Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Jung cogitou seguir a carreira de arqueólogo, egiptólogo e zoólogo, mas optou pela
medicina como modo mais adequado de sustentar sua mãe recém-enviuvada e sua jovem
irmã (Bennet, 1962). Sua leitura do estudo de Krafft-Ebing sobre psicopatologia, com suas
intrigantes histórias de caso, abriu caminho para sua espe-cialização em psiquiatria (Jung,
1965). Esta oferecia um terreno seguro para todas as áreas de interpenetração de seus
interesses e um campo criativo para sua síntese. As tendências do Positivismo e do
Romantismo guerreavam na educação e no treina-mento de Jung, mas também
produziram uma síntese dialética na qual Jung podia usar os métodos mais avançados da
razão e da precisão científica para determinar a realidade do irracional. Os cientistas de
seu tempo permitiam-se explorar o irracional fora de si mesmos enquanto mantinham-se
seguros em sua própria racionalidade e objetividade científica. Foi o gênio romântico de
Jung, e a personalidade de Número Dois, que lhe permitiram compreender que os
humanos, inclusive ele mesmo, pode-riam ser ao mesmo tempo "ocidentais, modernos,
seculares, civilizados e sãos - mas também primitivos, arcaicos, míticos e insanos" (Roscher
e Hillman, 1972, p. ix).
Na época que Jung estava formulando suas próprias teorias, a metodologia positivista
uniu-se à busca romântica de novos mundos para ocasionar um extraordi-nário
florescimento na arte e na ciência alemãs que tem sido comparado à Idade de Ouro da
filosofia grega (Dry, 1961). A Alemanha tornou-se o centro de uma erupção de novas ideias
que alimentaram a busca das origens humanas na arqueologia e na antropologia; estas
descobertas ocorreram em paralelo com a coleta e a reinterpretação de épicos e contos
populares por pessoas como Wagner e os irmãos Grimm. Ao final do século XIX, os
elementos mitopoéticos eróticos e dramáticos do romantismo tor-naram-se temas da
literatura popular e disseminaram ainda mais o fascínio Romântico pelo irracional e pêlos
estados mentais alterados. Os trabalhos mais duradouros inspirados pelo romantismo
foram escritos por Hugo, Balzac, Dickens, Põe, Dostoievski, Maupassant, Nietzsche, Wilde,
R. L. Stevenson, George du Maurier e Proust. Como estudante suíço, Jung falava e lia
alemão, francês e inglês e assim tinha acesso a estes escritores bem como à literatura
popular de seu próprio país.
O final do século XIX e o início do século XX trouxeram consigo uma era de criatividade
sem precedentes. O entusiasmo de Jung ecoava a fermentação que reper-cutia na filosofia
e na ciência que ele estava estudando, nos textos psicológicos mais recentes que
descobriu, nos romances que estava lendo, nas conversas com amigos, e ao descobrir-se
um dos líderes da síntese do Empirismo e do Romantismo. O brilhantismo e a erudição de
Jung precisam ser apreciados por seu papel vital na criação da psicologia analítica. Muito
do que era novo e excitante então passou a integrar o cânone junguiano. Talvez o
virtuosismo pioneiro de Jung sobreviva melhor na série de seminários por ele conduzidos
entre 1925 e 1939, nos quais ele deleita o público com notícias dos novos mundos da
psique que está descobrindo e começando a mapear, com os tesouros psicológicos que
descobriu, e com os paralelos interculturais impressionantes presentes em toda a parte
(Douglas, a ser publicado).
Schopenhauer era o herói na época de estudos de Jung; sua angst pessimista re-percutiu
no próprio Romantismo de Jung (Jung, 1965 e CWA). Esta angst Romântica fez com que
ambos enfocassem o irracional na psicologia humana, bem como o papel desempenhado
pela vontade humana, pela repressão e, num mundo civilizado, o poder ainda selvagem
dos instintos. Schopenhauer rejeitou o dualismo cartesiano em favor de uma visão de
mundo romântica unificada, embora para ele esta unidade fosse vivenciada por meio de
duas polaridades: "vontade" cega ou "representação". Seguindo Kant, Schopenhauer
acreditava na realidade absoluta do mal. Ele salientava a importância do imaginai, dos
sonhos e do inconsciente em geral. Schopenhauer sintetizou e elucidou a visão
neoplatônica dos filósofos românticos dos padrões primordiais básicos que, por sua vez,
inspiraram a teoria de Jung dos arquétipos. A ideia de Schopenhauer das quatro funções,
com o pensamento e o sentimento polarizados, e a introversão revalorizada, influenciaram
a teoria de Jung da tipologia, assim como o fez a tipologia (CW6) mais abrangente dos
poetas e seus poemas de seu antepassado comum Friedrich Schiller (1759/1805). Tanto
Schopenhauer quanto Jung estavam profundamente envolvidos com questões éticas e
morais; ambos estudaram filosofia oriental; ambos compartilhavam a crença na
possibilidade e na necessidade da individuação.
A relação entre razão e imagem percorreu uma longa trajetória desde os primór-dios do
pensamento grego. Ao ingressarmos no século XIX, uma relação mais tran-quila entre os
dois começa a ser estabelecida. A libertação da imagem efetuada por Kant ocasionou a
geração de novos movimentos poderosos na arte e na filosofia no século XIX. Na
Inglaterra, o novo Romantismo celebrou a libertação da imagem das garras da razão nas
obras de Blake, Shelley, Byron, Coleridge e Keats. A celebração também prosseguiu na
França pêlos trabalhos de Baudelaire, Hugo e Nerval. E na filosofia, o idealismo alemão se
desenvolveu nos escritos de Fichte e Schelling com foco em nossos recém-descobertos
poderes criativos de formação de imagens. Cada movimento voltava a enfatizar a
importância da imagem na condição humana, mas como em muitos movimentos novos, a
ênfase foi longe demais. Confrontada com a revolução industrial e sua devastação da
natureza, a mecanização da sociedade por meio do desenvolvimento de tecnologias e a
exploração do indivíduo pelo capitalismo desenfreado, a visão idealista do humanismo
Romântico deu lugar a uma ideia mais moderada e realista dos poderes sintéticos da
imagem nas concepções existenciais de Kierkegaard e Nietzsche.