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Tipos de testes: características e


aplicabilidade
Adriana Jung Serafini
Carine da Silva Budzyn
Tainá Ludmila Ramos Fonseca

Apresentação
A proposta deste capítulo é apresentar aspectos do universo dos testes psicológicos
no que se refere a sua definição, classificação e aplicabilidade. Para tanto, optou-se por
iniciá-lo com a definição de testes psicológicos e, em seguida, por apresentar as suas
características técnicas essenciais. Decidiu-se, para fins didáticos, por diferenciar os
testes psicológicos em dois tipos – psicométricos e projetivos – forma de distinção usual
no ensino das disciplinas de Avaliação Psicológica no país (Alchieri & Bandeira, 2002).
Após discorrer-se sobre os aspectos teóricos e descritivos relacionados aos testes
psicológicos, será demonstrada, brevemente, como se configura a testagem psicológica
nas mais diferentes áreas da Psicologia. Por fim, busca-se refletir as particularidades da
área, e as questões práticas atuais que têm permeado as discussões em relação ao uso
dos instrumentos, tais como: acesso à informação, aspectos éticos do uso de testes e a
importância da formação.

O que são testes psicológicos?


Pode-se definir teste psicológico como um instrumento padronizado que busca
fornecer amostras do comportamento ou de funções cognitivas, com o objetivo de
descrever e/ou mensurar processos psicológicos em áreas como emoção, cognição,
motivação, personalidade, memória, percepção, entre outras (Conselho Federal de
Psicologia – CFP, 2012; Hogan, 2006). De acordo com Anastasi (2011), os achados de
um teste psicológico devem estar relacionados a características, traços ou ao
desempenho do sujeito em outras situações reais de vida. Por exemplo, uma pessoa que
apresente resultados favoráveis em um teste de desempenho escolar deve demonstrar
também um bom rendimento acadêmico.
O estudo dos testes psicológicos alcança importância por envolver material que é de
uso exclusivo do profissional psicólogo (CFP, 2005). Para tanto, destaca-se a
necessidade do psicólogo estar capacitado para realizar a escolha dos instrumentos,
métodos e técnicas, durante sua atuação profissional, mostrando-se atento para que esta
escolha envolva instrumentos com qualidade técnica e científica reconhecida, e para
que o teste não encerre o resultado em si mesmo, mas seja avaliado no contexto
processual da avaliação psicológica (Chiodi & Wechsler, 2008).

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Ainda, é fundamental que alguns aspectos sejam discutidos, como a necessidade da
preservação das informações dos testes. Segundo Anastasi (2011), salienta-se que o
acesso do público leigo a informações sigilosas do teste pode trazer malefícios na
medida em que prejudicam os resultados do instrumento e, consequentemente, o
avaliando, já que os dados obtidos estarão enviesados. Portanto, é necessário que os
testes e seus dados não sejam divulgados pelos psicólogos a pessoas de outras áreas de
atuação ou que sejam disponibilizadas em meios de informação como a internet.
Para que se alcancem os objetivos esperados relativos aos testes psicológicos, deve-
se estar atento a parâmetros técnicos, que serão discutidos na próxima seção, e a
compreensão do teste e do sujeito. Acrescenta-se a isso, a importância do controle das
condições de aplicação e do estabelecimento de uma adequada relação entre avaliador e
avaliando (Anastasi, 2011).

Características técnicas necessárias para um teste psicológico


Entre as prerrogativas para que um teste psicológico possa ser utilizado e aprovado,
existem alguns parâmetros chamados de características psicométricas, as quais ele deve
satisfazer. Essas incluem as evidências de validade e de fidedignidade, a padronização e
a normatização.
• Precisão ou fidedignidade: a precisão de um teste é a consistência dos resultados
obtidos pelo sujeito, ou seja, o grau em que os achados se mantêm em diferentes
momentos de aplicação, utilizando o mesmo teste; ou em uma mesma ocasião,
utilizando testes equivalentes (Anastasi, 2011; Hogan, 2006; Pasquali, 2009).
• Validade: a validade é o grau em que o teste de fato avalia o que se propõe medir,
ou seja, demonstra quão congruente o resultado do teste é com a propriedade que
ele se propõe a mensurar ou avaliar (Anastasi, 2011; Hogan, 2006; Pasquali, 2009).
Conforme a American Educational Association, American Psychological Association,
National Council on Measurement in Education (1999) a validade relaciona-se ao
grau em que evidência e teoria apoiam as interpretações dos resultados dos testes de
acordo com os objetivos destes, ou seja, em conformidade àquilo que eles buscam
avaliar. A validade, então, poderia ser compreendida como um conjunto de
evidências que dariam garantia científica sobre as interpretações dos escores dos
testes.
• Padronização: A padronização refere-se aos cuidados e a preparação necessária
que o psicólogo deve ter antes e durante a aplicação de um instrumento com
evidências de validade. Ela envolve desde as instruções para a utilização de cada
instrumento (lista dos materiais empregados, limites de tempo, demonstrações
preliminares, formas de responder perguntas dos sujeitos em testagem), assim como
questões relativas ao ambiente ideal de testagem (silencioso, ventilado, iluminado),
características do avaliador (conhecimento e treinamento para utilização do teste) e
do próprio testando (condições adequadas de saúde, compreensão das instruções
dadas) (Anastasi, 2011; Hogan, 2006; Pasquali, 2010).
• Normatização: A normatização diz respeito à interpretação dos resultados, ou

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seja, à forma como os resultados de um teste devem ser compreendidos. Entende-se
que os resultados brutos de um teste só irão adquirir sentido quando
contextualizados. Por exemplo, em um teste de inteligência que possui normas para
interpretação dos escores por faixa etária, espera-se que um mesmo escore bruto em
crianças de faixas etárias diferentes seja interpretado também de forma diversa.
Ressalta-se ainda, que as normas têm como objetivo a uniformidade de processo na
avaliação do teste, ou seja, o estabelecimento de parâmetros de avaliação,
permitindo que se possa comparar o resultado de um sujeito com o de outro
(Anastasi, 2011; Hogan, 2006; Pasquali, 2010).
As informações técnicas são essenciais na escolha do teste a ser utilizado. Se um
instrumento não possui evidências de validade, por exemplo, não há segurança de que
as interpretações realizadas sobre os dados ou características psicológicas obtidas pelas
suas respostas sejam legítimas. Desse modo, essas e todas as outras informações do
instrumento devem estar presentes no seu manual, de modo que sua consulta é
indispensável. Com fins de avaliar as condições técnicas mínimas dos manuais, desde
2001, quando foi publicada a Resolução CFP n. 025/2001, o uso dos testes psicológicos
no Brasil passou a ser regulado pelo Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos
(SATEPSI). A avaliação da qualidade do manual ocorre em relação a quatro critérios
amplos: fundamentação teórica, evidências de fidedignidade e validade e sistema
interpretativo (Nunes & Primi, 2010; Nunes, 2011; Porto, Primi & Alchieri, 2004).
É importante ressaltar, no entanto, que embora o manual possa indicar ou sugerir
os contextos e os propósitos aos quais o instrumento pode ser aplicado, compete ao
psicólogo a responsabilidade pela decisão final sobre a forma de utilização do
instrumento (Hutz, 2011). Ainda que a lista de testes aprovados pelo SATEPSI
represente um guia com relação à validade desses instrumentos (lista permanentemente
atualizada no site do CFP – http://satepsi.cfp.org.br), apenas a sua aprovação não indica
que ele possa ser aplicado com qualquer propósito ou contexto. É necessário que o
avaliador leia cuidadosamente o manual e as pesquisas envolvidas na sua construção
para decidir se pode ou não utilizá-lo em determinada situação.

Tipos de testes psicológicos


Não existe um modelo único de classificação dos testes, sendo assim, muitos
critérios diferentes são utilizados para distinguir entre os seus variados tipos, como por
exemplo, o tipo de instruções que definem o modo de resposta (situação estímulo,
modo de apurar a resposta etc.). Anastasi (2011) classifica os testes em testes de
inteligência geral, testes de aptidões específicas e testes de personalidade, incluindo
subdivisões dentro dessas três divisões principais. Pasquali (2010), por sua vez, os
divide em testes referentes a critério, testes referentes a construto, testes referentes a
conteúdo, testes comportamentais, levantamentos (survey) e novas tecnologias. Esse
mesmo autor também apresenta outras formas de divisão como: psicométricos versus
impressionistas/projetivos, segundo a forma de resposta e segundo o construto que
medem (Pasquali, 2010). À vista disso, outros autores utilizam as classificações que
julgam adequadas (Hogan, 2006; Urbina, 2007).

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Neste capítulo, a divisão classificatória reunirá os testes de acordo com sua
objetividade e padronização. Serão consideradas duas categorias: os testes
psicométricos e os projetivos, compreendendo os projetivos como uma categoria ampla
que engloba diversas subcategorias como os testes expressivos, estruturais e temáticos,
já que todos esses tipos trabalham com o conceito de projeção (Pinto, 2014). Pasquali
(2010) argumenta que essa dicotomização quanto aos tipos de testes é fundamental
para a escolha do instrumento, pois auxilia o psicólogo a identificar se o seu objetivo é
alcançado utilizando instrumentos psicométricos, projetivos ou ambos.
Os testes psicométricos buscam mensurar, através de critérios objetivos (concretos e
observáveis), o atributo ou construto que estão avaliando (p. ex., quociente de
inteligência ou nível de depressão). Esse tipo de instrumento envolve tarefas
padronizadas e foca-se muito mais no produto, ou seja, no resultado final, do que no
processo ao longo da produção de respostas do sujeito. A análise dos resultados se
utiliza de formas como correção mecânica e interpretação estatística (Pasquali, 2001).
Eles são estruturados na forma de inventários, escalas, entre outros. Como exemplo,
pode-se citar as Escalas Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS-III) (Wechsler,
2004) ou a versão para Crianças (Escalas Wechsler de Inteligência para Crianças –
WISC-IV) (Wechsler, 2013), que avaliam diferentes funções cognitivas. Testes para
investigação da personalidade como a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) (Nunes,
Hutz & Nunes, 2010) ou ajustamento psicológico, como as Escalas Beck (Cunha,
2001), também podem ser citadas dentro desse espectro de materiais psicométricos.
Já nos testes projetivos, os critérios para interpretar e/ou caracterizar determinado
construto são subjetivos (dinâmicos e não observáveis) (Bandeira, Trentini, Winck &
Lieberknetch, 2006), envolvendo tarefas pouco estruturadas. Tanto a apuração das
respostas quanto sua interpretação mostra-se mais sujeita à subjetividade do avaliador.
Por tal razão, é imprescindível um profundo conhecimento do instrumento por parte
deste, e da teoria que o embasa. Durante a avaliação também são levados em conta
comportamentos exibidos durante a testagem, abrangendo todo o espectro de
respostas, inclusive as não verbais (Bandeira et al., 2006; Pasquali, 2010). Estes podem
envolver tarefas gráficas, como por exemplo, o H-T-P: Casa-Árvore-Pessoa (Buck,
2003), que através da análise dos desenhos de uma casa, árvore e pessoa procura obter
informação de como a pessoa experiencia sua individualidade em relação aos outros e
ao ambiente do lar. Outro tipo de técnica projetiva é aquela que envolve imagens onde
a pessoa, através da percepção, apercepção e projeção, elabora respostas que ao serem
interpretadas trazem dados tanto sobre a estrutura quanto a dinâmica de sua
personalidade. Entre essas técnicas pode-se citar o Método de Rorschach – Sistema
Compreensivo de Exner (Exner, 1999) e o Teste de Apercepção Temática para Adultos
(TAT) (Murray, 2005) ou a versão para Crianças (Teste de Apercepção Infantil –
Versão com Animais – CAT-A) (Bellak & Bellak, 1991).
A Tabela 1 faz uma comparação entre os testes psicométricos e projetivos, e foi
construída a partir de uma compilação de informações fundamentadas propostas por
Anastasi (2011), Bandeira et al. (2006), Hogan (2006), Pasquali (2010) e Tavares
(2003). Ressalta-se que essa construção dicotômica não se presta a descrever a

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complexa diferença entre os testes, mas tem por objetivo apresentar suas diferenças
didaticamente. É importante lembrar que alguns projetivos também possuem um
caráter psicométrico na análise de seus dados como, por exemplo, o Rorschach –
Sistema Compreensivo de Exner (Exner, 1999).

Tabela 1 Comparação entre os instrumentos psicométricos e projetivos

A aplicação dos instrumentos psicológicos pode ocorrer de maneira individual ou


coletiva. A aplicação individual acontece em situações de avaliação psicológica em
diferentes contextos. Um exemplo é o âmbito clínico, no qual, através de um
psicodiagnóstico, é possível avaliar o funcionamento cognitivo, emocional e
comportamental do paciente (Cunha, 2000). Na área hospitalar também é comum que
se realizem investigações individuais, como por exemplo, para análise das características
de personalidade ou condições emocionais do paciente no pré-operatório (Oliveira &
Yoshida, 2009). Coletivamente, a aplicação surge em processos onde o avaliador
administra, simultaneamente, determinados instrumentos a um grupo de pessoas. Essa
pode ocorrer em contextos de pesquisa, seleção de pessoas, avaliação da aptidão para
dirigir, entre outras.
Esses instrumentos podem ser apresentados na forma impressa (lápis e papel) ou
informatizada, sendo que esta última forma de aplicação encontra-se avançando no
país. Estudos estão sendo realizados a fim de investigar as medidas psicométricas de
instrumentos psicológicos computadorizados, como o de Joly e colaboradores (2005)
que buscou construir o Sistema de Avaliação de Testes Informatizados (SAPI),
objetivando avaliar e caracterizar esses instrumentos. Entre as vantagens dos testes

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informatizados pode-se citar o fato de sua aplicação mostrar-se prática, econômica e
confiável, pois dispensa o uso de lápis e papel (Joly & Reppold, 2010). Outros
benefícios são: possibilidade de gerar estímulos mais complexos na tela do que seria
possível no papel ou em outros materiais físicos, a obtenção de variáveis específicas
(tais como tempo de reação em segundos), e a possibilidade de o examinador
permanecer livre para avaliação qualitativa do comportamento durante a execução da
tarefa (Coutinho, Mattos, Araújo & Duchesne, 2007). Por outro lado, a dificuldade de
acesso ao computador ou internet, a não familiaridade do avaliando com a tecnologia,
e a falta de auxílio do aplicador mediante possíveis dificuldades do avaliando na
interpretação dos itens, constituem desvantagens no uso, uma vez que são aspectos que
podem influenciar no resultado final (Andriola, 2003; Vendramini, Bueno & Barrelin,
2011). Existem também testes impressos que contam com levantamento informatizado,
como o WISC-IV e a BFP. Nesses casos, o recurso acaba proporcionando uma
mensuração mais precisa de seus resultados.

Contextos de uso dos testes psicológicos


Apesar de existirem muitos contextos nos quais o psicólogo pode atuar e lançar mão
dos testes psicológicos em sua práxis, dez são considerados no processo de avaliação do
SATEPSI, a saber: Psicologia Clínica, Psicologia da Saúde e/ou Hospitalar, Psicologia
Escolar e Educacional, Neuropsicologia, Psicologia Forense, Psicologia do Trabalho e
das Organizações, Psicologia do Esporte, Psicologia Social/Comunitária, Psicologia do
Trânsito, Orientação e/ou Aconselhamento vocacional e/ou Profissional (Nunes, 2011).
A Tabela 2 apresenta, de forma sintetizada, um panorama da avaliação psicológica
nesses variados contextos:
A seguir, será discutido, com mais detalhes, como ocorre a avaliação psicológica e a
utilização de testes psicológicos em cada um dos contextos. É importante destacar, no
entanto, que esta divisão em áreas é didática, uma vez que o que ocorre na prática é a
intersecção entre os diversos contextos.

Psicologia Clínica
No âmbito clínico, uma das práticas mais comuns da avaliação psicológica é o
psicodiagnóstico. Este pode ter como foco analisar diversas questões como o
funcionamento cognitivo, emocional e/ou comportamental do sujeito, incluindo seus
aspectos constitutivos, patológicos e adaptativos. O processo psicodiagnóstico tem
como fim esclarecimento do diagnóstico ou funcionamento do sujeito e a realização das
indicações terapêuticas que podem gerar encaminhamentos para outros profissionais
(Arzeno, 2003; Cunha, 2000; Ocampo, Arzeno & Piccolo, 2005). Ao longo do
processo psicodiagnóstico, o psicólogo utiliza diversas técnicas (sendo muito empregada
a aplicação de testes psicológicos) para a análise de diferentes áreas como a
identificação de forças e fraquezas na cognição, na personalidade, nos aspectos
emocionais e comportamentais do paciente (Cunha, 2000). Desse modo, o
psicodiagnóstico ainda pode auxiliar de forma objetiva no estabelecimento de um plano

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