Você está na página 1de 3

RESENHA do artigo “TROPA DE CHOQUE E POLÍCIA COMUNITÁRIA: CASAMENTO

POSSÍVEL?”, publicado por Steevan Tadeu Soares de Oliveira.

Autoria: Rodrigo Fagnani Silveira - PRF

1. Acerca do autor

O artigo foi escrito pelo Sr. Steevan Tadeu Soares de Oliveira, Mestre e Bacharel em Direito
pela UFMG. Bacharel em Ciências Militares pela Universidade do Estado de Minas
Gerais/Academia de Polícia Militar. Pós-graduado (lato sensu) em Direito Militar pela Universidade
Anhanguera. Representante brasileiro na Associação Internacional de Polícias de Natureza Militar
(FIEP) indicado pelo Conselho Nacional de Comandantes Gerais PM/BM, tendo participado de
trabalhos em países como Qatar, Jordânia, Portugal e Holanda. Oficial da Polícia Militar de Minas
Gerais e professor da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais (APM). Membro do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e da Academia de Letras João Guimarães Rosa.

Além do currículo acima, cabe destacar que o autor possui vasta experiência profissional nas
atividades afetas ao policiamento especializado da Polícia Militar de Minas Gerais - PMMG, com
especial dedicação na temática envolvendo o Controle de Distúrbios, fato que lhe confere grande
legitimidade em suas argumentações, uma vez que vivenciou diretamente os problemas de onde
foram extraídos os conceitos relacionados em sua produção.

2. Perspectiva da obra

O artigo apresenta argumentos no sentido de que é viável e positivo que as unidades


policiais especializadas em controle de distúrbios apliquem os conceitos de policiamento de
proximidade. As experiências relatadas dessa prática, resultaram tanto na diminuição da quantidade
de processos disciplinares envolvendo policiais de tais unidades, quanto na mudança de postura da
instituição para com a sociedade, no sentido de que as suas atuações passaram a ter um sentido de
legitimidade muito maior.

Ademais, o texto é objetivo, de fácil leitura, apresenta argumentos sólidos, base científica e
exemplos de casos reais acontecidos no Brasil e no Canadá, os quais ilustram as boas práticas
aplicadas. As ideias são apresentadas de forma bastante lógica, sem rodeios ou pleonasmos.

3. Ideias centrais

Contrariamente ao senso comum dos policiais especialistas em controle de distúrbios, os


quais foram preparados para o confronto diante de manifestações sociais, reintegrações de posse,
eventos em praças esportivas ou intervenções em unidades prisionais, o conceito de Polícia
Comunitária apicado às tropas de choque representam um paradigma a ser quebrado no sentido de
que é importante também que estes policiais sejam preparados para o não confronto. Este conceito,
apresentado no artigo como que um prenúncio do que iria então acontecer nas manifestações de
junho de 2013, se mostrou pertinente de fato uma vez que os inúmeros confrontos acontecidos
culminaram no aprendizado empírico das polícias de todo o país de que tais instituições são parte
fundamental nas garantias das liberdades e direitos da sociedade, cabendo a elas não apenas coibir
os excessos, mas também agir preventivamente para a resolução dos problemas antes que deles
ecludam conflitos violentos.

Nesse sentido, os conceitos de polícia de proximidade, apresentado doutrinariamente como


uma polícia de fortes vínculos com a população, atenta aos anseios da comunidade e que tem na
própria sociedade sua principal fonte de informação (ROLIM, 2010), é algo já real na PMMG,
presente por meio da Diretriz para Produção de Serviço de Segurança Pública (DPSSP) nº
3.01.06/2011, que regula a aplicação dessa filosofia e estratégia institucional na Corporação. Aliado
a isto, também a Diretriz Geral para Emprego Operacional da Polícia Militar (DGEOp), sinaliza que
o policial militar deve procurar a “[...] integração de outras agências de serviço para prover maior
impacto nos problemas de segurança. Para isso, poder de decisão, criatividade e inovação são
atitudes que devem ser encorajadas [...]” (MINAS GERAIS, 2010a, p. 28). Ou seja, diante do
embasamento legal e da necessidade prática de mudar a abordagem tradicional aos problemas do
policiamento de choque, tem-se a concepção de que a aplicação da filosofia de polícia comunitária
poderia resultar em aspectos positivos, no sentido de reduzir os confrontos por meio do uso da força
e com isso todos os demais aspectos negativos que acompanham tal ação.

Contudo o maior ganho talvez não seja aquele mensurável por meio de estatísticas, mas sim
aquele de se relaciona à missão precípua das polícias, que é o de servir e proteger. Isso se manifesta
por meio da maior eficiência na garantia de direitos individuais e coletivos, uma vez que o servidor
de segurança pública não atuará apenas reativamente, mas sim como de articulador, planejador e
solucionador de problemas, inclusive sendo indutor para trazer outras instituições, entidades,
empresas e partes interessadas para o processo de diálogo.

Exemplificando, no caso específico da Tropa de Choque, esse processo pode ser muito bem
aplicado no âmbito da sua atuação especializada das seguintes formas:

- Protestos reivindicatórios: envolvimento comunitário e mediador nas negociações a fim de buscar


um consenso entre as partes; intermediação junto a outros órgãos (CEMIG, COPASA, DER,
empresas privadas, etc..) para uma solução mais célere e pacífica do problema.

- Eventos esportivos: reuniões antecipadas com líderes de torcidas para impedir que grupos rivais se
encontrem em rixas e cometam atos violentos; deliberações com administradores de estádio e
diretoria dos clubes para mitigar problemas durante as partidas ou vendas de ingressos; interseção
junto ao Ministério Público para elaboração de Termos de Ajustamento de Condutas.

- Movimentos grevistas: intermediador imparcial, não deixando que o exercício do direito de greve
se torne problema de segurança pública; adoção de medidas para que trabalhadores grevistas e não
grevistas não se confrontem fisicamente; proteção concomitantemente dos direitos dos paredistas e
do patrimônio social da indústria, bem como da integridade física dos operários e dos dirigentes da
empresa

- Passeatas: conciliação de interesses das pessoas, reconhecendo o direito de locomoção, mas


também não impedir e nem deixar que outros frustrem o exercício do direito de reunião;
fornecimento de segurança às manifestações, no sentido de se evitar o fechamento completo de vias
para que não se prejudique o fluxo de ambulâncias e o transporte público, além de manter a
segurança e a integridade física dos manifestantes, seja de possíveis atropelamentos, seja de grupos
rivais que visem ofendê-los fisicamente; não permitir desordem, mas assegurar a liberdade de
expressão.

- Reintegração de posse: reuniões com a presença do Ministério Público, Defensoria Pública,


Comissões de Direitos Humanos, INCRA, representantes dos afetados entre outros órgãos, para
discutir sobre as medidas a serem adotadas e o destino dos ocupantes.

Assim, como resultado dessa estratégia, utilizando-se do envolvimento comunitário o


policiamento de choque acaba por atribuir responsabilidades para diversas pessoas e órgãos . O
polícia também passou a conhecer as principais lideranças, conhecendo suas pautas e objetivos. Da
mesma forma, as lideranças passaram a conhecer os policiais e os procuram quando necessitam de
apoio. Essa postura estimulou o diálogo entre segurança pública e manifestantes na construção de
respostas para as questões que surgem no cotidiano. Da mesma forma, a instituição policial
preocupou-se em conhecer os movimentos sociais, os integrantes das torcidas organizadas, os
líderes sindicais, as ocupações urbanas e rurais que existem em sua área, não apenas no viés da
atividade de inteligência, mas no intuito de dialogar com todos os afetados para a construção de
consensos.

4. Conclusão

Objetivamente, o policiamento de proximidade em tropas de choque é possível e produz


resultados positivos importantes. Há, contudo, que se mudar uma cultura existente no meio para que
todos os envolvidos acreditem e façam parte do processo, visto que historicamente a dicotomia até
então fortemente presente, mais afastou do que uniu polícia e manifestantes.

O lado preocupante dessa mudança é que a tese deixa claro que os órgão de segurança
devem assumir um papel de protagonismo na mediação dos conflitos sociais, avocando para si uma
responsabilidade que, pessoalmente, eu não entendo que será sempre legítima ou até legal. Na
verdade é perceptível uma conduta de omissão por parte de vários órgãos do executivo, legislativo e
judiciário nesse processo, e porquanto entendo que as instituições todas devem caminhar juntas
nesse processo de conciliação e antecipação dos problemas e soluções, cada qual com a sua devida
competência.

Por fim, registre-se que em que pese as boas ações elencadas, os grupamentos de controle de
distúrbios jamais deverão se abster de saber fazer o seu mister muito bem feito. O uso da força
deverá acontecer sempre dentro dos princípios legais da proporcionalidade, necessidade,
razoabilidade, legalidade, moderação e conveniência, porém como última alternativa, quando a
negociação e o diálogo se mostrarem impossíveis ou inócuos.

Você também pode gostar