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NIETZCHE E O MULTICULTURALISMO

Javier Alejandro Lifschitz1

Se entendemos que o “sujeito” não é


nada que atue, mas apenas uma
ficção, muitas coisas se seguem
(Nietzsche, Sabedoria Para Depois de
Amanhã)2.

INTRODUÇÃO

Na Alemanha de Nietzche os conflitos eram mais nacionais do que


étnicos. Fora a guerra da Prússia contra Áustria e o conflito pela
anexação da Saxônia, existia a rivalidade cultural com França. É
desde este contexto histórico de reunificação nacional e conflitos de
fronteira que deve-se interpretar a figura do “bom europeu”,
presente em algumas de suas obras3. Em Povos e Pátrias, proclama o
“bom europeu” como um processo de assimilação de todos os
europeus em “uma espécie de homem supranacional e nômade, a
qual, falando fisiologicamente, possui um máximo de arte e de força
de adaptação como característica típica” 4.
Supranacional e nômade, esse novo europeu seria fruto da
fecundação de “raças”, cabendo a algumas a incumbência feminina

1
Doutor em Sociologia. Professor do Centro de Ciências Humanas e do
Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO.

2
Sabedoria para depois de amanha, Verão de 1887, 9 [91] (65) Para
combater o determinismo.

Especialmente em Além do Bem e do Mal, oitava parte: Povos e Pátrias.


3

4
Alem do bem e do mal, § 242.

1
da gravidez (“formar, amadurecer e aperfeiçoar”) e a outras o papel
masculino da fecundação (“serem causa de novas ordens de vida”).
O aspecto feminino da raça, que outrora atribuía ter sido
responsabilidade dos gregos, seria assumido pelos franceses, e o
aspecto masculino, caberia aos judeus, romanos e alemães, “povos
dilacerados e extasiados por febres ignotas e impulsos irresistíveis
fora de seu ser”5. Considerava que o “bom europeu”, não poderia ser
fruto do domínio de um único povo sobre os outros, pois a
germanização da Europa seria tão funesta como a europeização das
“idéias francesas”. O caminho a seguir era o do entrosamento sexual
das culturas. Contudo, estimava que esse desejável acoplamento de
raças não iria se consumar:

Estas duas espécies de gênio se procuram, como o macho procura a


fêmea, mas não sabem entender-se entre si, como acontece entre
macho e fêmea6.

As raças européias se atraiam ente si, mas não se abandonavam ao


encontro intimo dos corpos. Propunha, como alternativa mais viável,
a deglutição dos judeus da Europa pelos italianos, franceses e
ingleses, incluindo nesse festim cultural os russos, que haviam
desenvolvido a singular capacidade de saber “alargar as conquistas o
mais lentamente possível”. O “bom europeu” é um relato épico sobra
a consagração deste “superior” europeu perante a ambição ao
predomínio de uma única nação. Na década de 1880, Nietzsche tinha
se tornado crítico do nacionalismo bismarckiano (“uma demência
teutônica e prussiana anti-francesa, anti-semita e anti-polaca”) que
julgava responsável da inútil tentativa de pretender exercer o
domínio militar sobre a Europa sem conquistar a hegemonia cultural

5
Alem do bem e do mal, § 248.
6
Idem, § 248.

2
(Ansell-Pearson, 1997). Para Nietzsche, a questão não era nacional
nem militar. Era da índole dos corpos e das culturas, ou melhor, das
culturas através dos corpos. Daí sua utopia sobre uma “super-etnia”
que pudesse congregar o “melhor” 7 de cada povo da Europa e que
entrava em colisão com as visões nacionalistas e armamentistas
dominantes na política alemã de fins do século XIX. Em termos
contemporâneos, poderíamos dizer que o “bom europeu” representa
uma visão multiculturalista à questão do patriotismo, mas os limites
da reflexão são estritamente eurocêntricos. Portanto pode resultar
demasiado “temporânea” para pensar um agora de continentes
móveis, em que migrantes de etnias africanas, árabes, asiáticas e
latinas estendem o universo de referencias culturais e confrontam
essa própria ideia de uma Europa plástica e aberta à reconstrução
intercultural. O retorno do racismo, já indica que os marcos do
debate são outros. Entretanto, a reflexão filosófica sobre o “bom
europeu” permite também um outro registro conceitual. Desde uma
implicação filosófica, o “bom europeu” também é uma operação
cultural de torção, porque desloca as identidades étnicas e culturais8
do reino das imutabilidades em direção as brumas da intuição criativa.
O “bom europeu” sugere que as identidades culturais não são “dadas”
de um vez para sempre, não são um destino biológico ou hereditário.
Pelo contrario, parecem ser mutáveis, podem ser misturadas,
deglutidas, selecionadas, extirpadas. Constituem um aspecto criativo

7
A ideia de congregar o “melhor” de cada povo levou a alguns autores a
associar Nietzsche à um projeto de eugenia, tal como defendido pelos
nacional-socialistas alemães, mas segundo Frezzatti Jr. (2001), a concepção
nazista de uma raça superior parece não corresponder à concepção de
“seleção” implícita no “bom europeu”. Segundo o comentarista, Nietzsche
não atribui valor a uma raça específica e sua idéia de cruzamento de raças
tem como alvo indivíduos, “casos isolados de homens superiores”.
8
Vale destacar que o termo identidades culturais e étnicas é totalmente
alheio à terminologia de Nietzsche. Contudo, Nietzsche refere-se a grupos
sociais que denomina “rebanhos” e “raças” e que tomamos como
equivalentes desses termos. O contexto discursivo justificaria essa
apropriação, embora inapropriada do ponto de vista da adequação a
terminologia do autor.

3
das sociedades e estão em consonância com os imperativos da
criação estética: dialogam com a falsidade e a ficção. Para Nietzsche,
as identidades sociais teriam uma iniludível necessidade de ficção.
Mas esta não seria uma particularidade das identidades étnicas e
culturais. Sugerimos, neste artigo, que para Nietzsche toda
identidade gregária, seja étnica, cristã ou socialista, têm como
suporte a ideia de ficção. Haveria um vinculo conceitual entre
cristianismo, socialismo e etnicidade em torno desta concepção da
identidade social como ficção e que se poderia estender ao campo do
multiculturalismo atual. Assim, partindo de suas reflexões sobre as
identidades gregárias pretendemos chegar a uma sorte de simulacro
do que seria uma perspectiva nietzschiana sobre o multiculturalismo.

DO REBANHO AO DISPOSITIVO DA FICÇÃO

Na historia social moderna, o socialismo se opõe ao cristianismo em


diversos sentidos, mas em Nietzsche constituem identidades análogas
enquanto expressões gregárias do ressentimento e da fragilidade.
Quando Nietzsche escrevia sobre o socialismo, o movimento político
tinha somente meio século de existência, mas já era considerado
como a “força do futuro” (Nolte, 1995). Como anunciavam Marx e
Engels no Manifesto, o socialismo se difundia na Europa como um
“fantasma” que anunciava a iminência da revolução e que iria
aniquilar formas de vida. O capitalismo seria um aliado nessa guerra,
já que a própria lei da produção capitalista, ao concentrar o capital
em poucas mãos, reduziria a burguesia a um grupo de magnatas. Em
alguns paises da Europa a revolução proletária não tinha nenhuma
possibilidade de se desenvolver, mas na Alemanha a ameaça era real
(Nolte, 1995:177). Nolte defende a ideia de que Nietzsche foi um dos
primeiros líderes intelectuais a tentar fundar um “partido da contra-
aniquilação”, considerando que na Alemanha ainda não existia um

4
partido liberal unitário (e menos ainda de alcance transnacional),
para se contrapor à “práxis” socialista de aniquilamento. Com base
em obras como o Anticristo e Ecce Homo, Nolte identifica quem seria
o alvo deste “partido da contra-aniquilação”: Deus, a Igreja, os
sacerdotes, os “homens bons” e os “rebanhos” cristãos e socialistas.
Pelo que sabemos, Nietzsche nunca acabou liderando tamanha gesta
anticristã e anti-socialista9, mas a ideia de rebanho se constitui em
uma arma filosófica contra o socialismo:

A degeneração global do homem, até se rebaixar ao que hoje os


cretinos e pérfidos socialistas têm como ideal e chamam de <homem
do futuro>, essa degeneração e empequenecimento do homem em
completo animal de rebanho (ou como eles dizem, em homem da
“sociedade livre”). Essa animalização do homem até se converter em
animal dotado de igualdade de direitos e exigências sem duvida são
possíveis. Aquele que tem pensado profundamente em essa
possibilidade conhece a náusea mais que outros homens e tal vez
também uma nova tarefa...! (Nolte, 1995:93 apud KGW, vol. VI, 2, p.
12910).

Na perspectiva da vontade de poder, o rebanho socialista era uma


identidade política que congregava os decaídos, fracos, submissos,
débeis e ressentidos. Todas qualidades que designavam o “inferior” e
que representavam um retrocesso fisiológico. É interessante destacar
que enquanto Marx define a identidade do proletariado em
consonância com o “progressivo avanço da consciência”, em
Nietzsche, tanto a identidade socialista como a cristã, representam
uma “regressão da consciência”:

9
Sobre o tema da Grande Política como complô ver Klossowski, (1985) e
Barrenechea (2008).
10
KGW: “Nietzche, F. Kritische Gesamtausgabe, Colli e Montinari, 1967,
Berlin, Walter de Gruyter/Deutscher Taschenbuch Verlag.

5
Ai onde a vontade de poder decai sempre há um retrocesso
fisiológico, uma <décadence>. A divindade da <décadence>,
castrada de suas virtudes e instintos mais viris converte-se, a
partir desse momento, no Deus dos fisiologicamente retrasados,
11
dos débeis .

Estas ideias de Nietzsche foram discutidas no campo socialista. Para


Franz Mehring 12 , por exemplo, Nietzsche não era o “filosofo da
aristocracia”, como afirmava Georg Adler, mas sim o “filosofo do
capitalismo”, pois desculpabilizaba a crueldade e inumanidade da
classe capitalista. Quando Nietzsche “valorizava” o fazia desde o lugar
da classe capitalista. Esta posição também esta presente em Luckacs,
principalmente no ensaio “O fascismo alemão e Nietzsche” 13 , onde
argumentava que ao “difamar toda ação social que tenha como
objetivo mudar a sociedade capitalista”, Nietzsche se colocava entre
os apólogos da sociedade burguesa (Montinari, 1985:39).
Entretanto, Simmel e outros autores anarquistas deram outras
interpretações à ideia nietzscheana de rebanho. O tema de debate foi
principalmente a tese do filosofo sobre a representação do processo
histórico como luta entre o domínio das identidades gregárias e a
vontade dos indivíduos à “ascensão aristocrática”. Como mostrara
Simmel, em um artigo de 1896 intitulado “Um perfil filosófico-
moral” 14 , Nietzsche havia construído uma teoria do valor cultural
bastante singular. Antes que priorizar a democratização dos valores
superiores, de forma que se realizassem no maior número de pessoas,
exaltou a potência do valor em seu grau máximo, embora
acontecesse com um único indivíduo. Tal como no personalismo ético

11
El Anticristo, §171.
12
Um dos principais colunistas do periódico do partido do Partido Social
Democrata, dirigido por Karl Kaustky.
13
Incluido na obra de George Lukács, The Destruction of Reason. London:
The Merlin Press, 1980. .
14
Apud Nolte, op. cit., p. 237

6
de Platão, considerava que a ética nietzschiana estava pautada na
convicção de que existem hierarquias naturais entre os indivíduos e
que alguns sempre se elevam em direção às ideias superiores (Nolte,
1995:237). Na vertente anarquista, Heinrich Braun, colaborador de
um jornal socialista “revisionista”, apontava para o aspecto
progressista desta “aristocratização”. Segundo Braun, a
democratização econômica conduzia necessariamente à
“aristocratização das massas” e essa aristocratização devia ser
considerada positiva. Nietzsche teria predicado o que os socialistas
ainda não estavam em condições de entender: “que o valor da
humanidade reside no homem e que o autêntico passo em direção ao
alto tem um sentido aristocrático” (Thomas, 1983: 630).

A FICÇÃO DA IDENTIDADE

A crítica nietzschiana às identidades gregárias não se limitou à


afirmação da vontade de poder do individuo perante a fraqueza do
rebanho. O filósofo se valeu também de outros recursos discursivos
(Rossi, 2005; Montinari, 2002). Vejamos o seguinte aforismo:

Critica-se o socialismo por ele ignorar a desigualdade real entre os


homens; mas isso não é nenhuma crítica, e sim uma característica,
pois o socialismo decide ignorar essa desigualdade e tratar os
homens como iguais, ou seja, fazer valer entre todos as relações da
justiça, que repousa na suposição de que todos são igualmente
capazes e tem igual valor; como o cristianismo, que tomava os
homens como iguais em relação à depravação pecaminosa e à
necessidade de redenção (...) o socialismo também considera o
homem como predominantemente igual, e a diferença entre o bom e
o ruim, entre o inteligente e o estúpido, como insignificante ou

7
volúvel (...) Naquela decisão de ignorar as diferenças encontra-se sua
15
força entusiasmada .

Sem duvida existe aqui uma mudança de perspectiva. As identidades


cristã e socialista não estão articuladas com o gregário, mas com a
ficção à qual se lhe atribui grande eficácia: o socialismo como ficção
eficaz. Assim, se por um lado, a uma crítica feroz e apaixonada à
força do rebanho, por outro, se percebe um certo fascínio pela
eficácia da ficção. Seu “martelo filosófico” parece ceder ante o
enigma da ficção.
Na obra de Nietzsche o tema da ficção é recorrente, principalmente
nos contextos em que o filósofo discute o papel da mentira na cultura
judeu-cristã. Não há em Nietzsche uma teoria sobre a ficção, mas,
como observa Blondel, a ficção se insere em sua obra como uma
figura de linguagem, uma nomeação, que diz respeito ao
“falseamento da realidade”. O “falso” aqui não é entendido como
oposto a algo “verdadeiro” existente na realidade. A ficção, enquanto
categoria de linguagem se inscreve no campo do discurso e, portanto,
estaria sujeita a outros critérios de veracidade. Como observara o
filósofo inglês Jeremy Bentham, contemporâneo de Nietzsche (e que
além de ter idealizado o conhecido “Pan-óptico”, desenvolveu uma
teoria da ficção16) o “fator lingüístico é quem cria as ficções” (Ogden,
1932). Segundo Bentham, as ficções, enquanto categoria de
linguagem são “entidades fictícias” que possuem existência somente
no plano simbólico, a diferença das “entidades reais”, cuja existência
se dá a conhecer através dos sentidos. A “ficção” não é algo
inexistente ou ilusório. É um objeto, porém singular: “(...) cuja

15
Sabedoria Para Depois de Amanha, Final de 1876 - Verão de 1877: 23
[25].

16
A teoria de Bentham será retomada no campo da filosofia por John Woods
(1974) em The Logic of Fiction.

8
existência é fingida pela imaginação, fingida com o propósito de um
discurso e da qual, uma vez formulado, se fala como um objeto real”
(Ogden, 1932).
Mais que falsas, as ficções são simulacros de referencialidade que
17
projetam como real um objeto imaginado . Outro filósofo
contemporâneo de Nietzsche, que também desenvolveu uma
concepção da ficção desde a perspectiva da linguagem, foi Hans
Vaihinger (2000). O autor observava que na historia do pensamento
o tema da ficção não se restringiu o campo literário. As ficções
também operavam no campo científico, principalmente quando se
fazia referência a “realidades”, das quais não se podia propriamente
dizer que “são” ou “não são”, ou quando se descreviam fatos sob a
forma de “como se” ou “quase”. Segundo sua concepção, alguns
conceitos teóricos também podiam ser considerados ficções se
pensados na ambígua duplicidade de serem “falsos” (por serem
quase-realidades) e ao mesmo tempo serem úteis e eficazes.
Contudo, os desdobramentos da ficção nietzscheana não se limita ao
campo lingüístico. Para Blondel, o tema da ficção em Nietzsche
também pode ser lido em chave freudiana, porque os protagonistas
de sua ficção se “recusam a ver alguma coisa”: “não querer ver o que
se vê, não querer ver como se vê” (Blondel apud O Anticristo, §5518).
Da mesma forma que na Verneinung freudiana, o desejo negado se
realiza clandestinamente como ficção, da mesma forma que a
negação da vontade de poder se realiza no ressentimento.
Entretanto, para Nietzsche a ficção é também um dispositivo à
maneira de Foucault, porque é indicativo e crítico de uma moralidade

17
“Toda verdade tem uma estrutura de ficção”, dirá Lacan.

18
A ficção, se diferenciaria assim de outras formas psíquicas do afastamento
do real como a ilusão (Rosset,1988). Enquanto na ficção a coisa é negada,
na ilusão “a coisa é deslocada, colocada em outro lugar” e “aquilo que se
vê se desvincula da aquilo que se faz”. Segundo Rosset, a ilusão gera o
duplo. Já na ficção trata-se de “não querer ouvir falar, não querer saber
nada do que é verdadeiro”.

9
encoberta. Por isso, segundo Deleuze, a ficção se inscreveria na
problemática nietzscheana do ressentimento (Deleuze, 1986; Zeitlin,
1994; Owen, 1995).
Na interpretação de Deleuze, a ficção nietzscheana é a expressão,
simbólica e instrumental, de relações de forças ativas e reativas. As
primeiras têm vocação de poder, domínio e beleza, enquanto as
segundas são passivas e reagem a tudo o que é ativo, pulsando ódio
e decadência. O ressentimento judeu-cristão representa o triunfo das
forças reativas, cuja uma de suas características é a de agir através
da ficção. O ressentimento precisa da ficção e lhe determina sua
dupla natureza instrumental: “projetar” e “inverter”. A ficção é
inversão por projeção, diz Deleuze. Por um lado, a ficção é quem
projeta uma imagem abstrata da força passiva “que diz não em
resposta a tudo o que representa o movimento ascendente da vida,
ao poder, à beleza, à afirmação” e, por outro, inverte a relação de
forças em detrimento das forças ativas: “se inventa outro mundo em
que a afirmação da vida se transformou no mal, na coisa reprovável
em si”. Como as forças reativas produzem esta ficção?
A ficção nietzschiana esta associada a certas figuras sociais que criam
e comandam o momento da “projeção” e da “inversão”. Na
Genealogia da moral, essa figura é o sacerdote. Ele é quem organiza
o ressentimento, é quem diz:

Somente os miseráveis são bons, os que sofrem, os necessitados, os


doentes, os deformes são também os únicos piedosos, os únicos
abençoados por Deus. Somente a eles pertencerá a beatitude. Ao
contrario, vos, os que sois nobres e poderosos, sois desde a
eternidade os maus, os cruéis, os ávidos, os insaciáveis, , os
ímpios...” (Deleuze, 1986:177 apud Genealogia da Moral, III,7).

O sacerdote é um componente importante nesta configuração da


ficção, porque embora a “projeção” e a “inversão” sejam processos

10
historicamente concomitantes, são subjetivamente distintos, e o
sacerdote, líder do rebanho, é quem possui o poder legitimado para
mudar a direção do ressentimento: transforma o ressentimento no
momento tipológico da má consciência. O acusador se reconhece
como pecador porque o “sacerdote é o artista do sentimento de
culpa” (Deleuze, 1986:184 apud Genealogia da Moral III, 20).
A figura do “sacerdote” em Nietzsche foi passível de diversas
interpretações, mas Deleuze chama atenção para esta articulação
com a ficção, para o fato que “as forças reativas em uma cultura não
prevaleceriam sem uma vontade que organiza as ficções necessárias”.
Chegamos assim a vislumbrar o alcance da perspectiva nietzscheana
da ficção. Contudo, como diz Blondel, a ficção é para Nietzsche
apenas sintomatologia (Blondel,1985:133). Perante as ficções como
modelo de apreensão do real, Nietzsche se pergunta não “como as
coisas são nomeadas”, mas “o que elas são”. E o que encontra são
multiplicidades, diferenças e hierarquias, corpos e vontade de poder.
Caberia indagar se para Nietzsche as identidades étnicas, que
remetem ao sangue, à linguagem, à cor e à terra são menos
ficcionais que as identidades políticas e religiosas, ou toda identidade
étnica e cultural, seja mulçumana, afro-brasileira ou germana,
depende de uma ficção para existir?

MULTICULTURALISMO E FICÇÃO

Como dissemos, os conflitos mais marcantes no ambiente cultural em


que Nietzsche viveu eram mais nacionais que étnicos. Existia a
questão judaica, mas os estrangeiros que viviam na Alemanha
representavam uma parte ínfima da população. Dois séculos depois, a
situação étnica na Alemanha é bem diferente. Os fluxos migratórios
aumentaram de uma forma impressionante e diversa em termos
nacionais e étnicos. De um total de oitenta e dois milhões de

11
habitantes, mais de dez milhões são estrangeiros. A principal
comunidade estrangeira é a turca e a comunidade muçulmana supera
os quatro milhões de habitantes.
Nietzsche utiliza o termo raça em diversos contextos, mas de uma
forma diferente às teorias raciais do século XIX. A raça é considerada
pelo filósofo como um “complexo fisiológico”, em que se cruzam
fatores biológicos, climáticos, políticos, históricos e sociais e que se
articula, especialmente em Considerações Extemporâneas, com a
idéia de degeneração da cultura (Deleuze, 1986:178). Entende a
cultura, como um processo histórico de “adestramento” e “seleção”
que conduz os indivíduos à “moralidade” e a obediência à lei. Cultura
é um mandato, que tem como meta a introjecção da obediência, a
diferença de civilização, cuja meta é a vontade de poder, soberana e
autônoma. Cultura é uma força reativa e civilização uma força ativa,
mas que acabou sendo submetida, por força das organizações e
coletividades humanas, ao hábito e a obediência. Na visão de
Nietzsche, o presente e o passado estão sob o domínio das forças
reativas da cultura, mas o futuro representa, através da
transvalorização de todos os valores, a possibilidade do retorno à
civilização. Toda força reativa se utiliza do dispositivo da ficção,
conferindo-lhe uma natureza especifica. Assim, o ressentimento
conforma um tipo de ficção, mas a cultura não se restringe a essa
força reativa. Existem outras forças reativas na cultura e, portanto,
“outras ficções” além da que se corresponde com o ressentimento. As
forças reativas não são homogêneas e, portanto, também não suas
ficções e o lugar da cultura é entendido como o habitat de uma
pluralidade de forças reativas, como o “adestramento” e a “seleção”.
Como vimos no caso do ressentimento, a ficção resulta de uma
“inversão por projecção”. Qual seria então o procedimento de ficção
no caso dessas outras forças reativas?
A singularidade do adestramento consiste em que forças reativas se
colocam ao serviço de outras forças também reativas, gerando uma

12
fusão de forças. Dessa fusão, resultaria uma ficção paradoxal: forças
reativas heterogêneas são percebidas como uma unidade, que possui
“aparência de atividade e de justiça”. Deleuze quer destacar que o
adestramento produz “associações de forças reativas” tão eficazes ao
ponto de desviar a força ativa da civilização, mas não aprofunda o
entendimento desta “outra ficção”, cuja singularidade é provocar a
unidade ilusória de forças heterogêneas. Esta ficção, que poderíamos
denominar “ficção de unidade”, talvez seja melhor compreendida
através de uma figura análoga à qual Nietzsche faz referência em
Humano, demasiado Humano: “o falso conhecer”.
O “falso conhecer” é definido nessa obra como uma “mitologia
filosófica escondida na linguagem” e que consiste em tomar um grupo
de fenômenos heterogêneos como se fosse um só, considerando esse
agrupamento como um fato realmente existente. Quando
diferenciamos um fato, diz Nietzsche, “não isolamos somente o fato
singular, mas também os grupos de fatos pretensamente iguais” 19. O
“falso conhecer” é o operador cultural dessa passagem do múltiplo à
unidade e da unidade ao real.
Esta “ficção de unidade” será o enquadramento que utilizaremos para
pensar o multiculturalismo. Comecemos com as seguintes
observações de um antropólogo contemporâneo:

Nas disciplinas que por diferentes motivos se ocupam do fenômeno


da etnicidade (da antropologia cultural à ciência política) a definição
de grupo étnico é ainda uma questão aberta. A divergência de
opiniões em torno da natureza objetiva ou subjetiva da fronteira
social do grupo étnico agrega-se a grande variedade dos elementos
objetivos assumidos como indicadores da natureza étnica de um
grupo humano: descendência comum, características bio-
antropológicas, língua, cultura, religião, práticas sociais, memórias e
narrações compartilhadas” (D´Andrea, 2000).

19
Humano Demasiado Humano. O andarilho e sua Sombra, § 11.

13
A definição de grupo étnico contempla “marcadores objetivos” e o
reconhecimento subjetivo de pertencer a um grupo étnico especifico,
mas cada grupo realiza uma seleção destes marcadores segundo
interesses materiais e simbólicos. Enquanto os francófonos de Quebec
se definem em termos lingüístico-culturais, as etnias da ex Iugoslávia
se reconhecem em termos de consangüinidade e descendência. Ainda
assim, trata-se da combinação de marcadores heterogêneas, como a
língua, o sangue, os ancestrais, a cor, a religiosidade, em uma única
identidade étnica e cultural. A identidade étnica emerge como um
fato unitário quando em realidade trata-se da agregação de uma
pluralidade de fenômenos. Contudo, a identidade étnica é percebida
como mais profunda e real que outras identidades gregárias,
políticas ou religiosas. A que obedece esta aderência às identidades
étnicas?
O antropólogo italiano que citamos acima, observa, de forma muito
arguta, que toda identidade étnica envolve o paradoxo de estar
“escolhendo” uma “identidade natural”. Na identidade étnica,
estaríamos escolhendo o que já somos:

A etnicidade tem por base um modo de ser não sujeito a mudanças:


a pertenência a uma etnia pode ser descoberta ou escondida,
reivindicada ou submetida, mas não pode se perder ou conquistar.
Trata-se de uma pertenência que se da de uma vez por todas e
perpetuamente disponível como recurso objetivo da definição da
própria identidade (...) ocupa uma posição mais elevada respeito de
outros tipos de identidade, porque é totalmente independente do
talento individual, do mérito e dos destinos: em soma, das
contingências que definem a vida” (D´Andreia, 2000).

A resposta de Nietzsche seria taxativa: o “valor cultural da raça não


corresponde nem correspondeu a nenhuma realidade, mas apenas

14
um sintoma de força do lado de quem coloca o valor, uma
20
simplificação que visa à vida” .
Seria essa a ficção da identidade étnica? Uma “ficção de unidade”, a
partir de uma pluralidade de fenômenos heterogêneos, considerados
“imutáveis”, “originários” e “primordiais”? Retomaremos este tema.
Vejamos agora a questão do “artista” desta ficção. Embora na obra
de Nietzsche as identidades culturais e étnicas não mereçam tanta
atenção como as identidades religiosas, existem fragmentos que
remetem à ficção cultural. Diz Nietzsche:

Como reaprendemos em cinqüenta anos! Todo o romantismo com sua


crença no “povo” foi refutado! Nada de poesia homérica como poesia
popular! Nada de divinização dos grandes poderes da natureza! Nada
de conclusões a partir do parentesco das línguas com o parentesco
das raças! Nada de “intuição intelectual” do supra-sensível! Nada de
verdade velada da religião21.

Talvez o aforismo seja uma alusão a Herder, pensador do


romantismo que vinculou o estudo da historia ao “espírito do povo”,
domínio em se preservava, através da linguagem, o folclore e a arte
popular, o mais originário das tradições nacionais (Berlin, 2009).
Porém, Nietzsche também alude ao próprio gênero romântico, que
teria dado força expressiva a essa cultura popular. De fato, o filósofo
tinha grande interesse pelos gêneros narrativos e os estilos literários,
como mostram seus estudos sobre Heine (Monteiro, 1999). De forma
que seu entendimento sobre a ficção pode ter emergido de seus
estudos no próprio campo literário.

20
Sabedoria para depois de amanhã, Verão de 1887, 2. Pressuposto dessa
hipótese, 9 [55].
21
Sabedoria para depois de amanhã, Outono de 1885, 1 [17].

15
O escritor Jorge Luis Borges, que além do romance “Ficções”,
publicou alguns ensaios sobre Nietzsche 22 , postula, em um ensaio
intitulado “A postulação da realidade”23, que as principais diferenças
entre o gênero clássico e o romântico é que o primeiro evita o
expressivo, enquanto o segundo o enfatiza. Entretanto, considera que
estas características não devem ser entendidas como meros reflexos
da sensibilidade social em um período histórico dado, como
usualmente é concebido. Para Borges, o romantismo e classicismo
são duas formas de produzir narrativas cuja verosimilitude não reside
na sua adequação a aquilo que cada época considerava como sendo a
“realidade”, mas sim por poder expressar de forma mais convincente
segundo as convenções literárias de uma época. Seguindo este
argumento, poderíamos dizer que a ficção romântica da identidade
étnica e cultural é mais verossímil que outras identidades sociais não
por ser mais “originária”, mas por ser mais expressiva segundo as
convenções narrativas de nossa época.
Esta interpretação não caberia no marco do Nietzsche de Bataille
(1979), uma vez que este autor considera a possibilidade de
identidades mais reais que outras. Para Bataille, a identidade mais
real é a imanente, entendo como imanente “estar à altura do
próximo”; “estar à altura de um proletário”, quando se fala com um
proletário; “estar à altura de um pobre”, quando se fala com uma
pessoa pobre. Nem inferiorizar, nem se subordinar, o real da
imanência é “estar à altura”. Em contraposição, as identidades
pautadas na transcendência, como a identidade religiosa teriam um
caráter fictício. A identidade mais real é aquela que se corresponde
com o ser, mas para Nietzsche, a identidade não se corresponde com
o ser, seja este concebido como verdadeiro ou como real, porque a
22
Especialmente os ensaios “La doctrina de los ciclos” e “ Algunos pareceres
de Nietzche”, incorporados à antologia organizada por Emir Rodriguez
Monegal (1981) Jorge Luis Borges. Ficcionario. Una antologia de sus textos,
México, Fondo de Cultura Econômica.
23
Também incorporado na antologia organizada por Emir Rodriguez
Monegal (1981)

16
procura pelo ser verdadeiro ou real é para Nietzsche puro niilismo. O
mundo, para Nietzsche, não é nem verdadeiro, nem real; O mundo é
o vivente, e o vivo é vontade de poder e capacidade de instaurar
valores. Assim, tal como não existe moral em si, também não
existem identidades em sim, ou identidades mais reais que outras.
Há valorações, e a própria possibilidade de que exista uma identidade
“mais real” é uma valoração. Daí que para Nietzsche exista mais
“profundidade” na busca pelo poder do falso que pelo real:

A vontade de parecer, de produzir ilusão, de enganar, a vontade de devir e


de mudar (ilusão objetiva) é considerada neste livro como mais profunda,
mais metafísica que a vontade de ver o verdadeiro, a realidade, o ser,
sendo esta última uma forma da tendência à ilusão. O ser, o verdadeiro, o
real, somente valem em si mesmos como valorações, é dizer, como
mentiras. (Deleuze, p.258 apud A Vontade de Poder, IV, 8).

Se Nietzsche concede tanta importância à arte é porque esta realiza o


poder mais alto do falso. Cria ficções a serviço da vontade de afirmar.
Ao contrario do niilismo, que está a serviço da negação. Colocando-
nos nesta perspectiva, as identidades étnicas aparecem como mais
reais não por serem imanentes, mas porque falam desde um grau
mais alto do falso e desde esse lugar conseguem ser mais
expressivas. Assim, chegamos a uma das principais ideias deste
trabalho: a identidade étnica é uma “ficção de unidade” e
multiculturalismo sua força expressiva mais acabada.
Nela afirmamos o que parece termos esquecido em nosso belo sonho
do multiculturalismo: que as identidades sociais têm uma iniludível
necessidade de ficção, e em isso reconhecemos a presença
extemporânea da filosofia de Nietzsche. A ideia também nos motiva a
novas indagações sobre a articulação entre multiculturalismo e ficção
e nesse sentido gostaríamos de concluir com um comentario. Não
deixa de ser curioso que Nietzsche tenha alimentado ficções tão

17
antitéticas sobre a diferença cultural. Como observa Schrift (1999), o
ressurgimento da xenofobia e racismo conduziu a novas associações
entre Nietzsche e a direita. Entretanto, sua crítica ao nacionalismo e a
“noção de identidade como contingência radical” o aproxima da
esquerda. Mas detenhamo-nos neste ultimo conceito de “identidade
como contingência radical”, que segundo o comentarista seria uma
apropriação da ideias nietzscheanas para se contrapor ao
“fundamentalismo”. O valor que estaria sendo colocado nesse
conceito poderia ser formulado da seguinte maneira: já que as
identidades culturais e étnicas são transitórias, façamos da
contingência uma identidade cultural. Entramos assim no ápice da
ficção, o momento designado por Nietzsche como “metafísica da
cultura“:

Como todo o nosso mundo não parece consistente e duradouro o


bastante para que se possa profetizar, sequer ao seu conteúdo de
cultura, uma subsistência eterna. Devemos até mesmo considerar
como verossímil que o próximo milênio chegue a algumas novas
idéias diante das quais os cabelos de todo aquele que vive hoje
ficariam em pé. A crença em uma metafísica da cultura não seria,
afinal, tão apavorante: mas sim, talvez, algumas conseqüências que
se poderiam tirar dela para a educação e o sistema escolar24.

Enfim, a crença na ficção não é o problema. O problema é fazer da


ficção uma ontologia.

24
Considerações Extemporâneas, III-Shopenhauer como educador,§ 6.

18
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