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QUAIS AS CHANCES DA DEMOCRACIA NA CENA INTERNACIONAL?

Examinamos anteriormente os traços distintivos de uma democracia no campo das


relações internacionais. Antes de podermos extrair conclusões daí, convém introduzir uma
importante distinção teórica. Tomo emprestados a Raymond Aron (in Paix et Guerre entre
les Nations, Paris, Calmann-Lévy, 1962, pp. 108-113 e 371-378) os conceitos de
homogeneidade e heterogeneidade de um sistema internacional. Se entendermos por
sistema internacional o espaço diplomático e estratégico onde se afrontam unidades
politicamente soberanas, convém chamar homogêneo um sistema cujos atores são
semelhantes, e heterogêneo aquele onde são diferentes.

Critérios
Para poder decidir se um sistema é homogêneo e heterogêneo, é preciso utilizar
uma bateria de seis critérios.
I. A periodicidade dos contatos. Eles podem ser permanentes, ocasionais ou
acidentais. São permanentes quando os dirigentes de cada unidade estão na obrigação de
considerar a todo momento medidas internas e externas de seus parceiros, pois cada
medida pode, de imediato ou a prazo, ameaçar o equilíbrio das forças. A posição de cada
participante do sistema é, a todo instante, determinada pela posição dos outros. Assim,
Atenas devia considerar a política espartana, Roma a de Cartago, a França a da Espanha,
da Áustria, da Suécia, da Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII. Deste ponto de vista, o
sistema pode ser dito homogêneo. Ele perde parte de sua homogeneidade quando os
contatos se tornam ocasionais. Quando duas ou várias unidades seguem destinos
autônomos e são submetidas a diferentes ritmos de evolução, mas são levadas pelos
acasos da geografia a se tocarem eventualmente, seus contatos serão episódicos. Assim o
Império Romano não mantinha relações seguidas com os germanos de seu limes
continental, nem com os partos e depois com os sassânidas de sua fronteira oriental, nem
com os nômades de seu limes africano. Assim também, a China Imperial só entrava em
contato com os mongóis, os turcos e os manchus por ocasião de uma epidemia daqueles
povos ou quando de uma catástrofe interna. O sistema torna-se perfeitamente heterogêneo
quando os contatos são acidentais. Os espanhóis, ao desembarcarem no Novo Mundo,
caíram em cima de povos dos quais eles ignoravam até a existência, e não sem razão;
assim também os franceses e os ingleses quando se infiltraram na África, ao sul do Saara.
A heterogeneidade aqui é tão grande que é artificial falar de um sistema internacional. Os
contatos quase anedóticos entre os imperadores romanos e Han, as embaixadas de
Guillaume de Rubrouck e de Jean de Plancarpln Junto ao Grande Khan, o envio de
mensageiros portugueses ao Império etíope de Gondar, todas estas curiosidades
diplomáticas evidentemente não permitem falar de um sistema Internacional reunindo Roma
e a China, São Luís e a China Mongol, nem Portugal e o reino legendário do padre João.
II. A civilização. Entendo por esta palavra equívoca e inevitável não somente a
organização técnica, econômica e social de um grupo humano, mas sobretudo os valores
religiosos, morais, políticos aos quais ele recorre. O extremo da homogeneidade é atingido
quando uma mesma área de civilização é dividida em unidades soberanas. As cidades
gregas combateram-se apaixonadamente, apesar de uma quase completa comunhão
cultural. A Europa do século XVIII foi pelo menos Igualmente homogênea. À primeira vista,
este critério ratifica amplamente o anterior, pois o caráter mais ou menos permanente dos
contatos parece depender da maior ou menor comunhão de civilização. De fato, os casos
históricos ilustram bem esta aparente concordância. Mas não passa de uma concordância
de fato ligada às limitações dos meios de comunicação, pois não faltam exemplos em
sentido contrário. Após ter escapado ao massacre de todos os Omeladas de Damasco em
749-750, o único sobrevivente Abder Rahman conse guiu lapidar um reino muçulmano no
sul da Espanha e o faz ingressar no sistema inter nacional cristão - em todo caso, espanhol
- até o final da Reconquista, em 1492. Ou ainda, a aliança concluída por Francisco I com o
sultão otomano faz com que a Turquia ingresse no concerto das nações europeias por
quatro séculos. Um último exemplo, o mais decisivo para o futuro, a intrusão da Rússia no
sistema europeu. Não existe !portanto nenhuma concordância obrigatória entre a
homo-heterogeneidade dos contatos e aquela das civilizações.
III. O potencial militar. Pelo que entendemos, a totalidade dos recursos que uma
unidade política está em condições de introduzir num conflito armado. Por conseguinte, um
sistema será homogêneo quando os recursos forem quase equivalentes em todos os
sentidos, e cada vez mais heterogêneo à medida que for afastado desse equilíbrio.
Realmente, a medida é de delicadíssima operação, em razão da defasagem variável entre o
potencial militar objetivo e aquilo que poderíamos chamar o coeficiente de mobilização
deste potencial. Existe uma diferença decisiva entre o número teórico de homens em
condições de portar armas e aqueles que as portam efetivamente no combate. Assim, o
Império Persa dispunha de um potencial humano de longe superior àquele das cidades
gregas, mas em razão do estado das finanças reais e do estado primitivo da logística, o
potencial mobilizado pelos persas era na verdade equilibrado por aquele dos gregos.
Evidentemente, ocorre o mesmo quanto ao grau de mobilização dos recursos
materiais. Enquanto que durante a Segunda Guerra Púnica Roma usou até seus últimos
recursos, Aníbal teve de contar com a suspeitosa parcimônia da oligarquia cartaginesa. De
Gustavo Adolfo a Carlos XII, a Suécia pobre pôde representar um papel decisivo no
continente, unicamente porque monarcas fortes tiveram a possibilidade de mobilizar
recursos mais importantes que seus adversários. É preciso levar em consideração também
recursos morais. Para um, a guerra pode significar um simples incidente dentro de um
projeto mais amplo; para outro, essa mesma guerra será uma questão de vida ou de morte:
daí a diferença de energia moral mobilizada pelos persas quando das Guerras Médicas. Ou
então um dos parceiros entra num conflito em nome de princípios moderados e para fins
limitados, enquanto que o outro o encara como uma cruzada a serviço de uma ideia: pelo
menos num primeiro tempo, os exércitos revolucionários gozam de uma segura vantagem
sobre os outros.

Armamento
Finalmente, o armamento, a organização das tropas, a tática e a estratégia
introduzem um último fator de diferenciação. Existe heterogeneidade radical entre os
cavaleiros cobertos de ferro e os infantes móveis de Courtray; entre os boêres armados de
fuzis e os zulus armados de zagalas; entre a guerra de posição francesa e o Blitzkrieg
alemão; entre as bombas atômicas americanas e o armamento clássico Japonês.
Concebemos a complexidade extrema das situações concretas, pois o coeficiente de
mobilização pode variar para cada um desses quatro recursos (os homens, o material, a
moral e a arte da guerra). A longo prazo, todavia, ocorre uma clarificação necessária, pois
ou os adversários proporcionarão seus respectivos coeficientes e tenderão à
homogeneidade, ou não o poderão ou não o quererão e os mais fracos serão eliminados.
Pode-se então, por convenção, falar de heterogeneidade absoluta quando os potenciais
militares são desiguais, mesmo na hipótese de uma mobilização total. E de homogeneidade
absoluta quando os coeficientes de mobilização - qualquer que seja seu nível - são
comparáveis. É claro, enquanto os parceiros não chegaram à mobilização total, uma
variação neste coeficiente fará ipso facto o sistema cair na heterogeneidade. Assim, o
sistema perfeitamente homogêneo do século XVIII europeu foi perturbado pela França
revolucionária, que, pela conscrição, aumentou o coeficiente de mobilização dos homens;
pela guerra de propaganda, aquele do engajamento das paixões; e, com Napoleão, a
estratégia de aniquilamento. É sabido que a obra de Clausewitz nasceu de uma reflexão
sobre esta mutação. Este exemplo, todavia, prova também que não se tratou senão de uma
heterogeneidade relativa e provisória, já que também os adversários da França tinham a
possibilidade objetiva de contrabalançar sua inferioridade provisória pela adoção das
inovações francesas. De tal modo que logo após o Congresso de Viena, a Europa vive
novamente em sistema homogêneo, mas num nível superior em vias de guerra total.

Política
IV. Organização política. Ela influi sobre o sistema Internacional de diferentes
maneiras. Quando o regime político dos dois adversários difere, cada um tem a
possibilidade de fazer com que funcione a seu proveito, no Interior do campo adverso, o
partido que prega a mesma organização. Assim as cidades gregas em luta se apoiavam,
conforme o caso, nas oligarquias ou nos democratas para solapar intimamente a resistência
de seus adversários. Ou então, os revolucionários franceses tentaram paralisar as
monarquias européias propagando os ideais de liberdade e igualdade.
A organização política funciona de maneira mais profunda e mais sutil por um outro
viés. Conforme o caráter mais ou menos aristocrático ou democrático do regime, por um
lado, e, por outro, conforme sua menor ou maior legitimidade, o poderio que a unidade
poderá empregar na cena internacional variará muito. Quando o regime é perfeitamente
legítimo - isto é, quando nenhuma minoria consistente o contesta - e todos os societários
são considerados cidadãos dignos de portarem as armas, o coeficiente de mobilização das
forças e das energias tem todas as chances de subir até seus limites naturais. É provável
que um agressor suficientemente audacioso para atacar a Suíça faria a experiência às suas
custas. A quase miraculosa persistência da Roma republicana nas guerras de conquista
prosseguidas durante séculos explica-se provavelmente por esta combinação de
legitimidade e de democracia (pelo menos no campo militar). Na outra extremidade do
leque, um regime ilegítimo tem evidentemente menos chances de sobressair na arena
internacional, pois o menor fracasso o põe à mercê de uma revolução Interna; o Segundo
Império não sobreviveu a Sedan.
Finalmente, conforme a unidade política reagrupar populações mais ou menos
homogêneas, fará, Igualadas todas as coisas, aliás, melhor ou pior figura na cena
internacional, pois, se ela reagrupa povos reunidos pela conquista e que conservaram a
lembrança de sua Identidade perdida, o adversário poderá seja tirar lucro das cisões
internas, seja aproveitar-se da passividade dos dominados. A espantosa facilidade com a
qual hordas de beduínos árabes desmantelaram em alguns anos o Império Bizantino é
explicada unicamente pelos moderados sentimentos que sírios e egípcios nutriam em
relação a Bizâncio. Se os alemães perderam para os russos, devem-no, pelo menos em
grande parte, à incrível postura de desprezar sistematicamente as possibilidades de
alianças com os alógenos submissos ao império stalinista.
Resumindo, o regime político introduz a homo-heterogeneidade no sistema
internacional por intermédio da maior ou menor coesão interna das unidades que o
constituem. Não é preciso dizer que esta coesão
expressa-se praticamente por intermédio do ponto anterior, a saber, pelo coeficiente de
mobilização dos recursos humanos e morais. Podemos colocar como regra geral que os
governantes recuarão ante medidas militares que ameacem pôr em questão suas próprias
posições; o armamento do povo supõe que o povo esteja no poder. ,.
V. A ideologia. Este critério não levanta muitos problemas. Onde os adversários
compartilham da mesma ideologia, quer dizer, dos mesmos valores, tem-se um sistema
homogêneo e vice-versa. A homogeneidade ideológica é raríssima. Só a vejo realizada no
Japão de antigamente e na Europa nos séculos XVIII e XIX, após os Intermédios das
guerras da Revolução e do Império. Em outras palavras, o caso normal é a
heterogeneidade ideológica. Aqui é que poderíamos colocar o problema clássico de saber
se as divergências ideológicas estão na base dos conflitos internacionais, ou se os conflitos
se vestem de pretextos ideológicos. Não penso que a alternativa seja tão vã quanto aquela
do ovo e da galinha. Suspeitamos, sob as extraordinárias paixões que colocaram os gregos
pró ou contra a democracia ou a oligarquia, de um lance mais profundo e mais real, que
Tucídides enxergou muito bem: o mundo grego seria ou não submetido à hegemonia de
Atenas? Assim também, temos dificuldade em acreditar que as guer ras de religião
nasceram de um frenesi religioso: parece-me mais provável que as divergências teológicas
serviram de cobertura às tensões nascidas, por um lado, da implantação das monarquias
centralizadas e, por outro lado e principalmente, da constituição das futuras nações
européias. Ou ainda, não chego a me convencer que os horrores da guerra germano-russa
são devidos às incompatibilidades de um darwinismo social para iletrados e de um
marxismo interpretado por analfabetos. Em compensação, a persistência da idéia de
cruzada do século XII ao século XVII, isto é, de uma luta necessária da Cristandade contra
o Infiel, parece de origem propriamente ideológica, ou seja, ligada mais a uma configuração
mental que a interesses concretos.
Em suma, eu afirmaria de bom grado que quanto mais as paixões são
ostensivamente ideológicas, menos elas o são de fato quanto mais os conflitos se
exacerbam, mais eles devem receber uma Justificativa ideológica. Ora, a experiência prova
que os conflitos se expressam tanto mais plenamente em termos ideológicos quanto as
ideologias são parentes, porque nascidas de um mesmo substrato. Um conflito qualquer
entre cris- tãos e marxistas poderá expressar-se inteiramente e com uma perfeita coerência
num discurso cristão ou marxista. Segue-se que a heterogeneidade ideológica será tanto
maior quanto mais estranhos forem um ao outro os discursos ideológicos; e que,
simultaneamente, os conflitos opor-se-ão, neste caso, a expressar-se em termos
ideológicos coerentes.

O direito
VI. O direito internacional. Entendo, pq esta expressão, um conjunto de regras
explícitas ou implícitas que organizam as relações internacionais. Em caso de conflito, que
destino será reservado aos estrangeiros domiciliados ou de passagem no país? Como
serão tratados os prisioneiros? São mantidas relações diplomáticas, oficiais ou secretas,
entre beligerantes? Quem tem o direito de portar armas? Existe uma instância superior, ao
menos moral, que possa servir de árbitro? Quais são as finalidades de guerra consideradas
normais ou proibidas? Os métodos de combate, permitidos ou proibidos? Convir-se-á que
um sistema será tanto mais homogêneo quanto mais numerosas e precisas forem estas
regras e mais rigorosamente observadas pelos adversários. Inversamente, um sistema será
considerado perfeitamente heterogêneo se o desenvolvimento da violência entre unidades
não se curva a regra alguma.
As situações históricas são de uma diversidade infinita. Bastará dizer que um
sistema tenderá tanto mais para a heterogeneidade quanto melhor e há mais tempo Se
conhecerem os adversários, quanto partilharem dos mesmos valores e da mesma
organização, quanto forem oriundos da mesma civilização. Em suma, este último critério da
homo-heterogeneidade é a resultante daqueles que o antecedem. Donde se segue, muito
evidentemente, que é absurdo querer aplicar ao sistema internacional um direito que
limitaria a expressão da violência: somente na medida em que um sistema funcione por
muito tempo entre adversários que sejam ao mesmo tempo parceiros, é que um direito
internacional tem chances de desenvolver- se e impor-se. A bem dizer, o único exemplo
conhecido de uma limitação da guerra pela direito é o Jus Publicum Europaeum inicialmente
concebido como uma resposta às Guerras de Religião, e depois construída pouco a pouco
do século XVII ao século XIX, e finalmente destruído pela Guerra de 1914-1918.
A combinação desses seis critérios permite concluir pela maior ou menor
homogeneidade ou heterogeneidade de um sistema Mostramos que as duas situações
obedecem a uma lógica muito diferente. A distinção nada tem de acadêmica; ela tem
importantes consequências dentro da realidade histórica.
A homogeneidade não favorece a paz e não tende a excluir a guerra. Paz e guerra
não dependem absolutamente da estrutura do sistema diplomático-estratégico, mas do
desejo de poderio, da busca da segurança, das paixões e das decisões dos chefes
políticos. Ela também não limita a expressão da violência; a escalada aos extremos
continua sempre possível; a guerra pode, a qualquer momento, tomar-se total. A Europa
teve essa trágica experiência em 1914-1918, como antes dela a Grécia quando da Guerra
do Peloponeso. Quando irmãos se batem e paixão se imiscui nessa luta, o ódio sempre
acha o meio de negar aquilo que os liga e de tomar o adversário diabólico.
As conseqüências da homogeneidade acham-e algures e são de várias ordens:
Pelo fato de que os beligerantes se assemelham em tudo e são como os membros
dispersos de um mesmo corpo, eles não se consideram inimigos absolutos, mas inimigos
relativos e transitórios. Sucede que o inimigo pode ser reconhecido em sua legitimidade e
que a guerra não deve ser um vale-tudo. O conflito, normalmente, diz respeito a pontos
precisos (um território contestado, por exemplo) e pode chegar a um compromisso. Ora, o
reconhecimento do inimigo é a condição sine qua non para que a paz possa ser concluída.
Em suma, a homogeneidade é a condição primeira para que possa ser estabelecida uma
nítida distinção entre a guerra e a paz.

História
Um espaço homogêneo é prometido a unificação imperial. Esta é, a meu ver, o
ponto decisivo para a história da humanidade. Quando unidades formam um sistema - o
que é a hipótese da homogeneidade - elas entram em concorrência; a concorrência joga em
favor dos mais fortes e elimina - por absorção - os mais fracos; o sistema tende
inexoravelmente para a unidade. Isso explica a raridade, ou melhor, o caráter efêmero dos
sistemas homogêneos. A China dos reinados combatentes foi unificada pelo Reinado Ts'i, a
Grécia pela Macedônia, o Mediter râneo por Roma. A bem dizer, a única exceção à regra é
a Europa Ocidental, que manteve, contra ventos e marés, o pluralismo das unidades
políticas, não obstante as tentativas de federação pela guerra, Tenho como garantido que
essa singularidade está na raiz de toda a história ocidental há mil anos:
Seria falso acreditar que a heterogeneidade favorece a guerra e exclui a paz. Na
verdade, a lógica da heterogeneidade seria antes a ignorância de uns pelos outros, a volta
de cada um para sua esfera própria. Num sistema heterogêneo, os pequenos e os fracos
têm poucas chances de sobrevivência autônoma. Efetivamente, eles não têm um peso
suficiente para acionar alianças e rompimentos de alianças e conseguirem manter sua
independência, enquanto não interveio a unificação imperial. Por pouco que as tensões
internacionais se agravem, eles são obrigados, de bom ou mau grado, a se colocar sob a
proteção de uma potência hegemônica. A lógica do sistema leva portanto à divisão do
mundo em n esferas, cada uma sob a direção de uma esfera única; cada esfera tende a
voltar-se para si mesma e a seguir uma evolução autônoma. Sem dúvida não existe muita
chance de que cada esfera esteja definida In aeternum; mudanças de compromisso sempre
são possíveis para os fracos e, por que não, fracos podem, por sua vez, tornarem-se fortes.
Esta situação tem uma consequência decisiva: o inimigo não pode ser
reconhecido, ele fica em posição de alteridade radical. De tal maneira que, se surge uma
guerra, ela só pode ser selvagem, pois o inimigo é um inimigo absoluto que não tem
nenhum direito à existência. Assim sucedia com a guerra germano-russa, que atingiu picos
de selvageria. Sucede também o não reconhecimento do Inimigo, a impossibilidade de
estabelecer uma nítida distinção entre a guerra e a paz. A paz não é nada além que a
continuação da guerra por outros meios, aquilo que Raymond Aron chamou uma paz
belicosa.
Dispomos agora de todos os elementos necessários para fazer um diagnóstico
argumentado sobre as chances da democracia na cena internacional. Basta-nos confrontar
os traços distintivos - a abertura, a propensão ao compromisso, o pacifismo - de um lado a
um sistema homogêneo e de outro a um sistema heterogêneo.

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