Nação e a paz entre os povos.
No interior do Estado-Nação, o processo de expansão das PMSC também se
disseminou na área de Segurança Pública, até pelo caráter transnacional dos crimes
atuais e por conta da abrangência transnacional das operações criminosas, em particular
do narcotráfico, demandando modificações tanto no treinamento e capacitação dos
agentes de Segurança Pública quanto nas atividades de policiamento urbano e de
enfrentamento das organizações criminosas (ORCRIM), alterando a relação entre os
serviços privados e as polícias públicas estaduais e guardas municipais na tarefa de
prevenção do crime e da violência.
Neste contexto, surgem importantes questões relativas à responsabilidade do
Estado sobre a Segurança Pública, particularmente urbana, e a necessidade de
aprimoramento dos mecanismos de regulação e de controle da violência privada,
sobretudo devido à diversificação das demandas por serviços privados em grandes
empresas e espaços privados abertos ao público. Faz-se necessário o aprimoramento da
legislação para a devida atualização no nível de treinamento e qualificação dos
profissionais de segurança (públicos e privados), para a contenção na disseminação das
empresas clandestinas e a fim de minimizar os problemas e riscos envolvidos na situação
do segundo emprego de agentes de segurança pública como guardas privados, da
expansão do uso de armas de fogo, incluindo os calibres mais pesados, por parte de
profissionais de segurança pública e privada.
O Brasil também tem seguido o fenômeno internacional da privatização da
autoridade e a tendência de ampliação do mercado de Segurança Privada, com a
proliferação das PMSC na área da Segurança Pública. Apesar de possuir marco
regulatório mais restritivo nesta área, os serviços de Segurança Privada expandiram sua
atuação, com maior interface entre o policiamento público e o privado, e a presença cada
vez maior das forças privadas na provisão da segurança nos espaços públicos urbanos,
resultando na integração do mercado privado com o uso da força entre particulares, bem
como atuando em atividades de treinamento de forças públicas de segurança, agregando,
assim, sinergias nas tarefas de Segurança Pública, cujos contornos estão delimitados pela
própria Constituição Federal.
Os desafios enfrentados pelo atual paradigma de Segurança Pública brasileira,
com o aumento da violência urbana e a liberdade de atuação das ORCRIM, com o
surgimento de verdadeiras áreas de exclusão dentro dos espaços urbanos, com ausência
do poder público e do controle da violência, expõe a fragilidade dos tradicionais padrões
de resposta do Estado. A necessidade de emprego das Forças Armadas brasileiras em
ações de Segurança Pública para o enfrentamento da delinquência criminal de alta
intensidade aumenta a complexidade do tema, trazendo o enfoque da Defesa para a
gestão da Segurança Pública, com a interseção de ameaças entre a Segurança Nacional
e a Segurança Pública, exigindo a mudança dos padrões de resposta do Estado.
Portanto, a ascensão das PMSC vai ao encontro de um novo modelo de gestão
da Segurança Pública, com a introdução de Parcerias Público-Privadas (PPP) como
mecanismo de integração entre o setor público e o setor privado de segurança, bem como
com maior participação da sociedade e de outros atores.
O Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) e o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) são exemplos de inovações na política
de Segurança Pública brasileira, buscando maior participação da sociedade nas
discussões e na implementação de ações integradas entre os setores públicos e privados
de segurança.
Há, ainda, que se considerar a ascensão das PMSC à luz do mercado de
Segurança Privada, que tem um faturamento anual mundial estimado em mais de 100
bilhões de dólares, o que representa elevado potencial de geração de emprego e renda e
entrada de divisas no País, além de significar o estímulo à produção nacional da indústria
de Segurança e Defesa, resultando na expansão e sustentabilidade estratégica da Base
Industrial de Defesa (BID). Na última década, o Estado brasileiro investiu recursos
vultosos em projetos estratégicos das Forças Armadas, o que estimulou a expansão da
BID, que, em consequência, resultou na necessidade de se aumentar a demanda por
produtos de Segurança e Defesa, a fim de garantir a sustentabilidade econômica da
produção e do negócio.
Além disso, o setor de Segurança e Defesa tem potencial para experimentar larga
expansão do mercado e da exportação dos serviços, com a atuação das PMSC em áreas
de consultoria e assessoramento a órgãos governamentais, organizações internacionais
e humanitárias e o treinamento de forças de segurança nacionais e estrangeiras e, ainda,
com a prestação de serviços de segurança para empresas multinacionais, que atuem em
áreas de instabilidade, crise, terrorismo ou conflito armado, e o apoio logístico, técnico e
de inteligência à atuação das forças de segurança.
Enfim, verifica-se que as PMSC possuem três dimensões: uma face empresarial,
como companhia transnacional associada às lógicas de mercado, uma face policial, como
um dos novos atores no palco da Segurança Pública, e uma face combatente relacionada
aos conflitos contemporâneos, na qual é parte de um aparato da política externa do
Estado. Desse modo, as ascensão das PMSC não devem ser descartadas, mas sim
estudas como ator útil para as políticas de Segurança Pública, para a política externa
brasileira e de Segurança e Defesa do Estado Nacional, bem não pode ser
desconsiderado seu papel como ator econômico relevante num mercado cada vez mais
promissor.

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