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NIKOLAI l.

BUKHARIN

A Economia Mundial e
o Imperialismo

Esboço Econômico

Tradução de Raul de Carvalho

@
1984
EDITOR: VICTOR CIVITA
Nikolai lvanovitch BUKHARIN
(1888-1938)
PARTE TERCEIRA

O imperialismo, Reprodução Ampliada da


Concorrência Capitaiista
CAPÍTULO IX

O imperialismo, Categoría Histórica

1. Concepção vulgar do imperialismo. - 2. Papel da política na vida social.


~ 3. Metodologia das classificações na Ciência Social. - 4. A época do capi­
tal financeiro, categoria histórica. - 5. O imperialismo, categoria histórica.

Esforçamo-nos, nos capítulos precedentes, por mostrar que a política


imperialista só marca sua aparição em determinado nível do desenvolvi­
mento histórico. Nesse momento, inúmeras contradições do capitalismo en­
trelaçam-se num feixe único que se desata, por certo tempo, por meio da
guerra, para reconstituir-se na fase seguinte de forma ainda mais sólida. A
politica e a ideologia das classes dirigentes, que surgem nessa fase de de­
senvolvimento, devem ser caracterizadas, a partir dai, como um fenômeno
especifico'
Duas pretensas “teorias” do imperialismo são hoje preponderantes na
literatura corrente. Uma vê, na moderna politica de conquista, uma luta de
raças: "raça eslava", "raça teutônica"; segundo pertençam a tal ou qual
grupo, atribuem-se a essas "raças" todas as taras ou todas as virtudesiAin­
da que muito anüga e vulgar, essa "teoria" mantém-se até hoje com a per­
sistência de um preconceito. E encontra uma terra fértil no desenvolvimen­
to do "sentimento nacional" das classes diretamente interessadas em explo­
rar as sobrevivências das velhas formações psicológicas no interesse da or­
ganização de Estado do capital financeiro.

' Falamos do imperialismo interpretando-o, sobretudo, como a politica do capital financeiro. Pode-se,
entretanto, falar do imperialismo entendendo-o como ideologia. O mesmo se passa com o liberalismo.
que, de um lado, constitui a política do capital industrial (livre-cambio etc), mas designa_ ao mesmo
tempo, toda urna ideologia ("liberdade individual" etc).

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104 O lMPERlALlSMO, REPRODUÇÃO AMPLIADA DA CONCORRÊNCIA CAPlTALlSTA

Para destruir essa teoria, sem deixar pedra sobre pedra desse edificio,
basta indicar alguns fatos concretos. Os anglo-saxões, que têm a mesma ori­
gem que os alemães, são seus inimigos mais ferozes; os búlgaros e os sér­
vios, que falam quase a mesma língua e são eslavos por natureza, encon­
tram-se de um e do outro lado das trincheiras. Pior ainda: os poloneses recru­
tam, em seu seio, entusiastas partidários tanto da orientação austríaca como
da orientação russa. O mesmo acontece com os ucranianos, parte dos quais
é russófila e outra é austrófila. Por outro lado, cada uma das coalizões belige­
rantes agrupa as mais heterogêneas raças, tribos e nacionalidades.
Que há de comum, em se tratando de raça, entre ingleses, italianos,
russos, espanhóis e negros selvagens das colônias francesas, que a "glorio­
sa República" conduz à camificina, c_omo o faziam os antigos romanos a
seus escravos coloniais? Que há de comum entre alemães e tchecos, ucra­
nianos e húngaros, búlgaros e turcos, que, juntos, marcham contra a coali­
zão dos paises aliados? E bem evidente que não se trata de raças, e sim
das organizações de Estado de certos grupos da burguesia empenhados na
luta. E também evidente que esta ou aquela coalizão de "forças das potên­
cias" não é determinada pela comunhão de alguns problemas de raça, mas
por uma comunhão de objetivos capitalistas, em dado momento. Não sem
razão, os sérvios e os búlgaros, que marchavam juntos contra a Turquia há
alguns anos, estão hoje separados em dois campos inimigos. Também não
é por acaso que a Inglaterra, antes inimiga da Rússia, se transforma hoje
em sua protetora. Não é, enfim, sem razão que o Japão segue os passos da
burguesia russa, ainda que, 10 anos atrás, o capital japonês combatesse o
capital russo, de annas nas mãos?
Se, longe de qualquer deformação, se adota um ponto de vista estrita­
mente científico, a inconsistência dessa teoria salta aos olhos. Nem por isso,
entretanto, ela deixa de ser amplamente desenvolvida, não obstante sua fal­
sidade evidente, na imprensa como nas cátedras universitárias, pela “boa
razão" de ser bastante proveitosa a Sua Majestade, o Capital?
Cabe, no entanto, para ser inteiramente justo, constatar que também
nos meios "científicos" imperialistas, à proporção que se opera a consolida­
ção nacional das diferentes "raças" cimentadas pela mão de ferro 'do Esta­
do militarista, se assiste a veleidades menos vulgares, mas igualmente incon­

7Kautsky ridicularizou, oportunamente, a "teoria das raças". Ver seu llvro Rasse und Judentum, publi­
cado durante a guerra.
3 São abundantes, na literatura "cientifica" do periodo da guerra, os exemplos verdadeiramente sur­
preendentes de violências selvagens contra as verdades mals elementares. Procura-se por todos os
meios demonstrar a absoluta ausência de cultura, assim como a abominável natureza da "raça" do lni­
migo. Uma revista francesa publicou uma espécie de "análise" visando a demonstrar a seus leitores
que a urina alemã contém 1/3 a mais de veneno que a urina aliada em geral, e a urina francesa em par­
ticular
O lMPERlALlSMO. CATEGORLA HISTÓRICA 105

sistentes, visando a construir uma teoria imbuída de certo caráter psicológi­


co territorial. A "raça" cede lugar a um sucedãneo designado sob o nome
de "humanidade européia, americana” etc. Essa teoria está igualmente
afastada da realidade, já que ignora o caráter essencial da sociedade moder­
na - sua estrutura de classe - e substituios interesses de classe das cama­
das sociais superiores pelos interesses do “todo", também chamados "ge­
rais".
Uma última "teoria", amplamente propagada, sobre o imperialismo
define-o como uma política de conquista em geral. Adotado esse prisma,
pode-se igualmente falar do imperialismo de Alexandre da Macedônia e
dos conquistadores espanhóis, de Cartago e de João lll, da Roma Antiga e
da América moderna, de Napoleão e de Hindenburgo.
Esta aí uma teoria que, não obstante sua simplicidade, não deixa de
ser absolutamente falsa. Sua falsidade provém de querer explicar "tudo" o
que, na realidade, conduz a não explicar coisa alguma.
Qualquer política das classes dominantes (política "propriamente dí­
ta", política militar, política econômica) tem uma função claramente defini­
da. Desenvolvendo-se no terreno de um modo de produção dado, ela ser­
ve de instrumento para a reprodução simples e ampliada de determinado ti­
po de relações de produção. A política dos senhores feudais consolida e
desdobra as relações feudais de produção. A política do capital comercial
amplia a esfera de dominação do capitalismo comercial. A política do capi­
talismo financeiro reproduz, em medida ampliada, a base de produção do
capital financeiro.
O mesmo, evidentemente, pode dizer-se com respeito ã guerra. A
guerra é um meio de reprodução de certas relações de produção. A guerra
de conquista é um meio de reprodução ampliada dessas relações. Ora, dar
à guerra a simples denominação de guerra de conquista é inteiramente in­
suficiente, pela boa rmo de que fica por indicar-se o essencial, a saber:
que relações de produção essa guerra fortalece e propaga, e qual a base
que dada "política de rapina" é chamada a ampliars"
A ciência burguesa não o vê nem o quer ver. Não compreende que a
economia social deve servir de classificação essencial para as diversas "políti­
cas", já que é com base nessa economia que essas políticas surgem. Mais ain­
da: a ciência burguesa tende a não ver as enormes diferenças existentes en­
tre os diversos periodos do desenvolvimento econômico. E é justamente no
momento em que salta aos olhos todo o caráter específico do processo histó­
rico e econômico de nossa época que vem aninhar-se, na Economia Política

“NAUMANN, V. F. Mitteleuropa.
5 É conhecida a tese de Clauseu/itz: a guerra é a continuação da politica_ por outros meios. Ora, a pró­
pria politica é a "continuação" ativa, no espaço, de dado modo de produção.
106 O IMPERIALISMO. REPRODUÇÃO AMPLIADA DA CONCORRÊNCIA CAPITALISTA

burguesa, a escola austríaca e anglo-americana, a menos histórica de todas**


Publicistas e cientistas empenham-se em representar o imperialismo atual
sob as cores da política dos heróis da Antiguidade, com seu imperium.
\_ Tal é o método dos historiadores e economistas burgueses: dissimular
a diferença fundamental entre o regime escravagista do "mundo antigo",
com seus embriões de capital comercial e de artesanato, e o "capitalismo
moderno". Nesse caso concreto, o objetivo é claro: demonstrar e "provar"
a esterilidade das aspirações da democracia operária, sujeitando-a às mes­
mas adversidades do lumpemproletariado, dos operários e dos artesãos da
Antiguidade.
Sob um ponto de vista científico, todas essas teorias são essencialmen­
te falsas. Se se quer compreender teoricamente urna fase qualquer da evo­
lução, é necessário assimilá-la dentro de suas particularidades, de seus tra­
ços distintivos, das condições específicas inerentes a ela, e somente a ela.
Quem, ã semelhança do "coronel Torrens", vir a gênese do capital no taca­
pe do selvagem ou, segundo a escola austríaca de Economia Política, defi­
nir o capital como um modo de produção (o que é, no fundo, a mesma coi­
sa), jamais estará em condição de penetrar no sentido das tendências do
desenvolvimento capitalista e de englobã-las dentro de uma concepção teó­
rica única. igualmente, o historiador, ou o economista, que colocasse no
mesmo plano a estrutura do capitalismo moderno, isto é, as modernas rela­
ções de produção e os múltiplos tipos de relações de produção que condu­
ziram às guerras de conquista, nada teria compreendido quanto ao desen­
volvimento da economia mundial contemporânea. É necessário pôr à parte
- e analisar - o que há de específico, de distintivo em nossa época. Tal
foi o método de Marx e tal deve ser a maneira, própria de um marxista, de
abordar a análise do imperialismoÍ
Agora compreendemos que não é possível limitar-nos à análise da úni­
ca forma por que se manifesta esta ou aquela politica. Não é possível, por
exemplo, contentar-nos corn definições como política_de "conquista", políti­
ca de “expansãd”, política de "violência" e outras. E indispensável analisar
a base sobre a qual se desenvolve essa política a cujo desenvolvimento ela
está destinada. Definimos, antes, o imperialismo como a política do capital
financeiro. Corn isso, torna-se clara sua função. Essa política é o agente da

° É curioso que mesmo sábios, como o historiador russo R. Vipper, gostem de "modemizar" além da
medida os acontecimentos, fazendo desaparecer todos os limites históricos. Nestes últimos tempos.
aliás, Vipper revelou-se um caluniador chauvinisla sem freios e encontrou assistência no cidadão Rlabu­
chinsky.
7O método de economia marxista é desenvolvido brilhantemente por Marx. em sua Elnleitung zur Ei­
ner Kritik der Politischen Oekonomie. (Não confundir esse próiogo corn o prefácio de Zur Kritlk, que
contém os princípios essenciais na teoria do materialismo histórico.)
O lMPERlALlSMO,CAÉGORIA HISTÓRICA 107

estrutura financeira capitalista e subordina o mundo ao domínio do capital


financeiro. Ela substitui as antigas relações de produção pré-capitalistas ou
capitalistas pelas relações de produção próprias do capital financeiro. Assim
como o capitalismo (não confundir com o capital-dinheiro: a característica
do capital financeiro consiste em ser simultaneamente capital bancário e ca­
pital industrial) constitui uma época historicamente limitada, caracteristica
apenas dos últimos decênios, também o imperialismo, política do capitalis­
mo financeiro, representa uma categoria especificamente histórica.
O imperialismo é uma política de conquistar No entanto, nem toda po­
litica de conquista é imperialismo. O capital financeiro não pode realizar ou­
tra politica. lsso explica por que, quando se fala de imperialismo como polí­
tica do capital financeiro, está subentendido seucaráter de conquista. Além
disso, estão igualmente retratadas as relações de produção que essa políti­
ca de conquista reproduz. Essa definição encerra ainda inumeráveis caracte­
risticas e traços históricos. Na realidade, quando falamos de capital financei­
ro, entendemos por isso organismos econômicos altamente desenvolvidos
e, em conseqüência, certa amplitude e certa intensidade de relações inter­
nacionais, e a existência de uma economia mundial desenvolvida. Supo­
mos também certo nivel de forças produtivas e de fomias organizadas da vi­
da econômica, além de determinadas relações de classe e, por conseguin­
te, certo futuro dos elementos económicos etc. Inclusive a forma e o meio
de luta, a organização do poder, atécnica militar etc. pressupõem, em maior
ou menor medida, um valor detenninado, enquanto a definição "política
de conquista" se aplica indiferentemente aos corsários, às caravanas comer­
ciais e ao imperialismo. Em outros termos: a definição "politica de conquis­
ta" nada define, enquanto a definição "política de rapina do capital finan­
ceiro" caracteriza o imperialismo como valor historicamente definido.
Não é pelo fato de constituir a época do capitalismo financeiro um fe­
nômeno historicamente limitado que se pode, entretanto, concluir que ela
tenha surgido como um deus ex machina. Na realidade, ela é a seqüência
histórica da época do capital industrial, da mesma forma que esta última re­
presenta a continuidade da fase comercial capitalista. Esta é a razão por
que as contradições fundamentais do capitalismo - que, com seu desen­
volvimento, se reproduzem em ritmo crescente_- encontram, em nossa
época, expressão particularmente violenta. E o que igualmente se passa
com a estrutura anárquica do capitalismo, expressa na concorrência. O ca­
ráter anárquico da sociedade capitalista fundamenta-se no fato de que a
economia social não é uma coletividade organizada que se move segundo
uma vontade única, e sim um sistema de economias entrelaçadas pela tro­
ca e onde cada qual produz por sua conta e risco, sem jamais adquirir a
condição necessária para adaptar-se, em maior ou menor medida, ao nível
da demanda e à produção das demais economias individuais. Dai a luta en­
108 O IMPERIALISMO; REPRODUÇÃO AMPLIADA DA CONCORRÊNCIA CAPITALISTA

tre economias e sua concorrência capitalista. As formas dessa concorrência


podem ser muito_diversas. Dado que a política imperialista é uma forma de
luta por meio da concorrência, examiná-la-emos no capítulo seguinte, co­
mo um caso particular da concorrência capitalista - a concorrência na épo­
ca do capital financeiro.
CAPÍTULO X

Reprodução do Processo de Concentração e de Centralização


do Capital em Escala Mundial

1. Concentração do capital. Concentração do capital nas empresas indivi­


duais. Concentração do capital no/s trustes. Concentração do capital nas eco­
nomias nacionais organizadas (trustes capitalistas nacionais). - 2. Centraliza­
ção do capital. - 3. Luta das empresas individuais; luta dos trustes; luta dos
trustes capitalistas nacionais. - 4. A expansão capitalista moderna, caso parti­
cular da centralização do capital. Absorção das estruturas monotípicas (centra­
lização horizontal). Absorção dos países agrários (centralização vertical, organi­
zação combinada).

Os dois principais processos do desenvolvimento capitalista são os pro­


cessos de concentração e centralização do capital - processos que, fre­
qüentemente, se confundem, mas que convém distinguir rigorosamente.
Marx dá a essas noções as definições seguintes:
"Todo capital individual", diz ele, "é uma concentração, em maior ou me­
nor escala, de meios de produção, com o correspondente comando de um
exército maior ou menor de operários. Toda acumulação passa a ser instru­
mento de nova acumulação. Na medida em que cresce, a massa da riqueza
que funciona como capital amplia aconcentração nas mãos de capitalistas in­
dividuais; e alarga, portanto, em grande escala, a base de produção e os méto­
dos de produção especificamente capitalistas. (...) O crescimento do capital so­
cial opera-se por meio do crescimento de muitos capitais particulares. Dois
pontos caracterizam essa espécie de concentração que repousa diretamente
sobre a acumulação ou, antes, que se confunde com ela* Em primeiro lugar,
considerando-se iguais todas as demais circunstâncias, a crescente concentra­
ção dos meios sociais de produção nas mãos de capitalistas particulares tem

' O grilo é nosso.

109
11o o IMPERIALLSMO.
RQFRODUÇÂO»mam DA CONCORRÊNCIACAPITALISTA
por limite o grau de cresdmento da riquaa social. Em segundo lugar. a parte
do capital social localizada em cada esfera especial da produção reparte-se en­
tre numerosos capitalistas. independentes e concorrentes entre si. A essa dis­
persão do capital social total em numerosos capitais individuais - ou a essa
repulsão recíproca de muitos capitais individuais - opõe-se a lorça de atra­
ção. Já não se trata de uma concentração simples. idêntica à acumulação. Tra­
ta-se da concentraçãopde capitais já lomrados, da supressão de sua autono­
mia particular, da expropriação de um capitalista por outro, da transformação
de muitos capitais pequenos em um punhado de avultados capitais. Esse pro­
cesso distingue-se do anterior por pressupor simplesmente uma repartição di­
ferente dos capitais existentes e já em função. O capital acumula-se nas mãos
de um precisamente porque sai das mãos de muitos. E a centralização propria­
mente dita. em oposição ã acumulação e à concentração"?

Entendemos assim por concentração o crescimento do capital por


meio da capitalização da mais-valia produzida por esse mesmo capital; e
por centralização. a reunião de diversos capitais em um só. A concentração
e a centralização percorrem várias fases de desenvolvimento que convém
igualmente examinar. A propósito, constata-se que os dois processos - con­
centração e centralização - agem constantemente um sobre o outro. Uma
forte concentração de capital acelera a absorção das empresas mais fracas;
e, inversamente, a centralização desenvolve a acumulação do capital indivi­
dual e agrava, em conseqüência, o processo de concentração.
A forma inicial do processo de concentração é a concentração do capí­
tal na empresa individual. Essa forma predominou até o último quartel do
século passado. A acumulação do capital social traduziu-se por uma acumu­
lação de capital de certos empresários, opostos uns aos outros pela concor­
rência. O desenvolvimento das sociedades anônimas, que veio permitir o
emprego dos capitais de grande número de empresários isolados e desfe­
chou um golpe definitivo no princípio da empresa individual, criou, ao mes­
mo tempo, as condições necessárias ao desenvolvimento dos grandes sindi­
catos-monopólios de patrões. A concentração dos capitais adquiriu uma for­
ma diferente: a concentração dos trustes. A acumulação de capital deixou
de fazer crescer os capitais dos produtores individuais e translorrnou-se em
instrumento de crescimento das organizações patronais. O ritmo da acumu­
lação acentuou-se singularrnente. Massas consideráveis de mais-valia, que
ultrapassam amplamente as necessidades de um íntimo grupo de capitalis­
tas, convertem-se em capital para iniciarem novo ciclo de circulação. O de­
senvolvimento, entretanto, não se detém aí. Ramos da produção isolados
amalgamam-se, de múltiplas formas, numa única associação, organizada
em ampla medida. O capital financeiro prende, em suas tenazes, o conjun­

3MARX, Karl. Le Capital. Livro Primeiro. t. IV, p. 89-90.


REPRODUÇÃO DO PROCESSO DE coNcmrRAÇÁo E CENTRALIZAÇÁOD0 CAPITAL l .ll

to do país. A economía do país transforma-se em gigantesco truste combi­


nado, cujos acionistas são os grupos financeiros e o Estado. Designamos es­
sas fonnações sob o nome de rrustes capitalistas nacionais. Sem dúvida. pa­
ra falar claro, não se pode assimilar sua estrutura à estrutura do truste: este
representa uma organização menos anárqulca e muito mais centralizada.
Em certa medida, entretanto, sobretudo em relação à lase precedente do
capitalismo, os Estados economicamente desenvolvidos chegaram. por as­
sim dizer, a um ponto em que é possivel considerá-los uma espécie de orga­
nização trustiñcada ou, segundo a denominação que lhes demos. trustes ca­
pitalistas nacionais. A partir daí, é possível falar de concentração de capital
nos trustes capitalistas nacionais, compreendidos como partes integrantes
de um campo econômico-social muito mais amplo: a economia mundial.
É verdade que os primeiros economistas haviam igualmente falado de
"acumulação de capital no país". Era esse, inclusive, um de seus temas pre­
diletos, como o indica o título da obra principal de Adam Smith. Nesse mo­
mento, entretanto, asa expressão revestia um sentido sensivelmente dife­
rente, dado que a "economia nacional" ou a "economia do país" não
constituía, de forma alguma, uma empresa coletiva capitalista, um gigantes­
co truste combinado único, formas que, em larga medida, adotaram os paí­
ses avançados do capitalismo moderno.
Paralelamente à transformação das formas de concentração, houve
transformação das formas de centralização. Sob o regime da empresa indi­
vidual, os capitalistas isolados lutavam entre si mediante a concorrência. A
"economia nacional" e a "economia mundial" constituíam simplesmente
os sistemas de conjunto dessas unidades relativamente mínimas "ligadas
pela troca, que faziam concorrência umas às outras, sobretudo nos contex­
tos nacionais". O processo de centralização expressou-se na absorção dos
pequenos capitalistas e no desenvolvimento das grandes empresas indivi­
duais. Segundo o ritmo de desenvolvimento das grandes e mesmo das gi­
gantescas empresas, passou a decrescer, de fonna constante, a tendência
extensiva da concorrência (no interior das fronteiras territoriais dadas); e
baixou o número de concorrentes paralelamente ao processo de centraliza­
ção. A intensidade da concorrência cresceu, entretanto, em ampla medida,
dado que um número menor de grandes empresas passaram a jogar sobre
o mercado um volume maciço de mercadorias jamais conhecido em épo­
cas precedentes. A concentração e a centralização de capitais levaram as­
sim à organização dos trustes. A luta, por meio da concorrência, vai tomar­
se ainda mais áspera. Ela vai transfonnar-se de concorrência entre inúme­
ras empresas individuais, em concorrência encamiçada-entre certas associa­
ções capitalistas de envergadura, empenhadas numa políticaxgomplexa e,
em grande parte, calculada. Mal a concorrência cessa num ramo\' teiro da
produção, explode, mais violenta ainda, a guerra entre os sindicatosxindus­
112 O lMPERlALlSMO. REPRODUÇÃO AMPLIADADA CONCORRÊNCIA CAPlTALlSTA

triais dos demais ramos, visando à partilha da mais-valia: as organizações


produtoras de produtos manufaturados insurgem-se contra os sindicatos de­
tentores da produção de matérias-primas, e inversamente. O processo de
centralização avança passo a passo. As organizações combinadas e os con­
sórcios bancários agrupam toda a produção nacional, que toma a forma de
uma central de uniões industriais e transforma-se desse modo em truste ca­
pitalista nacional. A concorrência atinge o máximo de seu desenvolvimen­
to: a concorrência dos trustes capitalistas nacionais no mercado mundial.
Nos limites das economias nacionais, a concorrência reduz-se ao mínimo,
para avultar, fora desses limites, em proporções fantásticas, desconhecidas
em épocas históricas anteriores. Sem dúvida, a concorrência entre as eco­
nomias nacionais, isto é, entre suas classes dominantes, já existia antes. Ti­
nha, entretanto, caráter inteiramente diverso, visto que era bem diferente a
estrutura interna das economias nacionais.
A economia nacional não atuava sobre o mercado mundial como um
sistema homogêneo, organizado, de considerável poder econômico: no
seio dessa economia, a liberdade de concorrência reinava sem contestação.
No mercado mundial, ao contrário, a concorrência estava muito pouco de­
senvolvida. A época do capitalismo financeiro subverte tudo. O centro de
gravidade passa a situar-se na concorrência que se fazem corpos econômi­
cos gigantescos, coerentes e organizados, armados de enorme faculdade
de combate, no certame mundial das nações. A concorrência entrega-se a
suas orgias mais desregradas. O processo de centralização do capital trans­
fomia-se e inicia uma fase superior. A absorção dos pequenos capitais, dos
trustes demasiado fracos e mesmo dos grandes trustes passa a segundo
plano e parece um simples brinquedo diante da absorção de países intei­
ros, isolados, pela violência de seus centros econômicos, e integrados no
sistema econômico das nações vitoriosas. A anexação imperialista constitui,
pois, um caso particular da tendência geral capitalista à centralização do ca­
pital: uma centralização cuja amplitude deve corresponder ao nivel da con­
corrência dos trustes capitalistas nacionais. Essa luta tem por arena a econo­
mia mundial; e por limites económicos e políticos o truste universal, o Esta­
do mundial único, subordinado ao capital financeiro dos vencedores que tu­
do assimilaram - ideal que jamais haviam sonhado os mais audaciosos es­
piritos das épocas passadas.
Distinguem-se dois tipos de centralização: o primeiro, quando uma uni­
dade económica absorve outra similar. O segundo, a centralização vertical,
quando uma unidade econômica assimila outra pertencente a um ramo es­
tranho. No segundo caso, estamos em presença de um "complemento eco­
nômico", ou de uma unidade econômica combinada. Hoje, quando a con­
corrência e a centralização dos capitais se reproduzem em escala mundial,
reencontramos esses dois tipos de centralização. Se um país, um truste capi­
REPRODUÇÃO DO PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO E CENTRALIZAÇÁO DO CAPITAL 1 13

talista nacional, absorve um similar mais fraco mas de estrutura econômica


mais ou menos semelhante, obtemos uma centralização horizontal do capi­
tal. Se a um truste capitalista nacional se anexa uma unidade que, economi­
camente, o completa - como, por exemplo, um país agrário -, obtemos
uma unidade econômica combinada. Na realidade, há ai as mesmas contra­
dições dissimuladas e as mesmas forças atuantes existentes no contexto das
economias nacionais. Mais particulamiente, o encarecimento das matérias­
primas termina por levar ã organização de empresas combinadas. Reprodu­
zem-se assim no nível mais alto da luta as mesmas contradições entre os dile­
rentes ramos econômicos - já, porém, em escala sensivelmente ampliada.
O processo concreto de desenvolvimento da economia mundial con­
temporânea passa por essas duas formas de centralização. A conquista da
Bélgica pela Alemanha é um exemplo de anexação imperialista horizontal;
a conquista do Egito pela Inglaterra, um caso tipico de anexação vertical.
Não obstante, costuma-se representar o imperialismo sob o aspecto exclusi­
vo das conquistas coloniais. Essa concepção, errônea em sua essência, po­
dia, em certa medida, justificar-se no passado pelo fato de que, seguindo a
linha do menor esforço, a burguesia tendia a ampliar seu território ã custa
das regiões não ocupadas e de pouca capacidade de "resistência". Já hoje
aproxima-se a hora da "partilha selvagem". Assim como os trustes que se
fazem concorrência nos limites nacionais desenvolvem-se, inicialmente, em
detrimento dos outsiders, e esperam ter, antes, devorado os agrupamentos
interrnediãrios, para então, se atirarem uns sobre os outros com violência
redobrada, também os trustes capitalistas nacionais lutam uns contra os ou­
tros, e enfrentam-se numa concorrência feroz. .Combatendo, inicialmente,
pela posse das regiões ainda não ocupadas, sob o jus primi occupantis, ter­
minam defrontando-se pela partilha das colônias. A aspereza ulterior da lu­
ta atrai o território da metrópole ao processo de partilha. Aí, ainda, o desen­
volvimento segue a linha do menor esforço, e os trustes capitalistas nacio­
nais mais fracos são os primeiros a desaparecer. Tais são os efeitos da lei
geral da produção capitalista: uma lei que só desaparecerá com a própria
produção capitalista.
CAPÍTULO Xl

Os Métodos de Luta, Visando à Concorrência e ao Poder

1. Métodos de luta entre empresas individuais. - 2. Métodos de luta entre


trustes. - 3. Métodos de luta entre os trustes capitalistas nacionais. - 4. lm­
portância econômica do poder. - 5. Militarismo.- 6. Modificação da estru­
tura do poder.

O desenvolvimento da concorrência - como o expusemos no capítu­


lo anterior - faz com que o desaparecimento contínuo da concorrência en­
tre unidades econômicas menos importantes agrave a concorrência entre
as grandes unidades. Esse processo acompanha-se de modificações inusita­
das nos métodos de luta.
A guerra que as economias individuais travam entre si faz-se, de hábi­
to, por meio do aviltamento dos preços: as pequenas empresas vendem o
mais barato possível, restringindo até o limite máximo seu nível de vida. Os
capitalistas esforçam-se por reduzir os custos de produção, melhorando a
técnica, diminuindo os salários etc. Quando a luta dos trustes substitui a
das empresas individuais, os métodos dessa luta (na medida em que ela se
trava no mercado mundial) são submetidos a certas modificações: os pre­
ços baixos no mercado interno são substituídos por preços elevados, que fa­
cilitam a luta no mercado externo, a qual se processa mediante a baixa des­
ses mesmos preços em detrimento do mercado interno. Cresce a importân­
cia do poder do Estado pela utilização das taxas aduaneiras e das tarifas de
transporte; a força imensa dos trustes, que se opõem uns aos outros tanto
no mercado interno como no mercado extemo, perrnite-lhes, ainda em cir­
cunstâncias determinadas, o uso de outros métodos. Assim, se o truste
constitui uma empresa combinada, se, por exemplo, possui estradas de fer­
ro, navios mercantes, energia elétrica etc., pode - constituindo um Estado

115
116 O lMPERlALlSMO. REPRODUÇÃO AMPLIADADA CONCORRÊNCIA CAPlTALlSTA

dentro do Estado - complicar seriamente a tarefa de seus concorrentes, re­


gulando a seu bel-prazer suas tarifas de transporte por terra e por mar, os
preços da energia elétrica etc. Como pode ainda, aplicando medidas ainda
mais eficientes, fechar para seus concorrentes todo acesso às matérias-pri­
mas e aos mercados e cortar-lhes o crédito. Tais métodos são aplicados so­
bretudo onde existe um cartel combinado. As matérias-primas produzidas
pelas empresas filiadas ao cartel não são, “em principio", vendidas aos out­
siders; e os membros do cartel comprometem-se a nada comprar destes úl­
timos. Mais ainda: sob a pressão do cartel e de seus agentes, os clientes or­
dinários do cartel são forçados a cumprir esse compromisso (e, para isso,
são, às vezes, agraciados com prêmios, descontos etc.). Assinalemos, por
fim, o aviltamento voluntário dos preços e a venda corn prejuízo a que se
recorre para esmagar um concorrente.

"Não se trata", aqui, “de ganhar o que quer que seja na própria empresa:
trata-se. unicamente, de vencer a concorrência. A partir desse momento, a lu­
ta é conduzida sem levar em conta os custos de produção. Não são estes últi­
mos que servem para fixar o limite extremo dos preços, mas sim a potência
dos capitais e a capacidade de crédito do cartel, isto é, o tempo durante o
qual seus ñliados são capazes de sustentar a luta, sem dela auferir lucro al­
gum."

Recorre-se a esse método, no interior do mercado interno, para elimi­


nar definitivamente um concorrente: no mercado exterior, ele apenas agra­
va o dumping. Existem, no entanto, métodos de luta ainda mais singulares.
Queremos referir-nos à luta entre os trustes americanos. Lá as coisas foram
além do limite pemiitido num "Estado policiado": recrutamento de bandos
de energúmenos chamados a destruir as estradas de ferro, a sabotar e arrui­
nar os oleodutos; incêndios e assassinatos; corrupção, em larga escala, dos
funcionários e, notadamente, de corporações inteiras de juízes; colocação
de espiões nas empresas concorrentes etc. Tudo isso pode ser visto, profu­
samente, na história da formação das gigantescas empresas modernas da
América?

l KESTNER, V. Fritz. Die Organisationszwang. Eine Untersuchung Uber die Kãmp/e zwischen Kartellen
und Aussenseitem. Berlim, 1912. Ver, igualmente, no que se refere a Kestner, o artigo de HlLFER­
DlNG. "Organisationsmacht und Staaisgewalt." ln: Neue Zeit. 32,2.
7 Ver LAFARGUE. Les Trusts Américains; NAZAREWSKI. Op. cit. Ver, igualmente, MAYERS, Gusta­
vus: History o] the Great American Fortunes. O relatório do Comité legislativo de seguros, para 1906,
diz: "Está comprovado que as grandes companhias de seguros empenharam-se em colocar a seu servi­
ço a legislação deste Estado (Nova York) e de outros Estados. (...) Três companhias dividiram entre si o
pais (...) para se livrarem, desse modo, de grandes dificuldades, cada qual ocupando-se apenas de sua
região". Mayers acrescenta: "É maravilhoso: como a indústria, a corrupção transforma~se num sistema
e se modemiza!" O mesmo relatório fomece os dados seguintes: em 1904, a Mutual despendeu, em
gastos ligados à conupção. 364 254 milhões de dólares; a Equiiable, 172 698 milhões; e a New-York,
204 019 milhões (t. ill, p. 270).
OS MÉTODOS DE LUTA. VISANDO À CONCORRÊNCIA E AO PODER l 17

Quando a concorrência alcança seu paroxismo - a concorrência en­


tre trustes capitalistas nacionais - a utilização do poder do Estado e das
possibilidades que dele decorrem passa a desempenhar papel preponderan­
te. É verdade que o aparelho de Estado sempre fol uma trama nas mãos
das classes dominantes de cada pais, seu "defensor e protetor" no merca­
io mundial, mas seu papel nunca foi tão considerável, tão importante
quanto na época do capital financeiro e da politica imperiallsta. A formação
dos trustes capitalistas nacionais faz passar a conconéncia, quase inteira­
mente, ao domínio da concorrência externa. É evidente que_ a partir desse
momento, os órgãos dessa luta "extema", e em primeiro lugar o poder go­
vernamental, devem reforçar-se ao extremo. A orientação capitalista das al­
tas tarifas aduaneiras, destinada a aumentar a capacidade combativa do
truste capitalista nacional no mercado exterior, acentua-se ainda mais. Mul­
tiplicam-se as mais diversas formas de "proteção à indústria nacional"; ga­
rantem-se os rendimentos de toda espécie de empresas sujeitas a riscos,
mas de “utilidade pública": paralisa-se, de todos os modos, a atividade dos
“estrangeiros" (ver, por exemplo, a política aplicada pelo Governo francês,
por meio da Bolsa, que descrevemos no Capitulo Il). No caso de tratados
comerciais, intervém logo o poder governamental das partes contratantes,
e da correlação de forças em presença - isto é, em última instância, de
suas forças militares - dependem os resultados dos tratados em questão.
No caso da conclusão de um empréstimo e da atribuição de créditos a um
país qualquer, o governo - tendo atrás de si força militar- impõe a mais
alta taxa de juros possível, assegura-se encomendas obrigatórias, exige con­
cessões, combate os concorrentes estrangeiros. Se uma luta se inicia com
vistas à exploração capitalista de uma região ainda fomialmente não ocupa­
da, é ainda do poderio militar do Estado que depende sua ocupação por es­
te ou aquele pais. Em tempo de "paz", o aparelho militar dissimula-se e
atua sob outros pavilhões, donde não cessa de agir; em tempo de guerra,
ele intervém diretamente. Quanto mais tensa a situação na arena mundial
- e nossa época caracteriza-se precisamente por uma tensão extrema da
concorrência entre grupos capitalistas financeiros nacionais - tanto mais se
recorre ao punho de ferro do Estado. Os últimos vestígios da antiga ideolo­
gia do laissez-faire, laissez passer, desaparecem. Estamos na época do "no­
vo mercantilismo": o imperialismo.

"A tendência do imperialismo alia os fenômenos da economia ao alto pode­


rio político. Tudo é organizado em alta escala. A livre circulação das forças
econômicas que, ainda recentemente, seduzia os pensadores e os homens de
negócios está prestes a desaparecer. Há, em todos os lugares, fluxo e refluxo
de emigrantes, e o Estado mantém-se vigilante em relação a esse processo.
Novas forças econômicas e sociais necessitam de poderosa proteção no inte­
rior do país e também no exterior. Visando a esse objetivo, o Estado cria no­
118 o IMPERIALISMO, REPRODUÇÃO AMPLIADA DA CONCORRÊNCIA CAPITALISTA

vos órgãos, um número imenso de instituições e de funcionários. A atividade


governamental enriquece-se, em toda parte, com novas funções. Sua influên­
cia faz-se sentir, de modo crescente, na vida interna e também nas relações
exteriores. O governo não se nega a zelar diretamente pelos interesses de seu
povo (é claro que, ao ler os economistas burgueses, deve-se tomar a palavra
“povo" em sentido relativo) em qualquer ponto do globo em que esses inte­
resses se manifestem. A economia nacional e a politica interpenetram-se.
Aprofunda-se a ruptura com a época do antigo liberalismo com a teoria do
laissez passer, com a doutrina da hannonia dos interesses. E-se forçado a crer
que o mundo se toma mais belicoso, mais cruel. O universo unifica-se cada
vez mais: nele, todos os homens estão próximos uns dos outros, influenciam­
se reciprocamente e, ao mesmo tempo, se empurram e se agridem.”

Se, de modo geral, cresce a importância do poder do Estado, o desen­


volvimento da organização militar- de seu exército e de sua marinha ­
acentua-se particularmente. Antes de tudo, a luta entre os trustes capitalis­
tas nacionais decide-se pelo confronto de suas respectivas forças militares,
já que a potência militar do país constitui a última instância a que fazem
apelo os grupos capitalistas nacionais. O orçamento nacional - que cresce
em proporções fantásticas - empresta um tributo crescentemente pesado
às despesas consagradas à "defesa do país" (para empregar o eufemismo
habitualmente utilizado para designar as despesas destinadas à sua militari­
zação).
O quadro da página seguinte ilustra o prodigioso crescimento das des­
pesas militares e a parte que ocupam dentro dos orçamentos nacionais.
A situação atual dos orçamentos de guerra traduz-se nos dados seguin­
tes: Estados Unidos (1914): 173 522 804 dólares para o exército e
139 682 186 dólares para a marinha de guerra, num total de 313 204 990
dólares; França (1913): 983 224 376 francos para o exército e
467 176 109 francos para a marinha, ou seja, 1450 400 485 francos (em
1914, 1 717 202 233 francos); Rússia (1913, somente para as despesas or­
dinárias): 581 099 921 rublos para o exército e 244 846 500 para a mari­
nha, isto é, 825 946 421 rublos; Grã-Bretanha (1913/14), 28 220 000 li­
bras para o exército, e 48 809 300 para a marinha, ou seja, 77 029 300 li­
bras esterlinas; Alemanha (1913, despesas ordinárias e despesas extraordi­
nárias): 97 845 960 libras esterlinas4 etc.
Estamos atravessando um periodo de desenvolvimento febril dos ar­
mamentos terrestres, navais e aéreos. Cada aperfeiçoamento da técnica mi­
litar acarreta a reorganização dos mecanismos militares. Cada inovação, ca­
da desenvolvimento do poderio militar de um Estado incita os demais a se­
guirem seu exemplo. Produz-se um fenômeno análogo ao que constata­

3lSSAlEV, Prof. Op. cit. p. 261-262.


°Colhemos esses dados em The Statesman Year-Book, 1915.
OS MÉTODOS DE LUTA, VISAMX) À CONCORRÊNCIA E AO PODER H9

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120 o IMPERIALISMO, REPRODUÇÃO AMPLIADA DA CONCORRÊNCIA CAPITALISTA

mos em matéria de politica aduaneira, quando o aumento das taxas num


Estado determinado repercute imediatamente nos demais pelo aumento ge­
ral que neles provoca. Ainda aqui, trata-se, evidentemente, apenas de um
caso particular do princípio da concorrência, já que o poderio militar do
truste capitalista nacional é sua arma de luta económica. Criando a deman­
da de produtos da metalurgia, o aumento dos amiamentos faz crescer in­
tensamente a importância da grande indústria e, mais particulannente, dos
"reis do canhão", à maneira de Krupp. Seria, no entanto, dar prova de um
raciocínio extremamente superficial pretender que as guerras sejam provo­
cadas pela indústria de annamentos" Esta não constitui, de fonna alguma,
em si mesma um ramo à parte, um "mai" artificialmente provocado e ca­
paz de desencadear "batalhas entre povos". Na realidade, de tudo o que
foi exposto, resulta que o armamento é um atributo necessário do poder
do Estado e desempenha uma função claramente definida na luta entre
trustes capitalistas nacionais.
A sociedade capitalista é inconcebível sem armamentos, da mesma for­
ma que não pode ser concebida sem guerras. E assim como não são os pre­
ços baixos que engendram a concorrência, mas, ao contrário, é a concor­
rência que determina o aviltamento dos preços, tampouco é a existência
dos exércitos a causa essencial e a força motriz das guerras (embora, na rea­
lidade, as guerras sejam impossíveis sem exércitos) - mas, muito ao con­
trário, é a inelutabilidade dos conflitos econômicos que condiciona a exis­
tência dos exércitos. Eis por que, nos dias de hoje, quando os conflitos eco­
nômicos atingem os mais altos níveis de tensão, assistimos à corrida arma­
mentista. O domínio do capital financeiro pressupõe o imperialismo e o mili­
tarismo. Nesse sentido, o militarismo é um fenômeno histórico tão típico
quanto o capital financeiro.
Na medida em que cresce sua influência, o poder do Estado modifica
sua estrutura interna. Mais do que nunca, ele se configura como o "comitê
executivo das classes dominantes". Sem dúvida, sempre refletiu os interes­
ses das "camadas superiores".° Na medida em que essas camadas superio­

5 Ver, por exemplo, o livro de Pavlovitch mencionado anteriormente. Kautsky fornece uma variante ain­
da mais vulgar dessa teoria, ao afimiar (ver Nationalstaat, lmperialischer Staat und Staatenbund, assim
como vários artigos na Neue Zeit do tempo de guerra) que a guerra foi provocada (...) pela mobiliza­
ção. Na realidade, isso significacolocar tudo de cabeça para baixo.
° Certos sociólogos e economistas burgueses o reconhecem, principalmente Franz Oppenheimer_ que
vê no Estado a organização das classes detentoras dos meios de produção (e, em primeiro lugar, da ter­
ra) para a exploração das massas populares. Até certo ponto, sua definição aproxima-se da teoria mar­
xista, ainda que alterando-a sensivelmente (no que concerne à imporiáncia primordial da terra etc.).
Convém assinalar que, em suas notas polémicas contra Oppenheimer, uma personalidade tão compe­
tente como o economista e sociólogo alemão Adolf Wagner admite em larga medida aquela definição,
embora a transfira ao Estado "histórico". Ver seu artigo: "Staat ln Nationalõkonomlscher Hinsichi". ln:
Handwónerbuch der Staatsw issenschaften. t. Vll, 3.' ed., p. 731.
os MÉTODOS DE LUTA VISANDOA CONCORRÊNCIAE A0 mou: 121

res constituíamfuma massa mais ou menos amorfa. o poder organizado


exercia um papeLde equilibrio para a classe (ou classes) não organizada_ cu­
jos interesses encamava. Hoje_ as coisas modificam-se radicalmente. O apa­
relho de Estado encarna, agora, não só os interesses das classes dominan­
tes em geral, mas, também sua vontade coletivamente detenninada. Serve
de equilíbrio não só para membros esparsos das classes dominantes_ mas
também para suas organizações. O governo passa assim a ser de facto um
"comitê" eleito pelos representantes das organizações patronais, bem co­
mo o mais alto diretor do truste capitalista nacional. Está ai uma das princi­
pais causas da crise do parlamentarismo. Em outros tempos, o Parlamento
era a arena em que se desenrolava a luta das frações dos grupos dominan­
tes (burguesia, proprietários de terras, camadas diversas da burguesia etc.).
O capital ñnanceiro fundiu a quase totalidade de suas mudanças numa
"única massa reacionária", agrupada em grande número de organizações
centralizadas. Por outro lado, as tendências "democráticas" e liberais ce­
dem lugar à tendência monarquista claramente expressa do imperialismo
moderno, que tem a maior necessidade de uma ditadura do Estado. Em
certa medida, o Parlamento é, hoje, apenas um cenário onde se fazem apli­
car as decisões previamente elaboradas nas organizações patronais e onde
a vontade coletiva do conjunto da burguesia organizada vai buscar apenas
sua consagração tom-tal. Um "poder forte", apoiado numa marinha e num
exército gigantescos constitui o ideal da burguesia moderna. Não se trata,
absolutamente, de “sobrevivências capitalistas", como alguns o supõem.
Nem tampouco de vestígios do passado, testemunhos fortuitos do Velho
Mundo. Trata-se de uma organização social e política inteiramente nova,
criada pelo desenvolvimento do capital financeiro. Se a antiga política mili­
tarista do "a ferro e a sangue" lhe serviu de modelo no tocante à forma, is­
so é válido apenas na medida em que as molas que acionam a vida econô­
mica moderna impelem o capital no caminho de uma política agressiva e
da militarização do conjunto da “vida social". A prova cabal disso não está
só na politica externa de países democráticos, como Inglaterra, França, Bél­
gica (observe-se a politica colonial belga), Estados Unidos, mas também
nas mudanças sobrevindas em sua política interna (militarização e desenvol­
vimento do espírito monarquista na França, ataques reiterados contra as or­
ganizações operárias em todos esses países, e assim por diante).
Sendo ele próprio o principal acionista do truste capitalista nacional, o
Estado moderno é sua mais alta instância organizada em escala universal.
Daí, sua potência formidável, quase monstruosa.

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