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O romantismo, ao invés de concentrar-se nos objetivos particulares, voltava-se para o

irracional, para a realidade interior individual e para a exploração do desconhecido e


enigmático, quer no mito, nos domínios antigos, nos países e nos povos exóticos, jias
religiões herméticas ou nos estados alterados da mente (Ellenberger, 1970; Gay, 1986). À
filosofia romântica evitava o linear em favor do movimento circular, de contemplar um
objeto de muitos ângulos e perspectivas diferentes. O romantismo preferia os ideais
platônicos às listas aristotélicas, e concentrava-se nas formas ideais imutáveis por trás do
mundo racional mais do que no movimento mundano ou no acúmulo de dados.

Historicamente, o Romantismo pode ser remontado aos pré-socráticos Pitágoras, Heráclito


e Parmênides, passando por Platão e chegando ao Romantismo dos primór-dios do século
XIX e seu reflorescimento no final daquele século. Platão imaginou que haviam certos
padrões primordiais (que Jung posteriormente chamaria de arqué-tipos) dos quais os seres
humanos são mais ou menos sombras imperfeitas; entre estes padrões encontrava-se um
ser humano original, completo e bissexual. Na ju-ventude de Jung, este ideal de
completude original repetia-se na crença romântica na unidade de toda a natureza. No
entanto, ao mesmo tempo, os românticos sentiam profundamente seu próprio
afastamento da natureza e ansiavam pelo ideal. Desta forma, o Romantismo deu voz a um
anseio transcendental por Édens perdidos, pelo inconsciente, pelo profundo, pelas
emoções e pela simplicidade que, por sua vez, levaram ao estudo do mundo natural
exterior e da alma interior.

Com a ascensão do Romantismo, os homens começaram não apenas a explorar


continentes desconhecidos e a si mesmos, mas também a olhar e reavaliar o que
consideravam seu oposto - as mulheres, que para eles eram dotadas de inconsciência,
irracionalidade, profundidade e emoções proibidas à identidade racional "masculi-na".
Alegando a objetividade da ciência Positivista, muitos tendiam a cultivar teorias que, ao
invés disso, se baseavam no Romantismo sexual. Na imaginação dos cientistas e
romancistas, as mulheres eram o "outro" misterioso e fascinante, um feminino cuja
vulnerabilidade e fragilidade romântica o masculino não podia permitir em si mesmo; ao
mesmo tempo, pensava-se que as mulheres possuíam um poder psíquico misterioso, um
poder muitas vezes reduzido ao negativo e ao erótico. Õ real aumento de poder das
mulheres e suas demandas por emancipação durante a segunda metade do século XIX
serviram para aumentar a ambivalência e a ansiedade dos homens. As mulheres na Europa
e nos Estados Unidos estavam iniciando uma luta conjunta para conquistar educação e
independência (não havia mulheres estudando nas universidades suíças até a década de
1890). Como estudante de medicina e filósofo, Jung foi contaminado por esta espécie
particular de imaginação Romântica e suas ilusões sobre as mulheres. Como seus colegas
Românticos, Jung permaneceu profundamente atraído pelo feminino, ainda que
igualmente ambivalente em relação a ele. Ele reconheceu seu próprio lado feminino,
estudou a ele e as mulheres a sua volta através das lentes embaçadas do Romantismo e
formulou suas ideias sobre as mulheres de maneira correspondente (Ehrenreich e English,
1979, 1979; Gilbert e Gubar, 1980; Gay, 1984, 1986; Douglas, 1990, 1993).

Jung cogitou seguir a carreira de arqueólogo, egiptólogo e zoólogo, mas optou pela
medicina como modo mais adequado de sustentar sua mãe recém-enviuvada e sua jovem
irmã (Bennet, 1962). Sua leitura do estudo de Krafft-Ebing sobre psicopatologia, com suas
intrigantes histórias de caso, abriu caminho para sua espe-cialização em psiquiatria (Jung,
1965). Esta oferecia um terreno seguro para todas as áreas de interpenetração de seus
interesses e um campo criativo para sua síntese. As tendências do Positivismo e do
Romantismo guerreavam na educação e no treina-mento de Jung, mas também
produziram uma síntese dialética na qual Jung podia usar os métodos mais avançados da
razão e da precisão científica para determinar a realidade do irracional. Os cientistas de
seu tempo permitiam-se explorar o irracional fora de si mesmos enquanto mantinham-se
seguros em sua própria racionalidade e objetividade científica. Foi o gênio romântico de
Jung, e a personalidade de Número Dois, que lhe permitiram compreender que os
humanos, inclusive ele mesmo, pode-riam ser ao mesmo tempo "ocidentais, modernos,
seculares, civilizados e sãos - mas também primitivos, arcaicos, míticos e insanos" (Roscher
e Hillman, 1972, p. ix).

Na época que Jung estava formulando suas próprias teorias, a metodologia positivista
uniu-se à busca romântica de novos mundos para ocasionar um extraordi-nário
florescimento na arte e na ciência alemãs que tem sido comparado à Idade de Ouro da
filosofia grega (Dry, 1961). A Alemanha tornou-se o centro de uma erupção de novas ideias
que alimentaram a busca das origens humanas na arqueologia e na antropologia; estas
descobertas ocorreram em paralelo com a coleta e a reinterpretação de épicos e contos
populares por pessoas como Wagner e os irmãos Grimm. Ao final do século XIX, os
elementos mitopoéticos eróticos e dramáticos do romantismo tor-naram-se temas da
literatura popular e disseminaram ainda mais o fascínio Romântico pelo irracional e pêlos
estados mentais alterados. Os trabalhos mais duradouros inspirados pelo romantismo
foram escritos por Hugo, Balzac, Dickens, Põe, Dostoievski, Maupassant, Nietzsche, Wilde,
R. L. Stevenson, George du Maurier e Proust. Como estudante suíço, Jung falava e lia
alemão, francês e inglês e assim tinha acesso a estes escritores bem como à literatura
popular de seu próprio país.

O final do século XIX e o início do século XX trouxeram consigo uma era de criatividade
sem precedentes. O entusiasmo de Jung ecoava a fermentação que reper-cutia na filosofia
e na ciência que ele estava estudando, nos textos psicológicos mais recentes que
descobriu, nos romances que estava lendo, nas conversas com amigos, e ao descobrir-se
um dos líderes da síntese do Empirismo e do Romantismo. O brilhantismo e a erudição de
Jung precisam ser apreciados por seu papel vital na criação da psicologia analítica. Muito
do que era novo e excitante então passou a integrar o cânone junguiano. Talvez o
virtuosismo pioneiro de Jung sobreviva melhor na série de seminários por ele conduzidos
entre 1925 e 1939, nos quais ele deleita o público com notícias dos novos mundos da
psique que está descobrindo e começando a mapear, com os tesouros psicológicos que
descobriu, e com os paralelos interculturais impressionantes presentes em toda a parte
(Douglas, a ser publicado).

Schopenhauer era o herói na época de estudos de Jung; sua angst pessimista re-percutiu
no próprio Romantismo de Jung (Jung, 1965 e CWA). Esta angst Romântica fez com que
ambos enfocassem o irracional na psicologia humana, bem como o papel desempenhado
pela vontade humana, pela repressão e, num mundo civilizado, o poder ainda selvagem
dos instintos. Schopenhauer rejeitou o dualismo cartesiano em favor de uma visão de
mundo romântica unificada, embora para ele esta unidade fosse vivenciada por meio de
duas polaridades: "vontade" cega ou "representação". Seguindo Kant, Schopenhauer
acreditava na realidade absoluta do mal. Ele salientava a importância do imaginai, dos
sonhos e do inconsciente em geral. Schopenhauer sintetizou e elucidou a visão
neoplatônica dos filósofos românticos dos padrões primordiais básicos que, por sua vez,
inspiraram a teoria de Jung dos arquétipos. A ideia de Schopenhauer das quatro funções,
com o pensamento e o sentimento polarizados, e a introversão revalorizada, influenciaram
a teoria de Jung da tipologia, assim como o fez a tipologia (CW6) mais abrangente dos
poetas e seus poemas de seu antepassado comum Friedrich Schiller (1759/1805). Tanto
Schopenhauer quanto Jung estavam profundamente envolvidos com questões éticas e
morais; ambos estudaram filosofia oriental; ambos compartilhavam a crença na
possibilidade e na necessidade da individuação.

A relação entre razão e imagem percorreu uma longa trajetória desde os primór-dios do
pensamento grego. Ao ingressarmos no século XIX, uma relação mais tran-quila entre os
dois começa a ser estabelecida. A libertação da imagem efetuada por Kant ocasionou a
geração de novos movimentos poderosos na arte e na filosofia no século XIX. Na
Inglaterra, o novo Romantismo celebrou a libertação da imagem das garras da razão nas
obras de Blake, Shelley, Byron, Coleridge e Keats. A celebração também prosseguiu na
França pêlos trabalhos de Baudelaire, Hugo e Nerval. E na filosofia, o idealismo alemão se
desenvolveu nos escritos de Fichte e Schelling com foco em nossos recém-descobertos
poderes criativos de formação de imagens. Cada movimento voltava a enfatizar a
importância da imagem na condição humana, mas como em muitos movimentos novos, a
ênfase foi longe demais. Confrontada com a revolução industrial e sua devastação da
natureza, a mecanização da sociedade por meio do desenvolvimento de tecnologias e a
exploração do indivíduo pelo capitalismo desenfreado, a visão idealista do humanismo
Romântico deu lugar a uma ideia mais moderada e realista dos poderes sintéticos da
imagem nas concepções existenciais de Kierkegaard e Nietzsche.

A psicologia imaginai convoca as pessoas a ocuparem o mundo e assumirem


responsabilidade social e política. Um dos ensaios mais importantes que Hillman escreveu
aborda uma questão social e política aparentemente intratável: a tendencio-sidade da
supremacia branca. Hillman (1986) afirma que dilemas supostamente oriundos de
"intolerância étnica", embora não sejam impossíveis de mudar, são "funda-mentalmente
difíceis de modificar" porque a própria ideia de supremacia é "arque-tipicamente
intrínseca à própria brancura" (p. 29). Ele cita indícios etnográficos da África fornecidos
pelo antropólogo Victor Turner para demonstrar transculturalmente que não apenas os
brancos mas também os negros tendem a ver as cores "branca" e "preta" como,
respectivamente, superior (ou boa) e inferior (ou má). Em On human diversity (1993), o
eminente crítico cultural Tzvetan Todorov também sugere que o racismo pode persistir,
em parte, "por motivos ligados ao simbolismo universal: os pares branco-preto, claro-
escuro, dia-noite parecem existir e funcionar em todas as culturas, geralmente preferindo-
se o primeiro termo de cada um dos pares" (p. 95). Tanto Hillman quanto Todorov
indagam por que o racismo parece tão obstinadamente resistente às tentativas sociais e
políticas sérias para erradicá-lo, oferecendo uma explicação semelhante: a projeção
inconsciente de um fator arquetípico, ou universal - uma avaliação em torno da cor
(branco-luz-dia em oposição à preto-escuro-noite) nas pessoas. Segundo Hillman, o
problema é que os racistas são literalistas que irra-cionalmente confundem realidade física
com realidade psíquica e mal-usam a oposição de cores branco-preto para propósitos
prejudiciais e discriminatórios. Para efeti-vamente abordar esta dificuldade e melhorar a
situação do racismo, ele alega que será necessário re-visionar (desliteralizar ou
metaforizar) a lógica opositiva espúria utilizada pêlos partidários da supremacia branca.
Desta perspectiva, o racismo é um fracasso da imaginação - um exemplo especialmente
pernicioso da falácia do literalismo. Numa entrevista com Adams (1992b), Robert Bosnak,
outro psicólogo imaginai, discute a negritude no contexto dos opostos branco-preto, claro-
escuro, dia-noite. Bosnak distingue entre o que chama de imagens da negritude "africana"
e imagens da negrura de "Tânatos". Ele afirma: "A negrura de Tânatos não tem nada a ver
com raça. A noite, o medo e a morte e também o romantismo e o amor - todas as coisas
que se relacionam com a noite - são transculturais. Algo na noite causa alguma coisa nos
seres humanos, deixa-nos com medo, faz-nos imaginar. Este é um outro tipo de preto,
diferente do preto racial. Figuras negras ligadas à morte irão aparecer nos sonhos das
pessoas de todos os tipos de raças diferentes" (p. 24). Adams aborda a questão do racismo
no sentido branco-preto em The multicultural imagination: "race", color, andthe
unconscious (1996).

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